Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
407/09.8TBNZR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: EXECUÇÃO
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
NEGLIGÊNCIA
Data do Acordão: 04/04/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - ALCOBAÇA - JUÍZO EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.281 Nº5 CPC
Sumário: 1 – Para ser julgada deserta a instância numa ação declarativa, nos termos do art. 281º, nº 1 do n.C.P.Civil, é necessário não só que o processo esteja parado há mais de seis meses a aguardar o impulso processual das partes, mas também que tal se verifique por negligência de qualquer delas em promover o seu andamento, o que significa que terá de ser efetuada uma valoração do comportamento das partes, por forma a concluir se a falta de impulso em promover o andamento do processo resulta, efetivamente, da negligência destas.

2 – Donde, não sendo automática a deserção da instância pelo decurso do prazo de seis meses, o julgador, antes de proferir o despacho a que alude o nº 4 do art. 281º do n.C.P.Civil, deve, num juízo prudencial, ouvir as partes de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável a comportamento negligente de alguma delas, ou de ambas.

3 – No atual regime atinente ao processo executivo, conquanto se considere a instância deserta no processo executivo independentemente de qualquer decisão judicial (cf. art. 281º, nº5 do n.C.P.Civil), não se prescinde igualmente da verificação da negligência da parte na observância do ónus de impulso processual, sendo que não pode ser reconduzida a negligência da parte à mera objetividade da paragem do processo por ausência de impulso processual.

Decisão Texto Integral:      






       Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                                       *

            1 – RELATÓRIO

BANCO (...) S.A. veio, em 23.07.2010, propor contra J (...) e A (...) ação executiva comum para pagamento dc quantia certa, atribuindo à execução o valor de € 7.287,73, apresentando como titulo executivo sentença condenatória judicial e indicando à penhora todo o mobiliário/recheio que guarnece a residência dos executados e bem assim o veículo automóvel de marca Peugeot, modelo Partner, e matrícula (...) SO dos executados.

- Em 11.01.2011 consta dos autos uma série de “Consultas” em vista da efetivação da penhora por parte do Exmo. Agente de Execução, sendo que do resultado das mesmas notificou o Exmo. Mandatário da Exequente em 07.01.2011.

- Idem, nas datas de 18.06.2011 e 4.06.2011, respetivamente.

- Em 25.06.2011, consta dos autos uma notificação da Secretaria ao Exmo. Agente de Execução, referenciando como “Assunto: Estado da diligência”, do seguinte teor: “Fica deste modo notificado para que informe este tribunal qual o estado da diligência, referente ao: J (…), estado civil: Casado (regime: Casado), , , Endereço: Rua (…)

A (…), estado civil: Casado (regime: Casado), , , Endereço: Rua (…)

-   Em 28.06.2011, 25.04.2013 e 1.10.2013, consta dos autos informação estatística do   Exmo. Agente de Execução no sentido de “Penhora em Curso”

                                                            *

- Em 20.06.2014, consta dos autos uma notificação da Secretaria ao Exmo. Agente de Execução, referenciando como “Assunto: Estado da diligência”, do seguinte teor: “Fica deste modo notificado para que informe este tribunal qual o estado da diligência, referente ao: (…).

                                               *

-  Em 29.06.2016, foi operada a notificação do Exmo. Mandatário da Exequente, referenciando como “Assunto: aplicabilidade do disposto no artigo 281.º, n.º 5, do Código de Processo Civil”, do seguinte teor: “Ao abrigo do disposto na alínea 'x'), do Capítulo II - Tramitação Processual -, do Provimento n.º 2/2015, de 1 de dezembro, exarado pelos Mm.ºs Juizes de Direito adstritos a esta secção de processos, fica deste modo V.ª Ex.ª notificado(a), relativamente ao processo supra identificado, para no prazo de dez dias a contar da receção da presente notificação se pronunciar, querendo, relativamente à eventual aplicação aos presentes autos do disposto no artigo 281.º, n.º 5, do Código de Processo Civil”.

-  Pronunciou-se o Exequente, por requerimento entrado nos autos em 30.06.2016, nos seguintes termos: “B (…) S.A., nos autos de execução à margem referenciada, em que é exequente e que são executados J (…)e mulher, tendo sido notificado do oficio à margem referenciado, vem requerer a V.Exa que se digne ordenar que o solicitador de execução que este Tribunal designou – A (...) - leve a efeito a penhora nos bens que guarnecem a residência dos executados, penhora oportunamente requerida e relativamente à qual o exequente, ora requerente, nenhuma informação tem por parte do dito solicitador, pelo que assim requer a V.Exa que se digne ordenar a notificação do dito solicitador para que o mesmo em prazo não superior a sessenta dias leve a efeito a dita penhora e eventualmente quaisquer outras penhoras que se justifiquem relativamente a bens pertencentes aos executados informando que dentro do referido prazo, nos autos o exequente, ora requerente, através do advogado signatário, do resultado das diligências, com vista a então o exequente, ora requerente, poder requerer de conformidade.

Por razão que V.Exa certamente compreende envia-se cópia do presente requerimento à solicitadora de execução designada pelo Tribunal.

Com a junção deste aos autos

E. D.”

                                                               *

- Na sequência, e tendo sido aberta “conclusão” nos autos em 18.10.2016, foi proferido com essa mesma data o seguinte despacho judicial:

«Req. 30.06.2016 (cfr. ref. n.º 2853090): A apreciar infra.

***

 Preceitua o artigo 281.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, que “No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”.

No caso vertente, o processo esteve a aguardar impulso processual desde 20.06.2014, não tendo sido praticado qualquer acto processual relevante desde essa data.

Notificada para se pronunciar sobre a aplicação do artigo 281.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, o exequente não adiantou qualquer justificação por não ter impulsionado o processo desde 20.06.2014, apenas requerendo diligências ao agente de execução.

Apesar do requerimento da exequente, a verdade é que não foi praticado qualquer acto processual relevante que tivesse impulsionado os presentes autos desde 20.06.2014, sem que o exequente tivesse requerido a prática de qualquer acto, nomeadamente junto do Agente de Execução, como agora o veio fazer.

E o requerimento da exequente não tem o “condão” de fazer renascer a instância executiva na medida em que a mesma já estava deserta à data do requerimento na medida em que decorreram 6 meses entre 20.06.2014 a 30.06.2016.

Desta forma, entende-se que a ausência de impulso processual entre 20.06.2014 a 30.06.2014 é também imputável ao exequente, mesmo que se considere que a inércia é devida à actuação do Agente de Execução na medida em que competia àquele promover o regular andamento do processo, o que não logrou fazer durante mais de 2 anos.

Como se lê no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 23.10.2014, no processo n.º 2204/06.3TBFLG-B.G1 (disponível na base de dados da DGSI):

II. Tendo sido nomeado um solicitador da execução do que a exequente teve conhecimento, tendo sido notificada pelo próprio solicitador da execução do termo da fase 1 da execução, e tendo o exequente acesso, através do sistema informático de suporte à actividade dos tribunais das diligências efectuadas pelo solicitador de execução, impunha-se que diligenciasse pelo regular andamento do processo, na ausência de iniciativa do solicitador de execução”.

Face ao exposto, determina-se a extinção da execução por deserção, nos termos do artigo 281.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, indeferindo-se o requerido pelo exequente.

Em consequência da extinção da execução determina-se o levantamento da penhora realizada à ordem destes autos.

Notifique.

Oportunamente arquive.».

                                                           *

Inconformado com um tal despacho que determinou a extinção da execução “por deserção”, apresentou o Exequente recurso de apelação contra o mesmo, cujas alegações finalizou com a apresentação da seguinte conclusão:

            «Em conclusão, portanto, por violação do disposto no artigo 2º, nº 1, do disposto no artigo 754º

nº 1, alínea a), e igualmente por violação do disposto nos nºs 1 e 5 do artigo 281º todos do Código de Processo Civil, e ainda por violação do artigo 750º nº 2, ex-vi do artigo 849º nº 1, alínea c), 2 e 3 do dito normativo legal, atento o que dos autos consta, o presente recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência, revogar-se o despacho recorrido substituindo-se o mesmo por Acórdão que ordene o normal e regular prosseguimento da execução, desta forma se fazendo correcta e exacta interpretação e aplicação da lei, se fazendo, em suma,

                J U S T I Ç A»

                                                                      *

Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.

                                                           *

            Cumprida a formalidade dos vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detectar o seguinte: saber se a “negligência das partes”, para efeitos de deserção da instância executiva (cf. art. 281º, nº5 do n.C.P.Civil), se objetiva pelo simples facto de o processo se encontrar parado há mais de seis meses, sem impulso processual de qualquer daquelas.

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A matéria de facto a ter em conta para a decisão do presente recurso é a que consta do relatório que antecede.

                                                                       *

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Cumpre então entrar sem mais na apreciação do acerto da decisão judicial que julgou deserta a instância executiva, ao fim de mais de 6 meses de paragem do processo, verificado que estava um quadro de ausência de tramitação processual, sendo-o por aplicação do regime do novo C.P.Civil.

E vamos fazê-lo começando por ajuizar este último aspeto, a saber, o da correção da aplicação do novo Código de Processo Civil aos autos (decorrente da reforma empreendida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho), isto é, está em causa a aplicação de um regime adjetivo pre­visto no novo C. P. Civil a processos pendentes.

Ora, quanto a nós, tal é efetivamente de sancionar positivamente: é que se os autos tinham dada entrada no ano de 2009 e, portanto, na vigência do anterior C.P.Civil, o que é certo é que nas normas transitórias da dita Lei 41/2013, prevê-se no art. 6º, nº1, que o Código de Processo Civil é imediatamente aplicável às ações executivas pendentes.

Assente isto, vejamos agora mais diretamente a questão.

Estatui agora o art. 281º do n.C.P.Civil, sob a epígrafe “Deserção da instância e dos recursos” o seguinte:

«1. Sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses

(…)

4. A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator.

5. No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.»

Esta norma veio substituir os anteriores arts. 285º e 291º do C.P.Civil que regulavam a interrupção e deserção da instância, fazendo-o nos seguintes termos:

«A instância interrompe-se, quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento.» (dito art. 285º ).

«Considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos.» (dito art. 291º, nº1).

Deste modo, de acordo com o disposto no referido art. 291º, nº1, do anterior C.P.Civil, considerava-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esta estivesse interrompida durante dois anos.

Temos então que no regime do n.C.P.Civil, além de se ter encurtado para seis meses o prazo, até aí de dois anos, que a parte dispunha para impulsionar os autos sem que fosse extinta a instância por deserção, eliminou-se também a figura da interrupção da instância, ficando a instância deserta logo que o processo, por negligência das partes, esteja sem impulso processual durante mais de seis meses.

Isto implicou a consagração de um regime mais rigoroso, reduzindo o prazo de suspensão da instância por acordo das partes, para três meses e sancionando a negligência das partes em promover o andamento do processo, culminando a falta de impulso processual, por mais de seis meses, de acordo com o preceituado na al.c) do art. 277º e art. 281º, ambos do n.C.P.Civil, com a consequente extinção da instância por deserção.

Sem embargo, no regime atual, a deserção da instância deixou de ser automática carecendo, portanto, de ser julgada por despacho do juiz – ao contrário do que acontecia no sistema anterior no qual, como acima ficou dito, a instância ficava deserta independentemente de qualquer decisão judicial.

Assim, no novo figurino da ação declarativa, a decisão judicial tem que apreciar e aquilatar a conduta da parte, já que a deserção é condicionada pela negligência da parte em promover os termos do processo, questão, esta, naturalmente, sujeita ao contraditório, nos termos do disposto no art. 3º, nº 1, do n.C.P.Civil.

Ora, como já foi doutamente sustentado, “Diferentemente do que ocorria no direito anterior, a instância não se considera deserta «independentemente de qualquer decisão judicial». A ideia de negligência das partes não é conciliável com a ausência de uma decisão do juiz que a verifique. Embora a decisão prevista no n.º 4 seja meramente declarativa, até ser proferida não pode, pois, a instância ser considerada deserta, designadamente pela secretaria judicial.”[2]

E que dizer quanto à ação executiva?

Será o regime idêntico?

Na verdade, é diverso o regime constante do nº5 do preceito ora em análise a tal diretamente atinente, a saber, o processo de execução[3] é o único caso em que, nos termos do seu teor literal expresso, se permite a deserção da instância, independentemente de decisão judicial.

            Deste modo, será que em contraponto ao regime aplicável à ação declarativa, no processo de execução pode ter lugar a deserção da instância pelo simples facto de o processo se encontrar parado há mais de seis meses, sem impulso processual de qualquer das partes?

            Cremos bem que não, pela seguinte ordem de razões.

            Desde logo, porque quando no normativo aplicável se exige a ocorrência de “negligência das partes”, está-se obviamente a condicionar que na verificação da ocorrência da situação de deserção, se cuide da efetiva certificação e apuramento de tal.

            Isto é: nada permite concluir no sentido de que se tenha pretendido prescindir quanto ao processo executivo, do controlo prévio da exigida negligência das partes enquanto causa da situação do processo a aguardar impulso processual.

Isto sob pena de tornar letra morta, quanto à deserção da instância na execução, o requisito da negligência da parte…

Aliás, esta apontada inconciliabilidade com a ausência de uma decisão do juiz que verifique a dita negligência, vale da mesma forma tanto no processo declarativo e no recurso como no processo executivo.

Dito de outro modo: no atual regime, conquanto se considere a instância deserta no processo executivo independentemente de qualquer decisão judicial, não se prescinde igualmente da verificação da negligência da parte na observância do ónus de impulso processual, sendo que a verificação de tal negligência impõe que seja dada a possibilidade ao Exequente de se pronunciar previamente a propósito.[4]

Donde, a solução para a verificação da negligência na falta de impulso no processo executivo, pode ser afinal uma paralela à que já foi doutamente sustentada para o processo declarativo, a saber “O prazo de seis meses conta-se, pois, não a partir do dia em que a parte deixou de praticar o ato que condicionava o andamento do processo, isto é, a partir do dia em que se lhe tornou possível praticá-lo ou, se para o efeito tinha um prazo (não perentório), a partir do dia em que ele terminou, mas a partir do dia em que lhe é notificado o despacho que alerte a parte para a necessidade do seu impulso processual. Segue-se assim o regime que anteriormente se aplicava, pelo menos, quando, não obstante a parte não tivesse o ónus de impulso subsequente, o juiz ordenasse que o processo aguardaria o requerimento das partes, sem prejuízo do disposto no art. 29-3-a RegCustas: o prazo conta-se a partir da notificação do despacho judicial e a deserção produz-se automaticamente com o seu decurso”.[5]

Isto sem embargo de não ter lugar na execução, depois, o despacho de verificação dessa automática deserção.

Assente isto, o que ocorreu no caso vertente?

No despacho em análise fala-se na inércia do Exequente, mas se é patente que o processo se encontraria sem movimento aparente há mais de seis meses, não se mostra que tal ocorreu por efetiva inatividade do Banco Exequente.

Senão vejamos.

Com efeito, o que o histórico do processo evidencia – e supra no Relatório foi transcrito – é que o A.E. levou a cabo diligências tendentes à penhora de bens do executado, desconhecendo-se o seu resultado na totalidade e, sobretudo, desconhecendo-se se o referido A.E. informou o Exequente, como lhe competia, da realização dessas (ou de outras) diligências ou da frustração das penhoras e suas causas [cfr. art. 754º, n°1, al. a), do n.C.P.Civil], mormente no período que vai desde 20.06.2014 a 30.06.2016.

Aliás, não se encontra qualquer comunicação do A.E. que determinasse a concreta intervenção do Exequente nesse dito período de 20.06.2014 a 30.06.2016, acrescendo que este indicara até no requerimento executivo certos bens dos executados a penhorar (todo o mobiliário/recheio que guarnece a residência dos executados), não resultando que o A.E. tenha concretamente intentado uma tal penhora, nem qual o resultado dela.

O que na verdade resulta dos autos é que, em 20.06.2014, a Secretaria notificou o Agente de Execução no sentido deste informar o “Estado da diligência”, não resultando que este tivesse prestado qualquer informação…, sendo que decorridos 2 anos com os autos nesta situação…, é então a Exequente notificada, confrontando-a com a “aplicabilidade do disposto no artigo 281.º, n.º 5, do Código de Processo Civil”!

Assim sendo, não se afigura legítima a afirmação de que no dito período o processo aguardava a iniciativa processual do Banco exequente ou dependia do seu impulso.

Sucede que a deserção da instância só pode decorrer da negligência das partes e não da inação do agente de execução.

Sendo certo que não consta do processo informação do A.E. motivadora de concreta atuação por parte do Exequente.

O que tudo serve para dizer que a aparente inatividade do processo parece antes justificar-se por conduta do próprio A.E. ao, por exemplo, não registar o resultado das diligências por si realizadas e/ou não cumprir devidamente o seu dever de informação e comunicação ao Exequente.

De resto, é esse incumprimento do A.E. que o Exequente/recorrente justamente assinala, afastando qualquer responsabilidade sua na falta de andamento da causa.

Não obstante, temos que o despacho recorrido advoga o entendimento de que o Exequente devia ter impulsionado o processo nesse período, sem mais, radicando a paragem do processo em negligência da parte do Exequente, isto é, o despacho recorrido assimilou a tal negligência a mera objetividade da paragem do processo na circunstância de nada haver sido requerido pelo Exequente!

Desconsiderando se o Agente de Execução havia ou não informado o Exequente do resultado das diligências de penhora eventualmente feitas…

Ora, ao invés, não se considera estar assim verificada/certificada, sem mais,
a inobservância, por negligência, do ónus de impulso processual por parte do Exequente.

Impondo-se, então, a revogação do despacho recorrido que indeferiu o “Requerimento” do Exequente de 30.06.2016, devendo, na 1ª instância ser (re)considerado esse requerimento,  por não poder ser reconduzida a negligência da parte à mera objetividade da paragem do processo por ausência de impulso processual, ordenando-se, se assim se entender necessário, os prévios e pertinentes esclarecimentos ao Agente de Execução, designadamente de certificação/comprovação por este das diligências de penhora efetivamente feitas, seu resultado, e eventual data da respetiva comunicação ao Exequente.

Nesta conformidade procedendo o recurso.

                                                           *

5 - SÍNTESE CONCLUSIVA

I – Para ser julgada deserta a instância numa ação declarativa, nos termos do art. 281º, nº 1 do n.C.P.Civil, é necessário não só que o processo esteja parado há mais de seis meses a aguardar o impulso processual das partes, mas também que tal se verifique por negligência de qualquer delas em promover o seu andamento, o que significa que terá de ser efetuada uma valoração do comportamento das partes, por forma a concluir se a falta de impulso em promover o andamento do processo resulta, efetivamente, da negligência destas.

II – Donde, não sendo automática a deserção da instância pelo decurso do prazo de seis meses, o julgador, antes de proferir o despacho a que alude o nº 4 do art. 281º do n.C.P.Civil, deve, num juízo prudencial, ouvir as partes de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável a comportamento negligente de alguma delas, ou de ambas.

III – No atual regime atinente ao processo executivo, conquanto se considere a instância deserta no processo executivo independentemente de qualquer decisão judicial (cf. art. 281º, nº5 do n.C.P.Civil), não se prescinde igualmente da verificação da negligência da parte na observância do ónus de impulso processual, sendo que não pode ser reconduzida a negligência da parte à mera objetividade da paragem do processo por ausência de impulso processual.

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final, julgar a apelação interposta procedente por provada e, consequentemente revoga-se a decisão recorrida, devendo, na 1ª instância, ser novamente apreciado o requerimento do Exequente de 30.06.2016, ordenando-se, se assim se entender necessário, os prévios e pertinentes esclarecimentos ao Agente de Execução, designadamente de certificação/comprovação por este das diligências de penhora efetivamente feitas, seu resultado, e eventual data da respetiva comunicação ao Exequente, na conformidade do supra definido.

Custas pela parte vencida a final e na proporção em que o for (art. 527º nº1 do n.C.P.Civil).

Coimbra, 4 de Abril de 2017

Luís Filipe Cravo ( Relator )

Fernando Monteiro

António Carvalho Martins


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Carvalho Martins
[2] Citámos PAULO RAMOS DE FARIA e ANA LUÍSA LOUREIRO, in “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, Vol. I, Combra, Livª Almedina, 2014, 2.ª Edição, a págs. 273.
[3] Isto dado que a própria declaração de extinção executiva também ocorre independentemente de decisão judicial (cf. art. 849º, nº 3, do mesmo n.C.P.Civil); sobrelevando este fundamento, vide também JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ISABEL ALEXANDRE, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1.º, 3ª ed., Coimbra Editora, 2014, a págs. 556-557.
[4] Neste mesmo sentido vide o acórdão do T. Relação de Lisboa de 09.07.2015, no proc. nº 3224/11.1TBPDL.L1-2, aliás citado na alegações recursivas, estando o mesmo acessível em www.dgsi.pt/jtrl.
[5] Assim pelos já citados JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ISABEL ALEXANDRE na obra referida na nota antecedente, mais concretamente a págs. 557.