Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
199/12.3TBALD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: DIREITO DE REGRESSO
SEGURADORA
ALCOOLEMIA
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 01/28/2014
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: ALMEIDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 498 Nº2 E 3 CC, 27 Nº1 C) DO DL Nº 291/2007 DE 21/8
Sumário: O prazo de prescrição do direito de regresso, atribuído no art. 27 nº1 al. c) do DL nº 291/2007 de 21/8, é de três anos, nos termos do art. 498 nº2 do CC, não se aplicando o alongamento do prazo previsto no nº3 desta norma.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.
A... Seguros, S.A. instaurou contra L (…), ação declarativa de condenação com processo sumário.

 Pediu:
 A condenação do réu no pagamento da quantia global de€ 6.175,59.
Alegou:
Celebrou com o Réu um contrato de seguro do ramo automóvel, tendo assim este transferido para si a responsabilidade civil emergente dos danos derivados da circulação daquele veículo.
 No dia 26/09/2007 ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes o veículo RF conduzido pelo Réu e um peão.
O acidente ficou a dever-se a culpa única e exclusiva do Réu, uma vez que na altura circulava com uma taxa de alcoolemia de 2,42 g/l, estando por isso fisiologicamente debilitado ao ponto de não conseguir evitar o embate.
Em consequência do acidente, o peão sofreu inúmeros danos na sua integridade física, tendo suportado despesas e tendo a Autora reembolsado a lesada em tais gastos.
Satisfeita a indemnização ao peão lesado, tem um direito de regresso sobre o Réu no valor total de € 6.175,59, cujo pagamento peticiona.

O Réu contestou desde logo por exceção, alegando que o direito da autora há muito que prescreveu.

Em resposta à contestação, veio a Autora pugnar pela improcedência da referida exceção de prescrição.

2.
Findos os articulados foi proferida decisão na qual, para além do mais  ao abrigo do disposto nos artigos 304º, 306º, 318º e 323º, 498º nºs 1 e 2 do C. Civil e 493º nºs 1 e 3 e 496º do C. P. Civil, julgou-se totalmente procedente a invocada excepção peremptória de prescrição, e em consequência absolveu-se o Réu do pedido formulado pela Autora.

3.
Inconformada recorreu a demandante.
Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. A tarefa intelectual (de quem interpreta a Lei) encontra-se duplamente limitada: por uma exigência de coincidência, no fundamental, entre o espírito e a letra; e pela presunção legal de que o legislador se expressou dotado da máxima racionalidade (cfr. o artigo 9.º, n.os 2 e 3 do CC);
2. Ao prever o alargamento do prazo de prescrição no artigo 498.º/3 do CC, o legislador teve o cuidado de restringi-lo aos casos em que o facto ilícito constitua crime “para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo”, quedando-se por esta singular reserva; nem condicionou este alargamento ao facto de ter corrido ou de estar pendente processo-crime e/ou de existir condenação penal; nem estabeleceu qualquer distinção entre a causa de pedir fundada em facto ilícito (reconduzível ao n.º 1) e a causa de pedir fundada em direito de regresso, por cumprimento de uma obrigação (reconduzível ao n.º 2);
3. O que importa é a maior gravidade do facto, sendo irrelevante a circunstância de ter havido ou não procedimento criminal, designadamente por motivo de amnistia ou de falta de queixa; e os factos que podem ser apreciados para além dos três anos são, indistintamente, os do n.º 1 e os do n.º 2.
4. As instâncias de recurso não devem ignorar que o direito da Seguradora, reconduzível ao artigo 27.º/1, alínea c) do Decreto-lei n.º 291/2007, não só assenta na prática de um facto ilícito (o da condução de um veículo automóvel, pelo demandado, com uma taxa de alcoolémia superior à permitida por Lei), como pressupõe a prova de que o mesmo foi causa adequada do acidente de viação;
5. Assim, a Seguradora que pretenda ser ressarcida das quantias despendidas ao abrigo de um contrato de seguro (obrigatório) do Ramo Automóvel, com fundamento em “álcool”, não está dispensada da demonstração dos pressupostos tradicionais da responsabilidade civil extracontratual – o que implica que, também esta, tem interesse na discussão do que é ou possa ser crime;
6. Mais, tem a Recorrente alguma dificuldade em perceber a sustentação in casu da preocupação invocada pelo Tribunal a quo, quando resulta à saciedade que inexiste o risco de duplo alargamento do prazo (em benefício do segurado e em benefício da sua Seguradora) ou, sequer, de uma extensão irrazoável: o facto ilícito está a ser invocado e apreciado pela primeira vez e a ninguém aproveitou já o disposto no artigo 498.º/3 do CC;
7. Que a única condição legal para a aplicação do artigo 498.º/3 do CC se encontra reunida é inequívoco: atendendo ao tipo de lesões corporais que resultaram, para o peão menor, do acidente de viação em apreço mas, também, aos contornos que o mesmo assumiu (de violação comprovada, pelo R., de disposições estradais, designadamente do artigo 81.º/2 do CE, determinante de uma presunção júris tantum de negligência) sempre se pode imputar ao R. o crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. no artigo 148.º/1 do CP – e que o artigo 118.º/1, alínea c) dota de um prazo de prescrição de cinco anos;
8. É quanto basta para que o Tribunal a quo devesse ter julgado improcedente a excepção de prescrição, porquanto: o último pagamento data de 11-03-2008; a presente acção foi intentada, com pedido de citação urgente, em 24-10-2012; e o R. citado em 29-10-2012, por aplicação do artigo 323.º/2 do CC, quando ainda não tinham decorrido os cinco anos da prescrição;
9. Não o fazendo, incorreu em errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 9.º, n.os 1 a 3 e 498.º, n.os 2 e 3 do CC e 118.º/1, alínea c) e 148.º/1 do CP;
10. Ainda que assim não fosse, e contrariamente ao que o artigo 27.º/1 do Decreto-lei n.º 291/2007 sugere, a pretensão da Recorrente não assenta num autêntico direito de regresso, que pudesse consubstanciar um direito novo, completamente distinto daquele que assistia ao lesado e, como tal, merecedor de outro tratamento;
11. Ao invés, a Recorrente agiu na qualidade de garante de uma obrigação cujo responsável final é o R. ficando sub-rogada, ex vi legis, no direito do lesado, na exacta medida da sua satisfação – factualidade que está longe de coincidir com o direito de regresso dentro das relações de solidariedade típica ou própria, que são as do artigo 523.º do CC.
12. Destarte, ao servir-se de uma qualificação equivocada da causa petendi, o Tribunal a quo incorreu em errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 27.º/1, alínea c) do Decreto-lei n.º 291/2007 e 592.º/1 e 593.º/1 do CC.

4.
Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4  e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:

Prescrição do direito da autora.

5.
Os factos a considerar, para além dos dimanantes do relatório supra, são os seguintes:

O acidente ocorreu em 26.09.2007.
A presente ação foi autuada em 24.10.2012.
O réu conduzia o veículo com uma taxa de alcolémia de 2,42 g/L no sangue.
A autora  despendeu com a lesada, por danos decorrentes  do acidente 6.175,59 euros.
O último pagamento efetuado pela autora ocorreu em 11.03.2008.

6.
Apreciando.
6.1.
A questão tem sido sucessivamente e ao longo dos anos abordada e dilucidada pela jurisprudência.
E se até há cerca de 5, 6 anos, a jurisprudência se dividia, quiçá com maior preponderância da que defendia a aplicação do prazo do nº3 do artº 498º do CC não apenas às situações do nº1 mas também às do nº2, desde então que ela se inclina,  numa significativa maioria, para a posição contrária.
Efetivamente e tal como, avisadamente, dá conta o Sr. Juiz a quo:
«Recentemente, porém, o mesmo Supremo mudou de orientação, passando a entender, maioritariamente, que o maior prazo de prescrição, correspondente à prescrição do procedimento criminal, não é aplicável ao direito de regresso da seguradora, fundado na alínea c) do artigo 19 do DL nº 522/85 de 31 de Dezembro. (Acs. do STJ de 29.11.11, 17.11.11, 16.11.10, 04.11.10, 27.10.09, 04.11.08, 09.10.03 e 06.05.09, www.dgsi.pt, e Maria Manuela Ramalho Sousa Chichorro, O Contrato de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, Coimbra Editora, 2010, pág. 219).
Esta solução, tem contra si um argumento textual, assentando antes em argumentos teleológicos. O argumento literal é retirado da inserção ou posição da norma, como chama a atenção a Autora na sua resposta à contestação. E, de facto, analisando o preceito, pareceria dever entender-se que a localização do texto do n.º 3 devia abarcar também a previsão do n.º 2. Todavia, há que dizer que o juiz não é escravo da lei. A lei é a fonte, o modo de revelação da regra. A lei deve ser interpretada de modo a ajustar-se o mais possível às exigências e ao desenvolvimento da vida em sociedade. Uma boa interpretação da lei não é aquela que, numa perspectiva hermenêutico - exegética, determina correctamente o sentido textual da norma; é antes aquela que numa perspectiva prático - normativa utiliza bem a norma como critério de decisão do problema concreto – cfr. Ac. do STJ de 30-05-2006, dgsi.pt., p. 06A1219, citando Castanheira Neves in Metodologia Jurídica.
Assim sendo, por um lado, o direito de regresso constitui um direito novo, inteiramente dissociado quer do facto gerador da responsabilidade civil, quer, sobretudo, do facto qualificado na lei como crime: o facto do pagamento da indemnização ao lesado opera a extinção da obrigação primária de indemnização, extinção que, do mesmo passo, faz constituir, na esfera jurídica do segurador um direito novo que releva e se baseia no regime específico do contrato de seguro obrigatório – tendo, portanto, uma base contratual – e não tanto na ilicitude extracontratual em que se fundamenta o direito de indemnização cuja satisfação está na base do regresso.
E por outro lado, há que convir que o alargamento do prazo prescricional decorrente de o facto ilícito constituir crime é concedido desde logo e ab initio, ao directamente lesado por tal facto, único a quem, em princípio, é atribuída legitimidade para despoletar o processo crime. Isto porque existindo na legislação processual penal o princípio da adesão do pedido cível este, por via de regra, porque conexo com o facto criminoso, em tal processo tem de ser formulado, pelo que faz todo o sentido que o prazo de prescrição referente ao crime abarque este pedido cível, sob pena de desfasamento temporal para a judicialização dos dois pedidos, com a consequente impossibilidade de, concomitantemente, estes poderem ser deduzidos no processo crime, como pretende a lei. Deste modo tal ratio já falece quando ao demandante em processo cível não assiste tal legitimidade para o processo-crime pois que ele, quando muito, apenas formula o seu pedido indirecta e mediatamente alicerçado no facto ilícito de cariz penal. Nesta perspectiva é inequívoco que o direito de regresso nasce “ex novo”, com o cumprimento do direito à indemnização devida ao ofendido, o qual assim se extinguiu.
Destarte, o momento a partir do qualquer começa a correr o prazo de prescrição daqueles direitos é diverso. No caso do direito do lesado o dies a quo reporta-se ao momento em que este teve conhecimento do direito que lhe compete.
Já no direito de regresso apenas começa a correr na data do cumprimento da obrigação para com o lesado (Vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07/03/2013, Proc. nº 1613/11.0TBMCN-A.P1, disponível em www.dgsi.pt. que aqui seguimos de perto).
E refere também certeiramente aquele Acórdão da Relação do Porto, citando o Acórdão de 31-03-2009 daquela mesma Relação, e fazendo nossas, com a devida vénia, as palavras aí utilizadas: “Acresce que se assim não fosse frustrados sairiam todos os desideratos propugnados com o instituto da prescrição supra referidos, a saber, e em síntese, a certeza, a segurança, a auto-responsabilização e exortação ao credor no sentido de requerer a composição e o acertamento do seu direito no mais curto lapso de tempo possível, e, até, a consecução de uma certa paz jurídico-social. Basta pensar nos casos em que o prazo prescricional do nº 3, do artº 498º, devido à gravidade do crime, assume um largo lapso de tempo, dez, quinze ou mais anos, o lesado propõe a respectiva acção na qual deduz o pedido cível, a qual outrossim demora prolongado tempo e só após a seguradora é condenada a indemnizar aquele. Fará sentido, e é razoavelmente admissível, perante os fitos do instituto da prescrição, que a seguradora, para instaurar a acção de regresso contra o arguido/lesante, disponha ainda de um imenso período adicional correspondente ao prazo de prescrição respeitante ao crime e que pode atingir 10, 15 ou 20 anos? Certamente que não. O lesante estaria assim com a espada de Dâmocles sobre a sua cabeça por decénios, podendo até ser ultrapassado - factualmente, que não de jure, porque não admissível tal excesso – o prazo ordinário de prescrição de 20 anos. E numa matéria em que a lei precisamente pretendeu estabelecer um prazo de prescrição de curta duração.»
De resto é também este o entendimento actual do Tribunal da Relação do Porto (Acórdãos de 25-03-2010, 14-04-2011, 24-05-2011 e 21-05-2012, relatados pelos Desembargadores José Ferraz, Teles de Menezes (2º Adjunto deste), Maria do Carmo Domingues e Abílio Costa, respectivamente) e do Tribunal da Relação de Coimbra (Acórdãos de 24/01/2012, Processo 644/10.2TBCBR-A.C1 e 07/09/10, Processo 329/06.4TBAGN.C1, disponíveis em http://www.dgsi.pt/jtrc), além de todos os já citados.».
Corrobora-se este entendimento.
Na verdade a grande maioria da jurisprudência dos tribunais superiores  atinente a esta questão  e prolatada nos últimos anos pronuncia-se pela inaplicabilidade do prazo do nº3 às situações em que o demandante fundamenta o seu pedido no direito de regresso.
Assim e no que toca à Jurisprudência deste Tribunal da Relação importa citar o mencionado Ac. de 24.01.2012, p.644/10.2TBCBR-A.C1 Relator: Henrique Antunes, no qual se expendeu:
« I - O modo como o Código Civil constrói a sub-rogação legal, permite distingui-la do direito de regresso. Ao contrário do credor sub-rogado, que antes da satisfação do direito do credor era terceiro, alheio ao vínculo obrigacional, o titular do direito de regresso é um devedor com outros, o seu direito nasce, ex novo, com a extinção da obrigação a que também ele estava vinculado.
II - No tocante aos danos causados a terceiros por um veículo terrestre a motor, cujo condutor tenha actuado sobre a influência do álcool, a seguradora da responsabilidade civil e o responsável directo não podem, em relação ao lesado, deixar ser considerados como responsáveis solidários por aqueles danos: o responsável directo com base na responsabilidade civil extracontratual; a seguradora, com base no contrato de seguro de responsabilidade civil (artº 497º, nº 1 do Código Civil).
III - Todavia, entre a seguradora e o responsável directo ocorre uma relação de solidariedade imperfeita ou imprópria, dado o escalonamento sucessivo que caracterizam as relações internas entre ambos os condevedores: o devedor principal é o responsável directo, do qual a seguradora - mero garante da indemnização no confronto dos lesados – poderá exigir tudo o que pagou (artº 19 nº c) do DL nº 522/85, de 31 de Dezembro).
IV - No tocante à indemnização suportada pela seguradora da responsabilidade civil automóvel por danos causados a terceiros pelo conduto do veículo automóvel que tiver agido sob a influência do álcool, a lei é terminante em qualificar o direito de reembolso da indemnização que satisfez que lhe assiste, como direito de regresso.
V - Ainda que no plano teórico parecesse mais ajustado o enquadramento a situação na categoria técnica da sub-rogação, o caso deve, ter-se, ex-vi legis, como de verdadeiro direito de regresso.
VI - Por força desta qualificação, é patente que o direito de regresso da seguradora se não confunde, de todo, com o direito de indemnização que contra ela foi feito valer pelos lesados: com a satisfação desta indemnização – e só com essa satisfação – surge na esfera jurídico-patrimonial da seguradora um direito de crédito verdadeiramente novo, embora consequente à extinção da relação creditícia de indemnização anterior…
VIII - O direito de regresso do segurador que tiver satisfeito a indemnização ao lesado não beneficia do maior prazo disponibilizado ou assinado na lei para a prescrição do procedimento criminal.
IX - Aquele prazo de prescrição é, portanto, e sempre, de apenas 3 anos, contados do cumprimento da obrigação de indemnização que, por força do contrato de seguro, vincula o segurador.
X - No tocante ao direito de regresso entre responsáveis, é nítida a orientação pelo sistema objectivo: o prazo prescricional conta-se do cumprimento da obrigação de indemnização (artº 498º, nº 2 do Código Civil).
XI - Uma jurisprudência largamente maioritária, mesmo do Supremo, fazia situar o terminus a quo do prazo prescricional no segundo daqueles momentos: o decurso do prazo prescricional operaria a partir de cada acto de pagamento parcelar ou fraccionado e não a partir do último.
XII - Mas também a este propósito é patente uma mudança de orientação da jurisprudência do Supremo que vem sustentando, ultimamente, que o prazo de prescrição considerado se conta, por regra, desde o último de pagamento, pelo segurador, da indemnização ao lesado
 (sublinhado nosso)
Já no citado Ac. da RC  de 07/09/10, p. 329/06.4TBAGN.C1, subscrito pelo hoje já ilustre Conselheiro Gregório de Jesus, defendeu-se:
«No âmbito do seguro obrigatório, o direito de regresso da seguradora sobre o seu segurado, quanto às quantias que, por força do contrato de seguro e da verificação de uma das circunstâncias previstas no artº 19º, al. c), do DL nº 522/85, esta haja pago aos lesados, prescreve no prazo de 3 anos, estabelecido no nº 2 do artº 498º do CC, contado a partir da data em que ocorreu o pagamento cujo reembolso se pretende»
E neste sentido outrossim se pronunciou o Ac. da RC de 12.04.2011, p. 1372/10.4T2AVR.C1 ao decretar que:
«Não se justifica o alargamento do prazo prescricional do número 2 do artigo 498.º do Código Civil na acção de regresso, através da qual se pretende reaver as quantias indemnizatórias pagas aos lesados, porquanto nestas acções não está em causa, em termos directos e imediatos, a responsabilidade civil extracontratual derivada do facto voluntário, culposo, ilícito, causal e lesivo, que, em rigor, já estará definida, mas antes um segundo momento, subsequente à definição, em concreto, da dita responsabilidade, não se vislumbrando necessidade ou motivo, quer em termos fácticos como jurídicos, para proceder a tal ampliação do prazo de 3 anos previsto para o direito de regresso.
 Servindo o direito de regresso para o responsável primário recuperar do responsável final o valor da indemnização que teve de suportar perante terceiro, está suposto no surgimento do direito de regresso que a discussão e o apuramento da medida da responsabilidade civil estão feitos, pelo que nenhuma razão existe para lhe aplicar um alargamento do prazo que pressupõe que a medida dessa responsabilidade possa ser ainda discutida em sede penal por mais tempo.
 O direito de regresso surge se e na medida em que o apuramento da responsabilidade está feito e ocorreu o pagamento da indemnização devida ao lesado, logo o prazo de 3 anos, a contar do pagamento da indemnização, para o titular do direito exigir o regresso do que pagou, mostra-se absolutamente suficiente.» (sublinhado nosso)
Já na Jurisprudência do STJ, citada na decisão, importa realçar o Ac. de  16.11.2010, p. 2119/07.8TBLLE.E1.S, a saber:
«À primeira vista e utilizando o elemento literal de interpretação, podia-se dizer que a extensão do prazo prevista no citado nº 3 tanto se aplica ao prazo do nº 1 – de prescrição do direito do lesado – como ao prazo previsto no nº 2 – do direito de regresso, embora a interpretação contrária também seja admissível com aquela redacção da lei.
Porém, pensamos que pela utilização do elemento lógico de interpretação teremos de chegar a entendimento contrário, nomeadamente pela utilização do elemento racional.
A razão de ser da introdução do preceito do nº3 em causa visou alargar o prazo de prescrição do lesado quando o facto lesante constituía crime de gravidade acentuada que leve a que o prazo de prescrição do crime seja superior aos três anos fixados no nº 1.
É que se não pode esquecer a existência do princípio da adesão da dedução da indemnização civil no processo criminal e se o prazo de prescrição criminal ainda não decorreu, se não compreenderia que se extinguisse o direito à indemnização civil – conexa com o crime - e ainda estivesse a decorrer o prazo para a prescrição penal operar, onde o legislador entendeu dever ser deduzido o pedido de indemnização civil – dentro de certas limitações constantes das normas penais.
Daqui parece apontar para que a extensão do prazo de prescrição do nº 3 referido apenas se justifica no prazo de prescrição do direito do lesado e não do direito de regresso.
Por outro lado, o direito de regresso em causa tem natureza diversa, é um direito autónomo ao relação ao direito do lesado, nascido “ex novo”, com o pagamento do direito à indemnização ao ofendido, que assim se extinguiu fazendo nascer aquele direito de regresso.
Além disso, o momento a partir do qual começa a correr o prazo de prescrição daqueles direitos é diverso, sendo no caso do direito do lesado o momento em que este teve conhecimento do direito que lhe compete, enquanto no direito de regresso começa a correr na data do cumprimento da obrigação para com o lesado.
…no caso do direito de regresso, este nada tem a ver com a fonte da obrigação extinta pela seguradora, cuja satisfação pela seguradora o fez nascer, direito de regresso este que a mesma veio exercer, sendo este direito de regresso independentemente da fonte do daquela obrigação extinta que pode ter origem em mera responsabilidade civil – nomeadamente pelo risco – ou pode resultar da prática de um crime grave com prazo alongado de prescrição penal.
Esta autonomia justifica que o interesse da lei em sancionar o credor pouco diligente – no interesse da clarificação, estabilização e segurança das relações jurídicas que está subjacente à adopção daquele instituto – leva a que a extensão do prazo de prescrição do nº 3 mencionado se não justifique aplicar-se ao caso do direito de regresso em face da sua natureza diversa do direito do lesado em relação ao direito de regresso e da autonomia deste em relação à causa ou fonte daquele direito do lesado.»
(sublinhado nosso)
Bem como o de 17.11.2011, p. 1372/10.4T2AVR.C1.S1:
– Não vale aqui, manifestamente, o argumento de que, enquanto o facto ilícito pode ser discutido em sede penal, deve poder ser apreciado no âmbito da responsabilidade civil. Como se escreveu na sentença, “nenhuma razão existe para lhe aplicar [ao direito de regresso] um alargamento do prazo que pressupõe que a medida dessa responsabilidade possa ser ainda discutida em sede penal por mais tempo”;
– Se é incontestável que a sentença de condenação da autora no pagamento da indemnização não faz caso julgado contra o réu, que dela não foi parte, é igualmente incontestável que está amplamente facilitado à seguradora a propositura da acção de regresso, no que respeita nomeadamente à investigação e recolha de prova que a sustentem;
– Diferentemente do que sucede no âmbito da sub-rogação, na qual, segundo o disposto no nº 1 do artigo 593º do Código Civil, “o sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam”, acompanhados das “garantias e outros acessórios do direito transmitido, que não sejam inseparáveis da pessoa” do credor (nº 1 do artigo 582º, aplicável por força do disposto no artigo 594º), o que significa que o direito do credor se transmite para o sub-rogado, conservando a extensão, os poderes, as garantias e outros “acessórios” (que, naturalmente, sejam susceptíveis de mudar de titular), o direito de regresso constitui-se ex novo, “sendo este direito de regresso independente da fonte da(…) obrigação extinta” pela seguradora (acórdão do Supremo Tribunal da Justiça de 16 de Novembro de 2010, já citado);
– Não é argumento a inserção sistemática do nº 3 do artigo 498º do Código Civil, cuja letra revela pretender aplicar-se à hipótese prevista no nº 1. Mas ainda que se entenda retirar da localização do preceito um significado substancial, no que respeita à intenção do legislador, a verdade é que essa interpretação esbarra com a falta de fundamento material do alargamento do prazo. Além do mais, o prazo seria duplamente alongado, valendo a mesma ampliação para duas acções consecutivas.» (sublinhado nosso)
E, ainda, o de 29.11.2011, p. 1507/10.7TBPNF.P1.S1:
«O alongamento do prazo de prescrição do direito à indemnização em consequência de danos ocasionados por facto ilícito que constitua um crime (art. 498.º, n.º 3, do CC) não vale para o exercício do direito de regresso da alínea c) do art. 19.º do DL n.º 522/85, de 31-12.
 É certo que o elemento literal da norma não afasta em definitivo a aplicação do n.º 3 do art. 498.º às situações do n.º 2; mas é ilógica essa aplicação, dado que, na hipótese de exercício do direito de regresso, só está em aberto o direito da seguradora ao reembolso do que pagou ao lesado e não a determinação da responsabilidade extracontratual do lesante, ponto nesse momento já assente e indiscutido.
 O alongamento do prazo de prescrição compreende-se quando esteja em causa o direito do lesado, mas não o direito de regresso da seguradora.
Tendo em conta o princípio de adesão estabelecido no art. 71.º do CPP, …não faria sentido que o direito do titular à indemnização civil (a exercer no processo criminal) pudesse ser atingido pela prescrição estando ainda a decorrer o prazo de prescrição do procedimento criminal, que em certo número de casos – cf. o art. 118.º do CP – é mais longo do que o fixado no n.º 1 do art. 498.º do CC.
 Mas estas razões não colhem quando se está perante o direito de regresso da seguradora, realidade jurídica inteiramente distinta e autónoma em relação ao direito de indemnização do lesado; por isso mesmo é que no primeiro caso o prazo de prescrição se conta a partir da data do cumprimento da obrigação e no segundo do conhecimento do direito pelo lesado.
 Porque o direito de regresso nada tem que ver com a fonte da obrigação que a seguradora extinguiu ao cumprir o contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil celebrado com o lesante, não se justifica, em tal eventualidade, o alongamento do prazo de prescrição previsto no n.º 3 do art. 498.º, antes devendo prevalecer o interesse da lei na rápida definição da situação e na consequente punição da inércia da seguradora num lapso de tempo mais curto, que é o do n.º 2 do mesmo preceito.»
(sublinhado nosso)
Finalmente e no que tange à jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto, importa referir que um  dos Acordãos no qual a decisão recorrida se sufragou - bem como aqueloutro nela citada de 07/03/2013, Proc. nº 1613/11.0TBMCN-A.P1 – qual seja o proferido em 31.03.2009,  e publicado in dgsi.pt, p. 2665/07.3TBPRD, teve como relator o também relator do presente aresto.
No mesmo, e para além do já aduzido na decisão ora recorrida, foi concluído que:
«Atentos os fitos das prescrições de curto prazo — certeza, segurança, estabilidade jurídico- social, sanção da inacção do credor e até protecção do devedor - bem como a idiossincrasia própria e o cariz autónomo do direito de regresso por reporte ao direito do lesado, pois que aquele, versus este, não se funda, directa e imediatamente, no facto ilícito de índole criminal, o prazo de prescrição do titular de tal direito não é o atinente a este facto — n°3 do art° 498° do CC — mas antes o prazo de três anos do n°2 do mesmo normativo».
6.2.
As citações foram longas mas valeram a pena, pois que delas ressumbra, adrede e inequívocamente, qual o sentido da jurisprudência, repete-se, hoje claramente maioritária, bem como a validade e consistência do seu discurso argumentativo.
Quanto a nós, como relator, não vislumbramos qualquer motivo superveniente para mudarmos de posição relativamente à vertida no citado Ac. da RP de 31.03.2009.
Antes nos sentindo confortados pela posterior sedimentação jurisprudencial e doutrinal de tal posição.
Nem relevando decisivamente para tal mudança, versus o propugnado pela recorrente, a qualificação jurídica alicerçante do direito da seguradora: se direito de regresso, se direito de sub-rogação.
Em primeiro lugar porque corroboramos o entendimento plasmado no supra citado Ac. da RC de 24.01.2012  de que, qualificando a lei, expressa e inequivocamente, o direito da seguradora como direito de regresso, o mesmo assim se deve considerar, apesar de em tese e em abstrato ele apresentar similitudes com a sub-rogação.
Em segundo lugar, e determinantemente, porque mesmo que o direito da seguradora se taxasse de sub-rogação, tal não bastava para se poder concluir no sentido da aplicação do prazo criminal.
Na verdade, o quid diferenciador essencial e determinante assenta na especificidade da natureza/ cariz/jaez da causa petendi, da ligação do direito a tal causa, da possibilidade de exercício do direito, e da concessão de prazo razoável – atenta a perspetivação equilibrada da posição do credor/lesado e do devedor/lesante – para tal exercício.
Assim, o direito do lesado assenta na responsabilidade aquiliana atinente a facto que constitui crime; já a o direito da seguradora radica e tem a sua fonte na responsabilidade contratual sem qualquer conexão direta com tal ilicitude penal.
Logo, o lesado pode/deve – ex vi do princípio penal da adesão - impetrar a indemnização cível no processo crime, pelo que é legal, lógico/intuitivo que o possa/deva fazer dentro do prazo de prescrição deste processo.
Já o direito da seguradora não se alicerça – e, por isso, não depende - no factualismo consubstanciador da responsabilidade extra-contratual e, muito menos, na ilicitude criminal da conduta do lesante.
Sendo o caso sub judice disto paradigmático, pois que a autora, se bem alcançamos, aceitou a responsabilidade – civil e criminal – do seu segurado e admitiu o pagamento à lesada sem sequer se ter discutido judicialmente a responsabilidade do condutor nestas vertentes.
Assim sendo, dando ela como assente tal responsabilidade, esta – na sua ótica, que é a que interessa considerar – não necessita de ser discutida nos presentes autos.
 Pelo que, pagando a autora com base no contrato de seguro e no seu direito de regresso, é apenas na perspetivação de tal fundamento/direito que a sua pretensão deve ser apreciada, para todos os efeitos, vg. para a apreciação da possível prescrição do seu direito, questão esta que, assim, não pode ser dilucidada com base na prescrição atinente à do processo criminal, mas antes por reporte à que, ex vi lege expressa, é estatuído para aquele direito no nº2 do artº 498º.
Certo é que a responsabilidade civil e criminal do lesante é o facto matricial e genético que despoletou toda a situação genérica envolvente do direito invocado pela seguradora.
Mas ele apenas, mediata e indiretamente, é – pode ser – chamado à colação, pois que, repete-se, a verdadeira causa de pedir é um direito conferido diretamente pela lei e imediatamente oriundo de um contrato de seguro.
Logo, se a lei expressamente se pronuncia quanto à prescrição deste direito, não pode clamar-se pela prescrição concernente aquele fundamento já distante e apenas despoletador de uma situação genérica no âmbito da qual o direito da impetrante se insere, é certo, mas com uma concreta causa já diferente, e para a qual, repete-se, a lei especificamente prevê um certo prazo de prescrição.
 Decorrentemente, nem em tese geral – que é o que releva – nem no caso concreto, se vislumbra qualquer motivo para que a autora beneficie do prazo atinente ao processo crime.
O que a acontecer poderia –  pelo menos em tese, que é o quanto basta, e não tão poucas vezes como se poderá pensar –  acarretar o alargamento exacerbado/exagerado do prazo de prescrição.
 Com prémio do laxismo/calculismo da seguradora e castigo injustificável dos direitos à certeza e segurança do lesante e da paz social, e, assim, com frustração clara do fito do instituto da prescrição.
Tudo conforme mais exaustivamente se expendeu nos citados acórdãos, vg. nos da RP  31.03.2009 e do STJ de  17.11.2011.
Nesta conformidade, tendo último pagamento sido efetuado pela autora em 11.03.2008 e tendo a ação sido apenas instaurada em Outubro de 2012, exaurido e ultrapassado estava já o prazo legal de três anos a contar daquela data, previsto nº nº2 do artº 498º do CC o qual, razoável e sensatamente,  temos por aplicável.
Por conseguinte, prescrito se encontrava já o direito da impetrante.

Improcede o recurso.

7.
Sumariando.
Porque a pretensão da seguradora que demanda com base no seu direito de regresso - vg. conferido pelo artº 27º nº1 al. c) do DL 291/2007 de 21.08 -, se funda, concreta, direta e imediatamente, neste direito e na responsabilidade contratual a ele atinente, e porque urge operar uma interpretação que perspetive de um modo equilibrado os interesses em presença - evitando possíveis  situações de alargamento injustificado de propositura da ação-,  o prazo de prescrição aplicável não é o do nº3, mas antes o do nº2 do artº 498º do CC.

8.
Deliberação.
Termos em que se acorda julgar improcedente o recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pela recorrente.
 
Coimbra, 2014.01.28

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo ( Vencido, por entender que há alargamento do prazo de prescrição, conforme Ac de 12/7/11, em www dgsi.pt, de que fui relator )

Anabela Luna de Carvalho