Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
936/08.0JAPRT-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOURAZ LOPES
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
DESCONTO
Data do Acordão: 03/30/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – ESTARREJA - JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 80º CP
Sumário: O funcionamento do desconto da prisão preventiva é hoje, após a revisão do Código Penal de 2007, independente do facto de se tratar de um processo único. Ou seja o desconto funciona mesmo nos casos em que as medidas de coacção (prisão preventiva ou obrigação de permanência da habitação) tenham ocorrido noutro processo.
Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO.
Após decisão final condenatória do arguido JM… pela prática de um crime de detenção de arma proibida, na pena de seis anos e seis meses de prisão e decisão absolutória de um crime de tráfico de armas, foi proferido despacho relativo à situação processual do arguido, decidindo-se manter o arguido em situação de prisão preventiva até ao trânsito em julgado.

Não se conformando com a decisão, o Ministério Público e o arguido recorreram para este Tribunal, por razões diferenciadas.

Nas suas alegações, o Ministério Público conclui na sua motivação nos seguintes termos:
1º O recurso é limitado à parte do douto Despacho proferido na Acta de Audiência do dia 11/01/2011 pelo Ex.mo Juiz Presidente, em que considera que “não se torna possível recorrer aos n.°s 2 e 3 do art.° 215.° do CPP para fixação do prazo máximo da prisão preventiva, prazo esse que, neste momento, nos termos do n.° 1, ai. d) do mesmo artigo, se mantem em 1 ano e seis meses” — em relação ao arguido JM… .
2.° O arguido JM… foi absolvido em 1 instância pela prática do crime de tráfico de armas (p. e p. pelos art.°s 87.°, n.°1, e 90.0, n.°s 1 e 2, com referência ao art.° 86.°, n.°s 1, ai. a a), c), e d), todos da Lei n.° 512006, de 23/02), por que vinha acusado, e foi condenado apenas pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos art.°s 86.°, n.°s 1, al.s a), c) e d), e 90.0, n.°s 1 e 2, da mesma Lei (na redacção original), na pena principal de seis anos e seis meses de prisão;
3.° Contudo, o douto Acórdão proferido em 11/01/2011 pelo Tribunal Colectivo ainda não transitou em julgado — pois foi objecto de Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, interposto pelo Ministério Público em 20/01/2011, em que se pugna, além do mais, pela revogação do Acórdão e condenação do arguido JMl pela autoria do aludido crime de tráfico de armas.
4.° Ora, este crime é punível com pena de prisão de 2 a 10 anos (art.° 87.°, n.°1, da citada Lei n.° 5/2006), e as condutas que o integram são tipificadas como criminalidade altamente organizada”, no art.° 1.0, ai. m), do C.P.P.
5.° Por outro lado, por despacho do M.ma Juiz de Instrução, proferido em 03/07/2009 — Referência 4925305 — foi determinada a excepcional complexidade do procedimento criminal, nos termos dos art.°s 215°, n.°3, e 218.°, n.°3, do C.P.P.
6.° Assim sendo, em nosso entender — e salvo o devido respeito pelo entendimento do Tribunal ‘ a quo” o prazo máximo da prisão preventiva a que alude o art.° 215.°, n.° 1, ai. d), do C.P.P. eleva-se para os três anos e quatro meses, nos termos do n.° 3 daquele art.° 215°.
7.° Mas ainda que, por mera hipótese de raciocínio, se entendesse que o procedimento já não reveste” excepcional complexidade”, sempre o prazo máximo de prisão preventiva será de dois anos, nos termos do n.° 2 do citado art.° 215.° - pois é manifesto que o crime de tráfico de armas ainda imputado ao arguido JM… é punível com prisão de máximo superior a oito anos.
8.° Ao seguir entendimento diverso - e concluir que o prazo máximo da prisão preventiva era de 1 ano e seis meses, o douto Despacho recorrido violou o disposto no art.° 215.°, n.°1, ai. d), n.° 2 e n.° 3 do C.P.P.
Por sua vez o arguido conclui a sua motivação nos seguintes termos:

1 O arguido JM… tem estado em situação de prisão preventiva desde 09/01/2009 até 17/06/2010, altura em que foi desligado deste processo e passou a estar em situação de cumprimento de pena de 19 meses de prisão à ordem do processo n° 509/08.8GBOAZ, do 2° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis até ao dia 09/08/2010, data em que foi novamente colocado à ordem dos presentes autos, em situação de prisão preventiva, que ainda se mantém na presente data.

2 Deste modo, o arguido esteve em situação de cumprimento de pena (apenas) 1 mês e 22 dias, por lhe ter sido descontado o período em que esteve detido à ordem destes autos em prisão preventiva.

3 O desconto foi feito no cumprimento da pena de 19 meses de prisão, ou seja, no processo do Tribunal de Oliveira de Azeméis e para efeitos de liquidação da pena nesse processo.

4 Não havendo trânsito em julgado nestes autos e consequentemente, não havendo ainda cumprimento de pena, a medida de coacção não pode transformar-se em início de cumprimento de pena.

5 A prisão preventiva não pode ser concebida como início de uma eventual futura pena, uma vez que é uma mera medida de coacção.

6 Acresce ainda que, os crimes dos dois processos - o destes autos e os do processo 509/08.8GBOAZ - estão em relação de concurso, pois foram praticados antes de transitar em julgado a condenação por qualquer um deles — artigo 77°, n° 1 do C. Penal.

7 Assim, a facto da pena imposta no processo do Tribunal de Oliveira de Azeméis e descontada nesses autos estar extinta pelo cumprimento, neste caso concreto não impede a realização do cúmulo com a mesma, atento o disposto no artigo 78°, n° 1 do C. Penal.

8 E, por isso, nessa pena única, será tido em conta todo o tempo que o arguido esteve em prisão preventiva e o desconto já operado sem que se corra o risco dum eventual duplo desconto.

9 Portanto, o douto despacho ao não considerar como prisão preventiva nestes autos o período que decorreu entre 09/O1/2009 e 17/06/2010, que foi descontado na liquidação da pena do processo 509/08.8GBOAZ, do 2° Juízo do Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis, violou o disposto nos artigos 215°, n° 1, alínea d) do C.P.P.. e 27°, n° 1 da C.R.P., bem como o disposto no artigo 800, n° 1 do C. Penal.

Na resposta aos recursos apenas o Ministério Público se pronunciou pelo não provimento do recurso do arguido, «por manifesta falta de fundamento».

O Exmo. Senhor Procurador Geral-Adjunto neste Tribunal da Relação subscreveu a posição do Ministério Público na primeira instância.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

As questões que importa decidir, face às conclusões efectuadas pelos recorrentes nas suas motivações são:

a) recurso do MP: aplicação ao caso do prazo da prisão preventiva estabelecido no artigo 215º n.º 2 e 3 do CPP.

b) recurso do arguido: extinção da prisão preventiva por ultrapassagem do prazo de legal da prisão preventiva.

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Importa, num primeiro momento, atentar na decisão recorrida, circunscrita à questão em discussão – a medida de coacção aplicada ao arguido:

Atenta a pena de 6 anos e 6 meses em que o arguido agora foi condenado e não se vislumbrando qualquer atenuação das exigências cautelares que levaram à sujeição do mesmo à medida de coação de prisão preventiva, afigura-se-nos que estão reunidos os pressupostos exigidos pelo art 204° do CPP para a sua manutenção.

Importa, no que respeita à invocada questão de ser ter esgotado o prazo máximo dessa medida, é de referir o seguinte:

É um facto que o arguido acaba de ser absolvido do crime de tráfico de armas, previsto e punido pelo art.° 87, n.° 1, da Lei 5/2006, de 23/02, crime esse que, dos dois ainda imputados ao arguido, era o único punível com pena de prisão superior a 8 anos, pelo que não se torna possível recorrer aos n°5 2 e 3 do art. 215° do CPP para fixação do prazo máximo da prisão preventiva, prazo esse que, neste momento, nos termos do n°1, ai. d) do mesmo artigo, se mantém em 1 ano e seis meses.

Todavia, o período de prisão preventiva a que o arguido esteve sujeito nos presentes autos entre 9/1/2009 e 16/16/2010 foi integralmente descontado na liquidação da pena de 19 meses de prisão que lhe foi aplicada no processo 509/08.8GBOAZ do 2° Juízo Criminal de Oliveira de Azeméis, tendo o arguido sido desligado dos presentes autos e colocado à ordem daquele processo no dia 17/06/2010, voltando novamente a ser colocado à ordem dos presentes autos no dia 09/08/2010, em situação de prisão preventiva.

Assim sendo. afigura-se-nos que para contagem do prazo máximo de prisão preventiva não deverá ser tido em conta o período em que o arguido esteve desligado dos presentes autos nem o período de prisão preventiva que lhe foi descontado naquela liquidação de pena. Em relação a este último período, equivale o mesmo a cumprimento da pena aplicada no processo n.° 509/08.8 GBOAZ, pelo que, em termos práticos, tudo se passa como se o arguido tivesse sido desligado dos presentes autos e ligado à ordem desse processo. E tratando-se de cumprimento da pena, não pode simultaneamente ser tido em conta, num outro processo, como prisão preventiva.

Em face do exposto, a contagem do prazo máximo de prisão preventiva nos presentes autos deverá ser feita apenas a partir de 09/08/2010, pelo que não se encontra ainda esgotado o referido prazo máximo aplicável aos autos.

Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se que o arguido continue a guardar os ulteriores termos do processo, até ao trânsito em julgado e sem prejuízo dos limites legais do respectivo prazo, sujeito à medida de coacção de prisão preventiva.

Notifique.

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Recurso do Ministério Público.

Por uma questão de lógica decisional, começamos pela apreciação do recurso do Ministério Público, na medida em que a decisão sobre o problema suscitado, referente à primeira parte do despacho sob recurso, pode repercutir-se no recurso do arguido.

O que está em causa, é segundo as alegações de recurso do MP, apenas a parte do despacho em que considera que “não se torna possível recorrer aos n.°s 2 e 3 do art.° 215.° do CPP para fixação do prazo máximo da prisão preventiva, prazo esse que, neste momento, nos termos do n.° 1, ai. d) do mesmo artigo, se mantem em 1 ano e seis meses.

Uma atenção à situação fáctica em causa mostra-nos que o arguido foi julgado (após decisão do STJ que reenviou o processo para novo julgamento parcial) por factos em que lhe eram imputados os crimes de um crime de tráfico de armas p.e p. pelos artigos 87° n.° 1 e 90° n.°s 1 e 2, com referência ao art.° 86° n.° 1 als. a), c), e d) da Lei n.° 5/2006 de 23-2, e um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelos artigos 86.° alíneas a), c) e d), 90º n.°s 1 e 2 da mesma lei, tendo sido absolvido do primeiro crime e condenado apenas pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 86.° alíneas a), c) e d), 90º n.°s 1 e 2, na pena de seis anos e seis meses de prisão.

O arguido encontra-se em prisão preventiva à ordem dos autos desde 9.01.2009 até 17.6.2010 e novamente desde 9.8.2010 até à presente data – cf. despacho de fls 206.

O regime normativo da prisão preventiva, como medida cautelar, («porque acautela qualquer coisa, a saber destina-se a evitar que o arguido fuja e se subtraia à acção da justiça; ou que destrua provas; ou ainda que prossiga na actividade criminosa», segundo Teresa Beleza, in «Prisão preventiva e direitos do arguido», in AAVV, Que Futuro para o Direito Processual Penal, Coimbra Editora,2009, p. 672) está actualmente sujeito a uma disciplina normativa de cariz constitucional e legal que se sustenta essencialmente na afirmação dos princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade, subsidiariedade e precaridade.

Na concretização destes princípios o regime dos prazos da prisão preventiva foi, com a reforma de 2007 do CPP, claramente reduzido, mantendo-se, no entanto, uma diferenciação de prazos em função do tipo de crimes, com o intuito claro de redução desses prazos, como decorre dos vários números do artigo 215º.

Igualmente imperativa é a fixação normativa da extinção das medidas de coacção (prisão preventiva incluída), nos casos a que se refere o artigo 214º, que são aliás, de extinção automática («de imediato»).

Nos termos do disposto no art.° 214° n.°1 ais. d) e e) do CPP, as medidas de coacção extinguem-se de imediato (…) com a sentença absolutória, mesmo que dela tenha sido interposto recurso; ou com o trânsito em julgado da sentença condenatória.

A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início tiverem decorrido(…), um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em 1 instância; ou um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado — art.° 215° n.° 1 als. c) e d) do mesmo diploma legal.

Os prazos referidos no número anterior são elevados, respectivamente, para seis meses, dez meses, um ano e seis meses e dois anos, em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos -. n.° 2 do citado artigo.

Os prazos referidos no n.° 1 são elevados, respectivamente, para um ano, um ano e quatro meses, dois anos e seis meses e três anos e quatro meses, quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime — n.° 3.

No caso dos autos o arguido estava acusado e foi julgado (após decisão do STJ que reenviou o processo para novo julgamento parcial) por factos em que lhe eram imputados os crimes de um crime de tráfico de armas p.e p. pelos artigos 87° n.° 1 e 90° n.°s 1 e 2, com referência ao art.° 86° n.° 1 als. a), c), e d) da Lei n.° 5/2006 de 23-2, e um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelos artigos 86.° alíneas a), c) e d), 90º n.°s 1 e 2 da mesma lei, tendo sido absolvido do primeiro crime e condenado apenas pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 86.° alíneas a), c) e d), 90º n.°s 1 e 2, na pena de seis anos e seis meses de prisão.

O arguido foi absolvido de um crime de tráfico de armas, crime que se encontra no âmbito dos crimes que envolvem a definição de «carácter altamente organizado», a que se alude no artigo 215º n.º 3 por referência ao artigo 1º alínea f) do CPP.

Por sua vez foi condenado, na decisão de primeira instância, na pena de 6 anos e seis meses de prisão pelo crime de detenção de armas proibidas, cuja moldura máxima é 8 anos de prisão.

Ou seja, a razão pela qual o prazo de prisão preventiva aplicado à sua situação justificava uma diferenciação (acusação de um crime inserido o âmbito do conceito de «carácter altamente organizado» do crime) deixou, a partir do momento em que é absolvido de tal crime em primeira instância, de fazer sentido.

Se é certo que se mantém a condenação do arguido pelo crime e detenção de arma proibida, então o prazo da prisão preventiva é o que decorre do artigo 215 n.º 1 alínea d), ou seja um ano e seis meses.

O Ministério Público alga ainda que no caso, por despacho proferido em 03/07/2009 — Referência 4925305 — foi determinada a excepcional complexidade do procedimento criminal, nos termos dos art.°s 215°, n.°3, e 218.°, n.°3, do C.P.P. Daí que, ainda segundo o Ministério Público, o prazo máximo da prisão preventiva a que alude o art.° 215.°, n.° 1, ai. d), do C.P.P. eleva-se para os três anos e quatro meses, nos termos do n.° 3 daquele art.° 215°.
O artigo 215º n.º 3 do CPP refere efectivamente que «os prazos referidos no n.º 1 são elevados, respectivamente, para um ano, um ano e quatro meses, dois anos e seis meses e três anos e quatro meses, quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime».
Sublinhe-se o inciso e a cumulativa: quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente (…) ao carácter altamente organizado do crime.
No caso concreto o despacho que declarou a excepcional complexidade do processo efectuado em 3.07-2009 diz o seguinte:
«Compulsados devidamente os autos verifica-se a existência de um significativo número de crimes indiciados, cuja investigação - maxime tráfico de armas e no homicídio - implica, para obtenção da prova, a realizaçâo de múltiplas diligências que passam pela realização de exames periciais de âmbito e duração inusual, entre outras.
Tais diligências de apuramento da verdade material implicarão necessariamente, que se ultrapasse o prazo de seis meses de duração máxima normal da medida a que está sujeito o arguido JM…, o que se revela necessário para que a investigação se possa concluir com sucesso apurando-se a responsabilidade criminal de cada um dos autores dos factos e a extensão dos seus actos ilícitos.
Pelo exposto, nos termos dos arts. 215. n. 3 e 218. n. 3, do cód. penal, declaro o presente procedimento criminal como de excepcional complexidade, elevando-se o prazo máximo da medida de prisão preventiva irrogada ao arguido supra identificado para 12 meses. Notifique»
Ou seja as razões que lavaram à declaração de complexidade do processo envolviam a investigação do crime de homicídio e de tráfico de armas, crimes pelos quais o arguido foi absolvido e que deixaram de fazer sentido com a decisão de primeira instância.

Daí que não assista razão ao recorrente Ministério Público, mantendo-se, por isso, nesta parte a correcta decisão da primeira instância agora impugnada, julgando improcedente o recurso.

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Recurso do arguido

Conforme se decidiu no recurso apresentado pelo Ministério Público, tendo quem conta que o arguido foi absolvido em primeira instância do crime de tráfico de armas, extinguindo-se, por isso a razão factual que sustentava a elevação do prazo de prisão preventiva para os limites fixados no artigo 215º n.º 2 do CPP, o prazo de prisão preventiva, tendo em conta o crime de que estava acusado e pelo qual foi condenado em primeira instância, é de um ano e seis meses de prisão, nos termos do artigo 215º n.º 1 alínea d).

A fls 206 encontra-se o seguinte despacho: «nos termos do disposto no artigo 414º n.º 5 do CPP, consigna-se que o arguido se encontra preso preventivamente à ordem destes autos desde 9.1.2009 até 17.6.2010 e depois novamente desde 9.8.2010 até à presente data, encontrando-se no Estabelecimento Prisional Regional de Aveiro, tendo nesta altura sido admitido o recurso interposto da decisão final para o STJ»,

Segundo a informação que consta nos autos o arguido no período em que esteve desligado deste processo e à ordem do processo 509/08.8.8GBOAZ, do 2º juízo Criminal do TJ de Oliveira de Azeméis (1 mês e 22 dias) esteve a cumprir uma pena de prisão de 19 meses tendo-lhe aí sido descontado tempo que esteve em prisão preventiva neste processo (entre 9.01.2009 e 17.6.2009).

Sobre o instituto do desconto, diz-nos o artigo 80º, nº 1 do Código Penal, que «a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofrida pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas».

Recorde-se que o funcionamento do desconto é hoje, após a revisão do Código penal de 2007, independente do facto de se tratar de um processo único. Ou seja o desconto funciona mesmo nos casos em que as medidas de coacção (prisão preventiva ou obrigação de permanência da habitação) tenham ocorrido noutro processo.

Ora no caso da situação em apreço tendo sido descontado no processo 509/08.8.8GBOAZ, do 2º juízo Criminal do TJ de Oliveira de Azeméis, o período de prisão preventiva sofrido pelo arguido nos presentes autos entre 9.01.2009 e 17.6.2009, nos termos daquele artigo, é óbvio que o prazo de prisão preventiva só começa a contar, por isso, neste autos, a partir de 9.8.2010.

Daí que não assista razão ao recorrente ao pretender ver, neste momento, ultrapassado o prazo de prisão preventiva de 1 ano e seis meses, soçobrando por isso o recurso interposto

III. DECISÃO

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente os recursos interpostos quer pelo Ministério Público, quer pelo arguido, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.
Fixa-se a taxa de justiça devida pelo arguido em 4 UCs.
Notifique.


Mouraz Lopes (Relator)
Félix de Almeida