Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3660/16.7T8LRA.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
DEVER DE INFORMAÇÃO
Data do Acordão: 09/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 4
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.7, 312, 314, 324 CVM, 76 RGICSF, 227, 563, 762 CC
Sumário:
1 – A omissão de informações por parte do banco acerca da natureza, caraterísticas e riscos dos produtos que comercializa com os clientes, viola os deveres impostos ao Banco pelo artigo 227º do Código Civil, pelo artigo 76º, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (DL nº 298/92, de 31 de Dezembro) e pelos artigos 7º, nº1 e 312º, n.º 1, do Código de Valores Mobiliários (D L n.º 486/99, de 13 de Novembro).
2 – Decisivamente assim porque tendo o Banco intervindo como intermediário financeiro na comercialização das Obrigações ajuizadas [S (…)], tinha ele, ao tempo dos factos, o primário e essencial dever de prestar “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, nomeadamente as respeitantes a riscos especiais envolvidos nas operações a realizar [cf. art. 312º, al. a) do CVM, na sua redacção originária, que é a aplicável].
3– Decorre do nº2 do art. 314º do CVM, na mesma redacção, que “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.
4 – Sendo certo que sujeito responsável pela indemnização em causa será o dito intermediário financeiro, pois que, não obstante a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir em nome desse relacionamento contratual também o reembolso do capital investido, compromisso esse que na circunstância se mostra violado (foi executado o contrato com violação dos deveres de boa fé - art. 762º do C.Civil)..
Decisão Texto Integral:


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Proc. nº3660/16.7T8LRA.C2 Tribunal de origem: Juízo Central Cível de Leiria – Juiz 4 – do T.J. da Comarca de Leiria
Apelações em processo comum e especial (2013)
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Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra Relator: Des. Luís Cravo
1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
2º Adjunto: Des. Carvalho Martins

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1 – RELATÓRIO
J (…) e F (…), residentes na (…) Pussos, instauraram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra “BANCO B (…).”, que tem a sua sede (…), em Lisboa, pedindo, a título principal:
a) A condenação da ré no pagamento aos autores do “capital e juros vencidos e garantidos que, nesta data, perfazem a quantia de €110.000,00, bem como os juros vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento”.
“Ou assim não se entendendo:”
b) Que seja “declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que” a ré invoque para ter aplicado os €100.000,00 que os autores lhe entregaram em obrigações subordinadas S(…) 2006;
c) Que seja declarada ineficaz em relação aos autores a aplicação que a ré tenha feito desses montantes;
d) A condenação da ré a restituir aos autores €110.000,00 que ainda não receberam dos montantes que lhe entregaram e juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data da citação até efetivo e integral cumprimento;
“E, sempre,”
e) A condenação da ré a pagar aos autores a quantia de €5.000,00, “a título de dano não patrimonial”.
Para alicerçarem esse seu conjunto de pretensões, os autores alegaram, em síntese:
- Terem sido clientes da ré (então B (…)) na sua agência de …, com uma conta de depósitos à ordem.
- Em 11 de abril de 2006, o gerente dessa agência disse ao primeiro autor que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo … e com rentabilidade assegurada.
- O funcionário da ré sabia que o identificado autor não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente e que, por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, sendo que, até essa data, sempre o aplicara em depósitos a prazo.
- O seu dinheiro, no montante de €100.000,00, viria a ser colocado em obrigações S (…)2006, sem que os autores soubessem, em concreto, o que era, desconhecendo inclusivamente que a S (…) era uma empresa.
- De todo o modo, sempre foi dito ao primeiro autor que o capital era garantido pelo Banco réu, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias.
- O primeiro autor sempre esteve convencido de que o dinheiro tinha sido aplicado numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente Banco; caso tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações S (…) 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo B (…), não consentiria nem autorizaria.
- Os juros foram sendo semestralmente pagos, até novembro de 2015, o que transmitiu segurança aos autores e nunca os alertou para qualquer irregularidade.
- A partir da referida data, a ré deixou de pagar os juros respetivos e, agora, atribui a responsabilidade pelo pagamento à S (…), entidade que os autores nem sabiam existir.
- Os autores não sabiam o que era a S (…), pensando que era uma mera denominação de conta a prazo, que a ré utilizava, pelo que desconheciam e nem podiam conhecer que o seu dinheiro tinha sido aplicado em aplicações com características diferentes de um depósito a prazo, pois, caso soubessem que se tratava de um produto de risco, não o teriam adquirido.
- Nunca qualquer contrato lhes foi lido nem explicado, nem entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas S(…), nem que contivesse prazos de resolução unilateral pelos autores, nem nunca conheceram qualquer título demonstrativo de que possuíam obrigações S(…), não lhes tendo sido entregue documento correspondente.
- Tais “eventuais documentos a existirem só podem ser contratos de cláusulas gerais, cujas assinaturas feitas, nas condições supra descritas, não têm validade, por os contratos serem nulos” e não corresponderem à real vontade dos autores.
- Foi “completamente omitido e distorcido o processo informativo, quanto à liquidez do capital, vencimento de retribuição, prazos de reembolso, que os autores nunca aceitariam”, se conhecessem os seus reais termos.
- “Como vem decidindo a jurisprudência, a liquidez, prazos de reembolso e prazos de vencimento dos juros ou retribuição, são cláusulas essenciais de qualquer aplicação financeira”; pelo “que sendo nulas as cláusulas principais e essenciais, é nulo todo o negócio, nos termos dos artigos 5º e seguintes do DL. 446/85 de 15/10, o que expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos”.
- O capital investido não foi restituído aos autores, nem tem sido cumprido o pagamento dos juros acordados, uma vez que contrataram uma taxa de 4,5% ao ano ilíquida e foram pagos juros na ordem de 1%, desde maio de 2009 e até novembro de 2015.
- A ré foi apresentada pelo seu gerente como garante da aplicação financeira em causa, como constava da própria documentação interna criada, veiculada e distribuída por aquela aos seus funcionários.
- Os “juros legais”, desde a mora, ascendiam, em 12.11.2016, ao montante de €10.000,00.
- Os autores, por efeito do incumprimento da ré, quanto à garantia de capital e juros que tinha dado para data certa, ficaram impedidos de usar o seu dinheiro como bem entendessem; a ré “colocou os autores num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaverem, ou de não saber quando iam reaver o seu dinheiro”; e tem-lhes provocado ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras para gerir a sua vida; pelo que aqueles “andam em permanente estado de stress, doentes e sem alegria de viver, por terem sido desapossados das suas economias de uma vida, e sem perspetivas de futuro”, computando o respetivo dano não patrimonial “num mínimo de €5.000,00”.
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Regularmente citada, a ré apresentou contestação.
Começou por excecionar a ineptidão da petição inicial e a incompetência em razão do território deste tribunal.
Mais arguiu a exceção perentória da prescrição, por terem decorrido mais de dois anos a contar do conhecimento, pelos autores, da subscrição do produto em apreço.
Em sede de defesa por impugnação motivada, alegou, em síntese:
- As obrigações S (…) foram emitidas, como o próprio nome indica, pela S (…), S.A., sociedade titular de 100% do capital social do Banco réu, participação esta que manteve até novembro de 2008, altura em que foi nacionalizada. Qualquer obrigação é tendencialmente um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente; no caso concreto, o facto de a entidade emitente ser “mãe” do Banco, sendo este necessariamente, um garante da solvibilidade daquela, por ser o principal ativo do seu património, do que concluiu que “dificilmente haveria um produto financeiro tão seguro com a subscrição daquelas obrigações” e que o risco de um depósito a prazo seria, então, semelhante a uma tal subscrição por o risco da S(…) ser indexado ao risco do próprio Banco, isto sem prejuízo do Fundo de Garantia de Depósitos, à data, garantindo o valor máximo de €20.000,00 por conta bancária.
- Assim, o produto dado à subscrição dos autores era efetivamente seguro, acabando o seu incumprimento por ser determinado por “circunstâncias completamente imprevisíveis e anormais”
- Foi explicado aos autores que se tratava da sociedade-mãe do Banco, pelo que se tratava de um produto seguro e foram apresentadas as respetivas condições, nomeadamente, a sua remuneração (vantajosa relativamente aos depósitos a prazo), o seu prazo (de 10 anos) e as condições de reembolso, sendo que a obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos apenas seria possível por via de endosso, o que era, à data, extremamente fácil e rápido, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta.
- Nunca a ré disse aos autores que o Banco garantiria fosse o que fosse quanto ao cumprimento ou incumprimento das obrigações da S (…)
Pugnou, a ré, a final, pela improcedência da ação, com a sua consequente absolvição do pedido.
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Os autores, no exercício do seu direito ao contraditório acerca da matéria de defesa por exceção, responderam, em extenso articulado, pugnando pela improcedência de todas as exceções invocadas pela ré.
No decurso dessas suas profusas considerações, nomeadamente e no seguimento do facto de a ré ter defendido haver atuado como intermediária financeira, vieram os autores chamar à colação a nulidade do contrato de intermediação financeira por vício de forma, como um dos fundamentos em que sustentam o seu entendimento de o prazo prescricional ser de vinte anos e não de dois anos.
Ainda à luz do regime próprio da intermediação financeira, mais defenderam que a ré atuou, no mínimo, com culpa grosseira e muito grave, pelo que, também por esse fundamento, é aplicável aquele prazo prescricional mais longo consagrado no artigo 324º, nº2, do CVM.
Igualmente no sentido de concluírem ser esse o prazo prescricional, mais reiteraram que o Banco atuou, in casu, como um garante da solvabilidade do produto e não como mero intermediário financeiro e defenderam a sua responsabilidade advinda, também, da violação do seu dever de prestação de conselho e informação, tendo incumprido os ditames da boa-fé negocial, pelo que ocorre – também por tal ordem de argumentação - responsabilidade contratual.
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Em seguida, foi dispensada a audiência prévia e proferido despacho saneador, onde se afirmaram todos os pressupostos de validade e de regularidade da instância –havendo-se, nomeadamente, aceitado a competência territorial do Juízo Central Cível de Leiria e julgado improcedente a exceção da ineptidão da petição inicial arguida pela ré.
Nele foi relegada para final a apreciação da exceção perentória da prescrição.
Mais foi consignado o objeto do litígio e foram elencados os temas da prova, dos quais não houve reclamações.
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A ré apresentou reclamação da decisão respeitante à competência territorial do dito tribunal, que foi julgada improcedente pelo Exmº. Sr. Juiz Desembargador Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra.
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Prosseguindo os autos no Juízo Central Cível de Leiria, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo, como se alcança das respetivas Atas.
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Na sentença, desde logo se assentou na inexistência de causa de nulidade do contrato (designadamente por vício de forma), prosseguindo-se com a afirmação de que, tendo o Banco Réu atuado como intermediário financeiro, falhou a prova pelos AA. da ilicitude resultante do incumprimento de deveres legais ou contratuais, numa relação de causalidade adequada com o sinistro financeiro verificado, também não se verificando essa ilicitude enquanto resultante do incumprimento do dever de informação (cujo ónus de prova impendia sobre os AA.), nem tão-pouco que ocorria uma qualquer forma de responsabilidade pelo risco, em síntese, “não se vislumbrando qualquer causa de nulidade ou de ineficácia do contrato e não se verificando, ainda, os pressupostos da responsabilidade civil contratual e / ou da responsabilidade civil extracontratual, urge concluir pela improcedência de todos os pedidos dos autores (aqui englobado o pedido de indemnização por danos não patrimoniais); Concluindo-se pela inexistência do direito que os autores aqui pretendiam fazer valer, torna-se inútil conhecer da questão atinente à respetiva prescrição”, termos em que formulou seguinte concreto “dispositivo”:
«Decisão:
NA DECORRÊNCIA DE TODO O EXPOSTO, JULGA-SE A PRESENTE AÇÃO IMPROCEDENTE, ABSOLVENDO-SE A ACIMA IDENTIFICADA RÉ DE TODOS OS PEDIDOS DEDUZIDOS PELOS SUPRA IDENTIFICADOS AUTORES.
***
Custas pelos autores.
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Notifique e registe.»
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Inconformados com essa sentença, apresentaram os AA. recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
(…)
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Contra-alegou a Ré, a fls.180-201, concluindo pela improcedência do recurso, e por via dela pela manutenção da decisão recorrida, e absolvição dela Ré do pedido.
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Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelos AA. nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4, 636º, nº2 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte:
- erro na decisão da matéria de facto, quer quanto ao elenco da matéria de facto dada como “não provada” descrita nas alíneas c), d), e), g), h) e i) (relativamente aos quais pugnam pela sua eliminação), quer quanto ao elenco da matéria de facto dada como “provada” descrita no ponto 8. (relativamente ao que pugnam pela sua correção, mais concretamente no sentido de ser eliminada a parte que referem …,previsivelmente, …por via de endosso.), quer por requererem o aditamento de um total de 6 factos ao elenco dos “provados” (cuja redação enunciam, a saber, que “1-Os AA. não sabiam que estava a dar ordem de compra de obrigações; 2-Nunca os AA. abriram conta de títulos;3-Ninguém explicou aos AA. que B (…) e S (…) eram duas entidades distintas e que investir em S (…) era diferente de aplicar dinheiro no B (…); 4-As obrigações da S (…) eram vendidas como equivalentes a um depósito a prazo; 5-O capital era garantido pelo Banco B (…); 6-O autor nunca teria adquirido as obrigações referidas em 2 se tivesse percebido que o capital não era garantido pelo B (…)”)?;
- incorreto julgamento de direito, desde logo por ter desconsiderado a nulidade por vício de forma (ausência de forma escrita), mas bem assim porque, dando acolhimento à impugnação da decisão sobre a matéria de facto por si deduzida, importava concluir no sentido de que o Banco Réu violou as normas legais aplicáveis no tocante ao dever de informação, ademais existindo presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade nessa atuação, sendo certo que o Banco Réu é responsável pelo pagamento, primeiro porque, através do seu gerente/funcionário, garantiu o reembolso do capital na data do vencimento da aplicação traduzida no investimento em obrigações SLN; segundo, por ter violado os seus deveres para com os AA., enquanto clientes, bem como os deveres de intermediário financeiro, ao omitir informações e ao prestar informações não verdadeiras, acrescendo que, contrariamente ao decidido, os pressupostos da responsabilidade contratual se verificam na totalidade; verificação da exceção de prescrição do direito dos AA. (cujo conhecimento foi considerado pela sentença recorrida como inútil face a nela se ter concluído pela inexistência do direito dos AA., mas, a obter-se conclusão diversa, terá então essa exceção que ser conhecida e decidida)?
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3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
3.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado fixado/provado pelo tribunal a quo, ao que se seguirá o elenco dos factos que o mesmo tribunal considerou/decidiu que “não se provou”, sem olvidar que tal enunciação terá um carácter “provisório”, na medida em que o recurso tem em vista a alteração parcial dessa factualidade.
Tendo presente esta circunstância, consignou-se o seguinte na 1ª instância, em termos de “factos provados”:
«1. Os autores foram clientes da aqui ré (à data B (…)S.A.), na sua agência de …, com a conta à ordem nº1(…), onde movimentavam parte do seu dinheiro, realizavam pagamentos e efetuavam poupanças.
2. Em dia não apurado de abril de 2006, o primeiro autor subscreveu, junto dessa agência, duas obrigações S (…) 2006, cada uma no valor de €50.000,00.
3. Em momento anterior ao da subscrição desse produto, o funcionário da referida agência bancária explicou ao primeiro autor as suas características, nomeadamente, ao nível da sua rentabilidade (que era diversa e superior à dos depósitos a prazo), sendo os juros pagos semestralmente; do prazo da aplicação e das condições que que podia, antecipadamente, dispor do capital investido.
4. As Obrigações S (…) 2006 foram emitidas pela S (…), SGPS, S.A., que era, à data, titular de 100% do capital social do Banco réu (então B (…)), participação que deteve de forma permanente até novembro de 2008, altura em que foi legislada a nacionalização de todas as ações integradoras do capital social daquele.
5. A circunstância de a emitente do produto referido em 2. ser a empresa que detinha o B (…), sendo este, necessariamente, um garante da solvibilidade daquela, por ser o principal ativo do seu património, aliada às características específicas das obrigação – que são, tendencialmente, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente – levavam a que o mencionado produto financeiro fosse, à data da sua emissão, considerado seguro, com um risco semelhante ao risco de um depósito a prazo no próprio Banco.
6. As orientações e comunicações internas existentes no B (…) e que este transmitia aos seus comerciais nos respetivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que tinha um risco semelhante ao de um depósito a prazo junto do próprio Banco. Para tanto, era argumentado que a S (…) Valor era a maior acionista da S (…)SGPS, sendo que esta detinha 100% do B (…), pelo que não era vista qualquer diferença entre o risco B (…) e o risco daquelas aplicações S (…)
7. A ré pretendia, à data, que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos e passassem a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros.
8. Foi transmitida ao primeiro autor, pelo funcionário da ré que lhe sugeriu esse produto, a informação de que o reembolso do capital aplicado era, previsivelmente, garantido (porquanto não era produto de risco), que tinha uma rentabilidade assegurada, com juros semestrais e que poderia dispor do capital investido quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de alguns dias e foram-lhe apresentadas as condições do produto, concretamente, a sua remuneração, vantajosa relativamente aos depósitos a prazo, o seu prazo, de 10 anos, as condições de reembolso e de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que seria possível obter, a qualquer momento, num prazo de alguns dias, por via de endosso.
9. À data, era extremamente fácil e rápido conseguir a transmissão das obrigações por via do endosso, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta.
10. O primeiro autor subscreveu as mencionadas obrigações no convencimento de que o dinheiro tinha sido investido numa aplicação segura (no sentido de ser de baixo risco), cujo reembolso do capital era garantido e que lhe seriam pagos os juros.
11. O primeiro autor não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários da ré que com ele contactavam, sendo por eles percetível que não possuía qualificação específica ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer cabalmente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, com toda a precisão, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente e que, por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro (mais precisamente, sendo seu hábito investir em aplicações financeiras de baixo risco).
12. Os autores têm estado impedidos de usar o dinheiro aplicado nas obrigações referidas em 2.»
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E bem assim o seguinte:
«Para além de factos manifestamente conclusivos, contrários aos dados como provados, irrelevantes à decisão da causa ou que contenham matéria de direito, não se provou:
a) - Que o gerente do Banco réu da agência de … tenha dito ao primeiro marido, em abril de 2006, que tinha uma aplicação que correspondia, exatamente, a um depósito a prazo e com capital a ser pago e garantido pelo próprio B (…)
b) - Que o autor, ao subscrever as referidas obrigações S (…) 2006, não soubesse em concreto “o que era, desconhecendo inclusivamente que a S (…) era uma empresa”, estando convencido de estar a aplicar o seu dinheiro num depósito a prazo.
c) - Que tenha, então, sido dito ao primeiro autor que o capital e os juros acordados, se não fossem pagos pela entidade emitente, seriam pagos pelo próprio Banco réu.
d) - Que o primeiro autor estivesse convencido que estava a aplicar o seu dinheiro num produto que correspondia e tinha todas as características de um depósito a prazo, com risco exclusivamente do Banco.
e) - Que, se o primeiro autor tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações S (…) 2006, cujo capital não era garantido pelo B (…), após explicação do mencionado em 5., não tivesse consentido e autorizado tal compra.
f) - Que os autores nem soubessem que existia a S (…), pensando que era uma mera denominação de conta a prazo, que o Banco réu utilizava.
g) - Que os autores desconhecessem e nem pudessem conhecer que o seu dinheiro tinha sido aplicado em aplicações com características diferentes de um depósito a prazo.
h) - Que os autores nem tenham sido informados sobre a compra das obrigações subordinadas S (…) 2006, desconhecendo o respetivo processo de aquisição, e nada lhes tenha sido explicado acerca do que são obrigações, em geral, e obrigações S (…) 2006, em concreto.
i) - Que as orientações e comunicações internas existentes no B… e que este transmitia aos seus comerciais nos respetivos balcões contivessem a menção de que o próprio Banco garantia e se responsabilizava pelo pagamento do capital investido e respetivos juros.
j) - Quais as consequências advindas para os autores do facto de não poderem utilizar o dinheiro investido nas mencionadas obrigações. »
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4.2 –
(…)
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Consequentemente, face a tudo o vindo de dizer quanto a este particular da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, conclui-se em lhe dar procedência quanto ao seguinte:
a) determina-se a eliminação, sem mais, das alíneas c), d), e) e g) do elenco dos factos “não provados”;
b) determina-se que alínea h) do elenco dos factos “não provados” passa a ter a seguinte redacção: «h) - Que o Autor marido nem tenha sido informado sobre a compra das obrigações subordinadas S (…) 2006.»;
c) determina-se o aditamento ao elenco dos factos “provados” dos pontos com a seguinte numeração e teor: «13. O Autor marido não sabia que estava a dar ordem de compra de obrigações.»; «14. Ninguém explicou ao Autor marido A. que B (…) e S (…) eram duas entidades distintas e que investir em S (…) era diferente de aplicar dinheiro no B (…).»; «15. As obrigações da S (…) foram vendidas ao Autor marido como equivalentes, em termos de risco, a um depósito a prazo, e cujo capital era garantido pelo Banco B (…).»; «16. O autor nunca teria adquirido as obrigações referidas em 2 se tivesse percebido que o capital não era garantido pelo B (…).»;
d) determina-se a correcção da redacção do ponto de facto “provado” sob 8., o qual passa ter o seguinte teor: «8. Foi transmitida ao primeiro autor, pelo funcionário da ré que lhe sugeriu esse produto, a informação de que o reembolso do capital aplicado era garantido (porquanto não era produto de risco), que tinha uma rentabilidade assegurada, com juros semestrais e que poderia dispor do capital investido quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de alguns dias e foram-lhe apresentadas as condições do produto, concretamente, a sua remuneração, vantajosa relativamente aos depósitos a prazo, o seu prazo, de 10 anos, as condições de reembolso e de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que seria possível obter, a qualquer momento, num prazo de alguns dias.»
Nestes precisos termos procedendo a dita impugnação da matéria de facto.
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4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Cumpre agora entrar na apreciação da questão neste particular supra enunciada, esta já directamente reportada ao mérito da sentença, na vertente da fundamentação de direito da mesma, a saber, do incorreto julgamento de direito desde logo por ter desconsiderado a nulidade por vício de forma (ausência de forma escrita), mas bem assim porque, dando acolhimento à impugnação da decisão sobre a matéria de facto por si deduzida, importava concluir no sentido de que o Banco Réu violou as normas legais aplicáveis no tocante ao dever de informação, ademais existindo presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade nessa atuação, sendo certo que o Banco Réu é responsável pelo pagamento, primeiro porque, através do seu gerente/funcionário, garantiu o reembolso do capital na data do vencimento da aplicação traduzida no investimento em obrigações S (…); segundo, por ter violado os seus deveres para com os AA., enquanto clientes, bem como os deveres de intermediário financeiro, ao omitir informações e ao prestar informações não verdadeiras, acrescendo que, contrariamente ao decidido, os pressupostos da responsabilidade contratual se verificam na totalidade.
Preliminarmente cumpre apreciar o dito 1º argumento, a saber, o de que foi desconsiderado a nulidade por vício de forma (ausência de forma escrita): sucede que, ao invés do que vem enfaticamente alegado, essa nulidade foi enquanto tal apreciada na sentença recorrida, face ao que só se compreende o que sustentado nesta base como mero lapso.
Na verdade, discorreu-se a este propósito pela seguinte forma na sentença recorrida:
«Aqui chegados, está-se apto a conhecer de um segundo fundamento de nulidade do contrato, que os autores descortinaram apenas em sede de resposta à defesa por exceção da ré, ou seja, o do vício de forma.
É exato que, presentemente, os contratos de intermediação financeira com investidores não qualificados têm de revestir a forma escrita, por força do disposto no artigo 321º do CVM e têm de conter as menções elencadas no subsequente artigo 321º-A.
Todavia, tal exigência de forma apenas surgiu com a redação dada àquele diploma pelo Decreto-lei nº357-A/2007, de 31 de outubro, sendo, por conseguinte, tal imposição inaplicável a um contrato celebrado em data anterior (in casu, em 2006), como, claramente, decorre do artigo 12º do Código Civil.
Neste mesmo sentido, foi decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.04.2016, proferido no processo 428/12.3TCFUN.L1-6, em cujo sumário se pode ler: “Até à entrada em vigor da redação dada ao CVM pelo legislador de 2007, os serviços de intermediação financeira não estavam obrigados à forma escrita, dado não haver preceito legal que a impusesse”.
Do exposto se extrai, sem necessidade de mais desenvolvidas considerações, a inexistência da apontada causa de nulidade, por vício de forma.»
Em contraponto, e ao que nos é dado perceber, sustentam os AA./recorrentes esta nulidade por vício de forma através de uma aplicação retroactiva, por isso ilegal, do novo regime resultante da redacção conferida pelo Dec-Lei nº 357-A/2007 de 31 de Outubro aos arts. 321º e 321-A do CVM (Código de Valores Mobiliários), isto é, estando em causa uma alteração do ano de 2007, pugnava-se pela sua aplicação a contrato de intermediação financeira que teve lugar no ano de 2006…
Sucede que nos merece inteiro acolhimento a linha de entendimento vertida na sentença recorrida sobre este concreto particular (constante da transcrição supra), à qual consequentemente aderimos, declarando sem mais improcedente o sustentado em via recursiva nessa base.
Passando, agora, à segunda ordem de razões – diretamente reportadas ao mérito substantivo da decisão – desde logo se constata que essa linha de fundamentação do recurso tinha como pressuposto lógico e jurídico primacial o erro na decisão da matéria de facto.
Não obstante isso, os AA./recorrentes sustentam igualmente que a factualidade dada como “provada” na sentença recorrida, em si e só por si, era suficiente para se pode concluir pela verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, aduzindo para tanto o seguinte:
«Decorre dos pontos 5, 6, 7, 8 e 10 dos factos assentes que o A. marido estava convencido que se tratava de um produto com risco, exclusivamente, banco; que os funcionários do Banco R. tivessem especial empenho na colocação deste produto e passassem a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos de reembolso do capital e juros; e ainda que tinham um risco semelhante ao de um depósito a prazo;
Decorre antes de mais de toda a prova produzida, que o produto em causa não era adequado ao perfil dos AA.; que o produto foi comercializado como sendo de capital garantido, o que é falso; que era equivalente a um depósito a prazo, o que é enganador e falso.»
Que dizer?
Que logo quanto a esta primeira linha de argumentação – ilicitude por violação da boa fé – nos merece acolhimento o sustentado pelos AA./recorrentes.
Senão vejamos.
É que, neste conspecto, divisa-se responsabilidade do B (…) face ao disposto no nº 1 do art. 227º do Código Civil onde se prescreve:
«Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte».
Como já nos foi doutamente ensinado, esta norma «…é aplicável tanto no caso de se interromperem as negociações, como no caso de o contrato se realizar» ( Assim por PIRES DE LIMA / ANTUNES VARELA, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, 3ª ed., a págs. 215.).
Donde, verifica-se que in casu o B (…), através do seu funcionário, propôs ao Autor marido determinados negócios de modo vago e este aceitou-os.
E o B (…), validou essa vontade não esclarecida do A. marido, aplicando o dinheiro na aquisição das mencionadas duas Obrigações S (…)2006, da sociedade S (…).
Mas o B (…) não disse ao Autor marido que estava a atuar como intermediário financeiro entre si, Autor, e a S (…) o dito Autor não soube da presença desta entidade nos negócios, rectius, não soube que estava a negociar com ela e que o seu dinheiro iria ser transferido do B(…) para esta entidade, que era ela a pagar-lhe os juros e que era ela a devolver-lhe o capital no final do prazo, mas que tal devolução só existiria se a referida S (…)tivesse no final desses 10 anos capacidade financeira para fazer a devolução.
O B (…) omitiu, portanto, informação da maior relevância.
Atente-se que o reembolso do capital destas Obrigações, em caso de insolvência da sociedade S(…), por serem obrigações “subordinadas”, só seria pago depois de satisfeitos os credores que não tivessem créditos subordinados – como resultava do disposto na al. c) do art. 48º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (DL nº53/2004, de 18 de Março), onde se determinava e se determina, que se consideram subordinados, sendo graduados depois dos restantes créditos sobre a insolvência, «c) Os créditos cuja subordinação tenha sido convencionada pelas partes».
Todas estas informações eram necessárias à compreensão e formação da vontade do Autor marido no sentido de ter consciência suficiente da natureza e consequências do negócio que estava a realizar e de decidir realizá-lo.
Com efeito, tanto assim é e foi, que resultou provado que «8. Foi transmitida ao primeiro autor, pelo funcionário da ré que lhe sugeriu esse produto, a informação de que o reembolso do capital aplicado era, previsivelmente, garantido (porquanto não era produto de risco) (…)» e que «10. O primeiro autor subscreveu as mencionadas obrigações no convencimento de que o dinheiro tinha sido investido numa aplicação segura (no sentido de ser de baixo risco), cujo reembolso do capital era garantido e que lhe seriam pagos os juros.».
Além disso, o B (…) forneceu ao Autor marido informações que não correspondiam à realidade histórica, mormente, que podia «….dispor do capital investido quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de alguns dias» (o que era falso, pois o prazo das obrigações era de 10 anos), sendo igualmente falso que o «…o capital era … garantido» (cf. dito facto provado sob “8.”).
A omissão destas informações e o fornecimento de informações não coincidentes com a realidade histórica, mormente as que acabam de ser assinaladas, integram a previsão do dito art. 227º do Código Civil.
Com efeito, a boa fé exigida neste normativo, como em outros, exige a exteriorização de um comportamento irrepreensível (boa fé objetiva) perante a outra parte e isso passa não só por lhe fornecer todas as informações necessárias à formação da vontade de contratar, como não lhe dar informações não correspondentes à realidade histórica que possam determinar essa mesma vontade de contratar.
Sendo certo que a lisura e modelo de comportamento diligente, apropriado aos conhecimentos específicos e profissionais dos funcionários bancários, que era devido, foi omitido e daí se afirmar que o B (…)agiu contrariamente à boa fé prescrita no artigo 227º do Código Civil.
Tais deveres de informação eram ainda devidos por força das regras de conduta prescritas ao B (…), estipuladas no artigo 76º, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (DL nº 298/92, de 31 de Dezembro) segundo as quais o BPN, naturalmente através dos seus funcionários, devia agir nos seus contatos com os clientes com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição dos riscos e da segurança das aplicações, tendo a todo o momento em conta o interesse dos clientes investidores.
Como se determina no art. 227º do Código Civil, a sanção para este comportamento ilícito consiste em a parte infratora «…responder pelos danos que culposamente causar à outra parte».
Quanto à culpa, já resulta do exposto que é imputável ao B (…) pois o comportamento que lhe acaba de ser imputado era perfeitamente evitável, pois era fácil cumprir aqueles deveres pedidos pela boa fé e pela prática bancária e se o BPN não o evitou foi porque não o quis evitar ou o negligenciou.
E quanto ao nexo de causalidade, temos presente que sustenta a doutrina e a jurisprudência nacionais que o art. 563º do Código Civil consagra a “teoria da causalidade adequada Segundo a qual cumpre eleger de entre todas as condições que produziram o dano apenas aquela ou aquelas que se apresentam como normais tendo em vista a produção do dano, de harmonia com as regras de experiência da vida., e que dentro desta conceção opta a doutrina mais representativa ( Inter alia, PEREIRA COELHO, inO Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil”, 1955, a págs. 20, nota 21; ANTUNES VARELA, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 1991, a págs. 885 e segs.; RIBEIRO DE FARIA, in “Direito das Obrigações”, vol. I, 1990, a págs. 500 e segs.), pela designada por formulação positiva (mais restrita) no sentido de que a causa de um prejuízo será toda a condição que, segundo um critério de normalidade, for adequada ou idónea a produzi-lo e não por força de circunstâncias particulares ou estranhas ao curso normal das coisas (a menos que fossem conhecidas do agente); em contraponto, existe a designada por fórmula negativa (mais ampla) para a qual a condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre inteiramente inadequada, indiferente para aquele resultado, que só se teria produzido por circunstâncias anómalas ou excecionais (não conhecidas do agente). no que respeita a factos ilícitos e culposos, mas sucede que a ponderação sobre o que é que causou o dano e onde se encontra o nexo de causalidade permite a correspondente resposta afirmativa.
Pois que se é certo que o dano sofrido pelos AA. é causado pela insolvência da S (…) (e não pela omissão de informações e prestações de informação erradas por parte do B (…)), sucede que o dano tem o seu início, a sua primeira condição, na tomada da decisão acerca da aquisição das obrigações, com o inerente risco de insolvência da empresa emitente, pelo que, se o risco vem a concretizar-se no futuro, não se pode afirmar que o dano contemplado no risco não era um dano provável inerente à celebração do contrato.
Dito de outra forma: há nexo de causalidade adequada (cf. art. 563º do C.Civil) entre, por um lado, a omissão de informações e a prestação de informações em desconformidade com a realidade, quando estas determinaram o Autor marido a celebrar um contrato cuja contraprestação, com ignorância sua, comportava um risco de incumprimento, e, por outro lado, o dano que consistiu mais tarde na concretização desse risco de incumprimento, que na altura da formação do contrato era virtual.
O que tudo serve para dizer que está apurada a responsabilidade do Banco Réu, à luz desta linha de entendimento – do – na medida em que estão verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil.
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Mas ainda que assim se não entenda, também por outra via se atinge esse mesmo resultado.
Senão vejamos.
É que, como no caso o B (…) agia como intermediário financeiro por conta da S (…), esse B (…) acabava também por estar abrigado pelos deveres previstos no Código de Valores Mobiliários, o qual mesmo na versão em vigor à data dos factos (DL n.º 486/99, de 13 de Novembro, na redação resultante do DL nº 66/2004, de 24 de Março) já impunha ao intermediário financeiro a obrigação de informar o cliente sobre as características e os riscos dos produtos financeiros que comercializava, nos termos dos artigos 7º, nº1 e 312º, nº1.
Concretizemos.
Tendo o B (…) (antecessor do Banco aqui Réu/recorrido) intervindo como intermediário financeiro na comercialização das Obrigações ajuizadas, já tinha, ao tempo dos factos, o primário e essencial dever de prestar “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, nomeadamente as respeitantes a riscos especiais envolvidos nas operações a realizar [cf. art. 312º, al. a) do CVM, na sua redacção originária, que é a aplicável redacção essa conferida pelo citado DL nº 486/99, de 13.11..].
Por outro lado, decorre do nº2 do art. 314º do CVM, igualmente na redacção aplicável, que “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.
Temos, finalmente, que sujeito responsável pela indemnização em causa será o dito intermediário financeiro, pois que, não obstante a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir em nome desse relacionamento contratual também o reembolso do capital investido, Neste sentido o acórdão do STJ de 10.01.2013, no proc. nº 89/10.4TVPRT.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj, aliás, igualmente citado na sentença recorrida. o que insofismavelmente temos como apurado no caso vertente face ao constante do facto “provado” sob “15.”, cujo aditamento supra se determinou, a saber, «As obrigações da SLN foram vendidas ao Autor marido como equivalentes, em termos de risco, a um depósito a prazo, e cujo capital era garantido pelo Banco B (…).» (sublinhado nosso).
Neste mesmo sentido se pronuncia a melhor doutrina e jurisprudência sobre estas matérias, como flui da transcrição do seguinte relevante segmento de aresto jurisprudencial Trata-se do acórdão do STJ de 17.03.2016, no proc. n.º 70/13.1TBSEI.C1, acessível em www.dgsi.pt/jstj. :
«(…)
A declaração do Banco, segundo a qual “estava assegurado o reembolso do capital e dos juros, não comportando qualquer risco”, interpretada à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais fixados no art. 236.º, n.º 1 do CC e que remetem para a perceção do declaratário médio ou normal, significa a assunção de um compromisso perante o cliente, segundo o qual o investimento não comportaria riscos para o capital investido e de garantia ao cliente do reembolso do capital, implicando assim uma assunção de responsabilidade. Neste sentido também se orientou o acórdão deste Supremo Tribunal, de 10-01-2013, (proc. n.º 89/10.4TVPRT.P1.S1), relatado pelo Conselheiro Tavares de Paiva, segundo o qual «(…) trata-se de um quadro negocial, a que seguramente não é alheio todo o relacionamento contratual de confiança existente entre a autora e o banco Réu desenvolvido ao longo dos anos e que num contexto negocial do tipo do que vem provado, à própria luz do art. 236 nº 1 do CPC, não pode deixar de ser interpretado como um compromisso contratual por parte do banco réu para com a autora traduzido precisamente naquele compromisso de garantir o reembolso do capital que foi aplicado na aquisição dos identificados activos financeiros.)» (…)
A confiança do cliente, investidor não qualificado, nestas informações, deve ser protegida pela ordem jurídica, sob pena de se minar o valor coletivo da segurança jurídica.
Neste caso, sendo o prestador das informações um Banco, a questão da responsabilidade coloca-se com mais acuidade. O dador aparece, perante o destinatário, portador de qualidades específicas que o habilitam a fornecer tais informações e que induzem o mesmo destinatário a nelas fazer fé, pois o cliente presume uma competência e organização, uma profissionalização específica, que os bancos objetivamente possuem (Agostinho Cardoso Guedes, «A Responsabilidade do Banco por informações à luz do art. 485 do Código Civil», Revista de Direito e Economia, Ano XIV, 1988, pp. 138 e 139)” (…)
As modalidades de responsabilidade civil aqui em causa são a responsabilidade civil pré-contratual ou culpa in contrahendo (art. 227.º do CC), porque nos preliminares do contrato o Banco informou o autor que estava garantido o retorno, e a responsabilidade civil contratual porque o Banco violou o compromisso assumido no acordo feito com o cliente (garantia de restituição do capital e dos juros) e executou o contrato, violando os deveres de boa fé (art. 762.º do CC).»
Sendo certo que no tocante à integral verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, para além do já supra aduzido, complementamos com o seguinte:
Sendo o dito banco B (…) responsável perante os credores pelos atos dos seus funcionários (art. 800º, nº 1, do Código Civil), conclui-se que aquele violou os deveres de informação, bem como os princípios da boa-fé, diligência, lealdade e transparência a que estava adstrito, quer por força do relacionamento contratual existente, gerador de uma relação de confiança, quer na qualidade de intermediário financeiro.
Tal atuação do funcionário do Banco antecessor do ora Réu constitui comportamento ilícito.
De todo o modo, a propósito do pressuposto da ilicitude inerente à responsabilidade contratual a mesma também decorre do facto desse Banco ter assumido o reembolso do capital investido.
Assim, tal ilicitude decorre também da circunstância desse Banco ter violado tal compromisso de garantia de restituição dos juros e do capital.
Acresce que o ora Réu/recorrido não afastou a presunção de culpa que o onera – cfr. artigos 798º e 799º, C.Civil – devendo afirmar-se o nexo entre o facto e o dano, pelo que incorreu em responsabilidade contratual.
Consequentemente, apurado tal comportamento ilícito e culposo, forçosa é a conclusão de que o R. incorreu em responsabilidade contratual.
Por outro lado, no que concerne ao nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei e nomeadamente os deveres de informação a que o Banco B (…) (antecessor do Banco aqui Réu/recorrente) está obrigado pelo relacionamento de cliente existente e os danos que os AA. reclamam, mais uma vez não temos dúvidas quanto à conexão, porquanto uma coisa parece ser certa, se o dito banco não tivesse dado a garantia do retorno do capital investido por si seguramente o Autor marido não teria dado a sua anuência na aquisição dos identificados ativos financeiros (cfr. art. 563º do C. Civil).
E também o Banco B (…) (antecessor do Banco aqui Réu/recorrente) em toda esta realidade negocial teve um comportamento culposo, nomeadamente quando durante toda a vigência do produto não teve uma palavra sobre as características do produto, sobre os riscos, não prestando ao Autor, investidor privado, qualquer tipo de informação e não obstante avançou para uma aplicação de um montante total de € 100.000,00 sem a diligência devida para uma operação com essa envergadura de capital.
O que tudo serve para dizer que não se vislumbra fundamento possível para contornar a responsabilização invocada, tanto mais que relevante parte da doutrina fala a este propósito – como foi sustentado nas alegações recursivas – na verificação duma dupla presunção, de ilicitude e de culpa. Assim por MENEZES CORDEIRO, in “Manual de Direito Bancário”, 5ª ed., Livª Almedina, Coimbra, 2014, a págs. 431-432.
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Concluindo-se, desta forma, pela existência do direito que os AA. reclamaram na ação e em via recursiva, impõe-se agora conhecer da questão atinente à respetiva prescrição.
Sendo certo que a concluir-se pela afirmativa, improcede sem mais tudo o peticionado pelos AA….
Que dizer então?
De acordo com o disposto no art. 324º, nº 2 do já citado Código dos Valores Mobiliários a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve, decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos, sendo que estando em causa um negócio celebrado em 2006, estavam decorridos muito mais de 2 anos sobre o conhecimento quando a ação foi proposta (no ano de 2016).
Sucede que esse mesmo nº2 do art. 324º ressalva de tal regime a situação de dolo ou culpa grave. Ao preceituar o seguinte: «2 - Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos.» (sublinhado nosso).

Sendo que, em nosso entender, a atuação do Banco (…), na pessoa do seu funcionário que atuou na circunstância como intermediário financeiro, configura no limite e seguramente, uma atuação com culpa grave: sendo esta o oposto de uma culpa leve ou levíssima, não vemos senão como classificar o comportamento/atuação ocorrido e já supra explicitado, mormente a omissão manifesta do dever especial de diligência a que o mesmo estava obrigado ex vi do disposto no art. 304º, nº 2 do citado C.V.M., e bem assim a clamorosa violação do direito à informação do A. marido, no ato e tendo em vista a subscrição por este das Obrigações da S (…) 2006 em causa, como passível de assacar uma culpa grave ao mesmo.
Termos em que, sem necessidade de maiores considerações, improcede a exceção de prescrição do direito dos AA..
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É então tempo de apreciar e decidir sobre a indemnização peticionada pelos AA..
Os Autores pedem uma indemnização de € 110.000,00, constituída pelos € 100.000,00 de capital e o restante de juros vencidos desde a citação, bem como juros vincendos até efetivo pagamento, mais € 5.000,00, a título de dano não patrimoniais.
Vejamos.
Quanto à indemnização por danos não patrimoniais a mesma improcede porquanto não se provaram factos que a suportem.
Relativamente ao capital de € 100.000,00, o mesmo é devido pois representa o valor do dano sofrido que foi a perda dos € 100.000,00 investidos em Obrigações da SLN 2006.
Por fim, são devidos os juros legais por força do disposto no nº 1 do artigo 805.º do Código Civil, onde se dispõe que o devedor fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir e artigo 806.º, n.º 1 e 2 do Código Civil, onde se determina que «1 - Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora. 2 - Os juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal», isto é, resulta que os juros são devidos apenas desde a citação até integral pagamento.
Nesta limite e medida procedendo e improcedendo, quer a ação, quer o recurso. *
5 – SÍNTESE CONCLUSIVA
I – A omissão de informações por parte do banco acerca da natureza, caraterísticas e riscos dos produtos que comercializa com os clientes, viola os deveres impostos ao Banco pelo artigo 227º do Código Civil, pelo artigo 76º, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (DL nº 298/92, de 31 de Dezembro) e pelos artigos 7º, nº1 e 312º, n.º 1, do Código de Valores Mobiliários (D L n.º 486/99, de 13 de Novembro).
II – Decisivamente assim porque tendo o Banco intervindo como intermediário financeiro na comercialização das Obrigações ajuizadas [SLN 2006], tinha ele, ao tempo dos factos, o primário e essencial dever de prestar “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, nomeadamente as respeitantes a riscos especiais envolvidos nas operações a realizar [cf. art. 312º, al. a) do CVM, na sua redacção originária, que é a aplicável].
III – Decorre do nº2 do art. 314º do CVM, na mesma redacção, que “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.
IV – Sendo certo que sujeito responsável pela indemnização em causa será o dito intermediário financeiro, pois que, não obstante a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir em nome desse relacionamento contratual também o reembolso do capital investido, compromisso esse que na circunstância se mostra violado (foi executado o contrato com violação dos deveres de boa fé - art. 762º do C.Civil).

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6 - DISPOSITIVO
Pelo exposto, decide-se a final, julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência:
a) Condena-se o réu, “B (…), S.A.”, a pagar aos Autores a quantia de cem mil euros (EUR 100.000,00) e juros de mora legais desde a citação até integral pagamento.
b) Absolve-se o Réu do restante pedido.
c) Custas pelo Réu e Autores na proporção do vencimento e decaimento.

Coimbra, 11 de Setembro de 2018

Luís Filipe Cravo ( Relator )
Fernando Monteiro
António Carvalho Martins