Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1519/21.5T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA CONDICIONAL
SIMULAÇÃO
ARGUIÇÃO PELOS PRÓPRIOS SIMULADORES
PROVA
PROMESSA DE LIBERAÇÃO OU ASSUNÇÃO DE CUMPRIMENTO
Data do Acordão: 02/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 242.º, 1; 272.º; 275.º, 2; 351.º; 394.º, 2 E 3; 444.º, 3; 595.º, 1; 634.º E 886.º, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGO 640.º, DO CPC
Sumário: I - A possibilidade legal que a lei confere aos simuladores de arguirem entre si a simulação – art 242º1 CC - resulta-lhes muito limitada em função dos meios de prova que para tanto lhes é legitimo utilizar, visto que estando o contrato titulado em documento autêntico ou particular lhes está vedado o recurso a testemunhas para a prova dessa simulação, nos termos do nº 2 e 3 do art 394º/1 CC, resultando-lhes igualmente vedada a prova por presunções judiciais, como advém do art 351º, pois que a prova em questão teria que abranger uma convenção (o pacto simulatório), que, por definição, se mostra anterior à formação daquele documento.
II - Tem vindo a admitir-se, no entanto, uma interpretação restritiva dos arts 394º/2 e 351º do CC, de acordo com a qual, se poderão utilizar esses dois meios de prova – por testemunhas e por presunções judiciais– para a fixação do alcance de uma contradeclaração escrita que traduza a vontade real dos simuladores, ou para a de outro(s) documento(s) escrito(s) junto(s) aos autos de cujo teor possa resultar razoável admitir a verosimilhança dos factos que segundo a parte que os alega traduzem a simulação, falando-se e a esse respeito de principio de prova.

III - A promessa de liberação ou assunção de cumprimento verifica-se quando uma pessoa (promitente) se obriga perante o devedor a desonera-lo da obrigação, cumprindo em lugar dele, ou seja, efectuando em vez dele a prestação devida ao credor (art. 444º/3 do CC).

IV - O contrato de e compra e venda dos autos configura-se como um contrato condicional, na medida em que a transferência da propriedade do imóvel só terá lugar, se e quando, o comprador - que assumiu a promessa de liberar o vendedor da obrigação que este mantinha com terceiro - haja cumprido integralmente esta obrigação.

Decisão Texto Integral:

           Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

          I. – AA, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, e mulher, CC, e contra DD, pedindo:

           a) que seja declarada a nulidade da compra e venda titulada pelo documento particular autenticado, de 15/1/2016, outorgado perante o solicitador EE;

           b) que seja ordenado o cancelamento do registo da aquisição a favor dos RR. realizado na ... Conservatória do Registo Predial ..., AP. ...28 de 2016/01/15, quanto ao usufruto dos primeiro e segunda réus, bem como o registo da nua propriedade realizado na ... Conservatória do Registo Predial ..., pela AP. ...27 de 2016/01/15, relativa ao prédio rústico sito no ..., freguesia e concelho ..., composto por terra de cultura arvense e mato, com a área de noventa e três mil setecentos e cinquenta metros quadrados, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... da secção AA, e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...80;

           c) que sejam os RR. condenados a pagarem, solidariamente a quantia de dez mil euros, a título de danos morais sofridos pelo A., acrescendo juros de mora desde a data de prolação da sentença, até integral pagamento;

            d) e, subsidiariamente, que seja declarado resolvido o contrato, por incumprimento por parte dos RR., devendo ser restituído o bem imóvel em questão ao A.;

           e) a título subsidiário, que os RR. sejam condenados a indemnizar o A. pelas benfeitorias aí realizadas, em montante nunca inferior a 146.000,00 euros, e serem-lhe restituídos  os bens móveis aí existentes em estado funcional.

            Para tanto, alegou, em síntese, que comprou  em 2001 o prédio referido no artigo 1.º da petição inicial, e que, sobre o mesmo, à data de 15/1/2016,  incidiam as hipotecas e penhoras  referidas no artigo 2.º da petição, e que, com o objectivo de evitar a venda do imóvel em processos executivos já pendentes e outros que poderiam vir a suceder, acordou com os RR. que  venderia, ficticiamente, aos 1.º e 2.ª, o usufruto do referido  imóvel e à 3ª R. a sua nua propriedade, tendo, para esse efeito, celebrado nessa data  contrato de compra e venda desse imóvel por documento particular autenticado. Mais referiu que a  venda foi feita sem entrega de quantia a título de preço e sob a condição de os RR. assumirem a totalidade das dívidas para com a Banco 1..., C. R. L.  nos referidos empréstimos, respectivos juros vencidos e vincendos e despesas, perfazendo este valor a totalidade do preço da venda, sendo que o valor dado ao imóvel naquele acto correspondeu ao montante em dívida do A. perante a referida Banco 1..., C.R.L, concretamente, o  de € 69.518,60,  fazendo notar que o valor de mercado do prédio rústico em causa não era inferior a € 200.000,00. O intuito real das partes foi o de fazer permanecer o imóvel no património do A.. Relativamente a uma das dividas do A. à Banco 1..., C.R.L, ali contemplada, os 1.º e 2ª  RR. haviam-se constituído como fiadores, por contrato de mútuo (com hipoteca e fiança) outorgado em 22/11/22, tendo do mesmo decorrido a concessão ao A. de um empréstimo no montante de € 70.000,00, pelo prazo de 15 anos. A 2 de Março de 2016 foi celebrado um aditamento a este contrato, que conduziu à  restruturação da dívida, alterando o seu plano de reembolso, e, de novo, em 31/10/2016,  foi celebrado novo aditamento relativamente ao referido contrato a fim de extinguir o processo executivo que levaria à venda/adjudicação do bem em causa ao credor hipotecário, sendo que nessa data a dívida do empréstimo original cifrava-se em € 69.518,00: A pretensa compra e venda teve, também, como fito, acautelar eventuais penhoras futuras do imóvel, nomeadamente, nos processos n.º 119/10.... e 193/06....: O A. continuou a usufruir plenamente do bem até ao ano de 2019, sendo quem cuidava da manutenção do mesmo, tratando das árvores, piscina e equipamento existente no terreno, assumindo-se perante todos como proprietário, até lhe ser vedado o acesso pelos RR. em finais de 2019.  Refere ainda que os RR. incumpriram o pagamento das prestações devidas ao Banco pelo mútuo contratado, havendo prestações em atraso nos anos 2019, 2020 e 2021, o que afectou o seu bom nome, continuando a ser declarado incumpridor na central de responsabilidades, o que o impede de obter novos créditos, havendo incumprimento definitivo do contrato pelos RR. por não terem liberado o A. das dívidas. No mais, pugnou  pela restituição das benfeitorias realizadas no imóvel, bem como do gerador elétrico, alfaias agrícolas, máquinas de café e mobiliário existente no armazém, em estado funcional, como foram deixados por ele.

            Os RR. contestaram, apresentando defesa por impugnação e por excepção, e deduzindo pedido reconvencional. Impugnaram a generalidade dos factos constantes da petição inicial, referindo que nunca aceitaram pagar de imediato a dívida do A., passando a assumir o cumprimento do pagamento da dívida deste, no escalonamento prestacional já acordado. No pedido reconvencional subsidiário que deduziram, pediram que, caso procedesse algum dos pedidos do A. das als. a) a d), se condenasse o mesmo a pagar-lhes  a quantia de € 132.850,00€, pelos trabalhos e melhoramentos efectuados no prédio, a título de benfeitorias, € 18.771,23 de pagamentos de capital e juros ao banco e os que se vierem a apurar em sede de liquidação, e o reconhecimento do direito de retenção do imóvel para garantia dos seus créditos, acrescendo a todos os montantes juros desde a contestação até efectivo pagamento. Em síntese, alegaram que perfizeram obras de recuperação e construções melhor identificadas nos artigos 56.º e seguintes, no prédio dos autos, repararam o gerador, requisitaram ramal de água, muraram, recuperaram a piscina, e realizaram construções melhor identificadas nos artigos 62.º e seguintes, cuja retirada tiraria valor ao imóvel e implicaria o desaproveitamento das próprias construções, além de que liquidaram parte da dívida respeitante ao mútuo, no montante de € 9.838,74.

            O A. apresentou réplica, impugnando a generalidade dos factos alegados na reconvenção, pugnando pela improcedência dos pedidos reconvencionais.

            Foi realizada audiência prévia, fixou-se o valor da acção em € 79.518,60 e admitiu-se a reconvenção deduzida pelos RR..

           

             Foi proferido despacho saneador e despachos de identificação do objecto do litígio e da enumeração dos temas da prova e, tendo-se determinado a realização de prova pericial, a mesma teve lugar.

             Realizou-se audiência final, vindo a ser proferida sentença que julgou  parcialmente procedente a acção, condenando os RR. a restituírem ao A. o gerador eléctrico com rodas referido no facto provado 17) e a pagarem –lhe solidariamente a quantia de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, desde a data da sentença até integral e definitivo pagamento, absolvendo os RR. do demais peticionado e julgando prejudicado o conhecimento dos pedidos reconvencionais por estes deduzidos.

            II - Do assim decidido, apelou o A., que concluiu as respectivas alegações, nos seguintes termos:

            A. Deveria ter sido provado o ponto de facto não provado f), relativo à existência pacto simulatório de Autor e Réus quanto à venda do imóvel sub iudicio., e, em consequência, ser o negócio declarado nulo com todos os legais efeitos.

            B. Tal conclusão fundamenta-se tanto nos pontos de facto dados como provados, por constituírem matéria assente, como os pontos de facto dados como provados no decurso da produção de prova, como aqueles que foram não considerados provados e deveriam sê-lo, e que conduzem a decisão diversa da prolatada.

           C. Foram dados como provados por constituírem matéria assente: existência de três penhoras sobre o imóvel em questão que ascendiam a, sensivelmente, 100.000,00 €, bem como hipotecas voluntárias activas perante a Banco 1..., C.R.L,, relativas aos mútuos e respectivos aditamentos (ponto de facto 2); A nua propriedade do imóvel foi vendida à sobrinha do autor, filha do seu irmão uterino, e este, por sua vez, juntamente com a cônjuge, cunhada do autor, “compraram” o seu usufruto (ponto de facto 4 e 5); negócio simulado ocorreu a 15 de Janeiro de 2016, em que o autor, pelo “preço” de € 69.518,60, que correspondia ao valor actual das dívidas garantidas pelas hipotecas ao Banco mutuante, vendia à sobrinha, pelo preço de € 34.759,30, a nua propriedade, e ao irmão e cunhada, pelo preço de € 34.759,30, o usufruto; os réus declararam que, para pagamento do preço da compra ao autor, assumiam a totalidade das dívidas para com a Banco 1..., C.R.L. nos referidos empréstimos, respectivos juros vencidos e vincendos e despesas, perfazendo este valor a totalidade do preço da compra e venda (ponto de facto 7), tendo o recorrente declarado que, assumindo os recorridos inteira responsabilidade pelo pagamento do capital mutuado, daria a corresponde quitação do preço.

           D. Também se consideraram assentes os pontos de facto 12 e 13: já após a celebração da pretensa compra e venda supra identificada, foram assinados por autor e réus, pretensos usufrutuários, dois aditamentos ao contrato de mútuo relativo ao imóvel em causa, um dos aditamentos outorgado a 1 de Março de 2016, e outro, outorgado a 31 de Outubro de 2016.

           E. Já só através da matéria de facto dada como assente, a maioria dela, através de prova documental, se chega à conclusão da existência de negócio simulado, pois, apesar dos réus terem assumido a “totalidade e inteira responsabilidade pela dívida”, o autor continuava, incoerente e beneplacitamente, a subscrever os aditamentos, fazendo tábua rasa de qualquer sinalagma que lhe era devido pelos recorridos no contrato pretensamente firmado, sobretudo, por não terem saldado qualquer prestação até a assinatura destes aditamentos.

            F. Dado como assente foi também o ponto 14, ou seja, volvidos 10 meses da celebração do contrato simulado, a dívida permanecia com o mesmo valor, ou seja, € 69.518,60, não se podendo chegar a outra conclusão racional que não seja a de que, os recorridos incumpriram o acordo (que sempre se afirma, no entanto, simulado) celebrado com o recorrente em Janeiro do mesmo ano, pois não saldaram qualquer montante, ou seja, não assumiram a dívida em conformidade com o que, simuladamente, se tinham obrigado.

           G. Quando os recorridos “adquiriram” o prédio tinham plena consciência das penhoras que incidiam sobre o mesmo, designadamente da penhora registada a favor da Autoridade Tributária de valor global superior a € 10.000,00, o que constitui um indicio de pacto simulatório, pois dificilmente se compra um prédio com este tipo de ónus (ponto de facto assente 15);

             H. Levam a idêntica conclusão de existência de simulação, os factos que o douto tribunal considerou provados, na fase de julgamento:

             - Ponto 16): o autor só deixou de ter acesso ao imóvel volvidos mais de três anos após celebração da pretensa compra e venda, em finais de 2019, com a mudança da fechadura, altura que começam as obras;

           -Ponto 18): ao contrário da “vontade declarada” no contrato simulado, o autor, ora recorrente, continua a figurar como «mutuário» no âmbito do mútuo a que se alude em 11) e conexos aditamentos (posteriores).

            - Ponto 19): foi provado que os recorridos sabiam das dívidas do recorrente, dos vários processos de penhora, e da falta de património para lhes fazer face.

            - Ponto 34): o valor patrimonial do prédio em questão era de € 234.238,83 à data da celebração do contrato simulado, sendo de hipótese inverosímil, raiando o absurdo, que o recorrente o vendesse por menos de um terço do seu valor (€ 69.518,60), sobretudo a fiadores, ao que acresce que, uma qualquer venda a terceiros, mesmo que judicial, serviria para saldar a dívida ao banco mutuante e restantes credores, pois a totalidade das suas dívidas não ascendia os 100.000, 00€, menos de metade do valor do prédio.

           I. Seria, igualmente inusitado e insensato, que o recorrente vendesse o imóvel aos recorridos/fiadores, pois a fiança garantiria o pagamento da dívida ao Banco, sendo o verdadeiro motivo, o receio que o bem saísse do património familiar, com a Fazenda Nacional a poder fazer prosseguir com as execuções já intentadas (provadas nos autos).

            J. Durante os anos de 2019 a 2022, mas não só, as prestações do mútuo que os réus pretensamente assumiram não foram pagas, sendo tal facto mais um indício do carácter fictício do negócio simulado (pontos de facto 42 a 46);

           K. O recorrente permanece, até à data de hoje, como incumpridor na Central de Responsabilidades de Crédito (CRC), pela pendência do incumprimento do crédito relativo ao empréstimo bancário referido em 11), pois os recorridos, ao não liquidarem as prestações mensais referidas em 42) a 44), fizeram com que tal acontecesse (ponto de facto 49);

            L. Deveriam ter tido decisão diversa face à interpretação devida aos documentos carreados para os autos, bem como da testemunha FF, e depoimento errático do réu, os pontos de facto f); g) e hh), não provados, que se resumem na pretensão que o património não fosse vendido a terceiros nos demais processos executivos, existência de uma sociedade irregular entre autor e seu irmão réu, em que trabalhavam em conjunto nos investimentos presentes e futuros no imóvel, e por isso a vontade mútua e conjunta da manutenção da propriedade no recorrente

            M. Esta testemunha afirmou ter instalado um pilar e ter pedido à anterior EDP um ramal para colocar electricidade até ao imóvel, a pedido do réu, dizendo, no entanto, que o imóvel à data pertencia ao autor, e apresentando, na audiência de julgamento um documento que menciona a data de entrada do processo de electrificação: 04-02- 2013, contratação essa, de uma potência maior do que a testemunha pensava inicialmente, que, nas suas palavras “dava para fazer tudo”, de 20.7KW, para 41.4 KW, que é o dobro, indica idealização conjunta de projectos futuros, tendo todo o interesse da sua preservação no património familiar.

            N. Em complemento, a testemunha GG afirmou que, no mesmo ano (2012/2013), fez trabalhos com uma retroescavadora, e que recorrente e recorrido estavam no imóvel em questão, se bem que os trabalhos tenham sido ordenados, à data, pelo recorrente (testemunho de 17-04-2023, das 14h33m, às 14h48m).

             O. Outro facto que deveria ter sido dado como provado pela prova testemunhal produzida, que indicia mais um elemento atendível no pacto simulatório, refere-se à questão de as obras realizadas pelos recorridos terem sido só concretizadas em 2019, quando o recorrido troca a fechadura do imóvel, ou seja, mais de três anos após a celebração do contrato simulado (depoimento de GG, de 17-04-2023, das 14h33m, às 14h48m; depoimento do representante legal da sociedade A..., Lda. de 17-04-2023, das 14h54 minutos, às 15h01 minutos, e depoimento de HH, de 17-04-2023, das 15h19 minutos, às 15h30 minutos

             P. O ponto de facto l) deveria ter sido dado como provado uma vez que, após a celebração do simulado contrato de compra e venda, o autor e réus dirigiram-se ao banco mutuante com vista à assinatura dos aditamentos constantes e assentes nos autos, como se nada tivesse sido celebrado, entretanto, e o imóvel não tivesse, pretensamente, mudado de proprietários, o que também foi provado pela testemunha II, que nada sabia da simulada transmissão de propriedade.

           Q. Alguns dos factos vertidos na contestação não foram considerados provados, o que leva à conclusão necessária de fortes indícios de simulação absoluta, tais como: a omissão de prova documental em que se conclua que os réus cumpriram efectivamente o pagamento das prestações ao Banco, bem como o respectivo pagamento de capital e juros do empréstimo desde a compra e venda até à presente data, e ainda das despesas com o encerramento do processo executivo, pois apenas é junto um documento que menciona um pequeno montante pago relativo a prestações, estranhamente emitido após a entrada da presente acção em tribunal (pontos de facto não provados q a t):

             R. Não existe de prova da alegada intervenção e utilização na propriedade por parte da compradora sobrinha, e, sequer seus pais, ora recorridos, no que diz respeito à exploração de culturas agrícolas, pastagem, frutas, vinha e amendoeira, entre outras, tendo inclusive o recorrido declarado não explorar nada (ponto de facto z).

            S. Ao contrário do concluído pelo douto tribunal a quo não se basta a um documento a prova indiciária que abriria caminho, embora não tenha sido necessário, a que a prova testemunhal fosse permitida quanto à ocorrência real e efectiva de simulação, havendo outros documentos levam à mesma conclusão: - os dois aditamentos ao contrato de mútuo posteriores ao contrato simulado, em que o autor se vincula como devedor, ao contrário do firmado no contrato simulado, e, a montante, ao contrário do incumprimento do pretenso negócio por parte dos recorridos há mais de dez meses, o que prova a divergência da vontade real com a declarada, bem como a omissão ao banco e a terceiros da “pretensa” compra e venda e assunção de dívida. - Informações da Central de Responsabilidades que indicam o incumprimento das prestações e permanência do recorrente como devedor da Banco 1...; - Os sucessivos avisos do banco mutuante enviados ao recorrente acerca do incumprimento das prestações relativas ao mútuo em questão, comprovando o precedentemente alegado. - O relatório pericial que concluí por um valor do imóvel quatro vezes superior ao valor que lhe foi atribuído no acto simulado, e, em consequência, da suficiência do imóvel para pagar as dívidas do autor, e ainda restar algum montante para si, caso fosse vendido a terceiros, o que não era o realmente pretendido. - A certidão de registo predial que certifica a existência de ónus reais e penhoras sobre o prédio, tornando-se pouco aliciante a qualquer comprador avisado. - A relação de parentesco das partes, e a escassa intervenção da sobrinha com a mera assinatura do contrato simulado enquanto nua proprietária. - o próprio acto simulado, em que os fiadores, recorrido irmão e cônjuge, se constituem “apenas” usufrutuários, e a sobrinha proprietária, e, em que se assume uma dívida que já estava assumida na qualidade de fiadores, que poderiam executar caso o recorrente não procedesse ao pagamento do mútuo, sendo a verdadeira intenção a fuga à venda a terceiros pelos restantes credores, já com execuções em curso.

            T. Na douta fundamentação não se analisa (todas) as possíveis provas documentais que conformam a vontade simulatória, nem se aprecia criticamente os vários indícios alegados factual e juridicamente, da ocorrência de simulação, o que a fere quanto ao dever de fundamentação cabal, previsto no artigo 607.º do C.P.C., dando um inusitado ênfase imparcial a declarações sectárias e dissonantes, em que é patente a falta de credibilidade do recorrido (esclarecimentos tomados a 17-04-2023, das 10h51 minutos às 11h:33 minutos).

             U. A douta sentença, e, salvo o mui devido respeito, de algum modo, obscuramente, conclui que, assim os réus impediriam a venda do imóvel a terceiros (mas era sua pretensão inicial ficar com o imóvel, ou ser apenas fiadores?), para depois se concluir que essa não era a intenção das partes, de igual modo, e contrariamente ao que deu como provado, conclui que, o recorrente se resguardaria de pagar, quando continuou a ser devedor do mutuante e subscritor dos aditamentos ao mútuo, e devedor registado no Banco de Portugal até aos dias de hoje

           V. Quanto à simulação, as normas jurídicas fundamento da decisão deveriam ter tido interpretação diversa, pois foram preenchidos os requisitos jurídicos para a sua existência: necessitas, interpositio, prettium villis, retentis possessionis, sigillum, disparentis e domino.

           W. Subsidiariamente, deveria ter sido dado como provado o necessário incumprimento do “pretenso” contrato sub iudicio, e consequente resolução, pois provou-se que réus não assumiram a totalidade das dívidas e inteira responsabilidade pelo capital mutuado, conforme declararam no contrato (simulado) (pontos de facto 42 a 45, e 49).

            X. Só após a entrada da presente acção, os réus saldaram um valor definido quanto ao mútuo em causa, mas que não corresponde à totalidade da dívida e das prestações em atraso: montante parcial esse que se cifra em 9838,43 euros, pois, para além desta declaração bancária, os recorridos não provam qualquer transferência monetária de montantes respeitantes ao mútuo em causa, como também concluiu o douto tribunal, (factos não provados m), q) e r).

           Y. Para além desta dedução lógica, consta de documentação junta aos autos dada como provada, que o ora recorrente continuou a receber aviso de prestações em atraso, após 2021, no ano de 2022 (documentos juntos em requerimento do recorrente de 14- 07-2022).

            Z. Deveria ter sido considerado como provado o ponto de facto j) da matéria de facto não provada, pois o aditamento ao contrato de mútuo aludido em 13), de 31-10-2016, teve origem na falta de cumprimento dos réus das prestações anteriores, e consequente “restruturação da dívida contraída no mútuo de 2012”.

            AA. Para a questão reveladora do incumprimento do contrato ab initio deveria aditar-se à matéria dada como provada, e em sequência com os pontos 42) a 44), que:

            De 30-06-2016, a 31-10-2016, a dívida do Autor AA à Banco 1..., CRL, no âmbito do empréstimo bancário referido em 11), ascendia a € 69.519,00, estando por liquidar até essa data todas as prestações mensais desde a assumpção de dívida pelos réus.

           BB. Os factos considerados não provados pontos q a t) deveriam dar lugar à conclusão de incumprimento definitivo do contrato.

            CC. A montante, não poderia ter ocorrido quitação por parte do recorrente, uma vez que, os réus não assumiram inteira responsabilidade pelo pagamento da capital mutuado, como está provado e patente nos sucessivos avisos que o recorrente recebe do banco mutuante, no facto do seu nome constar da Central de Responsabilidade do Banco de Portugal, e pelo facto de os réus não conseguirem provar efectivas e reais transferências actualizadas para pagamento do empréstimo em causa, o que impõe a anulação de negócio.

            DD. Quanto ao pedido de resolução por incumprimento, a douta sentença incorre em erro de determinação da norma aplicável, pois estamos no domínio de um negócio celebrado sob condição suspensiva, que, uma vez não preenchida, dá lugar à sua não verificação, pois os réus impediram a sua concretização (artigo 275.º, n.º 2 do Código Civil.),

            EE. Sem prescindir, a douta sentença deveria ter concluído pela existência de incumprimento definitivo, pois a essencialidade do prazo para cumprimento da prestação é evidente.

            FF.Estamos perante um regime a aplicar previamente a qualquer norma especifica relativa aos efeitos do contrato de compra e venda, nomeadamente, o artigo 886.º do Código Civil, que a douta sentença elege como impedimento da verificação da resolução contratual pelo autor.

            GG. Todavia, este preceito não retira totalmente ao vendedor o direito à resolução do contrato, já que a recusa de resolução só tem lugar desde que efectuada a entrega da coisa, o que não se sucedeu, sendo ónus da prova dos recorridos a entrega efectiva, quando há falta de pagamento de preço.

            HH. Não pode ser dado como provado o ponto de facto 20) na parte em que menciona obras de recuperação, e da sua continuidade das obras até dias de hoje, pois as testemunhas arroladas pelos recorridos, que realizaram trabalhos no imóvel em questão fizeram trabalhos novos, e apenas mencionam os anos de 2018/2019 como anos de intervenção, não havendo prova de obras posteriores a 2018 e 2019.

            II. Não podem ser dados como provadas os pontos de facto 22, 23, 24, 25, 27, 28, 30, ou seja, a ocorrência das obras aí descritas, por prova produzida em contrário: as fotografias e teor do relatório pericial e os esclarecimentos da perita, bem como as testemunhas arroladas pelos recorridos J

           J. Não pode ser provado o ponto 31, uma vez que nada é discriminado quanto a quantidade, natureza e preço e não são apresentados um orçamento ou factura que seja.

            KK. Não podem ser dados como provados os pontos de facto 39, 40, 41, dado que este tipo de prova não se pode realizar por estimativas de custo elaboradas por um parecer do um perito, sendo a prova pericial um “meio de prova” e não um meio de alegação de factos.

            LL.Nenhuma das testemunhas foi contundente e isenta quanto ao valor pedido pelos trabalhos realizados, e não é apresentado qualquer documento de efectivo pagamento, sequer um orçamento, ou facturação, não obedecendo os recorridos ao ónus da prova que lhes era legalmente imposto, acerca do efectivo montante gasto nas obras, que se resumem a abertura de valas, placas, vigas e betão.

             MM. Os valores displicentemente aventados pelas testemunhas, eventuais contratantes, e que não se encontram pagos, não chegam sequer aos montantes incorretamente dados como provados nos pontos acima descritos.

            NN. Sendo ilegais as obras em causa não podem considerar-se benfeitorias, violando o douto tribunal as normas administrativas quanto a licenciamento e edificação de obras e edifícios, e, a contrario, o artigo 216.º do C.C.

            OO. Para além de se ter dado como provado a propriedade do gerador elétrico pertencer ao recorrente, também alínea h) dos factos não provados, que se reporta às máquinas de café e mobiliário existentes no armazém pertencentes ao recorrente deveria ter sido dada como provada, por produção de prova testemunhal, relatório e esclarecimentos periciais (testemunhas JJ -depoimento de 17-04- 2023, das 11:35 às 11:54 minutos-, e KK -depoimento das 11h:55 minutos às 12h:04 minutos-)

            PP.Os recorridos incorreram num atraso ilícito no cumprimento das respectivas prestações, que dura, há sete anos, não um ano, ao contrario do incorrectamente concluído pela douta sentença, em que se vê o recorrente coartado na sua liberdade de movimentos, tanto a nível pessoal, como a nível comercial, pelo que a norma jurídica aplicada deveria ter sentido diverso de interpretação atribuindo aos danos não patrimoniais o valor peticionado in totum

            L Nestes termos e nos mais de direito que V.Exas doutamente suprirão, deve o presente recurso ser considerado procedente, e em consequência, alterar a douta sentença do Tribunal a quo, condenando-se os recorridos no pedido principal, e, caso assim não se entenda, nos pedidos subsidiários, mantendo transversal a indemnização por danos morais peticionada em sede de petição inicial.

            Não foram produzidas contra-alegações.

            III –A- O Tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

            1) Na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...80 da freguesia ..., encontra-se descrito o prédio rústico, situado em ..., com a área total de 93.750 m2 (correspondente a área descoberta), composto de terra de cultura arvense e mato, a confrontar do norte e poente com LL e MM; do sul com MM e NN; e do nascente com MM, inscrito na matriz sob o artigo matricial n.º ..., da secção AA.

             2) Na presente data, sobre o referido prédio vigoram os ónus seguintes:

            a) Ap. ...8 de 2006/08/04 - Hipoteca Voluntária, com o capital de € 40.000,00, constituída para garantir o bom e integral pagamento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades perante a Banco 1..., C.R.L, assegurando o montante máximo de 59.300,00 euros;

            b) AP. ...1 de 2007/10/29 - Hipoteca Voluntária, com o capital de € 80.000,00, constituída para garantia do empréstimo com juro anual de 9,540% acrescido da sobretaxa de 4% em caso de mora, e despesas: 8.000,00 €, perante a Banco 1..., C.R.L, assegurando o montante máximo de 120.496,00 euros;

            c) Ap. ...04 de 2012/11/22 - Hipoteca Voluntária, com o capital de € 70.000,00, constituída para garantia do empréstimo com juro anual de 10% acrescido da sobretaxa de 4% em caso de mora, a título de cláusula penal, e despesas: € 7.000,00, perante a Banco 1..., C.R.L, assegurando o montante máximo de € 106.400,00;

           d) Ap. ...75 de 2013/09/13 - Penhora a favor da Fazenda Nacional, decorrente da instauração do processo de execução fiscal n.º ...26, do Serviço de Finanças ...-1, pela quantia exequenda de € 1.625,21.

           e) Ap. ...97 de 2015/04/15 - Penhora a favor da Banco 1..., C.R.L, oriunda do processo n.º 817/14.... - Comarca ... - ... – Instância Central - Secção Cível - J..., no valor de € 87.858,07;

           f) Ap. ...22 de 2015/05/06- Penhora a favor da Fazenda Nacional, oriunda da instauração do processo de execução fiscal n.º ...99 e apensos, do Serviço de Finanças ...-1, pela quantia exequenda de € 8.622,87.

            3) Por força da apresentação n.º ...27 de 2016/01/15, mostra-se inscrita a respectiva aquisição, por compra, em favor da Ré DD, tendo como sujeito passivo o Autor AA.

            4) Por força da apresentação n.º ...28 de 2016/01/15, mostra-se inscrito o conexo usufruto, por compra, em favor dos Réus BB e CC, casados entre si na comunhão de adquiridos, tendo como sujeito passivo o Autor AA.

            5) O primeiro Réu BB é irmão uterino do Autor AA, a segunda Ré, CC, sua cunhada, casada com o primeiro Réu, e a terceira Ré, DD, sua sobrinha, filha dos primeiro e segunda Réus.

            6) Por documento particular autenticado, datado de 15 de Janeiro de 2016, intitulado de «COMPRA E VENDA», em que intervieram como primeiro outorgante AA, como segunda DD e terceiros BB e mulher CC, declararam os intervenientes entre si, entre o mais: O PRIMEIRO QUE, pelo preço de € 69.518,60, que corresponde ao valor actual das dívidas garantidas pelas hipotecas abaixo identificadas, vende à SEGUNDA, pelo preço de € 34.759,30, a nua propriedade e aos TERCEIROS, pelo preço de € 34.759,30, o usufruto, do prédio rústico, sito no ..., freguesia e concelho ..., composto por terra de cultura arvense e mato, com a área de noventa e três mil setecentos e cinquenta metros quadrados, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... da secção AA, (…), descrito na CRP ... sob o número seis mil setecentos e oitenta, da freguesia ..., com as seguintes inscrições em vigor: 1) - Aquisição a favor do vendedor pela inscrição com a Ap. ... de 2001/08/29,- 2) - Hipoteca Voluntária a favor da Banco 1..., C.R.L., pela inscrição com a Ap. ...8 de 2006/08/04; 3) Hipoteca Voluntária a favor da Banco 1..., C.R.L., pela inscrição com a Ap. ... de 2007/09/12; - 4)- Penhora a favor da Banco 1..., C.R.L., pela inscrição com a Ap. ...91 de 2011/10/27;-- 5) Hipoteca Voluntária a favor da Banco 1..., C.R.L., pela inscrição com a Ap. ...04 de 2012/11/22;- 6) - Penhora a favor da Fazenda Nacional, pela inscrição com a Ap. ...75 de 2013/09/13- 7) - Penhora a favor da Banco 1..., C.R.L., pela inscrição com a Ap. ...97 de 2015/04/15;  8) - Penhora a favor da Fazenda Nacional, pela inscrição com a Ap. ...22 de 2015/05/06.

            7) Mais consta de tal documento que «O primeiro interveniente é devedor à Banco 1..., C.R.L., (…), da importância de € 69.518,60, (sessenta e nove mil quinhentos e dezoito euros e sessenta cêntimos), correspondente aos montantes de capital atualmente em dívida dos empréstimos contraídos junto da mencionada instituição de crédito, empréstimos esses garantidos pelas hipotecas voluntárias atrás referidas, valor este que não inclui os juros vencidos e outras despesas associadas ao empréstimo. A segunda e os terceiros intervenientes declaram que, para pagamento do preço da compra ao primeiro interveniente, assumem a totalidade das dívidas para com a Banco 1..., C.R.L., nos referidos empréstimos, respectivos juros vencidos e vincendos e despesas, perfazendo este valor a totalidade do preço da compra e venda. O primeiro interveniente declara que, assumindo a segunda e os terceiros intervenientes inteira responsabilidade pelo pagamento do capital mutuado, dá a corresponde quitação do preço. Os intervenientes declaram que aceitam o presente contrato nos termos exarados (vide documento de fls.13-v a fls.17-v

            8) Consta do termo de autenticação elaborado pelo Solicitador EE, por este assinado bem como pelo Autor e pelos Réus, atinente ao documento referido em 6), o seguinte: «-No dia quinze de janeiro de dois mil e dezasseis, no meu escritório sito na Rua ..., Lote ..., ... andar, escritório dois, na freguesia e concelho ..., perante mim, EE, Solicitador, com a Cédula Profissional nº ...69, compareceram:- -- PRIMEIRO:---- ------AA, NIF ...00, natural da freguesia ..., concelho ..., divorciado, residente no Largo ..., em ..., titular do cartão de cidadão nº ..., emitido pela República Portuguesa, válido até 01/12/2016.--- ----- SEGUNDA:- -- DD, NIF ...32, natural da freguesia e concelho ..., solteira, maior, residente na Rua ..., em ..., titular do cartão de cidadão nº ..., emitido pela República Portuguesa, válido até 24/02/2019.- - BB, NIF ...94, natural da freguesia ..., concelho ... e mulher CC, NIF ...63, natural da freguesia ..., concelho ..., casados no regime de comunhão de adquiridos, residentes na Rua ..., em ..., ele titular do bilhete de identidade nº ...42, emitido em .../.../2007, pelos ... e ela do cartão de cidadão nº ..., emitido pela República Portuguesa, válido até 29/06/2019. -------Por eles me foi apresentado, para fins de autenticação, o contrato de compra e venda, anexo exarado hoje, tendo declarado que já o leram, assinaram e rubricaram, que estão perfeitamente inteirados do seu conteúdo e que o mesmo exprime a sua -------Foi feita aos intervenientes a explicação do conteúdo do referido contrato de compra e venda. -------A segunda e os terceiros intervenientes declararam que, para pagamento do preço da compra ao primeiro interveniente, assumem a totalidade das dívidas para com a Banco 1..., C.R.L., nos empréstimos, respetivos juros vencidos e vincendos e despesas, perfazendo este valor a totalidade do preço da compra e venda.----- I -------O primeiro interveniente declarou que, tendo em conta que a segunda e os terceiros intervenientes assumem inteira responsabilidade pelo pagamento do capital mutuado, dá a correspondente quitação do preço.---- --Adverti os intervenientes de que a assunção das dívidas não produz efeitos perante o Banco credor enquanto não for por ele ratificada e só exonera o primeiro interveniente, perante o credor, após declaração expressa deste, nos termos do artigo 595º do Código Civil.- (…) - Verifiquei:- a) - A identidade dos intervenientes pela exibição dos referidos documentos de identificação. (…) -Para que este procedimento de titulação de negócio jurídico fique completo, vai de imediato ser feito o seu depósito eletrónico em www.predialonline.pt, bem como de todos os documentos que o instruem e que ficam arquivados por não constarem de arquivo público.-- -------Este termo de autenticação foi lido aos interessados, na presença simultânea de todos e aos mesmos explicado o seu conteúdo.-----»

           9) O prédio rústico a que se alude em 1) tem a extensão de 9,375 hectares.

           10) Por escritura pública, intitulada de «MÚTUO COM HIPOTECA E AVAL», outorgada a 25-09-2007, em cartório notarial ..., em que intervieram a Banco 1..., C.R.L. (primeira outorgante); AA (segundo outorgante ou mutuário) e OO (terceiros outorgante ou avalista), a Banco 1..., concedeu ao Autor AA um empréstimo no montante de oitenta mil euros, nos termos patenteados na escritura junta aos autos a fls.18 a fls.26-v.

           11) Por escritura pública, intitulada de «MÚTUO COM HIPOTECA E FIANÇA», outorgada a 22-11-2012, em cartório notarial ..., em que intervieram a Banco 1..., C.R.L. (primeira outorgante); AA (segundo outorgante, aí também designado de «mutuário»); e BB e mulher CC (na qualidade de terceiros ou fiadores), a Banco 1..., concedeu ao autor AA um empréstimo no montante de setenta mil euros, e os terceiros prestaram fiança a favor da Banco 1..., nos termos patenteados na escritura junta aos autos a fls.76-v a fls.79-v, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido.

            12) Nos termos do documento patenteado nos autos a fls.74 a fls.75-v, intitulado de «CONTRATO DE ADITAMENTO», outorgado a 1 de Março de 2016, e cujo conteúdo se dá por reproduzido, em que intervieram a Banco 1..., C.R.L. (primeira outorgante); AA (segundo outorgante, na qualidade de mutuário) e BB e mulher CC (na qualidade de terceiros ou fiadores), as partes ajustaram entre si alterações à escritura de mútuo com hipoteca e fiança lavrada no dia 22 de Novembro de 2012, nos termos que constam do documento em apreço.

            13) Nos termos do documento patenteado nos autos a fls.29 a fls.31, intitulado de «CONTRATO DE ADITAMENTO», outorgado a 31 de Outubro de 2016, e cujo conteúdo se dá por reproduzido, em que intervieram a Banco 1..., C.R.L. (primeira outorgante); AA (segundo outorgante, na qualidade de mutuário) e BB e mulher CC (na qualidade de terceiros ou fiadores), as partes ajustaram entre si alterações à escritura de mútuo com hipoteca e fiança lavrada no dia 22 de Novembro de 2012, nos termos que constam do documento em apreço.

            14) Àquela data, de 31 de Outubro de 2016, a conexa dívida ascendia a € 69.518,60.

            5) Quando os Réus adquiriram o prédio tinham plena consciência das penhoras que incidiam sobre o prédio vendido, designadamente da penhora registada a favor da Autoridade Tributária de valor global superior a € 10.000,00, o que os Réus sabiam.

           16) Em finais de 2019, os Réus trocaram as fechaduras do prédio descrito em 1), em forma de cadeado, que dão acesso à propriedade, e ao armazém supra identificado, o que impediu o Autor de entrar na propriedade, desde então.

            17) Em data não concretamente apurada, mas no ano de 2005, o Autor declarou comprar à Sociedade B..., Lda., que por sua vez declarou vender ao Autor, um gerador eléctrico com rodas, que se encontra no imóvel referido em 1), pelo valor de € 2.000,00+IVA, encontrando-se a factura de venda ainda em aberto por falta de pagamento do IVA.

            18) O Autor continua a figurar como «mutuário» no âmbito do mútuo a que se alude em 11) e conexos aditamentos.

            19) Os Réus sabiam das dívidas do Autor, dos vários processos de penhora, e da falta de património para lhes fazer face.

            20) Após a compra, os Réus iniciaram nele (prédio a que se alude em 1)), várias obras de recuperação e construção, as quais ainda decorrem.

             21) Os Réus mandaram reparar o gerador eléctrico, que estava danificado, com um custo de € 861,00 (c/ IVA incluído).

            22) Os Réus muraram o prédio e colocaram um portão novo.

           23) Os Réus ampliaram o armazém e construíram um terraço com 400,00 m2 .

            24) Os Réus construíram três casas de banho e vestiários.

             25) Os Réus colocaram portas interiores e exteriores

            26) Os Réus rebocaram o armazém antigo e a parte ampliada.

             27) Os Réus fizeram tectos.

            28) Os Réus colocaram janelas novas.

             29) Os Réus colocaram betonilha em cimento.

             30) Os Réus efectuaram pinturas. 3

           31) Os Réus gastaram em materiais de construção e mão-de-obra cerca de € 78.738,85

            32) Os Réus pagaram € 9.838,74 em Novembro de 2021 para regularização do empréstimo.

            Mais se provou:

             33) As obras descritas de 21) a 30) podem ser retiradas sem detrimento do prédio descrito em 1).

            34) O valor patrimonial do prédio descrito em 1) à data do acordo descrito em 6) era de cerca de € 234.238,83.

            35) O valor de mercado do prédio descrito em 1) ronda o 2.08€/m2 , sendo cerca de € 195.000,00, desconsiderando as construções nele existentes.

            36) O prédio descrito em 1) encontra-se na periferia da cidade ..., junto ao Aeródromo Municipal de ....

             37) No prédio descrito em 1), encontram-se implantados um edifício, com área de 210,63 m2 , e três armazéns, com áreas de 210,63 m2 , 129,84 m2 e 51,82 m2 .

            38) O valor patrimonial do edifício com área de 210,63 m2 é de cerca de € 96.848,19 com IVA incluído.

            39) O valor despendido para a construção do armazém com a área de 210,63 m2 foi de cerca de € 69.899,72.

            40) O valor despendido para a construção do armazém com a área de 129,84 m2 foi de cerca de € 35.676,14.

            41) O valor despendido para a construção do armazém com a área de 51,82 m2 foi de cerca de € 14.134,94.

            42) A 31-08-2019, a dívida do Autor AA à Banco 1..., CRL, no âmbito do empréstimo bancário referido em 11), ascendia a € 58.030,27, estando por liquidar o montante de € 2.806,76, relativo a prestações mensais vencidas desde 22-05-2019.

            43) A 30-11-2020, a dívida do Autor AA à Banco 1..., CRL, no âmbito do empréstimo bancário referido em 11), ascendia a € 51.047,46, estando por liquidar o montante de € 2.802,13, relativo a prestações mensais vencidas desde 22-08-2020.

            44) A 31-05-2021, a dívida do Autor AA à Banco 1..., CRL, no âmbito do empréstimo bancário referido em 11), ascendia a € 51.764,42, estando por liquidar o montante de € 6.434,58, relativo a prestações mensais vencidas desde 22-08-2020.

            45) O Autor recebeu comunicações da entidade Bancária Banco 1... datadas de 23-05-2022 e 22-06-2022 para regularizar prestação do empréstimo ...92 no valor de € 698,84.

            46) A 28-02-2023, a dívida do Autor AA à Banco 1..., CRL, no âmbito do empréstimo bancário referido em 11), ascendia a € 34.648,74.

           47) A 28-02-2023, não se encontrava nenhuma prestação mensal vencida por liquidar, relativamente ao plano prestacional do empréstimo bancário referido em 11).

            48) A 28-02-2023, a prestação mensal de reembolso do mútuo referido em 11) ascende a € 738,83, encontrando-se prevista a última prestação mensal atinente ao mesmo no dia 22-11-2027.

            49) Os Réus, ao não liquidarem as prestações mensais referidas em 42) a 44), fizeram com que constasse da Central de Responsabilidades de Crédito (CRC) a pendência do incumprimento do crédito relativo ao empréstimo bancário referido em 11), sob a identidade do Autor, o que denegriu o seu bom nome e a sua imagem junto da Banco 1..., CRL, e do Banco de Portugal, e o impediu de obter crédito.

           III – B - E julgou não provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:        

            Da petição inicial:

            a) O Autor continuou a usufruir plenamente do imóvel referido em 1) até ao ano de 2019.

            b) Durante mais de dois anos após o referido em 6), o Autor cuidava da manutenção do imóvel, tratando das árvores, piscina, e equipamento existente no terreno.

            c) O Autor, de modo exclusivo, e assumindo-se perante todos como proprietário, convidava os amigos para usufruírem do espaço, organizando almoços e jantares, sem datas ou horários marcados.

             d) O Autor pagou as despesas de manutenção do imóvel, até lhe ser vedado o acesso pelos Réus.

            e) Com o referido em 6) e 7), o Autor ficou sem outros bens (à parte do veículo automóvel matrícula ..-..-NG marca ...), livre de ónus ou encargos.

            f) As partes não quiseram celebrar o negócio a que se alude em 6), acordando entre si que o Autor se manteria, de facto, como proprietário do imóvel descrito em 1).

            g) O acordo a que se alude em 6) e 7), intitulado de «COMPRA E VENDA», foi realizado entre os intervenientes com o objectivo, acordado entre todos, de evitar a venda do conexo imóvel nos processos executivos supra identificados, processo de execução fiscal n.ºs ...00 e ...99, processo n.º 817/14...., e demais processos que poderiam vir a suceder.

            h) O Autor comprou alfaias agrícolas; mobiliário de restauração e hotelaria, como, por exemplo, máquinas de café, que se encontram no imóvel referido em 1).

            i) Os Réus assumiram que não pretendem pagar as prestações e desonerar o autor no âmbito do “mútuo” a que se alude em 11), e conexos aditamentos.

            j) Os Réus não pagaram ao banco (as) prestações alusivas ao mútuo de 2012 – a que se alude em 11) e conexos aditamentos plasmados em 12) e 13).

            k) O Autor estava presente e a dirigir as obras que foram tendo lugar antes e após a compra e venda a que se alude em 6) e 7).

             l) As partes ocultaram ao Banco o plasmado em 6) e 7).

            m) Os valores consignados nos aditamentos nos factos 12) e 13) foram pagos pelos Réus.

            n) Era intenção do Autor montar um negócio objecto de franquia «Os cem montaditos», que envolvia um investimento avultado.

            o) O Autor procurou obter crédito para novos investimentos na sua área de actividade comercial, a exploração de bares e cafés.

            Da contestação:

             p) O Autor nada pagou ao Banco.

             q) Os Réus têm as prestações ao Banco regularizadas e têm vindo a pagar as prestações conexas com tal «mútuo» a que se alude em 11) e conexos aditamentos plasmados em 12) e 13).

            r) Os Réus, por conta da responsabilização pelo pagamento da dívida do Autor, pagaram € 8.932,49 no «contrato de aditamento».

             s) Os Réus têm pago o capital e juros do empréstimo desde a compra e venda até à presente data.

            t) Os Réus pagaram despesas com o encerramento do processo executivo.

            u) Após a compra do prédio referido em 1) ao Autor, os Réus requisitaram ramal de água canalizada e ligação à rede eléctrica para o prédio dos autos e com as respectivas ligações e redes no imóvel, com o que despenderam € 20.000,00.

            v) Os Réus procederam à recuperação da piscina.

            w) O Réu requereu junto da Câmara Municipal autorização para realizar no prédio festas das semanas académicas o que se encontra em análise.

             x) Os Réus encontram-se a promover legalização do edifício.

             y) As obras realizadas foram necessárias a evitar a degradação do prédio, evitando intrusos, as humidades e águas.

           z) A Ré DD recuperou as culturas agrícolas e aí explora conjuntamente com os pais o prédio com pastagem, frutas, vinha e amendoeira, entre outras.

             aa) Com os melhoramentos, ligações à água e electricidade e a recuperação do prédio para a agricultura, tal prédio tem, agora, um valor de mercado de € 200.000.

            bb)O preço por hectare de terreno no local onde o prédio se insere ronda no mercado cerca de € 20,00.

            cc) O prédio rústico aquando da compra e venda encontrava-se ao abandono, cheio de mato e com árvores secas.

             dd)O prédio a que se alude em 1) não era abastecido de água canalizada e electricidade, aquando da referida “compra e venda”.

            ee) No prédio existia uma piscina que vazava água, e cujo sistema de filtragem e de enchimento não funcionava.

            ff) Os Réus contrataram homens e máquinas para procederem à limpeza do prédio que se encontrava abandonado, designadamente, limpar o mato, cortar árvores secas, ripar, o que custou € 2.000,00.

            gg) Aquando da realização do referido em 6) e 7), as partes acordaram entre si que o prédio rústico era vendido aos Réus com tudo o que o compõe, o que nele se encontra implantado e incluindo o recheio do barracão, isto é um gerador eléctrico e algumas ferramentas agrícolas.

             Da réplica:

            hh)Antes do referido em 17), foi acordado entre Autor e 1.º Réu constituir uma sociedade por quotas, tendo por objecto um investimento em tal prédio que passava pela construção de um centro de diversões e alojamento local associado, em que, os primeiro e segunda réus ficariam com 60% do capital social, sendo o autor o sócio-gerente, o único a trabalhar para aquele desiderato.

            IV – Do confronto das conclusões das alegações com a decisão impugnada, resultam para apreciar as seguintes questões, enunciando-se as mesmas em função da precedência lógica com que se impõe a respectiva apreciação:

            -em 1º lugar, correspondendo ao pedido principal, se, o contrato de compra e venda do imóvel  titulado em documento particular autenticado e realizado em 15/1/2016, é nulo por simulação absoluta, e caso se entenda que para o conhecimento dessa questão importa a  impugnação dos factos não provados das alíneas f), g), hh) e l), a respectiva apreciação (conclusões L) a P)); 

            - na improcedência do pedido principal, se o contrato dos autos constitui um contrato condicional, e se a prova produzida implicava a prova do facto não provado j) e a ampliação da matéria de facto pretendida pelo apelante, de modo a concluir-se que o mesmo se deve ter por resolvido em função do incumprimento dos RR., sem que a essa resolução obste a disciplina do art 884º CC; 

          -  se, não obstante a resolução do contrato, se deverá excluir a indemnização por benfeitorias reclamada pelos RR., por se deverem julgar não provados os factos 20, 22 a 25, 27, 28, 30, 31, 39, 40 e 41;   

            - se o facto não provado na al h) se deve ter provado, devendo o A. ser indemnizado pelos bens que deixou no imóvel, caso se mantenha o entendimento referente à não resolução do contrato.

           - em qualquer dos casos, e atento o incumprimento por parte dos RR., se a indemnização pelos danos não patrimoniais arbitrada a favor do A. em função das comunicações ao BdP, se deve fazer corresponder ao montante pedido na acção de € 10.000,00;

           Absolutamente relevante na economia da acção e agora do recurso é a conclusão, ou não, pela simulação absoluta do contrato de compra e venda que integra nuclearmente a causa de pedir na acção.

           Não se vão repetir considerações genéricas a respeito da divergência entre a vontade e a declaração em apreço, pois, o que importa determinar, como resulta das conclusões  A) a V),  é  se, tendo embora os simuladores legitimidade para arguirem entre eles a simulação, embora não a podendo opor a terceiros de boa fé, consoante resulta da 1ª parte do nº 1 do art 242º CC [1],  o podiam em concreto ter feito na acção.

            È que, como é sabido, a possibilidade dessa arguição lhes está francamente limitada em função dos meios de prova que para tanto lhes é legitimo utilizar. Trata-se, nas palavras de Mota Pinto [2], de «uma apreciável restrição indirecta»  por força do art 394º/2:  «a prova da simulação entre os simuladores é assim praticamente restringida à prova documental, contradeclarações ou outros documentos e à confissão, pois não é admissível a prova por presunções (cfr art 351º), nem a testemunhal (art 394º/2 já citado)) e pouco ou nenhum ensejos  de utilização terão a prova pericial ou a prova por inspecção».

            Com efeito, resulta do nº 2 e 3 do art 394º CC que estando o negócio cuja simulação um dos simuladores pretenda demonstrar contra o outro titulado em documento autêntico ou particular lhe está vedado o recurso a testemunhas para a prova dessa simulação,  resultando-lhe igual, e inerentemente vedada, a prova por presunções judiciais, como advém do art 351º, pois que a prova para aquela demonstração teria que abranger uma convenção (o pacto simulatório) que, por definição, se mostra anterior à formação daquele documento.

           Mas, como é também sabido - e disso pretende largamente beneficiar-se o apelante - tem-se vindo a admitir -  o que Menezes Cordeiro aplaude por «constituir um bom exemplo de adaptação do sistema a novas exigências ético-normativas» [3]-  uma interpretação restritiva do art 351º e 394º/2 CC.

           Recorreu o Exmo Juiz a quo a várias citações doutrinárias a respeito desta interpretação restritiva, fazendo-o, como se impunha,  ainda em sede  de fundamentação da decisão da matéria de facto para  concluir, como concluiu, que «nenhum documento nos autos tem a virtualidade de constituir um princípio de prova de que o Autor e os Réus não quiseram celebrar o negócio de 15-01-2016»de nenhum documento junto aos autos resulta um qualquer princípio de prova do qual se legitime o recurso à prova testemunhal ou presunções judiciais»), citações essas, que aqui se repetem, pela sua pertinência:

            «Na explicação de Luís Carvalho Fernandes (Estudos sobre a simulação, Quid Juris, 2004, pp. 59-60): «(...) coloca-se a hipótese de haver contradeclaração escrita, que traduza a vontade real dos simuladores, seja ela no sentido de não celebrar qualquer negócio - simulação absoluta -, seja no sentido de celebrar um negócio diferente quanto a alguns dos seus elementos - simulação relativa. Em tal caso, o papel que ainda pode estar reservado à prova testemunhal será o de contribuir para a fixação do alcance de tal documento, isto é, o de contribuir para a interpretação do negócio nele titulado. Não se vê que possa deixar de valer, neste domínio, a função que o nº 3 do art. 393º reserva à prova testemunhal.

           Pode, porém, dar-se o caso de haver um ou mais documentos escritos, sem que, contudo, qualquer deles, isoladamente ou no seu conjunto, possa ser visto como título suficiente de uma contradeclaração.

           Se, ainda assim, esse documento ou esse conjunto valer como começo de prova da simulação, o recurso ao depoimento de testemunhas afigura-se-nos admissível. (...) O que se exige é que o documento ou o conjunto de documentos disponíveis no processo torne plausível ou razoável admitir a verosimilhança dos factos que segundo a parte que os alega, qualificam a simulação. Por outras palavras, esses documentos têm de permitir, como um dos sentidos possíveis do seu conteúdo, a comprovação dos factos em que se traduz a simulação».

            Nesse estudo, o mesmo autor (Estudos sobre a simulação, Quid Juris, 2004, p. 68) conclui que: «a) A interpretação estrita dos Artigos 351.º e 394.º, n.º 2, do Código Civil limitando fortemente a arguição da simulação pelos simuladores, pode conduzir a resultados injustos de aproveitamento do ato simulado por um dos simuladores em detrimento do outro; b) A ponderação dos interesses em jogo postula, assim, uma interpretação restritiva desses preceitos, que atenue a limitação dos meios de prova disponíveis a que a letra da lei conduz: c) Essa interpretação não pode, porém, pôr em causa a ratio desses preceitos, nem chegar ao ponto de sobrepor, à certeza da prova documental, a fragilidade e a falibilidade da prova testemunhal e por presunções judiciais; d) Deste modo, a estes meios de prova só pode estar reservado o papel secundário de determinar o alcance de documentos que à simulação se refiram ou de complementar ou consolidar o começo de prova a que neles seja lícito fundar; e) Sempre que, com base em documentos trazidos aos autos, o julgador possa formular uma primeira convicção relativamente à simulação de certo negócio jurídico, é legítimo recorrer-se ao depoimento de testemunhas sobre factos constantes do questionário e relativos a essa matéria com vista a confirmar ou a infirmar essa convicção; f) Como legítimo é, a partir desse mesmo começo de prova, pela via de presunções judiciais, deduzir a existência de simulação com base em factos assentes no processo.

           É, assim, admissível a prova testemunhal somente para interpretação de declarações constantes do documento (prova testemunhal iuxta scripturam), contanto que o resultado da interpretação encontre expressão (ainda que imperfeita) nos termos da declaração documentada.

            A prova testemunhal é apenas admissível quando se cuida de clarificar ou integrar o conteúdo da vontade negocial e não de ampliar ou modificar a disciplina objectiva prevista no contrato celebrado por escrito.

            O mesmo sucederá quando a prova testemunhal se destine a completar elementos apenas em parte claramente expressos no documento.

            Cita aqui o Exmo Juiz da 1ª instânciaVaz Serra (Provas, Direito Probatório Material, BMJ, n.º 112, pp. 219-220), a respeito da mesma questão, quando o mesmo enuncia as situações em que se mostrará admissível a utilização da prova testemunhal e por presunções para a prova da simulação quando arguida entre os simuladores:  

            «1) quando exista princípio de prova por escrito que torne verosímil o facto em questão [ex: documento contabilístico do credor que dê conta do recebimento de cheque ou transferência bancária proveniente do devedor, documento emitido pelo autor em como recebeu o preço ou email trocado referenciando esse pagamento];

           2) quando ficou impossibilitado de se munir de prova escrita;

            3) quando perdeu, sem culpa, a prova escrita.

           Quanto à primeira excepção, «[e]xistindo um começo de prova por escrito, a prova testemunhal terá o papel de um suplemento de prova, pois as testemunhas não são já o único meio de prova do facto; e a excepção justifica-se pela circunstância de, neste caso, o perigo da prova testemunhal ser, em grande parte, eliminado, uma vez que a convicção do juiz está já formada em parte com base num documento».

            Complementa o Exmo Juiz a quo estes ensinamentos com os de  Luís Filipe Pires de Sousa (Direito Probatório Material Comentado, Almedina, 2020, pp. 218-219), quando o mesmo refere:

            «[o] começo da prova por escrito pode ser constituído por um só escrito ou por vários, mesmo que não subscrito. Deve emanar daquele a quem oposto, não de um terceiro. A letra ou assinatura desse escrito devem ser previamente reconhecidas ou verificadas; «enquanto não é verificado, o escrito discutido não pode servir de começo de prova porque não se sabe de quem emana.»

           Será de admitir o escrito que não seja do punho da contraparte (ou seu procurador) mas que tenha sido criado com a sua participação, v.g., auto que contenha respostas da parte a depoimento de parte. Não é necessário que o escrito esteja dirigido à parte que o exibe.

            O escrito deve tornar verosímil o facto alegado. Entre o facto indicado pelo escrito e aquele que deveria ser objeto de prova testemunhal, deve existir um nexo lógico tal que confira ao último um relevante fumus de credibilidade. Esse nexo lógico não corresponde a um simples momento inferencial de uma argumentação presuntiva, mas deve ser entendido como dado instrumental de um convencimento probabilístico, que o juiz pode firmar com uma razoável correlação lógica entre o conteúdo do escrito e o facto controverso».

            À luz destas considerações, também este Tribunal entende que nenhum dos documentos juntos aos autos constitui um principio de prova, nos termos e para o efeito que se esteve a referir, ao contrário do que o pretende o aqui apelante, como expressa na conclusão S), aí aludindo, concretamente, aos aditamentos ao contrato de mútuo posteriores ao contrato; às  informações da Central de Responsabilidades que indicam o incumprimento das prestações e permanência dele como devedor da Banco 1...; aos sucessivos avisos do banco mutuante que lhe foram enviados acerca do incumprimento das prestações relativas ao mútuo em questão; o relatório pericial que concluí por um valor do imóvel quatro vezes superior ao valor que lhe foi atribuído no acto simulado; a certidão de registo predial que certifica a existência de ónus reais e penhoras sobre o prédio.

            Ora, e liminarmente, nenhum dos documentos referidos, por si próprio, ou em conjunto com os demais preenche os acima referidos requisitos para valer como princípio  de prova.

            À excepção dos dois aditamentos ao contrato de mútuo dos € 70.000,00, nenhum deles provém dos RR., nem sequer do A, antes, todos eles, de terceiros.

            No que aos aditamentos ao contrato de mútuo respeita, em que o A. e os 1º RR. são outorgantes, era suposto, para que deles resultasse o tal principio de prova, que dos mesmos adviessem motivos para que se admitisse, numa primeira impressão, e em termos de verosimilhança, plausibilidade, razoabilidade, que o negócio em causa poderia, de facto, corresponder a uma mera aparência, mas o que sucede, é precisamente o contrário, como se se verá já de seguida aquando da qualificação jurídica do contrato a que os autos respeitam.

            Afastadas como estão a prova testemunhal e as presunções para a prova da simulação, nenhuma utilidade têm as observações do apelante nas conclusões acima referidas, em que, o que o mesmo faz, é, afinal, servir-se de presunções de facto decorrentes dos factos já provados e, aqui e ali, de depoimentos de testemunhas, para tentar convencer que o negócio a que se reporta o documento autenticado  não passou  de um artificio do A. e do RR. para  fugirem à possibilidade da sua penhora e venda pelos credores e ao mesmo tempo manterem  a propriedade do prédio no âmbito familiar.

            Sendo muito óbvio, em função do que se discorreu, que o facto  não provado f) - As partes não quiseram celebrar o negócio a que se alude em 6), acordando entre si que o Autor se manteria, de facto, como proprietário do imóvel descrito em 1)- se tem de manter não provado, não pode deixar de se referir que igualmente os pontos  impugnados em g), hh) e l) - respectivamente,  g) O acordo a que se alude em 6) e 7), intitulado de «COMPRA E VENDA», foi realizado entre os intervenientes com o objectivo, acordado entre todos, de evitar a venda do conexo imóvel nos processos executivos supra identificados, processo de execução fiscal n.ºs ...00 e ...99, processo n.º 817/14...., e demais processos que poderiam vir a suceder;  l) As partes ocultaram ao Banco o plasmado em 6) e 7); hh) Antes do referido em 17), foi acordado entre Autor e 1.º Réu constituir uma sociedade por quotas, tendo por objecto um investimento em tal prédio que passava pela construção de um centro de diversões e alojamento local associado, em que, os primeiro e segunda réus ficariam com 60% do capital social, sendo o autor o sócio-gerente, o único a trabalhar para aquele desiderato - se devem igualmente manter como não provados.

            Diga-se de passagem que não exactamente por decorrência da não prova da simulação – visto que à margem dela poderiam até ter utilidade para outros aspectos compreendidos na acção – mas, porque o recorrente não cumpriu  o ónus de impugnação constante da al a) do nº 2 do art 640º, pois que não indicou com exactidão as passagens da gravação dos depoimentos em que se compreenderiam as afirmações que conduziriam à prova que pretendia.

            Repare-se que, no que respeita a estes factos – o que se verá suceder com todos os demais que impugnou - se limitou a indicar  a data do testemunho, isto é, a data da sessão da audiência de julgamento em que teve lugar a prestação do depoimento em causa, e a sua duração por reporte ao que para cada uma das testemunhas ou partes ouvidas ficou a constar da acta de julgamento, o que é, obviamente, muito diferente da atitude que deveria ter tido ao convocar com precisão as passagens da gravação em que fundaria o seu recurso.

            Assim, num caso e noutro, - o da al f), por um lado, e o das als g), hh) e l), por outro - e ainda que por razões diversas, acima explicitadas, há que rejeitar a impugnação da matéria de facto em causa.

 

           Impõe-se, de seguida, proceder à interpretação – no possível, atenta a exiguidade dos factos de que se dispõe – do contrato de compra e venda a que os autos respeitam.

            Convocando para o efeito, e à partida, os seguintes pontos de facto, que aqui de novo se reproduzem para facilidade de exposição e de compreensão:

           6) Por documento particular autenticado, datado de 15 de Janeiro de 2016, intitulado de «COMPRA E VENDA», em que intervieram como primeiro outorgante AA, como segunda DD e terceiros BB e mulher CC, declararam os intervenientes entre si, entre o mais: O PRIMEIRO QUE, pelo preço de € 69.518,60, que corresponde ao valor actual das dívidas garantidas pelas hipotecas abaixo identificadas, vende à SEGUNDA, pelo preço de € 34.759,30, a nua propriedade e aos TERCEIROS, pelo preço de € 34.759,30, o usufruto, do prédio rústico, sito no ..., freguesia e concelho ..., composto por terra de cultura arvense e mato, com a área de noventa e três mil setecentos e cinquenta metros quadrados, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... da secção AA, (…), descrito na CRP ... sob o número seis mil setecentos e oitenta, da freguesia ..., com as seguintes inscrições em vigor: 1) - Aquisição a favor do vendedor pela inscrição com a Ap. ... de 2001/08/29,- 2) - Hipoteca Voluntária a favor da Banco 1..., C.R.L., pela inscrição com a Ap. ...8 de 2006/08/04; 3) Hipoteca Voluntária a favor da Banco 1..., C.R.L., pela inscrição com a Ap. ... de 2007/09/12; - 4)- Penhora a favor da Banco 1..., C.R.L., pela inscrição com a Ap. ...91 de 2011/10/27;-- 5) Hipoteca Voluntária a favor da Banco 1..., C.R.L., pela inscrição com a Ap. ...04 de 2012/11/22;- 6) - Penhora a favor da Fazenda Nacional, pela inscrição com a Ap. ...75 de 2013/09/13- 7) - Penhora a favor da Banco 1..., C.R.L., pela inscrição com a Ap. ...97 de 2015/04/15;  8) - Penhora a favor da Fazenda Nacional, pela inscrição com a Ap. ...22 de 2015/05/06.

            7) Mais consta de tal documento que «O primeiro interveniente é devedor à Banco 1..., C.R.L., (…), da importância de € 69.518,60, (sessenta e nove mil quinhentos e dezoito euros e sessenta cêntimos), correspondente aos montantes de capital atualmente em dívida dos empréstimos contraídos junto da mencionada instituição de crédito, empréstimos esses garantidos pelas hipotecas voluntárias atrás referidas, valor este que não inclui os juros vencidos e outras despesas associadas ao empréstimo. A segunda e os terceiros intervenientes declaram que, para pagamento do preço da compra ao primeiro interveniente, assumem a totalidade das dívidas para com a Banco 1..., C.R.L., nos referidos empréstimos, respectivos juros vencidos e vincendos e despesas, perfazendo este valor a totalidade do preço da compra e venda. O primeiro interveniente declara que, assumindo a segunda e os terceiros intervenientes inteira responsabilidade pelo pagamento do capital mutuado, dá a corresponde quitação do preço. Os intervenientes declaram que aceitam o presente contrato nos termos exarados (vide documento de fls.13-v a fls.17-v

            8) Consta do termo de autenticação elaborado pelo Solicitador EE, por este assinado bem como pelo Autor e pelos Réus, atinente ao documento referido em 6), o seguinte: «-No dia quinze de janeiro de dois mil e dezasseis, no meu escritório sito na (…)perante mim, EE, Solicitador, ...:- -- PRIMEIRO:---- ------AA, (…)- SEGUNDA:- -- DD, (…)- - BB, (…) e mulher CC, (…) Por eles me foi apresentado, para fins de autenticação, o contrato de compra e venda, anexo exarado hoje, tendo declarado que já o leram, assinaram e rubricaram, que estão perfeitamente inteirados do seu conteúdo e que o mesmo exprime a sua -------Foi feita aos intervenientes a explicação do conteúdo do referido contrato de compra e venda. -------A segunda e os terceiros intervenientes declararam que, para pagamento do preço da compra ao primeiro interveniente, assumem a totalidade das dívidas para com a Banco 1..., C.R.L., nos empréstimos, respetivos juros vencidos e vincendos e despesas, perfazendo este valor a totalidade do preço da compra e venda.----- I -------O primeiro interveniente declarou que, tendo em conta que a segunda e os terceiros intervenientes assumem inteira responsabilidade pelo pagamento do capital mutuado, dá a correspondente quitação do preço.---- --Adverti os intervenientes de que a assunção das dívidas não produz efeitos perante o Banco credor enquanto não for por ele ratificada e só exonera o primeiro interveniente, perante o credor, após declaração expressa deste, nos termos do artigo 595º do Código Civil.- (…)

           Entendeu o Exmo Juiz a quo que o negócio em apreço se reconduz a um contrato misto de duplo tipo, conjugando contrato de compra e venda com promessa de pagamento, tendo referido para o efeito o seguinte :

           «Parece-nos que, pese embora as partes intitulem o contrato de compra e venda, o negócio redundará naquilo a que Francisco Manuel Pereira Coelho (Contratos Complexos e Complexos Contratuais, Coimbra Editora, 2014, pp. 264-265) designa de contratos de duplo tipo (dentro da categoria dogmática mais ampla das formações contratuais mistas): «trata-se de formações contratuais complexas (mistas) em que as prestações ou atribuições patrimoniais tipicamente diversas (as prestações correspondentes a contratos típicos diversos) se localizam num e no outro lado da relação contratual, funcionando mesmo normalmente como prestação e contraprestação. Nesta conformidade pode dizer-se que o contrato de duplo tipo é simultaneamente (e totalmente) de um e de outro tipos, ou, numa outra fórmula possível, que o contrato misto em exame é “de ambos os tipos e de nenhum”». O insigne Professor oferece como exemplo o contrato de arrendamento em que o inquilino, em lugar de pagar uma renda a título de retribuição da prestação locativa, efectua uma actividade (prestação de serviço). É assim susceptível a formulação de uma regra: «ter-se-á um contrato (misto) de duplo tipo sempre que num contrato a “contraprestação retributiva”, em vez de consistir na entrega de uma quantia pecuniária, consista antes numa prestação (tipicamente) correspondente a um outro contrato típico», sendo certo que «[a] autonomia sistemática da presente modalidade de contrato misto decorre não apenas da sua singularidade estrutural – uma prestação (ou atribuição patrimonial), correspondente a determinado contrato típico, colocada em face de uma contraprestação (ou “contraatribuição patrimonial”) correspondente a um outro contrato típico, e isto numa mesma formação contratual – mas, de igual forma, da especialidade das regras a que deve obedecer o respectivo tratamento jurídico»

            Quanto às prestações a que o Autor se obrigou, as mesmas reconduzem-se às obrigações típicas do contrato de compra e venda (artigo 879.º, als. a) e b), do Código Civil), que são, do lado do vendedor, a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito e a obrigação de entregar a coisa.

             Já do lado dos Réus não se entrevê a obrigação de pagar o preço (al. c) do artigo 879.º do Código Civil), mas já sim uma obrigação típica de uma promessa de liberação.

            Vejamos porquê.

           Os Réus declararam que, para pagamento do preço da compra ao Autor, assumiam a totalidade das dívidas para com a Banco 1..., C.R.L., nos referidos empréstimos, respectivos juros vencidos e vincendos e despesas, perfazendo este valor a totalidade do preço da compra e venda.

            Parece que se está perante uma figura próxima da assunção de dívida («a operação pela qual um terceiro (assuntor) se obriga perante o credor a efectuar a prestação devida por outrem», vd. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 4.ª edição, Almedina, 2020, p. 361). Na assunção de dívida opera-se uma mudança subjectiva do devedor, mas sem alteração do conteúdo ou identidade da obrigação.

            Sucede que, no presente caso, a obrigação assumida não o foi perante o credor (Banco 1...), mas sim directamente e apenas perante o devedor.

            Isto é, a relação processou-se apenas entre os assuntores (Réus) e o devedor do mútuo (Autor).

            Por outro lado, dos factos provados não resulta ter havido ratificação por parte do credor Banco 1....

            A este propósito Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, vol. II, 4.ª edição, Almedina, 2020, p. 363) refere que a promessa de liberação ou assunção de cumprimento se verifica «sempre que uma pessoa (promitente) se obriga perante o devedor a desonera-lo da obrigação, cumprindo em lugar dele, ou seja, efectuando em vez dele a prestação devida ao credor (cfr. art. 444.º, 3)», e que nesta «o terceiro se obriga apenas perante o devedor, só este tendo o direito de exigir dele a exoneração prometida,  enquanto na assunção de dívida a obrigação é contraída (imediata ou posteriormente) em face do credor, que adquire assim o direito de exigir do assuntor a realização da prestação devida».

            Sobre esta figura, veja-se igualmente o Acórdão do TRP, de 11-03-2013, Proc. 7237/05.4TBMTS-A.P1, na qual se entendeu que a mera falta de ratificação do credor fará com que a assunção seja apenas tida como uma promessa de liberação.

            Assim, a assunção de dívida concertada entre antigo e novo credor, caso não seja ratificada pelo credor (artigo 595.º, n.º 1, al. a), do Código Civil), converter-se-á, o mais das vezes, por obediência à vontade presumível ou conjectural das partes (artigos 239.º e 293.º do Código Civil), em mera assunção de cumprimento.

           Há assim uma combinação de regimes, estando as prestações ligadas entre si por um nexo de sinalagmaticidade. Isto é, o sinalagma contratual em apreço desdobra-se nas obrigações por parte do Autor típicas de um vendedor (compra e venda) e na dos Réus, típicas de promitentes ou assuntores de cumprimento (promessa de liberação ou assunção interna de dívida).

            A este contrato não deixam de ser aplicadas as regras da compra e venda (e não havendo qualquer fundamento para excogitar um regime próprio novo, construído para esta formação atípica em face da ausência de textos legais susceptíveis de aplicação directa»

           Concorda-se com a 1ª instância,  fazendo-se notar, complementarmente, que na situação do contrato dos autos está ainda em causa, como contrapartida da transferência da propriedade, um preço em dinheiro, pelo que a compra e venda não resulta descaracterizada, como sucede quando, «em lugar de dinheiro  se promete em troca da propriedade da coisa uma prestação de facto  (um serviço por exemplo)  ou uma obrigação de dar ou entregar coisa diferente de dinheiro», «caso em que não há venda, embora as normas desta, por força do art 939º  possam ser ainda aplicáveis ao contrato», como o assinalam Pires de Lima/Antunes Varela [4].

            Acresce, porém, referir, que a compra e venda a que o contrato aqui em causa  se refere, parece sujeita a uma condição suspensiva.

            Para melhor se compreender essa realidade impõe-se perceber com maior nitidez  a dinâmica da promessa de liberação.

            È sabido que, como decorre do art 595º/1, a assunção de divida pode verificar-se por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor, e por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor, falando-se, no primeiro caso de assunção interna, e no segundo, de assunção externa.

            Como o assina Menezes Leitão[5]  «na assunção interna – que é a que nos interessa -  a transmissão de dividas resulta do efeito conjugado de dois negócios jurídicos: um contrato entre o antigo e o novo devedor, determinando a transmissão, e um negócio unilateral  do credor a ratificar esse mesmo contrato. Se não existir a ratificação, o contrato entre o antigo e o novo devedor não é eficaz em relação ao credor, pelo que não pode valer como assunção de divida (…) não ficando o novo devedor vinculado em face dele»

            Também Menezes Leitão entende que o negócio celebrado entre as partes, apesar da não ratificação pelo credor, pode valer como promessa de liberação (também designada de assunção de cumprimento), «vinculando-se assim o assuntor perante o primitivo devedor a liquidar a divida deste (art 444º/3)».  Igualmente Antunes Varela[6] – se exprime de modo similar, referindo, «há promessa de liberação sempre que uma pessoa (promitente ) se obriga perante o devedor a desonera-lo da obrigação, cumprindo em lugar dele, ou seja, efectuando em vez dele a prestação devida ao credor (444º/3)».

            Não se tem dúvidas perante o contrato dos autos que A. e RR.  não se esqueceram da necessidade da ratificação pelo credor do acordo entre eles firmado de transmissão de divida, antes, muito claramente, a não quiseram, tanto mais que foram advertidos pelo solicitador que procedeu à autenticação do documento titulador do negócio «de que a assunção das dívidas não produz efeitos perante o Banco credor enquanto não for por ele ratificada e só exonera o primeiro interveniente, perante o credor, após declaração expressa deste, nos termos do artigo 595º do Código Civil».

           Não se tem dúvidas também que o mesmo encerra uma promessa de liberação e que esta funcionou na economia do contrato como contrapartida para a transferência da propriedade do imóvel.

           Sendo seguro que os RR. se comprometeram perante o A. a efectuarem, em vez dele, o pagamento das dividas do mesmo junto do seu credor Banco 1...  a troco da transferência da propriedade do imóvel, tudo indica que esta transferência de propriedade não foi querida pelas partes em função da mera promessa de liberação, mas em função da liberação para o A. decorrente do cumprimento dessa promessa, o que são, obviamente, coisas diferentes.

            Veja-se que, ao contrário do que o próprio A. por vezes parece perspectivar e ao contrário do que o Tribunal da 1ª instância, tudo indica, perspectivou, não estava em causa o cumprimento pelos RR. apenas da divida que deu origem aos aditamentos ao contrato de 22/11/2012 (em 2/3/2016 e 31/10 /2016, cfr os factos 12 e 13), mas «a totalidade da dividas para com a Banco 1... CRL.

            Consta efectivamente do contrato em análise, que:

            -O primeiro interveniente é devedor à Banco 1..., C.R.L., (…), da importância de € 69.518,60, (sessenta e nove mil quinhentos e dezoito euros e sessenta cêntimos), correspondente aos montantes de capital atualmente em dívida dos empréstimos contraídos junto da mencionada instituição de crédito, empréstimos esses garantidos pelas hipotecas voluntárias atrás referidas, valor este que não inclui os juros vencidos e outras despesas associadas ao empréstimo.

            - A segunda e os terceiros intervenientes declaram que, para pagamento do preço da compra ao primeiro interveniente, assumem a totalidade das dívidas para com a Banco 1..., C.R.L., nos referidos empréstimos, respectivos juros vencidos e vincendos e despesas, perfazendo este valor a totalidade do preço da compra e venda.

            -  O primeiro interveniente declara que, assumindo a segunda e os terceiros intervenientes inteira responsabilidade pelo pagamento do capital mutuado, dá a corresponde quitação do preço.

            Estavam em causa três mútuos garantidos por hipoteca, estas inscritas pelas  Ap. de 2006/08/04,  2007/09/12 e   2012/11/22[7], e não apenas, estaticamente, a quantia de € 69.518,60 -  que correspondia, em 15/1/2016 (data do contrato), ao capital em divida referentemente  aqueles três mútuos, não englobando, embora, tal valor,  os juros vencidos e outras despesas associadas aos empréstimos -  mas a totalidade das dívidas para com a Banco 1..., C.R.L. nos referidos empréstimos, respectivos juros vencidos e vincendos e despesas, só a totalidade destes valores perfazendo o preço da compra e venda.

            A declaração do A. de quitação - «O primeiro interveniente declara que, assumindo a segunda e os terceiros intervenientes inteira responsabilidade pelo pagamento do capital mutuado, dá a corresponde quitação do preço» – poderia inculcar uma de duas realidades: a de que os RR. estariam obrigados pelo contrato em causa a obter da Banco 1... a ratificação do acordo de transmissão de divida, de modo a que, apenas eles resultassem obrigados perante a mesma,  e não já o A.;  ou a de que o efectivo e total cumprimento por parte dos RR. daqueles acima referidos mútuos hipotecários  – e de todos eles – constituía condição suspensiva para a transferência da propriedade do imóvel.

            Já  acima se rejeitou a possibilidade da assunção de divida, fosse ela cumulativa ou liberatória  – querendo-a, os outorgantes no contrato seriam claros ou mais claros nesse sentido, e não o foram, minimamente.

            Tende-se, pois, a considerar que se está na presença de uma venda sujeita a uma condição suspensiva (falando-se desta quando a verificação do evento condicionante importa a produção dos efeitos do negócio), o que implicaria que a transferência da propriedade do imóvel não fosse consequência imediata do contrato  - como sucede em regra com a compra e venda -  mas só viesse a ter lugar  verificada a condição.

            E, se é verdade que «a posição subjectiva do credor sub condicione consiste numa mera expectativa de aquisição eventual de um direito, com a correspondente obrigação da outra parte», essa expectativa, «além da consistência pratica que pode revestir, obtém já, contudo, alguma tutela jurídica: o credor condicional pode praticar actos dispositivos sobre os bens ou direitos que constituem objecto do negócio condicional  os quais ficarão  sem efeito, se a condição suspensiva não se verificar, além de que o adquirente sub conditione  pode igualmente fazer registar o seu direito, o que lhe dará preferência sobre qualquer direito  incompatível que venha a surgir posteriormente sobre os mesmos bens, por acto do devedor condicional». E o devedor sob condição suspensiva fica obrigado a  abster-se de quaisquer comportamentos que prejudiquem a integridade do direito que o credor virá a adquirir se se verificar a condição. Com efeito, o art 272º impõe que aquele que contrai uma obrigação ou alienar um direito sobre condição suspensiva o dever de agir segundo os ditames da boa fè, isto é, com correcção e lealdade. [8]

            Assim sendo, cumpre saber, se, tal como o apelante o refere, os RR., com o incumprimento em que fizeram incorrer o A. ao não lhe terem potenciado, atempadamente os fundos necessários para que o mesmo procedesse pontualmente aos pagamentos a que estava obrigado perante a Banco 1..., tornou impossível a verificação da condição, o que, na sua perspectiva, implicaria a resolução do contrato.

            Porém, antes dessa análise, e porque, de algum modo, com ela virá a confluir, não se resiste a chamar a atenção para a inconsistência da tese do A. quando pretende afastar a realidade do contrato fazendo-o corresponder a uma mera aparência, entre o mais, por, no seu entender, o mesmo não poder ser conveniente para os interesses dos 1º RR, dada a sua qualidade anterior de fiadores num dos mútuos implicados no referido contrato.

            É que, para além de apenas serem fiadores de um dos contratos de mútuo, a verdade é que enquanto a fiança acompanha o conteúdo variável da obrigação do devedor, pois, segundo o art 634º, «a fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências  legais e contratuais da mora ou culpa do devedor», a posição dos RR. no contrato dos autos permitir-lhes-ia, a eles, gerir  o cumprimento dos créditos.

            Sendo certo que a vantagem que teriam, sendo fiadores, de se poderem sub-rogar com o cumprimento, nos direitos do credor, na situação do aqui devedor  - sem património – assumir-se-ia como uma vantagem muito teórica.

           Por outro lado, o contrato convinha igualmente ao A., que evitaria a venda do prédio em execução por um valor que seria, como é habitual, muito inferior ao real, conseguindo colocar o imóvel a salvo dos credores – não apenas da Banco 1... mas também a Fazenda Nacional – acrescendo que não dando conhecimento a esta entidade da acordada transmissão de divida para os RR. conseguia ainda minimizar os riscos de uma impugnação pauliana.

           Por outro lado, no contexto do contrato, nenhuma admiração pode causar que o A. se disponibilizasse a intervir nos aditamentos ao mútuo de 22/11/2012, pois, alheio como estava o credor àquele contrato, que em nada o vinculava, a recusa do A. relativamente àqueles aditamentos poderia implicar, tão simplesmente, para ele e para os RR, a perda, passe a expressão, «da galinha de ovos de ouro» que o imóvel representava.

            Veio isto a propósito das consequências do incumprimento pelos RR do contrato.

           Numa abordagem superficial à questão, os apelantes, como acima se referiu, pretendem que estes, sendo responsáveis perante ele pelo incumprimento do pagamento à Banco 1..., tornaram impossível a realização da condição, recorrendo ao disposto no art 275º/2  - cfr conclusão DD).

           A sabotagem da condição a que esta norma diz respeito, constitui uma consequência da regra geral expressa no art 272º, de que a ninguém deve ser licito tirar proveito dos actos que pratique, violando as regras da boa fé.

            Não se vendo que os RR., atrasando prestações e entrando em mora, estejam a violar as regras da boa fé a que o estabelecimento da condição, nos termos gerais do art 272º, os obrigavam, devia o A./apelante ter sido mais claro relativamente ao preenchimento dessa norma, tudo indicando que se teria querido referir à do nº 1 desse preceito, quando ai se consigna que «a certeza de que a condição se não pode verificar equivale à sua não verificação». Pois, como o assinalam  Pires de Lima/Antunes Varela[9], «não há que aguardar a não verificação da condição para que ela produza os seus efeitos, basta que haja a certeza de que não pode verificar-se. Nessa altura tratando-se de condição suspensiva, tudo se passa como se o negócio não tivesse sido concluído».

           Sucede que para que na situação dos autos perante os incumprimento dos RR. perante o A., e deste perante a Banco 1..., houvesse a certeza de que a condição a que o contrato estava subordinado não poderia já verificar-se, seria necessário que se estivesse na presença do incumprimento definitivo de qualquer dos três mútuos atrás referidos.

            Só que os factos provados não consentem que assim se conclua, desde logo porque  quem pode concluir pelo incumprimento definitivo é o credor , e nada nos autos permite entrever que a Banco 1... CM tenha tido os  incumprimentos como tal.

            Afinal, apenas se provou, ao nível em questão, que:

            À data do 2º aditamento relativamente ao mútuo com hipoteca e fiança que teve lugar em 22-11-2012, aditamento esse que ocorreu em  31 de Outubro de 2016, a  dívida  relativamente a esse mútuo ascendia a € 69.518,60, consoante facos 14 e 15.             

             A 31-08-2019, a dívida do Autor AA à Banco 1..., CRL, no âmbito do empréstimo bancário referido em 11), ascendia a € 58.030,27, estando por liquidar o montante de € 2.806,76, relativo a prestações mensais vencidas desde 22-05-2019, consoante facto 42.

             A 30-11-2020, a dívida do Autor AA à Banco 1..., CRL, no âmbito do empréstimo bancário referido em 11), ascendia a € 51.047,46, estando por liquidar o montante de € 2.802,13, relativo a prestações mensais vencidas desde 22-08-2020. consoante facto 43.

            A 31-05-2021, a dívida do Autor AA à Banco 1..., CRL, no âmbito do empréstimo bancário referido em 11), ascendia a € 51.764,42, estando por liquidar o montante de € 6.434,58, relativo a prestações mensais vencidas desde 22-08-2020, consoante facto 44.

           Os Réus pagaram € 9.838,74 em Novembro de 2021 para regularização do empréstimo, consoante facto 32.

            O Autor recebeu comunicações da entidade Bancária Banco 1... datadas de 23-05-2022 e 22-06-2022 para regularizar prestação do empréstimo ...92 no valor de € 698,84, consoante facto 45.

             A 28-02-2023, a dívida do Autor AA à Banco 1..., CRL, no âmbito do empréstimo bancário referido em 11), ascendia a € 34.648,74, consoante facto 46.

            A 28-02-2023, não se encontrava nenhuma prestação mensal vencida por liquidar, relativamente ao plano prestacional do empréstimo bancário referido em 11), consoante facto 47.

           A 28-02-2023, a prestação mensal de reembolso do mútuo referido em 11) ascende a € 738,83, encontrando-se prevista a última prestação mensal atinente ao mesmo no dia 22-11-2027, consoante facto 48.

            Devendo fazer-se notar que mesmo que este Tribunal julgasse procedente a impugnação da matéria de facto a que no âmbito em referência o apelante procede – julgando o facto não provado j), provado, e ampliando a matéria de facto como o mesmo pretende – nem por isso os incumprimentos perante a Banco 1...  passariam a corresponder a um incumprimento definitivo de qualquer dos três mútuos implicados no contrato com o A. 

           Desde logo não seria possível julgar provado o facto j)  - Os Réus não pagaram ao banco (as) prestações alusivas ao mútuo de 2012 a que se alude em 11) e conexos aditamentos plasmados em 12) e 13) – pois que, da matéria de facto provada, resulta que algumas, e decerto, muitas, dessas prestaçães, foram pagas .

            Por outro lado, julgar provado que de 30/6/2016 a 31/10/2016, a divida do A. à Banco 1... no âmbito do empréstimo bancário referido em 11) ascendia a € 69.519,00, estando por liquidar até essa data todas as prestações mensais desde a assunção de divida pelos RR., em nada modificaria a situação de mora, tanto mais que logo em 31/102016 com o referido 2º aditamento o Banco teve por regularizado o mútuo em questão.

            O que significa que não havendo incumprimento definitivo dos mútuos, o incumprimento das obrigações dos RR.  perante o A. não pode despoletar a resolução do contrato pelo A. como este pretende, devendo, pois, confirmar-se a não resolução do mesmo, consoante decidido pelo Tribunal a quo.

            Mas por esta razão, e não pela que o mesmo invocou, que tem por pressuposto a aplicação à situação dos  autos da disciplina do art 886º CC.

            Com efeito referiu: «Aplicando-se o artigo 886.º do Código Civil ao contrato em apreço, ainda que por via indirecta, tem-se que «[t]ransmitida a propriedade da coisa, ou o direito sobre ela, e feita a sua entrega, o vendedor não pode, salvo convenção em contrário, resolver o contrato por falta de pagamento do preço. A falta do pagamento do preço, aqui neste caso leia-se «não pagamento da dívida do Autor que os Réus prometeram pagar», não pode por isso motivar a resolução do contrato, nos termos do artigo 886.º do Código Civil».

           Salvo o devido respeito, não se concorda com esta solução, entendendo-se que, na verdade, nem os factos permitem que se diga  que houve entrega da propriedade  – veja-se  o facto 16, segundo o qual, «em finais de 2019, os RR. trocaram as fechaduras do prédio descrito em 1), em forma de cadeado, que dão acesso à propriedade  e ao armazém supra identificado, o que impediu o A. de entrar na propriedade,  desde então», facto que  implica que até essa data o A. tinha a posse do imóvel  - tão pouco que faltava o pagamento do preço.  É que este, em rigor, salvo incumprimento definitivo das obrigações do A. para com a Banco 1... envolvidas no contrato dos autos, e que já se descartou até à data, só poderia vir a ter lugar decorridos os prazos estabelecidos para os três mútuos implicados no contrato, sabendo-se, no que respeita ao de 22/11/2011, que em 28/2/2023 o terminus das respectivas prestações se mostrava previsto para 22/11/2027 (facto 48).  Tão pouco, no nosso entendimento, se verificou, até à data, a transferência da propriedade.

            Com o que este Tribunal, ainda que por razões não coincidentes, conclui como o da 1ª instância pela improcedência do pedido de resolução do contrato e pela consequente improcedência da restituição do imóvel.

            O Tribunal  a quo chamou atenção para a relação que intercedia entre o pedido do A. de restituição da propriedade pelos RR. (subsidiário em relação ao da declaração de nulidade do contrato por simulação absoluta) e o pedido reconvencional destes referente ao pagamento da quantia de € 132.850,00 de trabalhos e melhoramentos efectuados no prédio a titulo de benfeitorias – tal reconvenção apenas deveria ser atendida na hipótese da procedência do pedido do A. de restituição do prédio àquele  (reconvenção deduzida a titulo eventual, dita subsidiária), referindo que, «uma vez que essa pretensão do A. foi indeferida, fica prejudicada a pronúncia do tribunal sobre a reconvenção subsidiaria», e em sede de dispositivo, e correspondentemente, julgou «prejudicado o conhecimento dos pedidos reconvencionais deduzidos pelos RR.», sem que estes tivessem reagido a este segmento decisório que lhes é desfavorável sequer através de recurso subordinado.

           Vem agora o A. na apelação pretender que seja alterada a matéria de facto relativamente aos pontos da mesma 20, 22 a 25, 27, 28, 30, 31, 39, 40 e 41 – todos eles atinentes às referidas benfeitorias - pretendendo que os mesmos sejam julgados não  provados.

            Deveria este Tribunal conhecer, desde já, dessa impugnação da matéria de facto, por se poder dar o caso de em consequência de eventual recurso do A. para o STJ este  poder vir a entender como procedente a resolução do contrato (ao que não obstaria a dupla conforme, vista a diversidade de argumentação jurídica utilizada na 1ª e nesta instância), necessitando, então, da apreciação definitiva da matéria de facto referente às benfeitorias.

            Sucede que à semelhança do que acima já se viu acontecer, o apelante não cumpriu o ónus da impugnação da matéria de facto que advém da conjugação da al b) do nº 1 do art 640º com o seu nº 2, pois, tendo embora especificado minimamente os meios de prova em que se basearia para as pretendidas alterações, e sendo certo que, aqui, e pontualmente, se socorreu da transcrição de enxertos referentes àqueles meios de prova, a verdade é que não indicou com  exactidão, e relativamente a qualquer deles, as passagens da gravação relevantes para aquele efeito.

            O nº 2 do art 640º não configura os procedimentos, por parte do apelant,e  a que se reporta – indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso e a transcrição dos enxertos que considere relevantes -  em termos alternativos, mas, muito claramente, em termos desta transcrição constituir uma mera possibilidade a acrescer àquela obrigatória indicação, sob pena da falta desta implicar a rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto,  consoante o concreto âmbito da falta em causa.

           Abrantes Geraldes [10] exprime-se nesta matéria, deste modo: «(…) Cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos».

            Ora o aqui apelante, relativamente a cada um dos depoimentos testemunhais que convocou em abono do seu entendimento na matéria em apreço, e bem como dos esclarecimentos em audiência da Exma Perita, entendeu contormar a exigência acima referida, indicando a data em que os depoimentos em causa tiveram  lugar e a sua duração, do principio ao fim, tal como ficou a constar da acta de julgamento, o que obviamente não corresponde à exigida indicação das passagens da gravação relevantes.

            Assim sendo, rejeita-se também aqui a impugnação da matéria de facto acima assinalada.

            Procedimento idêntico teve o apelante no que se reporta a al h) não provada, ao pretender que parte dela seja aqui julgada provada – no que se reporta  à máquina de café e demais material de hotelaria  existente no armazém  - pelo que igualmente se rejeita a impugnação deste ponto de facto, com a consequente improcedência do pedido de restituição por ele pedida daqueles bens, mantendo-se a pedida restituição apenas no que se reporta ao gerador eléctrico com rodas referido no facto provado 17.

            Pretende ainda o apelante que a indemnização que o Tribunal a quo lhe arbitrou em sede de reparação de danos não patrimoniais em função de ter sido tido como incumpridor na Central de Responsabilidades do BdP seja aumentada dos concedidos €    1.250,00 para  os € 10.000,00  pedidos na acção.

            Na verdade, é pretensão que este Tribunal não pode acolher, porque, sem prejuízo da já decidida e transitada indemnização de € 1.250,00, sempre se dirá que a possibilidade do nome do A. vir a constar da Central de Responsabilidades de Crédito (CRC) do BdP não podia ter sido deixada de ter sido  equacionada no contrato a que os autos respeitam, pois que aí não se excluiu a mora dos RR. no cumprimento dos mútuos a que o mesmo se reporta, apenas se exigiu «o pagamento da totalidade das dividas para com a Banco 1... nos referidos empréstimos, respectivos juros vencidos e vincendos e despesas».

            E que assim foi demonstra-o suficientemente a circunstância de, não obstante em 31/10/2016 já haver responsabilidades do A. comunicadas ao BdP – como o demonstra o doc de fls 31 junto com a petição – nem por isso o A. ter deixado de outorgar com os 1ª RR. o segundo aditamento ao mútuo com hipoteca e fiança de 22/11/2012, aditamento esse que teve lugar, justamente, em 31/10/2016.

           De todo o modo, ainda que assim não se devesse entender, sempre se julgaria  adequada a indemnização concedida, pois, tal como foi ponderado na sentença recorrida, não há elementos que nos permitam concluir que terceiros – para além dos RR. – tiveram conhecimento da referida situação, estando em causa compensar o A. apenas relativamente à «potencialidade de consequências negativas para a credibilidade face a comunidade» e à consequente afectação de credibilidade em função do «simples conhecimento da existência daquela informação  pela pessoa visada».

           

           Deste modo, há que manter totalmente o decidido na 1ª instância, julgando-se improcedente a apelação.

            V – Pelo exposto, acorda este Tribunal em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.

            Custas pelo apelante.

            .

                                               Coimbra, 6 de Fevereiro de 2024
(Maria Teresa Albuquerque)
(Falcão de Magalhães)
(Luís Ricardo)

            (…)


                [1]-  Foi com o Assento de Maio de 1950 que se passou a admitir a arguição da simulação pelos próprios simuladores entre si, ainda que fraudulenta, por se entender até aí que «a ninguém deve ser permitido invocar ou aproveitar a sua própria torpeza ou a torpeza do seu acto»
                [2] - «Teoria Geral de Direito Civil»,  4ª ed., p 467
                [3] - «Tratado de Direito Civil», I Parte Geral Tomo I, 1999, p 561 

            [4] - «Código Civil Anotado», Vol I , anotação ao art 879º
                [5] - «Direito das Obrigações», 7ª ed, vol  II, p 53
                [6]  - Obra acima referida, p 363
                [7] - É  curioso constatar que as hipotecas referida na p i não coincidem inteiramente com as referidas no contrato dos autos 
                [8] - Cfr Mota Pinto, «Teoria Geral do Direito Civil», 4ª ed, p 573 e 574
                [9] -  Obra referida, anotação ao preceito me referência p. 254
                [10] - «Recursos no Novo Código de Processo Civil», 2013 p 126/127