Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
287/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
RECURSO
VALOR REAL E CORRENTE DOS BENS
Data do Acordão: 05/09/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 26.º, N.º 152.º N.º 1 E 64º, Nº 1, DO CE99 E ARTIGO 657º, DO CPC;
Sumário: 1. As alegações, a que alude o artigo 64º, nº 1, do CE99, têm a mesma natureza das alegações sobre o aspecto jurídico da causa, contempladas no artigo 657º, do CPC, sendo certo que a delimitação do âmbito do recurso do acórdão arbitral se fixa antes pelas alegações inerentes ao requerimento de interposição do recurso, a que se refere o artigo 52º, nº 1, do CE99.
2. Diversamente do que acontece com o nº 1, do artigo 26º, do CE99, que tem como padrão o valor real e corrente resultante do aproveitamento económico normal do solo, o respectivo nº 12 tem como critério orientador da expressão patrimonial do solo, que o princípio do justo valor exige, um valor médio, referido às construções existentes ou o valor das construções que seja possível edificar no futuro imediato, numa área envolvente bem determinada, no âmbito das particularidades constantes desta situação especial, que contende com o solo expropriado para zonas verdes, de lazer ou para fins de instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos, com exclusão dos acréscimos resultantes dos critérios e índices urbanísticos de construção, consagrados nos nºs 6 e 7, do mesmo normativo legal.

3. Assim, nunca o valor dos solos classificados para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos, para efeitos de expropriação, pode ser superior aquele que decorre de um aproveitamento economicamente normal, correspondente ao valor real e corrente, numa situação normal de mercado, como acontece com os solos aptos para a construção, sem restrições.

4. Constituindo a obrigação de indemnizar, a cargo da expropriante, uma dívida de valor e não uma obrigação pecuniária, propriamente dita, deve o Tribunal, ao fixar o quantitativo necessário para ressarcir o lesado, tomar em consideração a depreciação monetária, porquanto só desta forma lhe será concedida uma soma susceptível de reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

Nos presentes autos com processo especial de expropriação judicial litigiosa, por utilidade pública urgente, em que é expropriante a A... e expropriados B... e esposa, C..., residentes na Rua Francisco dos Prazeres, nº 25, 1º, na Guarda, veio a primeira entidade expropriar “o prédio misto, denominado Quinta do Alarcão, sito na Quinta do Alarcão, composto de terra de cultura com fruteiras, mata, pastagem e casa de r/chão, 1° e 2° andares, com a área coberta de 100 m2 e descoberta de 9989 m2, a confrontar do Norte, Sul, Nascente e Poente com cami-nhos e inscrito na matriz predial urbana, sob o art° nº 42, e rústica sob o artº nº 1567, e descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda, freguesia da Sé, sob o n° 1758/19920128".
Os expropriados interpuseram recurso do acórdão arbitral, que fixou em 311665000$00 o montante indemnizatório a pagar pela expropriante.
No recurso da decisão arbitral, os expropriados concluem com a formulação de um pedido indemnizatório, no montante de 1063000000$00.
A sentença julgou o recurso, parcialmente, procedente por provado, e, em consequência, fixou o valor da indemnização que a expropriante tem a pagar aos expropriados, no quantitativo de 1807522,16 euros.
Desta sentença, expropriante e expropriados interpuseram recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

A EXPROPRIANTE:

1ª - Nas alegações apresentadas pela recorrente, nos termos do art. 64° do Cód. Exp., foi invocado e formulado o pedido de anulação da avaliação e de todos os actos e termos subsequentes - cfr. conclusão x) e pedido -, não tendo, no entanto, a douta sentença impugnada conhecido do mesmo, sendo que, por isso, tal decisão é nula nos termos do disposto no art. 668°, n° 1, al. d), 1a parte, do CPC.
2ª - Quer a douta sentença recorrida, quer os srs. peritos, consideraram que o arvoredo existente na parcela expropriada está classificado de interesse público e que tais árvores inviabilizam a ocupação com construção da parte da parcela que confina com a Av. Alexandre Herculano, tendo, no entanto, considerado tal parcela em toda a sua extensão como solo apto para a construção.
3ª - De acordo com o disposto no art. 1o, § único, do DL n° 28468, de 15.02.38, o arranjo de espécies vegetais classificadas de interesse público, como é o caso, fica sujeito a autorização prévia da Direcção Geral da Fazenda Pública e, nos termos do disposto no art. 6o do Decreto n° 21 875, de 18.11.32, os proprietários dos terrenos vedados à construção podem requerer ao Estado a sua expropriação.
4ª - Verifica-se, pois, que sobre a parcela expropriada incide uma servidão de uso público que inclui, necessariamente, uma servidão non aedificandi, ou seja, uma proibição de edificação, e que os srs. peritos e a douta sentença recorrida consideram existir.
5ª - A parte da parcela expropriada onde está implantado o arvoredo classificado de interesse público não tem vocação edificatória e o plano urbanístico não pode fixar para a mesma, sob pena de ilegalidade, um destino incompatível com a aludida servidão.
6ª - Tal servidão subsiste após a expropriação e continua a onerar o prédio adquirido pela A... em virtude de a mesma ter sido constituída em benefício do Estado.
7ª - Logo se esta servidão desse lugar, que não dá, a indemnização a entidade responsável pela mesma seria o Estado e não a A... – cfr. art. 6o, do Decreto n° 21 875, de 18.11.32.
8ª - Não pode ser aplicado, como fizeram os srs. peritos, à parte da parcela onde está implantado o dito arvoredo, o disposto, nomeadamente, no art. 26°, n°12, do Cód. Exp., em virtude de tal dispositivo não se aplicar aos prédios cuja inaptidão para a edificação é anterior ao plano - como é o caso - pois tal parcela já não tinha, antes da publicação do PDM da Guarda, nem poderia ter posteriormente, qualquer vocação edificativa.
9ª - A aplicação do art. 26°, n°12, do Cód. Exp. à parte da parcela abrangida pelo arvoredo viola o princípio constitucional da justa indemnização por expropriação – art 62°, n°2, da CRP - em virtude de atribuir aos expropriados uma indemnização que ultrapassa o "valor real e corrente" ou o "valor de mercado" do bem expropriado, distorcendo, assim, em benefício destes, a necessária proporção que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua reparação.
10ª - O arvoredo existente na parcela expropriada goza de uma zona geral de protecção com uma extensão de 50 metros, contados a partir dos seus limites exteriores, onde não é permitido executar quaisquer obras de demolição, instalação, construção, reconstrução, criação ou transformação de zonas verdes sem prévia autorização - cfr. art. 23°, n°1, da Lei n° 13/85, art. 123° do REGEU e arts. 5o, §2, e 6o do Decreto n° 21 875, de 18.11.32.
11ª - A não consideração das servidões administrativas que oneram parte da parcela expropriada constitui motivo de anulação da avaliação e de todos os actos e termos subsequentes - art. 712°, n°4, do CPC.
12ª - A douta sentença recorrida violou, pois, o disposto no art. 660°, n°2, do CPC, art.1o, § único, do DL n° 28468, de 15.02.38, arts. 5, § 2, e 6o do Decreto n° 21875, de 18.11.32, art. 26°, n°12, do Cód. Exp., art. 62°, n° 2, da CRP, art. 23°, n°1, da Lei n°13/85 e o art. 123° do REGEU.
13ª – Deverá julgar-se provido o recurso, declarando-se a nulidade da sentença e anulando-se a avaliação e todos os actos e termos subsequentes.

OS EXPROPRIADOS:

1ª - Ao nível do «custo de construção», é seguro que a solução para o douto Tribunal de recurso, com os elementos de que dispõe, é de só poder concluir que apenas o laudo do sr. perito nomeado pelos expropriados fornece os elementos credíveis e legais que permitem julgar do valor do custo de construção, parâmetro basilar, face ao artigo 26°, do CExp., para poder proceder à avaliação final com o uso dos demais parâmetros, a que se faz a seguir referência.
2a - A segunda divergência entre a decisão arbitral e os laudos é ao nível da percentagem a aplicar sobre o custo de construção, ou seja, concretamente a percentagem do n° 7 do art.° 26° CExp.
3ª - E assim é que enquanto a decisão e o laudo do sr. perito nomeado pelos expropriados estabelecem a percentagem de 9% (o que lhes dá a soma de15%+9%=24%); já o laudo conjunto dos srs. peritos designados pelo Tribunal e pela expropriante estabelece a percentagem de 7% (o que dá a soma de15%+7%=22%).
4ª - Todavia, este último laudo não explica em parte alguma por que razão estabeleceu a percentagem global de 22% (o que equivale a 9% no sub-critério do n°7 do art° 26° - do mesmo modo procedendo a sentença, por adesão a ele -, enquanto a decisão arbitral, se bem que meramente descritiva, procede à indicação dos itens que lhe permitem ter extraído 9% do n°7 do art° 26° (a somar aos 15% do n° 6); e, pelo contrário, o laudo do sr. perito nomeado pelos expropriados enumera cuidadosamente cada uma das percentagens parcelares, cuja soma atinge os 9% (a aditar aos 15% do n° 6). Por isso - e em conclusão a nível da percentagem a aplicar sobre o custa de construção - aqui também o douto Tribunal de recurso tem a maior correcção e credibilidade do laudo do sr. perito nomeado pelos expropriados, confortado pela idêntica medida da própria decisão arbitral.
5a - A terceira divergência entre a decisão arbitral e os laudos é ao nível das benfeitorias.
6ª - E assim é que enquanto ambos os laudos tomam em conta o valor de benfeitorias, divergindo, porém, quanto à respectiva avaliação, já a decisão arbitral nenhum valor tributou a benfeitorias, mas os ditos laudos divergem ainda quanto ao valor, se bem que em pequena monta.
7a - Se é certo que não pode estar já em causa a solução da decisão arbitral, que a sentença não patrocinou,
8a - e, se é certo que o Tribunal tem dois laudos diferentes quanto ao valor das benfeitorias, é muito maior o rigor de contas do laudo do sr. perito nomeado pelos expropriados, já que no laudo conjunto não se passa de contas grossas e não justificadas.
9a - Em suma, o douto Tribunal de recurso tem todos os elementos para, analisando criticamente os laudos - e, por via disso, a sentença, que se limitou a aderir ao laudo conjunto - fixar o valor da indemnização em termos semelhantes aos propostos pelo laudo do sr. perito nomeado pelos expropriados,
10a - sendo certo que a sentença apelada, ao decidir como decidiu, violou as normas que foram sendo indicadas, a ponto de, como se demonstrou, ter aplicado normas inconstitucionais ou patrocinado a sua interpretação em termos que são inconstitucionais.
11ª – Reduzido o pedido para 867665000$00, com o contravalor de 4327894,80€, deverá o recurso ser provido, revogando-se a sentença.
Nas suas contra-alegações, a expropriante sustenta que deve negar-se provimento ao recurso interposto pelos expropriados.
Na sentença apelada, declararam-se demonstrados, sem impugnação, os seguintes factos, que este Tribunal da Relação aceita, nos termos do estipulado pelo artigo 713º, nº 6, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:
1 – A declaração de utilidade pública foi publicada, no Diário da República n° 208, IIª série, de 8-09-2000, com vista à cons-trução da nova biblioteca municipal.
2 - Por despacho de foIhas 280, foi adjudicada à entidade expro-priante o “prédio misto, denominado Quinta do Alarcão, sito na Quinta do Alarcão, composto de terra de cultura com fruteiras, mata, pastagem e casa de r/chão, 1° e 2° anda-res, a confrontar do Norte, Sul, Nascente e Poente com ca-minhos, e inscrito na matriz predial urbana, sob o artigo n° 42 e rústica, sob o artigo nº 1 567, e descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda, freguesia da Sé, sob o n° 1758/19920128".
3 - A área total do terreno é de 10 099 m2, sendo 110 m2 de área coberta e 9 989 m2 de área rústica.
4 - A parcela localiza-se, na entrada Sul da cidade da Guarda, em zona nobre da cidade.
5 - É limitada, a Norte, pela Rua Alexandre Herculano, a Nas-cente, pela Rua Soeiro Viegas, e Poente/Sul, pela Alameda de Santo André.
6 - É faceada por arruamentos, em cerca de 260 m.
7 - A parcela dista 1500 m do IPG, 30 m dos Serviços Sociais do IPG, 450 m do Hospital, 50 m da entrada do Parque da Saúde, 200 m da Escola Secª. Afonso de Albuquerque, 20 m das residências de estudantes e 270 m do Jardim Infantil da Misericórdia.
8 - A parcela possui bons acessos, a partir da Rua Alexandre Herculano.
9 - Tem transportes públicos.
10 - Possui passeios, em toda a extensão dos arruamentos confi-nantes.
11 - Possui abastecimento domiciliário de água, junto à parcela.
12 - Possui rede de saneamento, de distribuição de energia e
telefónica, junto à parcela.
13 - E rede de drenagem de águas pluviais.
14 - Na Ava Alexandre Herculano e, a menos de 300 m, existe um edifício com 8 pisos e outros com 2, 3 e 4 pisos.
15 - No gaveto das Ruas Soeiro Viegas e Dr. Vasco Borges, a menos de 300 m, existe um edifício com 8 pisos.
16 - Na Rua Soeiro Viegas e, a menos de 300 m, existe um edi-fício com 9 pisos e outros com 7, 5, 4, 3 e 2 pisos.
17 - Na extremidade Sul da Quinta e, num raio de 300 m, existe um edifício com 9 pisos.
18 - Na Rua Batalha Reis e, a menos de 300 m, existem edifí-cios com 7, 6, 4, 3 e 2 pisos.
19 - A parcela está vedada, em toda a sua extensão, por muros de alvenaria.
20 - A moradia e anexos existentes na Quinta estão abandonados, degradados e a ruir, não tendo portas nem janelas.
21 - A construção é antiga, em pedra de granito.
22 - A parcela expropriada tem como finalidade, além da construção da biblioteca, a sede do Centro de Estudos Ibéricos, auditório, anexos e o seu envolvimento ajardinado.
23 - A casa será recuperada de acordo com projecto camarário.
24 - A aquisição do prédio expropriado é anterior à entrada em vigor do PDM.
25 - A parcela expropriada está classificada pelo PDM como equipamento livre público proposto.
26 - O arvoredo da parcela expropriada está classificado de in-teresse público, de acordo com o constante no DL n°160 de 14.07.92, 2ª série.
27 - Tal arvoredo inviabiliza a ocupação com construção da par-cela expropriada que confina com a Ava Alexandre Herculano.
28 - O sr. perito nomeado pela recorrente/expropriada, fixou o valor da indemnização em 867665000$00, sendo 858990000$00 correspondentes ao terreno e 8675000$00 de benfeitorias.
29 - Em laudo subscrito pelos restantes peritos, foi fixada a indemnização em 1639494, 22€ (328689080$00), sen-do Terreno - 321 489 080$00; Edifício existente - 4 950 000$00; Muros - 3 250 000$00.

*

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir na presente apelação, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do CPC, são as seguintes:
I – A questão da anulação da avaliação e da nulidade da sentença.
II – A questão da fixação do montante indemnizatório.

I

DA ANULAÇÃO DA AVALIAÇÃO

Diz a expropriante que formulou o pedido de anulação da avaliação e de todos os actos e termos subsequentes, nas alegações que apresentou, nos termos do disposto pelo artigo 64°, da Lei nº 168/99, de 18 de Setembro, ou seja, o Código das Expropriações aplicável (CE99), atendendo à data da publicação, no Diário da República, da declaração de expropriação por utilidade pública, sem que a sentença impugnada tenha conhecido do mesmo.
Em primeiro lugar, importa registar que a expropriante não interpôs recurso do acórdão arbitral, defendendo, inclusivamente, na resposta ao recurso apresentado pelos expropriados, a manutenção do valor de 311665000$00, por aquele fixado, sendo certo, porém, que, nas alegações a que se reporta o artigo 64º, do CE99, requereu a anulação da avaliação e de todos os actos e termos subsequentes, devido à não consideração, pelos peritos, das servidões administrativas que oneram parte da parcela expropriada.
Contudo, as alegações, a que alude o artigo 64º, nº 1, do CE99, têm a mesma natureza das alegações sobre o aspecto jurídico da causa, contempladas no artigo 657º, do CPC, sendo certo que a delimitação do âmbito do recurso do acórdão arbitral é antes fixado pelas alegações respeitantes ao requerimento de interposição do recurso, a que se refere o artigo 52º, nº 1, do CE99( Osvaldo Gomes, Expropriação por Utilidade Pública, 387; RP, de 20-3-80, CJ, Ano V, T2, 121.).
Na hipótese em apreço, apenas os expropriados, e não a expropriante, interpuseram recurso do acórdão arbitral, o que significa que esta entidade se conformou com o montante indemnizatório fixado, na totalidade das várias parcelas em que este se desdobra.
Assim sendo, considerando que a decisão arbitral funciona como uma sentença proferida em Tribunal de 1ª instância, pois que de um Tribunal Arbitral Necessário se trata, por força do estipulado pelo artigo 1525º e seguintes, do CPC, e não tendo a mesma, em relação à expropriante, sido objecto de recurso, transitou em julgado, quanto a ela, nos termos das disposições combinadas dos artigos 671º, nº 1, 673º e 677º, todos do CPC.
Formou-se, pois, um caso julgado material, que obriga a expropriante, não só dentro do processo arbitral, mas, também, fora deste, o que impede agora a sua apreciação, atento o preceituado pelos artigos 671º, nº 1 e 675º, nº s 1 e 2, do CPC.
Assim sendo, mantém-se intocável, quanto à expropriante, a decisão constante do acórdão arbitral, no que respeita à qualificação do solo e aos valores fixados em relação a cada uma das parcelas do somatório da indemnização atribuída.
Não importa, assim, por esta via, anular a avaliação e todos os actos e termos subsequentes, nem declarar a nulidade da sentença, por eventual omissão de pronúncia, neste particular.

II

DO MONTANTE DA INDEMNIZAÇÃO

Entendem os expropriados que o valor justo da indemnização a arbitrar deverá atender ao custo da construção, à respectiva percentagem a incidir sobre o mesmo e, finalmente, à avaliação das benfeitorias.
De acordo com o estipulado pelos artigos 62º, nº 2, da Constituição da República, 1310°, do Código Civil, 1o e 23°, n°1, do CE99, como reflexo da afirmação da ideia de rigorosa equiparação de valores, a expropriação por utilidade pública só pode ser efectuada com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização( Acórdão do STJ para Fixação de Jurisprudência, nº 1/99, de 13-2-99, DR, Iª série-A, nº 37, 779 e ss.; TC, Acórdãos nºs 131/88, DR, II série, de 29 de Junho; 52/90, de 30 de Março de 1990, BMJ nº 395, 91; e 210/93, de 16 de Março de 1993, BMJ nº 245, 160, respectivamente.).
Assim, o artigo 23º, nº 1, do CE99, estatuiu que “a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal...”.
E a indemnização, com efeito, só é justa se conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que este, efectivamente, sofreu, não podendo, portanto, ser de montante tão reduzido que a torne irrisória ou, meramente, simbólica, mas, também, não pode ser desproporcionada à perda do bem expropriado, não devendo, assim, atender a factores especulativos ou outros que distorçam, para mais ou para menos, a proporção que deve existir entre o prejuízo imposto pela expropriação e a compensação a pagar por ela, havendo, consequentemente, que observar um princípio de igualdade e de proporcionalidade, ou seja, um princípio de justiça, pois que o “quantum indemnizatório” a pagar a cada expropriado há-de realizar a igualdade dos expropriados entre si e a destes com os não expropriados, por forma a assegurar a igualdade de tratamento perante os encargos públicos( Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, 1990, 533; TC, Acórdão nº 243/01, DR, IIª série, de 4-7-2001.).
A Constituição da República, porém, embora estabelecendo que a indemnização há-de ser justa, não define um concreto critério indemnizatório, mas é evidente que as orientações definidas por lei têm de respeitar os princípios materiais da igualdade e da proporcionalidade, de matriz constitucional, não podendo conduzir a indemnizações irrisórias ou, manifestamente, sem correspondência com a perda do bem expropriado( Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª edição, revista e ampliada, I, 331; Assento do STJ, nº 1/96, de 22 de Novembro de 1995, DR, Iª série-A, de 27-1-96.).
De facto, o dano material suportado pelo expropriado só é ressarcido, de uma forma integral e justa, se a indemnização corresponder ao valor comum do bem expropriado, ou, por outras palavras, ao respectivo valor de mercado ou ainda ao seu valor de compra e venda( Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, 1982, 129.), repondo, no património do expropriado, o valor dos bens de que foi privado, por meio do pagamento do seu justo preço em dinheiro( Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, II, 10ª edição, 1012. ).
Resulta, exaustivamente, dos autos que a parcela a expropriar constitui um prédio misto, inscrito na matriz predial, urbana e rústica, localizado na zona nobre da cidade da Guarda, composto por casa de r/chão, com 1° e 2° anda-res, de construção antiga, em pedra de granito, encontrando-se a moradia e anexos abandonados, degradados e a ruir, sem portas nem janelas, e terreno de cultura com fruteiras, mata e pastagem, constituindo uma quinta murada, com a área total de 10099 m2, sendo 110 m2 de área coberta e 9 989 m2 de área rústica, vedada em toda a extensão do seu termo, por muros de alvenaria em pedra, faceada por arruamentos, em cerca de 260 m, dotada de passeios, em toda a extensão dos arruamentos confi-nantes, com bons acessos, a partir da Rua Alexandre Herculano, dispondo de acesso rodoviário com pavimento betuminoso, rede de transportes públicos, de abastecimento domiciliário de água, saneamento, drenagem de águas pluviais, distribuição de energia e telefones.
Situa-se a 1500 m do Instituto Politécnico da Guarda, a 30 m dos Serviços Sociais do mesmo Instituto, a 450 m do Hospital, a 50 m da entrada do Parque da Saúde, a 200 m da Escola Secundária Afonso de Albuquerque, a 20 m das Residências de Estudantes e a 270 m do Jardim Infantil da Misericórdia, existindo nas artérias contíguas e, a menos de 300 m, edifícios com 7, 8 e 9 pisos, acima do solo.
O prédio expropriado destina-se à cons-trução da biblioteca e da sede do Centro de Estudos Ibéricos, auditório e anexos, com envolvimento ajardinado, sendo a casa recuperada, de acordo com projecto camarário, tendo sido adquirido antes da entrada em vigor do PDM, em função do qual foi classificado como zona de equipamento livre público proposto, e o seu arvoredo de in-teresse público, em conformidade com o constante do DL n° 160/92, de 14 de Julho, 2ª série, inviabilizando a ocupação com construção da par-cela expropriada que confina com a Ava Alexandre Herculano.
Estipula o artigo 25º, nºs 1, 2 e 3, do CE99, que, para efeitos do cálculo da indemnização por expropriação, o solo classifica-se em “solo apto para a construção” e “solo para outros fins”, sendo, de carácter residual, este último termo do binómio, a encontrar, por exclusão de partes, quando o solo “não se encontra em qualquer das situações previstas no número anterior”, ou seja, quando não se enquadra na categoria normativa do solo apto para a construção.
E, como solo apto para a construção, atento o estipulado pelo artigo 25º, nº 2, a), do CE99, considera-se, designadamente, “o que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir”.
Ora, mostrando-se preenchidos todos os índices que o artigo 25º, nº 2, a), reclama para a qualificação do solo como apto para a construção, importa, de seguida, proceder ao cálculo do respectivo valor, afastando-se, porém, para este efeito, terminantemente, qualquer referência à construção que nele seria possível efectuar, se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, em conformidade com o estipulado pelo artigo 26º, nº 1, ambos, do CE99, porquanto o prédio em causa foi, como resulta manifesto, objecto de expropriação para fins de utilidade pública.
Efectivamente, sendo o prédio expropriado de qualificar como solo apto para a construção, não esquecendo, igualmente, que foi classificado como zona de equipamento público livre, afecto à instalação de infra-estruturas e de equipamentos públicos, pelo plano municipal de ordenamento do território, plenamente eficaz, ou seja, o PDM da Guarda, tendo a sua aquisição sido anterior à entrada em vigor deste instrumento normativo, o seu valor, atento o disposto pelo artigo 26º, nº 12, do CE99, “será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada”( Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública).
É que o nº 12, do artigo 26º, tem como critério orientador da expressão patrimonial do solo um valor médio, referido ás construções existentes ou às construções que nele seja possível edificar, numa área envolvente bem determinada( Sá Pereira e Proença Fouto, Código das Expropriações, 2002, 102.), afastando-se, declaradamente, do valor real e corrente resultante do aproveitamento económico normal do solo, a que se reportam os respectivos nºs 1 e 6 e o artigo 23º, nº 5, ambos do CE99, para se ater ao princípio do justo valor, no âmbito das particularidades constantes da situação especial contemplada naquele nº 12, já mencionado.
Como assim, não há que tomar em linha de conta, na determinação do valor do solo expropriado para fins de instalação de infra-estruturas e de equipamentos públicos, com os acréscimos resultantes dos critérios e índices urbanísticos de construção, consagrados nos nºs 6 e 7, do artigo 26º, do CE99.
De facto, desde logo, atendendo aos termos da dicotomia constante do nº 12, do artigo 26º, do CE99, “…valor médio das construções existentes…” ou “ [valor das construções] que seja possível edificar…”, o valor actual das edificações que é possível erigir, num raio limítrofe de 300m, situa-se nos nove pisos, acima do solo, independentemente das possibilidades que o sub-solo contém, onde, pelo menos, é razoável aceitar a implantação de um piso.
Por outro lado, o custo da construção, por metro quadrado, de área útil do terreno foi fixado, em 116.800$00 ou 582,59 €, para o concelho da Guarda, por força da Portaria nº 1062-C/2000, de 31 de Outubro, muito embora como valor a considerar enquanto padrão de referência ou como factor indiciário do custo do metro quadrado de construção, para o cálculo da indemnização por expropriação( Sá Pereira e Proença Fouto, Código das Expropriações, 2002, 100. ).
A isto acresce que se fixa em 25% o índice de ocupação ou de construção do terreno, tal como consta do acórdão arbitral e do laudo maioritário dos peritos, que inclui os nomeados pelo Tribunal e o indicado pela expropriante, do qual apenas discordou o perito dos expropriados.
Assim sendo, o valor de construção, por metro quadrado, de área bruta é de 262800$00 (0,25 x 9 x 116800$00 = 262800$00).
Em seguida, considerando a viabilidade da construção de 65 fogos, segundo as tipologias T5 e T4, de acordo com a percentagem relativa de 20% e de 80%, com as áreas de 225 m2 e de 200 m2, à razão de 262800$00 por m2, obtém-se o valor de construção de 768690000$00 e de 2733120000$00, respectivamente, no total de 3501810000$00.
Por seu turno, considerando-se como hipótese de trabalho o valor do solo apto para a construção, de acordo com um aproveitamento económico normal, em conformidade com o estipulado pelo artigo 26, nºs 1, 6 e 7, do CE99, o preço do solo por m2 seria de 595399680$00 [(0,25 x 9 x 116800$00 = 262800$00)(0,24 x 262800$00 = 63072$00)(9989 x 63072$00 = 630026208$00)].
Porém, considerando que os solos classificados para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos, a que se reporta o nº 12 do artigo 26º, são solos aptos para a construção, mas com restrições, nunca o seu valor, para efeitos de expropriação, pode ser superior aquele que decorre de um aproveitamento economicamente normal, correspondente ao valor real e corrente, numa situação normal de mercado, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 26º, nºs 1, 6 e 7 e 23º, nº 5, todos do CE99.
De facto, a este propósito, preceitua o artigo 26º, nº 8, do CE99, que “se o custo da construção for substancialmente…diminuído pelas especiais condições do local, o montante…da diminuição daí resultante é reduzido…ao custo da edificação a considerar para efeito da determinação do valor do terreno”.
Assim sendo, devendo o solo a expropriar, por se tratar de solo classificado para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos, ser calculado em função do valor das construções que seria possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente, cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada, e não podendo este valor ser superior aquele que resulta de um aproveitamento economicamente normal, correspondente ao valor real e corrente, numa situação normal de mercado, resta concluir no sentido de que o valor total do terreno rústico expropriado é de 630026208$00, considerando, tão-só, a sua área matricial descoberta de 9989 m2, porquanto a área da moradia, com 110 m2, será objecto de valoração autónoma, não sobreponível.
Finalmente, no que toca a benfeitorias, que o acórdão arbitral não considerou, o laudo dos quatro peritos que constituem a comissão de avaliação, os três de designação autónoma pelo Tribunal, associados ao perito nomeado por indigitação da expropriante, fixou o respectivo valor, em 7200000$00, respeitando 4950000$00, ou seja, 110 m2 x 45000$00/m2, ao edifício, e 2250000$00, isto é, 150 m x 15000$00/m, ao muro de alvenaria em pedra, enquanto que o lado subscrito pelo perito nomeado, a solicitação dos expropriados, estabeleceu esse valor, em 8675000$00, correspondendo 6050000$00, ou seja, 110 m2 x 55000$00/m2, ao edifício, e 2625000$00, isto é, 150 m x 17500$00/m, ao aludido muro de vedação.
Efectivamente, no que concerne ao caso particular das benfeitorias, considerando que importar relevar, especialmente, o laudo dos peritos nomeados por designação autónoma do Tribunal, que associaram um quarto elemento, não só pelo seu carácter, largamente, maioritário, como ainda pelas acrescidas garantias de imparcialidade que a natural posição de neutralidade que assumem na causa confere aqueles três primeiros( RP, de 22-6-73, BMJ nº 229, 236; RE, de 11-1-77, CJ, Ano II, T1, 125.), sem esquecer que os montantes a que chegaram se mostram consentâneos com a realidade, este Tribunal da Relação fixa, em 7200000$00, o valor das benfeitorias realizadas no prédio, que compreendem o valor do edifício e do muro de alvenaria em pedra.
Com base nas considerações, precedentemente expostas, urge fazer o enquadramento quantitativo do montante indemnizatório devido aos expropriados, expressão pecuniária do correspondente direito constitucional à propriedade do bem que lhes assiste.
Como assim, fixa-se o valor da parcela expropriada em 637226208$00 [630026208$00, respeitante ao valor do terreno, 4950000$00, relativo ao valor do edifício, e 2250000$00, referente ao valor dos muros = 637226208$00].
E o montante da indemnização calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública, sendo actualizado, à data da decisão final do processo, de acordo com a evolução do índice de preços ao consumidor, com exclusão da habitação, em conformidade com o estipulado pelo artigo 24°, n°1, do CE99.
Para este efeito, proceder-se-á a uma dupla operação de actualização, a primeira sobre a quantia de 311665000$00, relativamente à qual não houve discordância das partes, compreendendo o período de 8 de Setembro de 2000, data da declaração de expropriação por utilidade pública, a 1 de Junho de 2004, data do levantamento da aludida quantia pelos expropriados, e a segunda sobre o remanescente do montante indemnizatório fixado, desde aquela data.
Operando, em seguida, a actualização desta importância, de acordo com os critérios e em função dos índices de preços ao consumidor, definidos na sentença recorrida, mas agora, como é óbvio, reportados à data da prolação deste acórdão [9 de Maio de 2006], obtém-se o montante indemnizatório devido pelo expropriante, em favor dos expropriados, de 741606916$40 (setecentos e quarenta e um milhões seiscentos e seis mil novecentos e dezasseis escudos e quarenta centavos), 354456324$60, relativo à parcela da indemnização já recebida, e 387150591$80, respeitante à parcela da indemnização por receber, correspondente ao contra-valor total em euros de 3699119.70€ (três milhões seiscentos e noventa e nove mil cento e dezanove euros e setenta cêntimos).
De facto, constituindo a obrigação de indemnizar, a cargo da expropriante, uma dívida de valor e não uma obrigação pecuniária, propriamente dita, porquanto o seu objecto não é, directamente, uma soma em dinheiro, mas uma prestação de outra natureza, intervindo o dinheiro, tão-só, como meio de liquidação, está subtraída ao princípio nominalista, devendo o Tribunal, ao fixar o quantitativo necessário para ressarcir o lesado, tomar em consideração a depreciação monetária, porquanto só desta forma lhe será concedida uma soma susceptível de reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, atendendo ao preceituado pelos artigos 550°, 551°, 562° e 566°, n°2, do CC( STJ, de 9-12-93, CJ (STJ), Ano I, T3, 174; de 24-4-90, Actualidade Jurídica, Ano 2, nº 8, 8; de 25-1-83, BMJ nº 323, 385; e de 28-2-80, BMJ nº 294, 283.), sem que tal implique qualquer colisão com o princípio do dispositivo, consagrado pelo artigo 661°, n°1, do CPC.
Efectivamente, a condenação em dívida de valor pressupõe a respectiva actualização, na hipótese de desvalorização da moeda, de modo que aquela actualização está sempre implícita no montante condenatório.
Só esta interpretação permite conciliar o poder aquisitivo que a quantia arbitrada representava, à data em que o expropriado abriu mão da parcela em questão, em que foi excluído da propriedade do bem, objectivada na ocasião em que foi proferido o despacho de adjudicação do domínio, e o momento em que, por força da tramitação processual subsequente, se vem a tornar definitivo o quantitativo a que tem direito.
E só com o entendimento de que importa recorrer ao instrumento da actualização, através da correcção monetária, com vista a mitigar, o mais possível, os efeitos nefastos da desvalorização monetária, se alcança uma tendencial estabilidade do poder aquisitivo da moeda, nos dois momentos temporais acabados de considerar.
Conclui-se, pois, que a condenação no quantitativo indemnizatório arbitrado, acrescido da correspondente actualização monetária, não viola o disposto no artigo 661°, n° 1, do CPC.

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CONCLUSÕES:

I - As alegações, a que alude o artigo 64º, nº 1, do CE99, têm a mesma natureza das alegações sobre o aspecto jurídico da causa, contempladas no artigo 657º, do CPC, sendo certo que a delimitação do âmbito do recurso do acórdão arbitral se fixa antes pelas alegações inerentes ao requerimento de interposição do recurso, a que se refere o artigo 52º, nº 1, do CE99.
II – Diversamente do que acontece com o nº 1, do artigo 26º, do CE99, que tem como padrão o valor real e corrente resultante do aproveitamento económico normal do solo, o respectivo nº 12 tem como critério orientador da expressão patrimonial do solo, que o princípio do justo valor exige, um valor médio, referido ás construções existentes ou o valor das construções que seja possível edificar no futuro imediato, numa área envolvente bem determinada, no âmbito das particularidades constantes desta situação especial, que contende com o solo expropriado para zonas verdes, de lazer ou para fins de instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos, com exclusão dos acréscimos resultantes dos critérios e índices urbanísticos de construção, consagrados nos nºs 6 e 7, do mesmo normativo legal.
III – Assim, nunca o valor dos solos classificados para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos, para efeitos de expropriação, pode ser superior aquele que decorre de um aproveitamento economicamente normal, correspondente ao valor real e corrente, numa situação normal de mercado, como acontece com os solos aptos para a construção, sem restrições.
IV - Constituindo a obrigação de indemnizar, a cargo da expropriante, uma dívida de valor e não uma obrigação pecuniária, propriamente dita, deve o Tribunal, ao fixar o quantitativo necessário para ressarcir o lesado, tomar em consideração a depreciação monetária, porquanto só desta forma lhe será concedida uma soma susceptível de reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

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DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar improcedente a apelação da expropriante e, parcialmente procedente, a apelação dos expropriados, e, em consequência, fixam em 741606916$40 (setecentos e quarenta e um milhões seiscentos e seis mil novecentos e dezasseis escudos e quarenta centavos), correspondente ao contra-valor total em euros de 3699119.70€ (três milhões seiscentos e noventa e nove mil cento e dezanove euros e setenta cêntimos), o montante indemnizatório devido pela expropriante, em favor dos expropriados, que aquela fica condenada a pagar a estes.

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Custas da apelação, a cargo da expropriante e dos expropriados, na proporção de 91% e de 9%, respectivamente, cujo montante sai precípuo do depósito da indemnização, nos termos do disposto pelo artigo 66º, nº 2, do CCJ.

Notifique.

Após trânsito, procederá a expropriante, no prazo de dez dias, ao complemento do depósito da indemnização devida aos expropriados, em que foi condenada, no montante de 429941916$40, correspondente ao contra-valor em euros de 2144541,23€, com a cominação relativa aos juros de mora, nos termos e para os efeitos do disciplinado pelos artigos 66º, nº 2, 68º e 70º, do CE99.