Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
954/02.2JFLSB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: FRAUDE FISCAL
CRIME CONTINUADO
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 05/04/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 21º E 103º RGIT; 119º CP
Sumário: 1.- No crime de fraude fiscal no caso de negócio jurídico simulado, o momento da consumação do crime é o da data da celebração desse negócio.
2.- Consumando-se o crime com a celebração do negócio simulado, nessa data se inicia o prazo da prescrição.

3.- Em caso de crime sob a forma continuada, o prazo de prescrição conta-se desde o dia da prática do último acto.

Decisão Texto Integral: Acordam  no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

No processo supra identificado foi proferida sentença que julgou procedente a acusação deduzida contra os arguidos:

PPP...-XX..., S.A, com sede em ...;

CS..., casado, residente na …, ...;

BS..., casado, residente na …, ....

Sendo decidido:

•Julgar a arguida PPP...-XX..., S. A. autora de um crime de fraude fiscal, na forma continuada, p. e p. pelo artigo 23, nºs 1, 2, alíneas a), b) c), nº 3, alíneas a), e) e nº 4, do RJIFNA, aprovado pelo Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção do Decreto-Lei nº 394/93, de 24 de Novembro, actualmente previsto no artigo 103, nº 1, alíneas a), b) e c) do RGIT, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho e artigos 30, nº 2 e 79 do Código Penal e, condená-la na pena de 600 (seiscentos) dias de multa, à taxa diária de € 25,00 (vinte e cinco euros);

•Julgar o arguido CS... autor material de um crime de fraude fiscal, na forma continuada, p. e p. pelo artigo 23, nºs 1, 2, alíneas a), b) c), nº 3, alíneas a), e) e nº 4, do RJIFNA, aprovado pelo Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção do Decreto-Lei nº 394/93, de 24 de Novembro, actualmente previsto no artigo 103, nº 1, alíneas a), b) e c) do RGIT, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho e artigos 30, nº 2 e 79 do Código Penal e, condená-lo na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, na condição de o arguido pagar ao Estado (Fazenda Pública) a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros), no prazo de dezoito meses a contar do trânsito em julgado da sentença e comprovar nos autos tal pagamento;

•Julgar o arguido BS... autor material de um crime de fraude fiscal, na forma continuada, p. e p. pelo artigo 23, nºs 1, 2, alíneas a), b) c), nº 3, alíneas a), e) e nº 4, do RJIFNA, aprovado pelo Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção do Decreto-Lei nº 394/93, de 24 de Novembro, actualmente previsto no artigo 103, nº 1, alíneas a), b) e c) do RGIT, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho e artigos 30, nº 2 e 79 do Código Penal e, condená-lo na pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano e seis meses, na condição de o arguido pagar ao Estado (Fazenda Pública) a quantia de € 49.639,37 (quarenta e nove mil seiscentos e trinta e nove euros e trinta e sete cêntimos), no prazo de dezoito meses a contar do trânsito em julgado da sentença e comprovar nos autos tal pagamento;


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Inconformados com a decisão, da sentença interpuseram recurso todos os arguidos.

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Recurso da arguida PPP...-XX..., S.A:

São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso interposto e que delimitam o objecto do mesmo:

1.O crime de fraude fiscal é um crime de perigo ou de mera actividade, concretizando-se com a mera colocação em perigo do bem jurídico protegido.

2.Os factos provados nos autos enquadram-se na conduta designada por negócio simulado quanto ao preço.

3.Tratando-se de negócios jurídicos de compra e venda com preço simulado, o crime de fraude fiscal apenas se concretiza ou realiza com a apresentação da declaração de rendimentos do ano em que se realizou o negócio.

4.Não sendo apresentada pelo agente a declaração de rendimentos não se verifica o crime de fraude fiscal, mas apenas a contra-ordenação por falta de entrega da declaração.

5.Não sendo apresentada pelo agente a declaração de rendimentos não se pode presumir que o agente inscreveria na mesma o preço simulado e não o preço real das compras e vendas.

6.Os factos ocorridos no ano de 2002 não relevam para efeitos criminais, uma vez que, a arguida PPP... não apresentou a respectiva declaração de rendimentos do ano de 2002.

7.A pena de multa abstractamente aplicável pela prática do crime de fraude fiscal é limitada a 360 dias.

8.Ao aplicar a pena de 600 dias à arguida PPP... a sentença recorrida viola o disposto no artigo 103, nº 1 do RGIT e o disposto no artigo 71 do Código Penal.

Deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, ser reduzida a pena de multa aplicada à arguida PPP... para uma pena concreta que não ultrapasse os dois terços da pena abstractamente aplicável.


*

Recurso do arguido CS...:

São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso interposto e que delimitam o objecto do mesmo:

1.O crime de fraude fiscal é um crime de perigo ou de mera actividade, concretizando-se com a mera colocação em perigo do bem jurídico protegido.

2.Os factos provados nos autos enquadram-se na conduta designada por negócio simulado quanto ao preço.

3.Tratando-se de negócios jurídicos de compra e venda com preço simulado, o crime de fraude fiscal apenas se concretiza ou realiza com a apresentação da declaração de rendimentos do ano em que se realizou o negócio.

4.Não sendo apresentada pelo agente a declaração de rendimentos não se verifica o crime de fraude fiscal, mas apenas a contra-ordenação por falta de entrega da declaração.

5. Não sendo apresentada pelo agente a declaração de rendimentos não se pode presumir que o agente inscreveria na mesma o preço simulado e não o preço real das compras e vendas.

6.Os factos ocorridos no ano de 2002 não relevam para efeitos criminais, uma vez que, a arguida PPP... não apresentou a respectiva declaração de rendimentos do ano de 2002.

7.A impugnação judicial das liquidações de imposto de rendimentos apenas pode suspender o prazo de prescrição relativamente aos impugnantes.

8.A impugnação judicial é um acto estritamente pessoal, não podendo beneficiar ou prejudicar terceiros não impugnantes.

9.Não se pode estender/aplicar as causas de suspensão da prescrição a quem é totalmente alheio à causa de suspensão, sob pena de se estar prejudicar terceiros.

10.Tendo os factos praticados no ano de 2001 sido declarados à Administração Fiscal em Maio de 2002, o crime de fraude fiscal consumou-se com essa declaração.

11.A determinação da matéria colectável para efeitos de Imposto de Rendimento Sobre as Pessoas Colectivas depende de liquidação.

12.O prazo de prescrição do procedimento criminal é de 4 anos.

13. Não se verifica nos autos qualquer causa de suspensão relativamente ao arguido CS….

14.Por isso, o procedimento criminal relativamente ao arguido CS... está prescrito, pois desde 31/05/2002 já decorreram mais de 6 anos.

15.A prescrição do procedimento criminal determina a extinção de procedimento criminal.

16.Quando uma norma incriminadora prevê a pena de multa em alternativa à pena de prisão, deve o julgador dar preferência à pena de multa e não aplicar uma pena de prisão.

17.Por isso, deveria ter sido aplicada urna pena de multa ao arguido em detrimento da pena de prisão.

18.A pena de prisão concretamente aplicada ao arguido CS... é excessiva, desproporcionada e inadequada a satisfazer os fins das penas e não respeita os critérios de determinação da pena previstos no artigo 71 do Código Penal.

19.O arguido não tem antecedentes criminais, está familiar e profissionalmente integrado e além do mais confessou a materialidade objectiva que lhe era imputada.

20.A pena de prisão concretamente aplicada ao arguido CS... é ainda mais injustificada porquanto ao outro arguido apenas foi aplicada uma pena de dezoito meses.

21.Está provado que quer o CS... quer o BS... exerciam ambos a administração da sociedade arguida e que a decisão de celebrar as escrituras com um preço inferior ao real foi de ambos os arguidos, por isso, não pode fazer-se qualquer distinção na graduação da pena e aplicar pena superior ao arguido CS... do que aquela que foi aplicada ao arguido BS..., sob pena de a decisão enfermar de inconstitucionalidade por violação dos princípios constitucionais da culpa, da proporcionalidade e da igualdade.

22.Caso se entenda que deve ser aplicada urna pena de prisão ao arguido CS..., a mesma deve ter por limite concreto o prazo de dezoito meses.

23.A condição imposta aos arguidos: pagar determinada quantia à Administração Fiscal, tem como valor máximo o valor do imposto em falta.

24.Tratando-se de um crime continuado, o apuramento dessa quantia deve fazer-se por referência à conduta mais grave que integra a continuação.

25.Sendo essa conduta no caso concreto - a diferença entre o valor declarado e o valor real da venda da fracção B do lote 375 (facto 128), diferença que ascende a 149.639,37 euros.

26.Mas o valor da condição deve ser o valor do imposto devido ao Estado em consequência dessa conduta.

27.Por isso, à quantia de 149.639,37 euros deve aplicar-se a taxa de IRC que vigorava à data da prática dos factos - 30%.

28.Pelo que, a quantia da condição imposta não pode ultrapassar o valor global de 44.891,81 euros (149.639,37x30%).

29.Atendendo a que quer o CS... quer o BS... exerciam ambos a administração da sociedade arguida e que a decisão de celebrar as escrituras com um preço inferior ao real foi de ambos os arguidos, o montante da condição deve ser dividido em duas partes iguais, sendo cada uma delas a pagar por cada um dos arguidos, sob pena de a decisão enfermar de inconstitucionalidade por violação dos princípios constitucionais da culpa, da proporcionalidade e da igualdade.

30.A sentença recorrida ao não fazer a interpretação que se faz nas conclusões anteriores viola claramente o disposto nos artigos, 14, 21, nºs 1, 3 e 4, 42, 47, 103, nº 1 todos do Regime Jurídico das Infracções Tributárias, o nº 4 do artigo 2, o nº 2 do artigo 40, o artigo 71, o artigo 120, o artigo 121, nº 3, todos do Código Penal, o artigo 45, nº 1 da LGT e os artigos 13 e 18 da Constituição da República Portuguesa.

 Deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser declarado prescrito o procedimento criminal relativamente ao arguido CS... e, caso assim, não se entenda, deve a pena de prisão aplicada ao arguido recorrente ser substituída por uma pena de multa e ainda se assim não se entender deve ser reduzida a pena de multa aplicada e reduzido o valor da condição imposta ao arguido para o montante de 22.445,91€.


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Recurso do arguido BS...:

São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso interposto e que delimitam o objecto do mesmo:

            1.O procedimento criminal encontra-se prescrito no que respeita ao ora Recorrente, atento ao facto de relativamente a este não se ter verificado qualquer causa de suspensão do procedimento criminal, tendo a prescrição ocorrido no dia 27 de Junho de 2010;

2.No que se refere à prova produzida em sede de audiência de julgamento, notoriamente, esta aponta para o não exercício em momento algum, por parte do ora Recorrente, das funções de administrador de facto ou de direito da sociedade Arguida, no período em apreço nos presentes autos tendo apenas assumido, e só formalmente tal cargo em 2004.

3.O ora Recorrente nunca decidiu qual o preço dos imóveis alienados, não tendo tido qualquer intervenção ou decisão no que concerne ao preço a figurar nas escrituras e se algum valor ficaria excluído do texto das escrituras outorgadas.

4.Na verdade, os valores constantes dos registos provisórios que eram os que figuravam nas escrituras, tinham sido sempre indicados segundo as instruções recebidas do Presidente do Conselho de Administração, o co-Arguido CS....

5.O Arguido, ora Recorrente, tratava das obras, alterações e reclamações dos compradores, enquanto representante da sociedade responsável pela construção, desconhecendo se os valores pagos e não contemplados no texto das escrituras respeitavam ao valor acordado com a sociedade Arguida para pagamento das obras adicionalmente realizadas.

6.Ficou demonstrado e provado testemunhal, documental e pericialmente (perícia dos inspectores tributários) que o Arguido, ora Recorrente, não praticou os factos vertidos na acusação e por que foi incorrectamente condenado.

7.No que respeita à pena aplicada, para além de incorrectamente aplicada, por nenhum crime ter sido praticado pelo Arguido, ora Recorrente, esta dista significativamente do seu limite mínimo, estando o Recorrente perante uma situação em que não foi devidamente ponderada a sua postura, integração social, ausência de antecedentes criminais e demais elementos probatórios, designadamente, a ausência de dolo ou de qualquer intenção de fraudar o Estado, ou a Fazenda Pública, atenta a sua incapacidade/ilegitimidade para decidir o que quer que respeitasse à administração da sociedade Arguida.

8.A ser aplicada uma pena ao Recorrente, no que não se concede atenta a sua notória inocência, esta deveria ser uma pena de multa fixada pelo mínimo legal. À sociedade Arguida foi aplicada uma pena de multa tendo esta notoriamente participado nos ilícitos descritos na acusação e deles retirado proveito, o que não sucedeu com o ora Recorrente que foi condenado em medida substancialmente mais severa.

9.O Arguido, ora Recorrente não praticou o crime por que foi acusado e condenado pelo Tribunal a quo e não teve quaisquer benefícios com a prática dos factos praticados pelos demais arguidos.

Deve ser dado provimento ao presente recurso, absolvendo-se o Recorrente da prática dos factos de que vinha acusado e por que foi indevidamente condenado.

 Caso assim não se entenda, deve este, quando muito, ser condenado em pena de multa fixada pelo seu mínimo legal.

Responde o Magistrado o Mº Pº aos recursos dos arguidos, concluindo:

1-O crime de fraude fiscal é um crime de execução vinculada e que apenas pode ser cometido através de uma das formas típicas descritas nas alíneas do n° 1 do artigo 103 do RGIT (23 do RJIFNA).

2-Da análise do preceito verifica-se que as condutas tipificadas no artigo 103 do RGIT (23 do RGIFNA) podem revestir a forma de acção ou omissão.

3-De acordo com a factualidade provada, no período compreendido entre 2000 e 2002, a arguida PPP... vendeu a diversas pessoas interessadas na sua aquisição diversos andares e vivendas; os 2° e 3° arguidos decidiram que nas escrituras públicas de compra e venda relativas às fracções dos lotes identificados nos autos seriam declarados como preços de venda montantes inferiores aos realmente pagos pelos adquirentes, por forma a sofrer uma menor tributação em sede de IRC.

 4-Mais ficou provado que só os valores declarados constariam da contabilidade da empresa e só esses poderiam ser revelados à administração tributária.

5-Assim, nos anos de 2001 e 2002, ao não declarar ao fisco as diferenças entre o preço real de venda das moradias e apartamentos e os valores escriturados, que constituíam rendimento efectivo e não ter declarado, em relação ao ano de 2002, quaisquer proveitos, nomeadamente o preço constante das escrituras, recebido pela venda das fracções, nem os rendimentos decorrentes da exploração do jornal, a arguida PPP... pagou à Fazenda Nacional, no mínimo, menos € 550.674,66 (quinhentos e cinquenta mil, seiscentos e setenta e quatro euros e sessenta e seis cêntimos), em sede de IRC.

6-Estão, pois, na nossa perspectiva, preenchidos os elementos do tipo objectivo de ilícito.

7-De acordo com o art. 15, n.º 1, do RJIFNA: "O procedimento criminal por crime fiscal extingue-se por efeitos da prescrição, logo que sobre a prática do mesmo sejam decorridos cinco anos". No demais, relativamente ao regime de prescrição de tais ilícitos, será de atender às regras especialmente previstas nesse diploma quanto à suspensão desses prazos (art. 15, n.º 2), assim como às regras gerais enunciadas no Código Penal, designadamente quanto ao início do prazo [artigo 119], suspensão [artigo 120] e interrupção da prescrição [artigo 121].

8-No RGIT prevê o artigo 21 que o procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos (sem prejuízo dos prazos de prescrição estabelecidos no Código Penal quando o limite máximo da pena de prisão for igual ou superior a cinco anos).

9-O início do prazo de prescrição está ligado ao momento da consumação desse mesmo ilícito.

10-No que se refere a IRC, o período de tributação é, em regra, devido por cada exercício económico, que coincide com o ano civil.

11-Na actual redacção do artigo 112, n.º 1, do Código de Imposto sobre Rendimentos das Pessoas Colectivas, a declaração periódica de rendimentos deve ser enviada anualmente até ao último dia do mês de Maio.

12-Daí que a consumação deste crime ocorra quando o contribuinte entrega a sua declaração na Repartição de Finanças e no caso de omissão de tal entrega, no prazo legal máximo fixado para a entrega da respectiva declaração.

13-Tratando-se de um crime de execução continuada, o correspondente prazo de prescrição inicia-se "desde o dia da prática do último acto ... ", conforme disposto no art. 119, n.º 2, aI. b), do Código Penal.

14-No caso, há que considerar como momento final da acção típica, a data em que os arguidos tinham para entregar a declaração modelo 22, respeitante ao ano de 2002, ou seja, 31 de Maio de 2003.

15-De acordo com o art. 121, n.º 1, al. a) do Código Penal "A prescrição interrompe-se: a) com a constituição de arguido", o que sucedeu nos autos, com o arguido BS..., em 25/07/2005, e com o arguido CS... , em 19/10/2005.

16-Também se verifica a interrupção, por via da al. b) deste art. 121, n.º 1, "Com a notificação da acusação ... ", sendo que esta foi proferida em 28/04/2006 e devidamente notificada aos arguidos.

17-Em 16/10/2006, foi instaurada pelos arguidos acção de impugnação judicial no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, vindo a ser proferido despacho nos autos, em 26/03/2007, a declarar os autos suspensos, ao abrigo do disposto no artigo 47 do RGIT.

18-Por sua vez e como resulta do mesmo art. 121, n.º 2, "Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição", muito embora e segundo o subsequente n.º 3 "A prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade .... ".

19-Isto significa que durante o lapso de tempo de suspensão do prazo de prescrição, este prazo contínuo do art. 123, n.º 2, fica suspenso, não sendo contabilizado para o efeito.

20-Assim, temos de concluir que, na presente data, ainda não ocorreu esse prazo prescricional.

21-Efectivamente, há que conjugar as transcritas disposições e datas com o preceituado no art. 120, n.º 1, al. a), onde se estabelece que "O procedimento criminal não poder iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou para efeito de devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal; b) "O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ... ", sendo certo que segundo o seu n.º 2 "No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar 3 anos". Acrescenta-se ainda no n.º 3 deste preceito que "A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão".

22-De tudo isto podemos constatar que o prazo contínuo do art. 121, n.º 3, do Código Penal, ficou suspenso com a notificação da acusação, durante 3 anos, e com a suspensão do processo penal tributário, pelo que ainda agora, não podemos considerar prescrito o presente procedimento criminal.

23-O Tribunal recorrido analisou e valorou de forma correcta a matéria de facto submetida a julgamento, fazendo-o através de uma exame crítico, objectivo e isento das provas produzidas e examinadas em sede de audiência de julgamento, face ao princípio da livre apreciação da prova a que se reporta o art. 127 do CPP, motivando devidamente a sua decisão, tal como é imposto pelo art. 2 do art. 374 do CPP.

24-Os factos dados como provados e não provados apresentam-se com bastante clareza e precisão, encontrando-se em perfeita consonância com a pormenorizada e lógica motivação.

25-Em face da prova produzida em julgamento, dúvidas não temos que era o arguido CS..., como Presidente do Conselho de Administração, a cabeça de todas as decisões relacionadas com a contabilidade e a gestão da sociedade arguida. No entanto, o arguido BS... era não só o homem da obra, mas a pessoa que, em clara colaboração e em conjunto com o irmão exercia poderes de gerência de facto.

26-Da prova produzida, designadamente testemunhal, não temos dúvidas de que as diferenças entre os valores reais de aquisições dos imóveis e os valores escriturados foram decisões tomadas em conjunto por ambos os arguidos, sendo que ambos sabiam que os imóveis eram vendidos por valor muito superior ao valor escriturado com o objectivo de pagar menos imposto ao Estado.

27-Quanto à medida concreta da pena, na aferição da medida da pena através do recurso, o que deve estar em causa é se foram seguidos os critérios legais na escolha e determinação da pena.

28-No recurso interposto pela sociedade arguida alega a mesma que houve um erro na determinação concreta da pena, na medida em que a decisão viola o disposto no art. 103, n.º 1, do RGIT, pois a pena de multa abstractamente aplicável, tem como limite máximo S60 dias.

29-Ora, analisando a sentença, verificamos, pois, que assiste razão à sociedade arguida, nesta parte da matéria.

30-Efectivamente, existiu um lapso na sentença, na medida em que o Tribunal faz referência ao artigo 104 do RGIT, em vez do artigo 103 do mesmo Diploma.

31-Nesta sequência, decidiu o Tribunal "afigura-se-nos adequado fixar a pena em 600 (seiscentos) dias de multa, à taxa diária de € 25,00 (vinte e cinco euros)".

32-Deve, assim, a pena aplicada ser reduzida em consonância com o limite máximo aplicável.

33-Já no que tange ao arguido BS..., o Tribunal na fixação da medida concreta da pena motivou de forma suficiente as suas opções e a medida concreta da mesma.

34-Assim, e como vem sendo jurisprudência, desde que sejam observados os critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador que é dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de censurar, pelo que o recurso não visa apurar o "quantum" exacto da pena, salvo se existir uma desproporção da quantificação efectuada.

Nesta conformidade, não colhem os demais vícios apontados pelos recorrentes.

Deve ser julgado parcialmente procedente o recurso, alterada, parcialmente, a sentença recorrida.

Nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto emite parecer no sentido da improcedência dos recursos.

Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.

Respondeu o arguido, concluindo como nas, motivação e conclusões do recurso. 

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.


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Mostra-se apurada, a seguinte matéria de facto e fundamentação da mesma:

II -  FUNDAMENTAÇÃO

A – DE FACTO

Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos, com relevância para a decisão da causa:

1.A sociedade PPP...-XX..., S.A., sendo accionistas as firmas WZ…, MZ… e CZ…;

2.Até 15.08.2001, a arguida PPP... teve a sua sede na …;

3.A partir dessa data transferiu, de facto, a sua sede social para …, ...;

4.Na sequência da deliberação da Assembleia-Geral da empresa, tomada em 06.04.2001, foi alterada a sua sede para essa morada, com fundamento no facto da actividade contabilística da sociedade se desenvolver no concelho de ...;

5.Fruto dessa deliberação, em 13.07.2001, a sociedade apresentou junto da Repartição de Finanças de ..., uma declaração, comunicando aos serviços tributários a alteração da sua sede para freguesia e concelho de ...;

6.Tal alteração não foi objecto de registo comercial, mas a sede da empresa passou a funcionar aí;

7.Tal firma tinha e tem como objecto a construção, revenda de imóveis, administração, compra e venda, loteamento e urbanização de imóveis, a realização neles de obras de infra-estruturas, arranjos exteriores e de construção civil, gestão e exploração de bares, restaurantes, lojas, centros comerciais, complexos desportivos e de veraneio;

8.A principal actividade consistia na construção de edifícios para revenda, à qual correspondeu, em 2001 e 2002, a cerca de 96% e 98% do volume total de negócios da empresa, respectivamente;

9.Os restantes 2% e 4% corresponderam à facturação resultante da exploração do jornal O Correio de ..., iniciada em finais de 2001;

10.No que tange à construção de edifícios para revenda, a arguida, em regra, adquiria lotes de terreno para construção, subempreitando a quase totalidade da construção à accionista MZ..., da qual os 2º e 3º arguidos eram sócios-gerentes;

11.Era a PPP..., na qualidade de entidade proprietária das construções edificadas nos lotes, quem procedia à sua venda aos clientes interessados, recebendo deles o preço combinado;

12.Pelo menos entre 2000 e 2003, o 2º arguido, CS…, era quem dirigia toda a actividade da empresa, sendo o responsável por todas as decisões que nela eram tomadas, nomeadamente na área económico-financeira, tudo isto em nome e proveito da mesma;

13.No mesmo período, o 3º arguido, BS..., irmão do 2º arguido, dirigia em parte a actividade da empresa, sendo responsável em parte pelas decisões que nela eram tomadas, em nome e proveito da mesma;

14.O arguido CS... fazia-o enquanto presidente do Conselho de Administração da PPP...;

15.O arguido BS..., embora formalmente não integrasse o Conselho de Administração da empresa, por apenas constar das Actas como membro da Mesa da Assembleia-Geral, de facto exercia tais poderes em conjugação com o irmão;

16.Nesse período, na Urbanização …, ..., na qualidade de proprietária, tinha a firma em construção, nos seguintes lotes, os seguintes apartamentos e moradias para venda:

Lote 191 – 49 fracções autónomas, fracções A a AZ, correspondendo a 49 apartamentos;

Lote 261 – 1 fracção, A, correspondendo a 1 moradia;

Lote 262 – 1 fracção, A, correspondendo a 1 moradia;

Lote 375 – 3 fracções, A, B e C, correspondendo a 3 moradias;

Lote 376 – 3 fracções A, B e C, correspondendo a 3 moradias;

Lote 377 – 3 fracções, A, B e C, correspondendo a 3 moradias;

Lote 380 – 3 fracções, A, B e C, correspondendo a 3 moradias;

17.No período compreendido entre 2000 e 2002, a arguida PPP... vendeu a diversas pessoas interessadas na aquisição desses andares e vivendas tais fracções;

18.Por decisão dos 2º e 3º arguidos, para efeitos da arguida PPP... vir a sofrer uma menor tributação em sede de IRC, decidiram que nas escrituras públicas de compra e venda, a celebrar, relativas às fracções dos lotes 191, 375 e 380, inclusive, seriam declarados como preços de venda montantes inferiores aos realmente pagos pelos compradores desses imóveis;

19.Decidiram que só os valores declarados constariam da contabilidade da empresa, como tais, e só esses poderiam ser revelados à administração tributária;

20.As fracções acima referidas foram vendidas pela arguida PPP... às seguintes pessoas, por escrituras públicas outorgadas nas seguintes datas:

….//…

Matéria de facto não provada

Não se provou que:

1.Pelo menos entre 2000 e 2003, o 3º arguido, BS..., era quem dirigia toda a actividade da empresa, sendo o responsável por todas as decisões que nela eram tomadas, nomeadamente na área económico-financeira, tudo isto em nome e proveito da mesma;

2.O nome do arguido BS... apenas figurava para regularidade da composição do Conselho de Administração, a pedido do seu irmão, o co-arguido CS...;

3.O arguido BS...nunca teve qualquer participação, poder executivo ou afim nos destinos da sociedade arguida;

4.O arguido BS...nunca negociou o preço de qualquer prédio ou lote nem tomou qualquer decisão na gestão da sociedade arguida;

5.O identificado arguido limitava-se a, quando e se contactado por algum potencial comprador, a encaminhar para o executivo da PPP...;

6.O referido arguido era alheio a qualquer decisão de natureza contabilística, de gestão ou comercial, cingindo-se a aceitar o convite do seu irmão para regularizar a composição do Conselho de Administração.

Motivação da matéria de facto

O tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada com base nos documentos juntos aos autos a fls. 123 a 129 (certidão de matrícula da WZ...), fls. 385 a 388 (Certidão de matrícula da PPP...), de fls. 611 a 616 (certidão de matrícula da MZ...), dos documentos do apenso 1 e dos apensos A a BG, do Relatório de Inspecção Tributária constante do apenso 1, da declaração periódica de IVA e acta de fls. 938 a 943 do apenso 1, do contrato de trespasse do Correio de ... de fls. 1065 a 1066 do processo principal, dos comprovativos de regularização da situação fiscal de contribuinte de fls. 1167 a 1235 e 1755 a 1865 do processo principal, quadros de fls. 1165, 1748, 1749 do processo principal e fls. 1058, 1059 do apenso 1, cópia da acta do pedido de revisão da matéria tributável de fls. 1704 a 1707 do processo principal, da informação da DFL de fls. 1734 a 1745 do processo principal, fls. 2344 (informação da Direcção de Finanças de ... relativa ao pagamento da quantia referida em 170 dos factos provados), tudo conjugado com a análise crítica e ponderada da prova produzida em julgamento.

Em primeiro lugar foram consideradas as declarações do arguido CS... que confirmou na generalidade os factos descritos na acusação, esclarecendo que era o administrador da sociedade arguida desde 1998, sendo o único responsável da empresa na parte em que esta recorria a operações de financiamento, salientando, no entanto, que na área económico-financeira era a administração que tomava todas as decisões. Referiu, pois, que toda a administração sabia o que se passava, nomeadamente quanto à diferença existente entre o valor que constava das escrituras de aquisição dos lotes em causa nos autos e os valores pelos quais na realidade eles eram adquiridos.

Apesar de confirmar que o arguido BS...era o homem das obras, isto é, a pessoa responsável pelas obras dos lotes em questão, referiu que o mesmo sabia de tudo o que se passava e teve o controlo de tudo.

Acrescentou que no stand da obra existia uma lista de preços para venda dos lotes, mas todas as fracções eram negociadas e o preço final da venda era feito por ele e pelo arguido BS..., seu irmão, que, apesar de tratar de todos os assuntos relacionados com empreitadas, subempreitadas e fornecedores e de em regra não participar nas escrituras de compra e venda estava a par de tudo o que se passava.

Por seu turno, o arguido BS... referiu que era sócio-gerente da MZ..., sociedade que realizou as obras dos lotes em causa nos autos, contratada pela PPP..., mas tinha conhecimento do preço de venda dos apartamentos, uma vez que era ele que contactava com as pessoas que adquiriram os lotes em causa nos autos, procedia às negociações com vista à venda dos apartamentos e das vivendas e tratava dos contratos-promessa respectivos, os quais eram assinados pelo seu irmão, o arguido CS....

Acrescentou que só em 2005 teve conhecimento que os valores das escrituras eram diferentes dos valores reais de aquisição dos respectivos lotes, altura em que o irmão foi vítima de um acidente de viação que o deixou temporariamente incapacitado.

O tribunal atendeu ao depoimento isento e imparcial da testemunha VB..., Inspector Tributário a prestar serviço na Direcção de Finanças de ..., que pelo facto de ter feito a inspecção à sociedade arguida demonstrou ter conhecimento directo dos factos em causa nos autos.

Na verdade, explicou ao tribunal que recolheu elementos informáticos junto das finanças, recorreu a elementos que recolheu no escritório da empresa, a elementos fornecidos pela Câmara Municipal de ... e contactou diversos clientes que adquiriram apartamentos e vivendas em Tróia, recolhendo os meios de pagamento e cópias de cheques que totalizavam valores diferentes dos valores que constavam das escrituras de compra e venda dos respectivos apartamentos e moradias.

Referiu que com base em toda a informação recolhida concluiu que grande parte das vendas dos imóveis eram efectuadas por valores muito superiores aos valores declarados.

Esclareceu que os cheques eram depositados numa conta da sociedade arguida.

Por outro lado, esclareceu que a sociedade arguida entregou na administração tributária as declarações de imposto relativas aos anos de 2000 e 2001.

Referiu que a gerência de facto da sociedade arguida cabia ao arguido CS..., sendo ele quem assinava a maior parte dos documentos, quem controlava tudo e tomava a maior parte das decisões da empresa, quem estava nos escritórios e quem era referido como sendo o representante da sociedade arguida, considerando que o arguido BS... estava por trás de tudo.

O tribunal atendeu, também, ao depoimento espontâneo e credível da testemunha SF..., Inspector Tributário na Direcção de Finanças de ..., que pelo facto de ter participado na inspecção à sociedade arguida demonstrou ter conhecimento dos factos em causa nos autos.

Com efeito, referiu que os valores das vendas dos apartamentos e das moradias em questão e que constavam das respectivas escrituras de compra e venda não coincidiam com os valores pelos quais os compradores adquiriam efectivamente os imóveis, sendo que estes valores eram de montante largamente superior ao declarado, em média na casa dos 40%.

Referiu que tal conclusão foi retirada através da análise aos documentos da contabilidade fornecidos pela Técnica Oficial de Contas da empresa, pelas diligências que ele e o colega fizeram junto dos compradores, que forneceram os meios de pagamentos dos imóveis que adquiriram, designadamente cópias de cheques.

Relativamente à gerência de facto da sociedade arguida referiu que o arguido CS... era a pessoa que tinha mais intervenção, nomeadamente na assinatura de escrituras e cheques.

Confirmou o teor do relatório junto aos autos, que elaborou com o seu colega, bem como os documentos que juntou aos autos.

Por outro lado, foi relevante, porque espontâneo e credível o depoimento da testemunha AC..., que conhece os dois arguidos pelo facto de ter sido Administrador da PPP... entre 1999 e 2002, referindo que quem tomava as decisões relativas à empresa era o CS... e o BS…, esclarecendo que o arguido CS...era o Presidente do Conselho de Administração e o arguido BS...era o administrador da empresa que construía a obra da PPP..., a MZ.... De facto, confirmou que era a sociedade MZ... a sociedade responsável pelas obras e da qual eram gerentes os dois arguidos. Apesar de ter referido não ter dúvidas de que o arguido CS... era o mais responsável pela tomada das decisões relativas aos factos em causa nos autos, confirmou que o arguido BS...também opinava na venda das casas.

Acresce que o tribunal considerou o depoimento da testemunha AP... que, pelo facto de ter adquirido uma moradia aos arguidos (a fracção A do lote 375), demonstrou ter conhecimento dos factos em causa nos autos. Referiu ao tribunal que efectuou o negócio por volta do ano 2000, tendo negociado a aquisição da moradia com os arguidos CS...e BS..., sendo o preço da moradia de Esc. 55.000.000$00, sendo que na escritura foi declarado outro valor inferior ao valor de aquisição. Foi peremptório em referir que foram os dois arguidos que lhe disseram para escriturar por um preço inferior ao real, adiantando que negociou no stand de vendas e que chegou a estar com os dois arguidos no escritório da empresa.

Foi também considerado o depoimento claro e conciso da testemunha PF... que pelo facto de ter adquirido uma vivenda geminada, concretamente o lote 377 à PPP... demonstrou ter conhecimentos dos factos em discussão. Confirmou que contratou tudo com o arguido BS...e uma funcionária que o acompanhava na altura, tendo acordado no valor de 52.000.000$00 para a aquisição do referido imóvel. Apesar de não se recordar do valor pelo qual foi escriturado o imóvel referiu que deve ter sido por 25.000.000$00/28.000.000$00, esclarecendo, por forma a convencer da veracidade das suas afirmações, que foi o arguido BS...quem negociou o valor real e o valor escriturado, o qual lhe foi comunicado pelo arguido BS...nas vésperas da outorga da escritura de compra e venda. Aliás, a testemunha foi bem clara ao referir que nunca falou com o arguido CS…, apesar de se recordar de ouvir falar no nome deste e de referir que tudo o que era relacionado com valores era discutido na empresa, ora arguida.

Acresce que o tribunal considerou também o depoimento da testemunha AR... que, pelo facto de ter adquirido a fracção AP, do bloco 5, na urbanização em causa referiu que o valor pelo qual foi escriturado o imóvel foi inferior ao valor real de aquisição. Esclareceu que o arguido CS...é que se apresentou na escritura e pediu-lhe que passasse dois cheques, um à ordem da PPP... e outro à sua ordem, para poder fazer o distrate da hipoteca.

Sem prescindir, foi considerado o depoimento claro e conciso da testemunha EA..., que adquiriu a fracção X do lote 191 na urbanização Soltróia e como tal revelou ter conhecimento do envolvimento do arguido BS...nas negociações do imóvel. Na verdade, explicou que adquiriu o imóvel por Esc. 26.000.000$00, sendo que o valor que constou da escritura foi de Esc. 15.000.000$00. Referiu que quando estabeleceu negociações com a PPP... foi o arguido BS...que se apresentou no escritório da Soltróia, foi ele quem lhe mostrou os apartamentos e lhe deu as informações, foi ele quem lhe propôs a diferença do valor que iria constar da escritura de compra e venda, o qual lhe disse que o negócio não poderia realizar-se de outro modo. No entanto, referiu que foi o arguido CS...quem se apresentou na escritura, apesar de o arguido BS..., durante as negociações, nunca ter feito qualquer referência ao mesmo.

Por sua vez, foi muito relevante o depoimento da testemunha OM..., administrativa que, pelo facto de ter trabalhado para a PPP... demonstrou ter conhecimento dos factos em questão. E, apesar de referir que as decisões eram tomadas pelo arguido CS…, acabou por admitir que as vendas eram tratadas pelo escritório de Tróia, sendo certo que o arguido BS...tinha a noção da discrepância dos valores que constavam das escrituras de compra e venda e dos valores reais de aquisição dos imóveis. A testemunha foi peremptória em afirmar que o arguido BS...sabia o que se passava na PPP... quanto às diferenças de valores referidos.

Todos estes depoimentos conjugados entre si levaram-nos a crer que os factos se passaram tal como descrito nos factos provados, ou seja, era o arguido CS...quem representava de facto a arguida PPP..., no sentido de ser a pessoa que estava à frente da empresa, que tomava todas as decisões e que controlava tudo. Era pois o arguido CS…, como Presidente do Conselho de Administração, a cabeça de todas as decisões relacionadas com a contabilidade e a gestão da empresa.

E, apesar de o arguido BS...ser de facto o homem da obra, tal não significa que estivesse alheio às decisões tomadas pela administração da empresa. Na verdade, o arguido BS..., como membro da Mesa da Assembleia-Geral exercia poderes de gerência de facto com o arguido CS....

Da conjugação de toda a prova produzida dúvidas não restam de que as diferenças entre os valores reais de aquisições dos imóveis e os valores escriturados foram decisões tomadas em conjunto pelo 2º e 3º arguido, sendo que ambos sabiam que os imóveis eram vendidos por valor muito superior ao valor escriturado com o objectivo de pagar menos imposto ao Estado.

Relativamente à situação económica e familiar dos arguidos foram consideradas as suas declarações, as quais se nos afiguraram espontâneas e credíveis.

Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos consideraram-se os certificados de registo criminal juntos aos autos a fls. 533 e 534.

No que concerne aos factos não provados assim se consideraram por não ter sido feita qualquer prova acerca dos mesmos.

Os documentos juntos aos autos a fls. 3101 e seguintes nada interessam à decisão da presente causa, uma vez que comprovam apenas que o arguido CS... instaurou uma acção sob a forma de processo ordinário contra vários réus, designadamente o seu irmão, o ora arguido BS....

Também os documentos juntos aos autos a fls. 3188 e seguintes não foram considerados uma vez que nada comprovam de interesse para a presente decisão, designadamente que os montantes ali referidos (nos mapas de resumo) tenham sido recebidos pela arguida PPP... e pelo arguido CS....

Por último, refira-se que os restantes documentos juntos em audiência de julgamento em nada foram considerados para a decisão a proferir nos presentes autos, pelo facto de se tratarem de documentos que, por si só, não comprovam qualquer dos factos em causa nos presentes autos, deles não se podendo retirar as conclusões pretendidas pelos arguidos.


***

Conhecendo:

Recurso da arguida PPP...-XX..., S.A.:

- Alega a recorrente que a conduta em causa apenas integra negócios simulados quanto ao preço e que não há conduta de ocultação de factos ou valores.

- Entende que há erro na determinação concreta da pena.


*

            Fraude fiscal  e simulação:

            Entende a recorrente que não há conduta de ocultação de factos ou valores porque não chegou a preencher e entregar a declaração.

Constitui infracção tributária (crimes e contra-ordenações fiscais), todo o facto típico, ilícito e culposo declarado punível por lei tributária anterior – art. 2 nº 1 do RGIT.

A infracção tributária considera-se praticada no momento e no lugar em que o agente actuou ou devia ter actuado – art. 5 do RGIT.

Dispunha o artigo 23º do RJIFNA, aprovado pelo Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, que

“1 - Constituem fraude fiscal as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento do imposto ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias.

2 – A fraude fiscal pode ter lugar por:

a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;

b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração fiscal;

c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.

3 – Para efeitos do número anterior considera-se que tem lugar a ocultação ou alteração de factos e valores quando se verifique qualquer das seguintes circunstâncias:

a) A vantagem patrimonial ilegítima pretendida for superior a 1000 contos para as pessoas singulares e 2000 contos para as pessoas colectivas ou entes fiscalmente equiparados;

b) O agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária;

c) O agente for funcionário público e tiver abusado gravemente das suas funções;

d) O agente se tiver socorrido do auxílio do funcionário público com grave abuso das suas funções;

e) O agente falsificar ou viciar, ocultar, destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ou apresentar livros e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei fiscal;

f) O agente usar os livros ou quaisquer outros elementos referidos no número anterior sabendo-os falsificados ou viciados por terceiros.

4 – A pena aplicável à fraude fiscal é de prisão até três anos ou de multa não inferior ao valor da vantagem patrimonial pretendida, nem superior ao dobro, sem que esta possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido, salvo se, tratando-se de pessoas singulares, na ocultação ou alteração dos factos ou valores ou na simulação se verificar a acumulação de mais de uma das circunstâncias referidas nas alíneas c) a f) do número anterior, caso em que é exclusivamente aplicável a pena de prisão de um até cinco anos.

5 – Se a vantagem patrimonial pretendida não for superior a 100 000$00, a pena será de multa até 60 dias”.

Actualmente prevê o artigo 103º do RGIT que:

            “1 – Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por:

a)Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;

b)Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária;

c)Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.

2 – Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a € 15.000.

3 – Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.”

Resulta pois, expressamente, que a fraude fiscal pode ter lugar por negócio simulado.

A fraude fiscal abrange todas as condutas ilegítimas que tenham em vista a não liquidação, entrega ou pagamento do imposto ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causar a diminuição das receitas tributárias. Tal pode processar-se por ocultação ou alteração dos factos ou valores que devam constar das declarações apresentadas ou prestadas, a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria tributável, a ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração fiscal e a celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.

Cfr. Sara Marques “A Fraude Fiscal e a Simulação” Curso de pós graduação em Direito Fiscal, FDUP.

A fraude fiscal pode ter lugar por uma de três vias:

- Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;

- Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados á administração tributária;

- Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.

Só poderá ser qualificada determinada conduta como fraude fiscal quando a vantagem patrimonial ilegítima for superior a €15.000,00 (quinze mil euros). Caso esse valor seja inferior, haverá mera contra-ordenação fiscal.

De acordo com o disposto no art. 103 nº 3 do RGIT, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.

Numa análise rápida parece, como o faz a recorrente que, a lei considera como relevante não a conduta em si mesma, mas a declaração apresentada pelo contribuinte.

Podendo levar a considerar-se que não é a conduta em si mesma que se mostra lesiva, mas antes a projecção desta por via das declarações apresentadas.

Mas, não deve ser a declaração o ponto central, mas antes a conduta do agente.

Conduta de ocultação ou de alteração de factos ou valores, ou conduta de celebração de negócio simulado.

O crime de fraude fiscal é um crime comum, na medida em que pode ser praticado por qualquer pessoa e é um crime de perigo em que o bem jurídico protegido é a ofensa à Conta do Estado na rubrica que inclui as receitas fiscais destinadas à realização de fins públicos de natureza financeira, económica ou social.

Em caso de simulação de negócio jurídico, a tributação recai sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado.

Como refere Jorge Manuel Bravo, in Regime Geral das Infracções Tributárias, anotado, em anotação ao art. 103, e relativamente ao crime de fraude fiscal, «este crime classificado doutrinalmente como um crime de resultado cortado ou de tendência interna transcendente, o mesmo consuma-se ainda que nenhum dano ou vantagem patrimonial indevida venha a ocorrer efectivamente, bastando-se a lei com a circunstância de "as condutas ilegítimas tipificadas" visem ou sejam preordenadas à obtenção de vantagens patrimoniais "susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias". Isto é, será suficiente que a conduta seja preordenada a tal fim, sendo a eventual verificação do resultado lesivo apenas relevante em sede de aplicação concreta e medida da pena».

Neste sentido, Ac. desta Relação de 09-05-2007, proc. 11/04.7IDCBR.C1, que refere, “o crime de fraude fiscal, previsto na al. b) do art. 103 do RGIT, consuma-se ainda que nenhum dano ou vantagem patrimonial venha a ocorrer efectivamente”.

“Para a punição do agente basta comprovar que este quis as respectivas (acções ou) omissões e que elas eram adequadas à obtenção das pretendidas vantagens patrimoniais e à consequente diminuição das receitas tributárias”.

Face ao exposto e perante a matéria de facto apurada e supra transcrita, temos que foi cometido o crime de fraude fiscal.

A recorrente sociedade responde porque é responsável pelas infracções fiscais cometidas pelos seus órgãos ou representantes, já que estes actuaram em nome e no interesse da sociedade – art. 7 do RGIT.

Assim que concordamos com a bem elaborada fundamentação jurídica explanada na sentença recorrida: “ Assim sendo, verificamos que o presente artigo [103 do RGIT] tem a sua génese no artigo 23º do RJIFNA, sendo pontuais as diferenças nas redacções dos preceitos.

Todavia, verifica-se que há uma diferença mais significativa entre os dois regimes e que tem a ver com a introdução de um valor mínimo para todos os comportamentos tipificados como fraude fiscal – igual para pessoas singulares e colectivas, do qual depende a relevância penal do facto, sendo este valor inicialmente fixado em € 7.500,00 e estando actualmente fixado em € 15.000,00 (cfr. Artigo 103º, nº 2, do RGIT). Isto significa que abaixo deste valor os factos tipificados constituem contra-ordenação.

A incriminação acabada de referir insere-se no âmbito do Direito Penal secundário, que tem como uma das suas principais características (que o distinguem do direito penal clássico) “a relação de codeterminação recíproca entre o bem jurídico e a conduta típica”, ou seja, enquanto no direito penal clássico o bem jurídico preexiste claramente em relação à conduta proibida, no direito penal secundário a conduta descrita tem um papel importante na definição dos contornos do próprio bem jurídico (in O Crime de fraude fiscal no novo Direito Penal Tributário Português, Direito Penal Económico e Europeu, Textos Doutrinários, Vol. II, Coimbra Editora, 1999, pág. 418  Jorge de Figueiredo Dias/Manuel da Costa Andrade).

Com efeito, verifica-se que o sistema português optou por um modelo misto, conferindo ao bem jurídico não só a natureza patrimonial, consubstanciada na “pretensão do fisco à obtenção integral das receitas tributárias”, mas também a natureza de protecção do dever de colaboração leal do contribuinte com a administração (Augusto Silva Dias, Crimes e contra-ordenações fiscais, obra citada, pág. 445 e seguintes).

Entendemos que o crime de fraude fiscal constitui um crime comum e não um crime próprio ou específico de sujeitos passivos de imposto, uma vez que da norma em análise não resulta nenhuma delimitação expressa em relação à autoria. Na verdade, e tal como entende Isabel Marques da Silva (in Regime Geral das Infracções Tributárias, cadernos do IDEFF, nº 5, 3ª edição, página 205, Almedina) afigura-se-nos que o crime de fraude fiscal pode ser cometido por qualquer pessoa.

“Trata-se de um crime de execução vinculada, tal como é unanimemente reconhecido pela doutrina, e que apenas pode ser cometido através de uma das formas típicas descritas nas alíneas do nº 1 do artigo 103º do RGIT” (obra citada, página 206).

Isto significa que o crime de fraude fiscal só pode ser cometido através de ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável, da ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária ou da celebração de negócio simulado.

O tipo objectivo de ilícito preenche-se, pois, com a adopção de condutas que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias, tendo o legislador concretizado esses comportamentos nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 103º.

Da análise do preceito verifica-se que as condutas tipificadas no artigo 103º do RGIT podem revestir a forma de acção ou omissão.

Com efeito, a realização da conduta por acção dá-se através da alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas (alínea a), ou através da celebração de contrato simulado (alínea c); a conduta por omissão realiza-se quando o agente oculta factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas (alínea a) ou não declara factos ou valores com relevância tributária que devam ser revelados à administração tributária (alínea b).

Na esteira do entendimento sufragado por Figueiredo Dias e Costa Andrade (in O crime de fraude fiscal no Novo Direito Penal Tributário Português – considerações sobre a factualidade típica e o concurso de infracções, páginas 432 a 434), consideramos que o crime de fraude fiscal é um crime de “resultado cortado”, pois a obtenção de vantagem patrimonial ilegítima não é elemento do tipo. Basta apenas que as condutas sejam pré-ordenadas à obtenção de tal vantagem (no entendimento de que se trata de um crime de perigo, Susana Aires de Sousa, Os crimes Fiscais, Coimbra Editora, página 73)”.

Assim que temos como improcedente, neste segmento, o recurso da arguida.

Erro na determinação concreta da pena:

A arguida foi condenada na pena de 600 (seiscentos) dias de multa, à taxa diária de € 25,00 (vinte e cinco euros);

Entende a recorrente que apenas podia ser condenada em pena cujo limite máximo são 360 dias, conforme art. 103 nº 1 do RGIT.

Como já referido e preceituado no art. 7 do RGIT, as pessoas colectivas são responsáveis pelas infracções cometidas pelos seus órgãos e representantes, em seu nome e no interesse colectivo, sem que esta responsabilidade exclua a individual dos respectivos agentes.

Ou seja, responde a pessoa colectiva e os agentes seus representantes, na mesma medida e pelo mesmo crime.

E, o crime é o previsto e punido pelo art. 103 nº 1 do RGIT.

A essa conclusão se chega na sentença recorrida, a fls. 48, onde se lê: “Os arguidos e a sociedade arguida cometeram, pois, um crime de abuso de fraude fiscal, na forma continuada, p. e p. pelo artigo 23º, nºs 1, 2, alíneas a), b), c), 3, alíneas a), e) e nº 4 do RJIFNA, aprovado pelo Decreto-Lei nº 20-A/90 de 15 de Janeiro, na redacção do Decreto-Lei nº 394/93, de 24 de Novembro, actualmente previsto no artigo 103º, nº 1, alíneas a, b) e c), aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho e artigos 30º, nº 2 e 79º do Código Penal”.

E, foi por este preceito do RGIT que a mesma foi condenada.
Assim, que é lapso o referir-se quando do enquadramento dos factos no RGIT se diga, fls, 57 da sentença: Para a sociedade arguida o RGIT prevê a aplicação de uma pena de multa cujo limite mínimo é de 240 dias e o limite máximo é de 1200 dias (artigo 104º do RGIT), correspondendo cada dia de multa a uma quantia entre 5 e 5000 euros”.

Mas, também não corresponde a moldura penal à sugerida pela recorrente pois que a mesma olvida o estatuído no nº 3 do art. 12 do RGIT, que in casu eleva para o dobro a pena prevista no tipo, quer o limite mínimo, quer o máximo.

Assim, a moldura da pena de multa a aplicar oscila entre o mínimo de 20 e o máximo de 720 dias.

Na determinação da pena seguem-se os critérios explanados na sentença e que não foram objecto de impugnação.

Assim, tem-se como adequada aos factos a pena de 300 dias de multa, á taxa diária fixada na sentença recorrida.

E, nesta parte se julga procedente o recurso.


*

            Recurso do arguido CS...:

            O recorrente questiona:

- Da natureza do crime de fraude fiscal e o momento da consumação;

            - Prescrição do procedimento criminal;

            - Da escolha da pena;

            - Desproporcionalidade da pena de prisão aplicada e condição da suspensão.


*

            Natureza do crime de fraude fiscal e momento da consumação:

            Podia julgar-se relevante analisar o recurso começando por apreciar a questão da prescrição.

            No entanto, para apreciação dessa questão interessa determinar o momento da consumação do crime.

            Sobre o crime de fraude fiscal e verificação do mesmo in casu, já nos debruçamos quando da análise do recurso da arguida, concluindo que se verificam preenchidos os requisitos objectivos e subjectivos, ou seja, os arguidos praticaram o crime.

            José Manuel Bravo, in ob. cit. referem: “Mas o momento e o lugar em que se consuma o crime - questão importante a resolver, dadas as implicações que tal resposta terá em termos de prescrição e de determinação do tribunal competente para a sua apreciação - parece não ter resposta uniforme. De acordo com Augusto Silva Dias, «A regra é que a consumação se verifica no momento da liquidação, se esta é realizada pela administração financeira ou, no caso de autoliquidação, quando o contribuinte entrega a declaração na repartição de finanças». Entendemos porém que, face ao desvalor da acção, esse momento é o da recepção da declaração "defraudada" ou o termo do prazo da sua apresentação (omissão).

Por outro lado, sempre se poderá dizer que a consumação do crime ocorrerá quando, em função e como resultado causalmente adequado da conduta activa fraudulenta do agente, a administração fiscal efectue a liquidação, tornando-se irrelevante a produção do resultado lesivo (defraudação do património público fiscal)”.

Sara Raquel Pereira Marques in ob. cit. refere que “estaremos perante um crime de fraude fiscal quando nos deparamos com uma acção ou omissão jurídico-fiscal orientada para a obtenção de uma situação tributária mais favorável, isto é, evitar o pagamento e um imposto, a sua redução ou o retardamento ou a obtenção de benefícios fiscais, de reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias”.

            Já supra referimos que, no caso da simulação do negócio, a celebração deste consubstancia a conduta integradora do crime de fraude fiscal.

            Referindo A. Tolda Pinto e J. M. Bravo que “para instauração do processo por crime de fraude fiscal no caso de negócio jurídico simulado não se torna necessário a prévia declaração de nulidade do tribunal comum em acção proposta pelo Mº Pº”.

O crime de fraude fiscal é um crime que apela à existência de um evento material. A norma incriminadora não se limita a considerar puníveis as condutas que visem a obtenção de vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. Impõe que esse desiderato seja perseguido por um dos comportamentos constantes das três alíneas do n.º 2 do artigo 23.º do RJIFNA e do n.º 1 do artigo 103.º do RGIT: a ocultação de factos ou valores ou a celebração de negócios jurídicos simulados.

            Assim, que temos como momento da consumação do crime a data da celebração do negócio simulado.

Prescrição do procedimento criminal:

            No caso vertente e, porque está em causa ocultação de factos ou valores, os quais iriam servir de base à liquidação, se a ela houvesse lugar, a mesma é desnecessária. A verificação deste crime na esfera jurídica do vendedor não depende de liquidação do IRC, ou seja, no caso da al. c) do nº 1 do art. 103 do RGIT, a verificação do crime não só não depende da liquidação como necessariamente a precede.

Assim, que não haja que lançar apelo ao prazo de caducidade do direito à liquidação do IRC.

            O tipo legal de crime de fraude fiscal inclui determinadas condutas dolosa visando a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária.

Portanto, o momento a partir do qual começa a contar o prazo de prescrição é o momento da acção delituosa, com vista ao não pagamento da prestação tributária.

            Constituem fraude fiscal as condutas tipificadas nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do art. 103 do RGIT que sejam pré-ordenadas à não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou à obtenção de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição de receitas tributárias.

Aquando da celebração de negócio simulado quanto ao preço, quer o vendedor, quer o comprador, saem fiscalmente beneficiados. O vendedor porque omite matéria tributável, o comprador porque, declarando um preço inferior, paga menos imposto sobre a transacção.

            Consumando-se o crime com a celebração do negócio simulado, nessa data se inicia o prazo da prescrição.

            Sobre a prescrição, interrupção e suspensão do procedimento criminal, preceitua o art. 21 do RGIT: “1- O procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos.

2- O disposto no número anterior não prejudica os prazos de prescrição estabelecidos no Código Penal quando o limite máximo da pena de prisão for igualou superior a cinco anos.

3- O prazo de prescrição do procedimento criminal é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação.

4- O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no Código Penal, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42 e no artigo 47”.

Quer o artigo 50, n.º 1 (RJIFNA), quer o n.º 1 do artigo 47 (RGIT) consagram um desvio ao princípio da suficiência do processo penal, consagrado no artigo 7 do CPP, acentuando a competência exclusiva da jurisdição fiscal para decidir questões de natureza tributária - o que tem justificação no carácter altamente especializado das referidas matérias -, que está subjacente ao normativo do artigo 212, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.

Por isso se tem entendido que a suspensão do processo penal tributário em consequência de processo de impugnação judicial ou de oposição à execução é obrigatória e não facultativa como no processo penal comum se se mostrar absolutamente necessária para a decisão da questão prejudicada (verificação do crime fiscal tributário), de modo que se lhe apresente como um antecedente lógico-jurídico, com carácter autónomo e condicionante do conhecimento da questão principal, ou seja, nos casos em que a existência de infracção criminal e bem assim a natureza e quantum da pena dependem da resolução de uma questão fiscal. Cfr. A. Tolda Pinto e J. M. Bravo, ob. cit. anotação ao art. 47.

            O art. 47 nº 1 foi alterado pelo art. 95 da L. 53-A/2006 de 29-12, sendo a seguinte a redacção: “se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário em que se discuta a situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças” (sublinhado nosso).

            Só no caso de a qualificação criminal dos factos imputados depender da decisão a proferir naquele outro processo é que a suspensão do processo penal tributário é obrigatória. Não se verificando essa circunstância, a impugnação judicial não pode produzir os efeitos impostos pelo art. 47.

            E, como já foi referido supra, a conduta de ocultação ou de alteração de factos ou valores, ou conduta de celebração de negócio simulado, é o momento da consumação do crime.

A verificação do crime não só não depende da liquidação como necessariamente a precede.

            Referindo A. Tolda Pinto e J. M. Bravo que “para instauração do processo por crime de fraude fiscal no caso de negócio jurídico simulado não se torna necessário a prévia declaração de nulidade do tribunal comum em acção proposta pelo Mº Pº”.

            Assim, que temos como momento da consumação do crime a data da celebração do negócio simulado e, nesta data se inicia o prazo de prescrição.

            Situação que se aplica ao disposto no nº 2 do art. 42 do RGIT, a qualificação criminal dos factos não depende, in casu, de discussão da situação tributária.

            Assim, que o inquérito deveria ser concluído em 8 meses conforme preceitua o nº 1 deste preceito.

            Pelo que restam os casos de suspensão ou interrupção nos termos estabelecidos no Código Penal – art. 21 nº 4 do RGIT.

            Estamos perante o crime de fraude fiscal na forma continuada pelo que, o prazo de prescrição se conta desde o dia das prática do último acto – art. 119 nº 2 al. b) do CP.

            Os factos foram praticados entre os anos de 2000 e 2002 – ponto 17 dos factos provados, mais precisamente 27-12-2002, conforme ponto 158 dos provados.

            O prazo de prescrição é de 5 anos – art. 21 nº 1 do RGIT.

            A acusação foi deduzida em 28-04-2006, sendo os arguidos notificados, o último em 10 de Maio de 2006.

            O prazo de prescrição suspendeu-se a partir da notificação da acusação – art. 120 nº 1 b) e pelo prazo de 3 anos – nº 2 do citado artigo.

            Contado o prazo da prescrição, acrescido de metade do mesmo, mais o período de suspensão (5+2,5+3=10,5), possibilidade de prescrição nos termos do nº 3 do art. 121, verifica-se que tal prazo ainda não decorreu.

            Por outro lado, o prazo de prescrição interrompeu-se a última vez com a notificação da acusação, começando após, um novo prazo de prescrição – art. 121 nº 1 al. b) e nº 2 do CP.

            Só que com a notificação da acusação, o prazo de prescrição suspende-se e só volta a correr 3 anos depois.

Assim sendo, por nenhuma das vertentes possíveis, temos não se encontrar prescrito o procedimento criminal em relação a nenhum dos arguidos.

            Da pena: sua escolha, desproporcionalidade e condição da suspensão:

            Tem o recorrente como suficiente a pena de multa.

            O art. 103 nº 1 do RGIT pune a fraude fiscal com pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias.

            Por outro lado, o art. 70 do CP manda aplicar pena não privativa, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

            Nos termos do art. 13 do RGIT, na determinação da medida da pena atende-se, sempre que possível, ao prejuízo causado pelo crime.

            Igualmente há que considerar que estamos perante crime continuado, sendo bastantes as condutas repetidas.

Embora não seja dito de forma expressa, na sentença tem-se como adequada a pena de prisão.

Nos termos do art. 70, parte final, se apenas pena privativa satisfaz as necessidades da punição, é porque pena não privativa não satisfazia de forma adequada e suficiente essas finalidades.

Na sentença se justifica: “ DA ESCOLHA E MEDIDA CONCRETA DAS PENAS

Feito o enquadramento jurídico-penal das condutas dos arguidos importa, agora, determinar a natureza e medida das sanções a aplicar.

O artigo 40º do Código Penal dispõe que a aplicação de uma pena visa a protecção dos bens jurídicos, no sentido da tutela da crença e confiança da comunidade na ordem jurídico-penal e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa.

            O Supremo Tribunal de Justiça, num Acórdão de 12 de Março de 1997, resume assim a sua interpretação dos fins das penas:

a)         “a prevenção geral positiva ou de integração é a finalidade primordial a prosseguir;

b)         deste modo, a prevenção especial positiva nunca pode pôr em causa o mínimo da pena imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada;

c)         por sua vez, porém, a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva, também nunca pode pôr em causa a própria dignidade humana do agente, que o princípio da culpa justamente salvaguarda;

d)         por isso, a pena jamais pode ultrapassar a medida da culpa ou o máximo que a culpa do agente consente, independentemente de, assim, se conseguir ou não atingir o grau óptimo de protecção dos bens jurídicos;

desta forma, o espaço possível de resposta às necessidades de reintegração social do agente é o que se define entre aquele mínimo imprescindível à prevenção geral positiva e o máximo consentido pela sua culpa”.

A determinação das medidas concretas das penas, nos termos do artigo 71º do Código Penal, deve ser feita em função da culpa dos agentes e das exigências de prevenção, atendendo às circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente.

            A este respeito, porque sintetiza e expõe de forma exemplar a doutrina e a jurisprudência dominantes quanto à determinação das medidas das penas, citamos o Acórdão do STJ, de 09.12.1998, relatado pelo Conselheiro Leonardo Dias, in BMJ 482-77: ”Do nosso ponto de vista deve entender-se que, sempre e tanto quanto for possível, sem prejuízo da prevenção especial positiva e, sempre, com o limite imposto pelo princípio da culpa – nulla poena sine culpa – a função primordial da pena consiste na protecção de bens jurídicos, ou seja, consiste na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos”.

A culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto o seu limite máximo, absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir.

A prevenção especial positiva, subordinada que está a finalidade principal de protecção dos bens jurídicos, já não tem a virtualidade para determinar o limite mínimo; este não pode ser outro que não o mínimo da pena que, em concreto, ainda realiza eficazmente aquela protecção.

Enfim, devendo proporcionar ao condenado a possibilidade de optar por comportamentos alternativos ao criminal (sem, todavia, sob pena de violação intolerável da sua dignidade, lhe impor a interiorização de um determinado sistema de valores), a pena tem de responder, sempre, positivamente; às exigências de prevenção geral de integração.

Figueiredo Dias propõe a definição de bem jurídico como a “unidade de aspectos ônticos e axiológicos, através da qual se exprime o interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objecto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso valioso”, cfr. “Os novos rumos da política criminal”, ROA, ano 43º, 1983, pág. 15.

Os princípios jurídico-penais da lesividade ou ofensividade, da indispensabilidade da tutela penal, da fragmentaridade, subsidiariedade e da proporcionalidade, quer os próprios mecanismos da democracia e os princípios essenciais do Estado de Direito são garantias de que, enquanto de direito, social e democrático, o Estado não poderá chegar ao ponto de fazer da pena uma arma que, colocada ao serviço exclusivo da eficácia, pela eficácia do sistema penal, acabe dirigida contra a sociedade.

A prevenção geral, no Estado de Direito, por se apoiar no consenso dos cidadãos, traduz as convicções jurídicas fundamentais da colectividade, e coloca assim a pena ao serviço desse sentimento jurídico comum; isto significa que ela não pode ser aplicada apenas para intimidar os potenciais delinquentes mas que, acima de tudo, deve dar satisfação às exigências da consciência jurídica geral, estabilizando as suas expectativas na validade da norma violada. Subordinada a função intimidatória da pena a esta sua outra função socialmente integradora, já se vê que a pena preventiva (geral) nunca poderá ser pura intimidação mas, sim, intimidação limitada ao necessário para restabelecer a confiança geral na ordem jurídica ou por outras palavras, intimidação conforme ao sentimento jurídico comum.

Se, por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, nunca pode esta ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que a moldura a aplicar ao caso concreto (“moldura de prevenção”) há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente; entre tais limites encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social”.

Assim, na determinação da medida concreta da pena, nos termos do referido artigo 71º do Código Penal, o tribunal levará em conta, quanto a ambos os arguidos:

- o grau de ilicitude dos factos que se considera ser de grau muito elevado, face ao montante das prestações tributárias não declaradas nem entregues à Fazenda Nacional;

- as consequências do crime, que aqui se confundem com o prejuízo sofrido pela Fazenda Nacional;

- a intensidade do dolo que se revela elevada, já que houve dolo directo;

- os motivos que determinaram a prática do crime, designadamente o propósito de obterem proveitos económicos indevidos para a firma de molde a que esta pagasse menos impostos do que na realidade devia;

- a circunstância de os arguidos estarem familiar e profissionalmente integrados;

- o facto de os arguidos não terem antecedentes criminais.

No que concerne às exigências de prevenção geral, considera-se que são elevadas, dado o crescente número de situações como a dos autos, que revelam desrespeito pela função tributária do Estado, pondo em causa não só a autoridade deste, mas também a repartição equitativa dos rendimentos e da riqueza e a diminuição das desigualdades entre os cidadãos (artigos 103º e 104º da Constituição da República Portuguesa).


*

Uma vez que estamos perante a prática de um crime continuado, na determinação da medida da pena deverá ter-se em consideração o regime de punição previsto no artigo 79º do Código Penal, nos termos do qual o crime continuado é punível com a pena mais grave que integra a continuação.

Assim, a tarefa de determinação da pena passaria por encontrar uma pena para cada uma das concretas condutas que integram a continuação para, depois, se escolher a pena mais grave. Todavia, afigura-se-nos que no caso dos autos tal tarefa se revela desnecessária, uma vez que estamos perante condutas que, por terem exactamente, os mesmos contornos (o quadro exterior em que foram praticados é o mesmo, sendo idênticos os valores das várias prestações que, nos vários momentos, foram retidos e não entregues), encerram igual gravidade. Nessa medida, proceder-se-á à determinação da pena por referência a uma das condutas, desde já com a ressalva de que a pena encontrada em relação a tal conduta será a mesma que para as restantes e, nessa medida, constituirá a pena para o crime continuado em apreço”.

Na sentença tem-se a pena detentiva como a única que satisfaz as exigências de prevenção e punição.

No entanto, entendemos que deveria estar mais e melhor justificada a opção por pena de prisão.

Nos termos do art. 70 do mesmo diploma, deve dar-se prevalência à pena não detentiva, sempre que esta satisfaça de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Na sentença recorrida não se justifica de forma convincente a necessidade de aplicação de pena detentiva, face ao comportamento do arguido.

Desenvolveu-se o critério de aplicação da medida concreta da pena, tendo como assente ser necessária a de prisão.

É certo que são particularmente exigentes as necessidades de prevenção geral e especial, fazendo-se sentir à sociedade e ao agente a reprovação deste tipo de condutas. Basta atentar na conjuntura económica actual.

As finalidades da punição a atingir em sede de escolha da medida da pena são essencialmente preventivas; prevenção especial sob a forma de atingir a ressocialização, e de prevenção geral sob a forma de satisfação do sentimento jurídico da sociedade.

Como escreve o Prof. Figueiredo Dias in Direito Penal Português, Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Notícias, pág.333, e citado na sentença, “Desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”.

No caso dos autos tem de se ponderar como se disse, o prejuízo causado pelo crime, que é quantia relevante.

A continuação da conduta criminosa.

O facto de nem a arguida nem qualquer dos arguidos reporem a verdade dos factos entregando ao Fisco as quantias de que se apropriaram.

Foram quantias efectivamente recebidas e sobre as quais não se verificou incidência fiscal, como deveria ter havido.

Assim, atento ao exposto, temos que a gravidade da culpa e necessidade de prevenção geral e especial são prementes e justificam a aplicação de pena detentiva.

Há sempre que contar com a culpa do agente.

Como salienta a Prof. Maria João Antunes in Consequências Jurídicas do Crime, pág. 12, “o CP de 1982 apostou na superioridade politico-criminal da pena de multa face à pena de prisão, no tratamento da pequena e média criminalidade…”, acrescentando, “torna-se particularmente necessário que esta pena seja legalmente conformada e concretamente aplicada de forma a permitir a plena realização das finalidades das penas (art. 40, nº 1 do CP), o que acarreta, desde logo, o estabelecimento de limites mínimos e máximos suficientemente afastados para que a determinação concreta da pena possa fazer dela uma pena com eficácia politico-criminal”. Mas essa política legislativa não afasta a aplicação de pena detentiva quando a mesma se mostra necessária e adequada.

Face ao exposto, entendemos que pena não detentiva não realiza cabalmente as necessidades e finalidades da punição, optando, conforme preceitua a lei, art. 70 do CP, por pena privativa da liberdade, como se fez na sentença.

E, daí não resulta qualquer desproporcionalidade dos factos à sanção.

Nos termos do art. 71 n° 1 e 40 n° 1 e 2 a determinação concreta da medida da pena é, realizada em função da culpa do agente, das necessidades de prevenção geral e de prevenção especial.

No que se refere à prevenção geral, haverá que dizer que esta radica no significado que a "gravidade do facto" assume perante a comunidade, isto é, importa aferir do significado que a violação de determinados bens jurídico penais tem para a comunidade e satisfazer as exigências de protecção desses bens na medida do necessário para assegurar a estabilização das expectativas na validade do direito (cfr. ANABELA RODRIGUES, A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra, 1995, págs. 371 e 374) ou, por outra forma, a consideração da prevenção geral procura dar "satisfação à necessidade comunitária de punição do caso concreto, tendo-se em conta de igual modo a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos" (Ac. STJ de 4-7-1996, CJSTJ, II, p. 225).

A medida da culpa do arguido impõe (a pena da culpa é que impõe a medida, nos termos do art. 40 nº 2 do CP –cfr. Ac. desta relação, de 17-01-1996, in Col. Jurisp. Tomo I, pág. 38) alguma severidade.

Salienta o Ac. desta Relação, de 27-06-1996 que: “I- No âmbito da escolha da pena são determinantes as exigências de prevenção geral e de prevenção especial, prevalecendo estas por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva politico-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão. II- Esta prevalência verifica-se a dois níveis: O tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas”.

De relevante provou-se que o arguido tem tido bom comportamento, é primário, genericamente confessou os factos e encontra-se inserido, social e familiarmente e no mundo do trabalho.

Mas como contrapartida temos as quantias apropriadas, sem qualquer reparação.

O próprio recorrente reconhece que se tivesse regularizado a situação fiscal, isso lhe era benéfico em termos de procedimento criminal.

            Tendo em conta a moldura abstracta da pena de prisão até 3 anos, e ponderando tudo o exposto, tem-se como adequada a pena de 2 anos aplicada.

            A pena aplicada deve ser referente à culpa de cada arguido e, em relação ao arguido BS..., apurou-se que o mesmo não tinha intervenção directa nas escrituras. Daí resulta a diferenciação da medida concreta da pena.

Nos termos do art. 14 do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de 5 anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, podendo ser acrescida do pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa. Preceito que não sofre de inconstitucionalidade conforme Ac. do STJ de 06-01-05, in Col. Jurisp. Tomo I, pág. 165.

Na sentença foi o recorrente condenado, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, na condição de o arguido pagar ao Estado (Fazenda Pública) a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros), no prazo de dezoito meses a contar do trânsito em julgado da sentença e comprovar nos autos tal pagamento.

A condição de suspensão é o pagamento da prestação tributária em falta (o que inclui toda a conduta criminosa a ser objecto de julgamento )e legais acréscimos e não, como pretende o recorrente, que se limite a prestação ao montante da conduta mais grave que se engloba na continuação.

Pelo que a quantia sobre a qual não houve incidência fiscal ascendeu a 550.674,66€, quantia sobre a qual se aplicava a taxa de IRC de 30%, o que dava a quantia liquida de 165.202,398.

Assim, que não tem razão o recorrente.

Motivo pelo qual se julgam improcedentes as conclusões do seu recurso e, consequentemente este.


***

Recurso do arguido BS...:

            Este recorrente questiona:

            - Prescrição do procedimento criminal;

            - Matéria de facto – impugna toda a matéria de facto provada que o coloca como tendo participação activa na prática do crime insurgindo-se igualmente contra os factos dados como não provados e que o afastavam dessa intervenção.

            - Medida da pena aplicada ao recorrente, tendo como suficiente pena de multa e pelo mínimo.


*

            Prescrição do procedimento criminal:

Dá-se aqui por reproduzido tudo quanto se disse sobre esta matéria na análise do recurso do co-arguido, onde se concluiu não se encontrar prescrito o procedimento criminal em relação a todos os arguidos.

Matéria de facto:

O recurso deste arguido incide no facto que alega de que não exerceu, em momento algum, a funções de administrador de facto ou de direito da sociedade arguida.

Incide sobre a matéria de facto e apreciação da mesma.

Entende o recorrente ter havido erro de julgamento da matéria de facto, que esta foi incorrectamente apreciada.
Questões em redor da apreciação da matéria de facto.

De acordo com o preceituado no artigo 124º, nº1 do Código de Processo Penal, “constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis”.

Neste artigo, onde se define qual o tema da prova, estabelece-se que o podem ser todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou para a inexistência de qualquer crime, para a punibilidade ou não punibilidade do arguido, ou que tenham relevo para a determinação da responsabilidade civil conexa.

A ausência de quaisquer limitações aos factos probandos ou aos meios de prova a usar, com excepção dos expressamente previstos nos artigos seguintes ou em outras disposições legais, é afloramento do princípio da demanda da verdade material, que continua a dominar o processo penal (cfr. Conselheiro Maia Gonçalves, Código de Processo Penal, 12ª ed., págs. 331).

Por sua vez, o artigo 127º do Código de Processo Penal prescreve:

Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.     

É o chamado princípio da livre apreciação da prova, cujo tem duas vertentes. Na sua vertente negativa, significa que, na apreciação (valoração, graduação) da prova, a entidade decisória não deve obediência a quaisquer cânones legalmente preestabelecidos. Tem o poder-dever de alcançar a prova dos factos e de valorá-la livremente, não existindo qualquer pré-fixada tabela hierárquica elaborada pelo legislador. Do lado positivo, significa que os factos são dados como provados, ou não, de acordo com a íntima convicção que a entidade decisória gerar em face do material probatório validamente constante do processo, quer ele provenha da acusação, quer da defesa, quer da iniciativa do próprio" (Acórdão da Relação de Coimbra de 9 de Fevereiro de 2000, Colectânea de Jurisprudência, Ano XXV, Tomo I, Pág. 51).

Segundo os ensinamentos do Prof. Germano Marques da Silva “a livre valoração da prova não deve ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas a valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão” (Direito Processual Penal, vol. II, pág. 111). Também, o S.T.J., em acórdão datado de 13 de Fevereiro de 1992, referiu que “a sentença deve conter os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituam o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência” (Col. Jur. ano XVII, tomo I, pág. 36). Por sua vez, o Tribunal Constitucional, acórdão n.º 464/97/T se pronunciou por não julgar inconstitucional a norma do artigo 127º do Código de Processo Penal.

Perante estes ensinamentos, está pois, o Tribunal autorizado a valorar factos, que com a segurança necessária à verdade prática-jurídica, sirvam de suporte à decisão.

Nos termos do prescrito no artigo 374º, n.º 2 do Código de Processo Penal, o Tribunal deve na sentença indicar os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.          

Conforme refere Marques da Silva o juízo sobre a valoração da prova tem vários níveis. Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionais explicáveis. Num segundo nível inerente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e, agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio que há-de fundamentar-se nas regras da lógica, princípio da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão, regras da experiência.

Na sentença fundamenta-se a convicção, o que é feito de forma bastante completa e sem deixar dúvidas acerca da forma e modo da convicção do julgador para dar como provados aqueles factos –tudo conforme se pode verificar através da transcrição supra.

Simplesmente, o recorrente não concorda com a forma como o julgador se “convenceu”.

Prova produzida houve demonstrativa de que o recorrente exerceu as funções de administrador até final, apenas o recorrente entende que o tribunal não a deveria valorizar daquela forma, porque lhe não é favorável.

Temos o co-arguido CS... a depor esclarecendo que toda a administração sabia o que se passava, “nomeadamente quanto à diferença existente entre o valor que constava das escrituras de aquisição dos lotes em causa nos autos e os valores pelos quais na realidade eles eram adquiridos.

Apesar de confirmar que o arguido BS...era o homem das obras, isto é, a pessoa responsável pelas obras dos lotes em questão, referiu que o mesmo sabia de tudo o que se passava e teve o controlo de tudo.

… e o preço final da venda era feito por ele e pelo arguido BS..., seu irmão, que, apesar de tratar de todos os assuntos relacionados com empreitadas, subempreitadas e fornecedores e de em regra não participar nas escrituras de compra e venda estava a par de tudo o que se passava”.

E, também o depoimento do recorrente, “o arguido BS... referiu que era sócio-gerente da MZ..., sociedade que realizou as obras dos lotes em causa nos autos, contratada pela PPP..., mas tinha conhecimento do preço de venda dos apartamentos, uma vez que era ele que contactava com as pessoas que adquiriram os lotes em causa nos autos, procedia às negociações com vista à venda dos apartamentos e das vivendas e tratava dos contratos-promessa respectivos, os quais eram assinados pelo seu irmão, o arguido CS....

Acrescentou que só em 2005 teve conhecimento que os valores das escrituras eram diferentes dos valores reais de aquisição dos respectivos lotes”.

Como pode ter conhecimento do valor real, já que contactava com as pessoas que adquiriram os lotes e procedia a negociações com vista à venda dos apartamentos e vivendas e tratava dos contratos-promessa respectivos e, não se aperceber da não entrada do dinheiro (diferença entre o valor real e o simulado) na empresa?

Como não se apercebia se a testemunha VB…, Inspector Tributário, que fez inspecção à arguida e recolheu meios de pagamento e cópias e cheques que totalizavam valores diferentes dos constantes das escrituras, tendo concluído “que grande parte das vendas dos imóveis eram efectuadas por valores muito superiores aos valores declarados”.

Também concluiu que “a gerência de facto da sociedade arguida cabia ao arguido CS…, sendo ele quem assinava a maior parte dos documentos… considerando que era o arguido BS...estava por trás de tudo”.

Os cheques eram depositados em conta da sociedade arguida.

Tratava-se de conta desconhecida do recorrente BS...?

Também a testemunha SF..., Inspector Tributário concluiu que a diferença de valores era muito grande, “sendo que estes valores eram de montante largamente superior ao declarado, em média na casa dos 40%”.

Como podia um sócio gerente não ter conhecimento desta realidade?

A testemunha AC... que foi administrador da arguida, sabe que era o arguido CS...o mais responsável pela tomada das decisões relativas aos factos em causa nos autos, mas “confirmou que o arguido BS...também opinava na venda das casas”.

A testemunha AP... que adquiriu uma moradia, referiu que negociou a aquisição da casa “com os arguidos CS...e BS...”. “Foi peremptório em referir que foram os dois arguidos que lhe disseram para escriturar por um preço inferior ao real, adiantando que negociou no stand de vendas e que chegou a estar com os dois arguidos no escritório da empresa”.

A testemunha PF... que referiu que adquiriu uma vivenda geminada e negociou o preço, quer o valor real quer o preço a ser escriturado, como o arguido BS.... Esta testemunha, “foi bem clara ao referir que nunca falou com o arguido CS..., apesar de se recordar de ouvir falar no nome deste”.

A testemunha JA... referiu que adquiriu uma fracção e negociou a aquisição com o arguido BS..., no stand de vendas junto à urbanização, esclarecendo o valor real e o escriturado, valores propostos pelo arguido BS...e que nunca teve qualquer contacto com o arguido CS.... Acrescentou que o arguido BS...se apresentava como sócio e representante da empresa.

A testemunha EA… referiu a intervenção do arguido BS...nas negociações do imóvel que adquiriu e foi este arguido quem propôs a diferença de valor a apresentar na escritura, embora nesta tivesse intervindo o arguido CS….

A testemunha OM..., funcionária da arguida referiu que o arguido BS...tinha noção da discrepância dos valores que constavam das escrituras e dos valores reais de aquisição dos imóveis.

Assim, o tribunal recorrido só podia concluir como concluiu, “Da conjugação de toda a prova produzida dúvidas não restam de que as diferenças entre os valores reais de aquisições dos imóveis e os valores escriturados foram decisões tomadas em conjunto pelo 2º e 3º arguido, sendo que ambos sabiam que os imóveis eram vendidos por valor muito superior ao valor escriturado com o objectivo de pagar menos imposto ao Estado”.

Como verificamos, na sentença recorrida, na fundamentação e motivação da matéria de facto se justifica o motivo pelo qual se deram como provados os factos, e os depoimentos os comprovam de forma convincente.

Donde resulta que tem fundamento a convicção do julgador ao dar como provados os factos demonstrativos de o arguido BS...ter parte activa na prática do crime, enquanto gerente da arguida e, não provados os factos que o afastavam dessa intervenção.

A atribuição de credibilidade ou da não credibilidade a uma fonte de prova por declarações assenta numa opção motivável do julgador na base da sua imediação e oralidade que o tribunal de recurso só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum.

É normal entre os gerentes ou administradores haver distribuição de tarefas e cada um estar mais ligado a essa área, mas sem descurar o todo que é a gerência da sociedade.

Qualquer gerente e qualquer que seja a área onde desenvolve funções, deve actuar (art. 64 do Código das Sociedades Comerciais) com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.

Assim, que não se entenda como pode um administrador desligar-se e deixar decorrer anos alegando desconhecer o que se passa com as contas da sociedade.

Há-de haver um relatório de gestão (assinado pelos gerentes), que deve conter, pelo menos, “uma exposição fiel e clara sobre a evolução dos negócios e a situação da sociedade” -art. 66 CSC, a ser apresentado nos três primeiros meses do ano civil.

A lei não faz a distinção pretendida pelo recorrente, de gerentes de facto e de direito. Apenas existem gerentes cuja competência a lei lhes fixa.

Não concordando com a orientação da direcção, restava-lhe, pelo menos a demissão. Contrariamente ao que o recorrente alega, podia e era-lhe exigível que agisse de outra maneira.

Assim, um gerente, apesar de não desenvolver actividade na área administrativa tem de ter conhecimento da situação da sociedade, nem se concebe que um dos gerentes “decida” fixar diferenças de valores daquela grandeza, sem que disso os demais tenham conhecimento.

As regras da experiência assim impõem.

Pelo exposto, entendemos que na sentença recorrida não foram violados os princípios a que deve obedecer a apreciação e valoração da prova.

Do exposto se conclui da sem razão do recorrente ao alegar na motivação e conclusões do recurso que o crime lhe foi atribuído sem prova devidamente analisada em audiência, de que houve erro na apreciação da prova.

O recorrente interpreta a prova existente de modo não coincidente com a interpretação do Tribunal.

Assim, sem violação de normas ou princípios penais, na sentença recorrida, podia concluir-se como se concluiu em relação à matéria de facto provada.

Na decisão recorrida foi feito um correcto enquadramento juridico-penal da factualidade apurada, cargo que, na vertente da livre apreciação da prova, está vedado aos intervenientes processuais, sendo incumbência exclusiva do julgador - art. 127° CPP.

Refere Figueiredo Dias, in Princípios Gerais de Processo Penal, pág. 160, que só a oralidade e a imediação permitem o indispensável contacto vivo com o arguido e a recolha deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais contritamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Tal relação estabelece-se com o tribunal de 1ª instância, e daí que a alteração da matéria de facto fixada em decisão colegial deverá ter como pressuposto a existência de elemento que, pela sua irrefutabilidade, não afecte o princípio da imediação.

Não se verifica, pois a falta de prova para a atribuição dos factos e a sua prática pelo arguido (não há errada apreciação da prova), nem sequer sendo necessário lançar mão do princípio in dúbio pro reo.

E, acresce que a renúncia do administrador é formal, deveria ter sido dirigida por carta ao presidente do conselho de administração., art. 404 do Cód. das Sociedades Comerciais, acrescentando o nº 2 que a renúncia só produz efeito no final do mês seguinte àquele em que tiver sido comunicada, salvo se entretanto for designado ou eleito o substituto.

O ora recorrente tinha de saber quais as suas obrigações como administrador, e saber que às mesmas estava vinculado, enquanto a essa função não renunciasse pela forma expressamente prevista na lei.

Assim, mantém-se a responsabilidade do recorrente na prática dos factos que lhe são imputados e pelos quais foi condenado.

Face ao exposto, temos como improcedentes, nesta parte, as conclusões do recurso.

Pena aplicada ao recorrente:

Também nesta matéria damos por reproduzido o que acima foi referido na análise desta matéria quanto ao recurso do co-arguido.

Assim que entendamos que a pena aplicada a este arguido é justa, bem doseada e bem merecida.


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Assim, que temos como improcedentes as conclusões do recurso dos arguidos CS... e BS... e, parcialmente procedente o recurso da arguida PPP...- XX... S.A..

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Decisão:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra e Secção Criminal:

1- Em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela arguida PPP...- XX... S.A. e, em consequência:

a)- Como autora de um crime de fraude fiscal, na forma continuada, p. e p. pelo artigo 103, nº 1, alíneas a), b) e c) do RGIT, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho e artigos 30, nº 2 e 79 do Código Penal, condená-la na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de € 25,00 (vinte e cinco euros);

b)- No mais manter a sentença recorrida.

2- Em julgar improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos, CS... e BS..., mantendo-se a sentença recorrida.

Sem custas o recurso da arguida por o decaimento não ser total.

Custas dos recursos dos arguidos CS... e BS..., pelos mesmos, com a taxa de justiça de 6 Ucs para cada um.


Jorge Dias (Relator)
Brízida Martins

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