Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
277/15.7T8LRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: CUSTAS PROCESSUAIS
TAXA DE JUSTIÇA
REMANESCENTE
DISPENSA
Data do Acordão: 06/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 5
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 296, 529 CPC, 6, 11, 26 RCP
Sumário:
1.Em função do que se consagra no art. 296º NCPC (atribuição do valor à causa e sua influência), a utilidade económica imediata do pedido, expressa em dinheiro, constitui o critério geral para a determinação do valor da causa. Quando o pedido tenha por objeto uma quantia pecuniária líquida ("quantia certa em dinheiro").
2. Há, porém, que ter em conta que o pedido se funda sempre na causa de pedir que o explica e delimita. Dela não abstrai o critério da utilidade económica imediata do pedido, pelo que este não é considerado abstratamente, mas sim em confronto com a causa de pedir, para o apuramento do valor da causa.
3.Convocando, por sua vez, a emissão conceitual ínsita na redacção do art. 529º (custas processuais), funciona como dimensão obsidiante e inarredável considerar que o apuramento do montante da taxa de justiça faz-se, em função do valor da causa, nos termos das tabelas I e II anexas ao RegCustas. Quando o valor da ação é superior a 275.000 euros, diz o art. 6-7 RegCustas. "o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz[,] de forma fundamentada, atendendo designadamente à [menor] complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
4. A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz ser lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.
Decisão Texto Integral:


Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:



I - A Causa:



M (…) S.A., Ré nos autos à margem identificados em que é Autora R (…), e interveniente D (…) notificada do despacho com conclusão de 15.12.2017, de fls…, com o qual não se conforma, veio dele interpor recurso de apelação, alegando e concluindo que:

A) A Ré/ Apelante, por requerimentos de 17.02.2017 e 18.10.2017, com as refs., respectivamente, 24937543 e 27083737, a fls…, requereu a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça (o que a Interveniente também fez).
B) O Sr. Procurador da República promoveu, com vista de 12.12.2017, a fls…, que fosse deferida parcialmente a pretensão da Ré/ Apelante, e as partes dispensadas do pagamento do remanescente de 5/4 da taxa, isto é, que as partes apenas tivessem de liquidar a taxa de justiça remanescente de € 3.856,00.
C) Acontece que, o Tribunal a quo, por Despacho com conclusão de 15.12.2017, de fls…, indeferiu a dispensa de pagamento de remanescente de taxa de justiça, por entender não se encontrarem reunidos os pressupostos a que alude o n.º 7, do RCP.
D) Essa decisão é ilegal por violação do n.º 1, e 7, do artigo 6.º, do RCP, n.º 7, do artigo 530.º, do CPC, e inconstitucional por violação dos Princípios de Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efetiva, da Proporcionalidade e Proibição do Excesso – artigos 2.º, 18.º, e 20.º, da CRP.
E) Dos termos conjugados dos n.º 9, do artigo 14.º, e n.º 7, do artigo 6.º, do RCP, alcança-se que, para os casos em que o valor da causa é superior a € 275.000,00 (duzentos e setenta e cinco mil euros) a parte apenas paga inicialmente a taxa de justiça correspondente ao valor de base tributária e, o remanescente será considerado apenas na conta final, no caso de haver responsabilidade pelo pagamento de custas e, quando o responsável pelo impulso processual não seja condenado, deverá efetuar o pagamento no prazo de dez (10) dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo.
F) Porém, o valor da taxa de justiça não pode ser fixado tendo por base uma mera correspondência matemática com o valor da causa, pelo que, o aludido pagamento poderá ser dispensado pelo Meritíssimo Juiz, em face da complexidade da causa e conduta das partes, uma vez que o valor remanescente da taxa de justiça não tem como único e exclusivo pressuposto o valor da ação, mas também o pressuposto de complexidade da causa e da conduta das partes – n.º 1, do artigo 6.º, do RCP.
G) A complexidade da causa é aferida com base nos pressupostos do n.º 7, do artigo 530.º, do CPC: “(…) articulados ou alegações prolixas; (…) questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou (…) impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas. (…).”.
H) O Tribunal a quo, para justificar o indeferimento do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, de forma algo contraditória, refere que, por um lado o julgamento contou com 4 sessões, 15 testemunhas, por vezes com recurso a interprete, que as partes não contribuíram para uma solução consensual, e que as questões de facto necessitaram de uma apreciação algo especifica.
I) E por outro que:
a. “é certo que os autos, em termos de decisão da matéria de direito, não se revelaram de especial complexidade”, e,
b. “No que se refere à conduta processual das partes salvaguardando a elevação e correcção das mesmas e que não pomos sequer em questão”.
J) Ou seja, a própria Juiz a quo reconheceu que em termos de direito o processo não revelou especial complexidade, e que as partes tiveram uma conduta processual elevada e correcta, tudo razões que militam claramente a favor da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
K) Por outro lado, não pode servir de justificação, salvo o devido respeito, para fundamentar a alegada complexidade da causa, que as partes não tenham contribuído para uma solução consensual, pois é pressuposto do recurso aos tribunais a existência de desacordo, e a falta de contribuição para uma solução consensual, isto é, se as partes conseguissem chegar a um consenso não recorreriam, provavelmente, à via judicial.
L) Assim como também não se poderá considerar, certamente, que 4 sessões de julgamento, ou mesmo 15 testemunhas, possa ser considerada elevada complexidade, quando sabemos que, estando em causa três partes – Autora, Ré e Interveniente -, poderiam ter sido arroladas, sem contabilizar as da reconvenção, 30 testemunhas, sendo que apenas foram arroladas 15, isto é, metade do legalmente permitido.
M) Os presentes autos iniciaram-se como uma acção declarativa comum de condenação, ou seja, a Autora pediu, unicamente, que a Ré, ora Apelante, fosse condenada a pagar o valor correspondente a certas facturas, algo que, para se compreender bem a pouca complexidade do processo, poderia ter sido peticionado num requerimento injuntivo.
N) Se é certo que a Ré/ Apelante deduziu reconvenção, não é menos certo que essa reconvenção, pese embora tivesse um valor elevado, não necessitava de uma análise jurídica complexa, ou morosa - em suma alegou que a Autora, e Interveniente, tinham, com os serviços que lhe prestaram, causado um prejuízo e, como tal, deveria operar a compensação relativa ao valor que a Autora peticionava, e condenadas no remanescente do valor do prejuízo – uma simples questão de responsabilidade civil contratual.
O) Logo a única questão aqui em causa, repete-se, que não necessitava de nenhuma análise jurídica complexa, prendia-se com o facto da contabilização dos prejuízos sofridos pela Ré/ Apelante, e se a Autora e Interveniente eram responsáveis pelos mesmos.
P) Ao longo do processado não foram suscitadas questões controversas e/ou de especial dificuldade técnico-jurídica e que requeressem análise conjunta e/ou combinada com questões de âmbito diverso; assim como não requereram nem implicaram a realização de várias diligências probatórias e morosas.
Q) Por outro lado e no que tange à conduta processual das partes ao longo do processo, importa realçar que denotou, desde logo, cooperação total com o Tribunal, não usando de expedientes dilatórios, nem usando o processo anormalmente; atuaram e agiram com lisura, apenas se podendo qualificar como uma conduta normal de litigante cooperante entre si e com o Tribunal no delineamento do objeto do processo e thema decidendum.
R) A taxa de justiça, à semelhança das demais taxas tem natureza bilateral pelo que constitui contrapartida devida pela utilização do serviço público de justiça, logo, deve ser fixada em proporção com o serviço prestado.
S) Assim, no descrito contexto processual é totalmente desproporcionado o montante de taxa de justiça remanescente a pagar pela Ré/ Apelante por aplicação do n.º1, do artigo 6.º, do RCP, impondo-se desde logo a aplicação do regime previsto no n.º 7, do artigo 6.º, do RCP, com a função de adequar o custo da ação à menor complexidade.
T) A entender-se de forma diferente, estar-se-ia a violar a génese e objetivos do RCP e os Princípios Constitucionais do Acesso aos Tribunais e da Tutela Jurisdicional Efetiva, da Proporcionalidade e da Proibição do Excesso, artigos 6.º, e 11.º, do RCP, n.º 7, do artigo 530.º, do CPC, e artigos 2.º, 18.º, e 20.º, da CRP, pelo que encontram-se reunidos os pressupostos de dispensa de pagamento de remanescente de taxa de justiça.
U) Aliás, entre outras decisões do Tribunal Constitucional, por Ac. n.º 421/2013 de 15 de Julho de 2013, julgou inconstitucional “(…) por violação do direito de acesso aos tribunais consagrado no artigo 20º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2º e 18º, n.º 2 segunda parte, da Constituição, as normas contidas nos artigos 6º e 11º, conjugadas com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pelo DL 52/2011, de 13 de Abril, quando interpretadas no sentido de que o montante de taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante de taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título. (…).”.
V) Por último importa referir que a Ré/ Apelante foi condenada a pagar à Autora € 59.880,00 + juros, sendo que, se o remanescente da taxa de justiça não for dispensado, significa que esta vai ter de pagar, em taxa de justiça, € 28.917,00, ao qual acrescem as custas de parte (uma vez que tanto a Autora como a Interveniente irão também ter de suportar directamente o remanescente da taxa que farão repercutir nas custas de parte).
W) Donde, facilmente se compreende que a Ré/ Apelante, caso não seja dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça, terá de suportar, entre taxa de justiça e custas de parte (que reflectem directamente o valor das taxas de justiça liquidadas), directa e indirectamente, € 141.142,50 (cento e quarenta e um mil cento e quarenta e dois euros e cinquenta cêntimos)!
X) Isto é, terá de suportar directamente € 31.365,00 (taxa de justiça + remanescente da taxa de justiça), e, indirectamente, € 109.777,50 (custas de parte onde se incluem as taxas de justiça liquidadas pela Autora e Interveniente), o que, em termos prático, corresponde a pagar directamente ao sistema público de administração da justiça, pelos presentes autos, € 94.095,00,
Y) O que viola claramente os princípios da proporcionalidade e da igualdade!
Z) Pelo que a Decisão de Indeferimento de dispensa de pagamento de remanescente de taxa de justiça é ilegal por violação do preceituado no n.º 1, e 7, do artigo 6.º, e 11.º, do RCP, n.º 7, do artigo 530.º, do CPC, e materialmente inconstitucional por contrária ao princípio de Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efetiva, Proporcionalidade e Proibição do Excesso – artigos 20.º, 18.º, e 2.º, da CRP.

Termos em que, Vossas Excelências, deverão dar provimento ao presente Recurso, revogando o Despacho que indeferiu o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, substituindo-o por outro que julgue totalmente procedente a requerida dispensa de pagamento de remanescente de taxa de justiça, fazendo assim a costumada JUSTIÇA!
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Não foram proferidas contra-alegações.


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II. Os Fundamentos:

Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir:

São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa as que decorrem do elemento narrativo dos Autos, em decorrência da sua própria revelação, designadamente, importando fazer ressumar, que:

- Na decisão em causa se consagra:

«Respectivamente, por requerimentos apresentados a fls 1038 ss, 1045 ss e 1054 ss vieram a interveniente, a ré e a autora requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no artº 6º nº 7 do RCP alegando que o caso em apreço não se revelou de especial complexidade, em particular no que respeita à análise das questões de direito, no que se refere à prova produzida, a mesma não implicou a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas, as partes não foram prolixas nos seus articulados e mantiveram uma conduta processual correcta, a que acresce o valor a pagar, atento o valor da acção.
Na promoção constante de fls 1068 e 1069, o Exmº Sr. Procurador da República é de parecer que tal deve ser só parcialmente deferido, apenas se dispensando as partes de 1/5 do valor devido a tal título.
É consabido que a Lei 7/2012 de 13 de Fevereiro veio introduzir um conjunto de alterações ao Regulamento das Custas Processuais (RCP), introduzindo o nº 7 ao artº 6º, o qual dispõe que nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
Esta disposição legal permite que, quando o valor da causa for superior a € 275.000,00, a parte só pague inicialmente a taxa de justiça correspondente àquele valor de base tributária, correspondente, portanto, a 16 Ucs ou, tratando-se de grandes litigantes 24 Ucs.
Deste modo, o remanescente da taxa será apenas considerado na conta final, havendo um único responsável pelas custas e quando o responsável pelo impulso processual não for condenado a final, deve o mesmo, nos termos do artº 14º nº 9 do RCP ser notificado para efectuar o seu pagamento, no prazo de 10 dias, após a notificação da decisão que ponha termo ao processo, podendo, naturalmente exigir o seu reembolso através de custas de parte, nos termos conjugados dos artº 25º e 26º do RCP e 31º da Portaria 419-A/2009, o que poderá suceder in casu com a autora e interveniente.
Só assim não será, quando nos termos da citada disposição legal, o juiz dispensar esse pagamento, com fundamento em dois requisitos cumulativos: a relativa complexidade da causa e a conduta processual das partes, importando sublinhar que a faculdade conferida pelo artº 6º nº 7 é sempre excepcional e não a regra.
Quando à complexidade da causa determina o artº 530º nº 7 que deverão considerar-se de especial complexidade as acções que:
a) Contenham articulados ou alegações prolixas;
b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso;
c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
Analisados os articulados apresentados pelas partes, verificamos que se prendem com factualidade relevante à apreciação da causa e que as considerações não factuais tecidas se limitam a contextualizar e enquadrar os factos alegados.
Quanto ao mais, se é certo que os autos, em termos de decisão da matéria de direito, não se revelaram de especial complexidade, em termos de matéria de facto, implicaram eles a análise de questões dotadas de especificidade técnica, o que exigiu, por sua vez a conjugação do depoimento de 15 testemunhas com vasta documentação existente nos autos dotada, ela também, de cariz especialmente técnico.
Acresce que a ponderação destes meios de prova teve que ser feita não apenas ao nível da 1ª instância, como também da instância de recurso em face da impugnação da matéria de facto feita no âmbito do mesmo.
Por outro lado, a audiência de julgamento decorreu em quatro sessões, como dissemos com audição de 15 testemunhas e declarações de parte do representante legal da ré, as quais, atento uma vez mais o carácter técnico da matéria de facto em causa, implicou prestação de depoimentos demorados, alguns dos quais com recurso a intérprete.
No que se refere à conduta processual das partes salvaguardando a elevação e correcção das mesmas e que não pomos sequer em questão, não vislumbramos que tenham, de alguma forma, contribuído para uma solução consensual do litígio.
Por último, e quanto ao valor da causa, o mesmo está também dependente de critérios legais que não nos cabe sindicar, visto ser essa uma opção legislativa, como o é o valor das custas processuais, assim como o carácter excepcional da dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente.
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Em face do exposto, considero não estarem reunidos os pressupostos para dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, nos termos do disposto no artº 6º nº 7º do RCP, pelo que indefiro a mesma.
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Apresentou a autora a sua nota justificativa de custas de parte a fls 1042 e a autora a fls 1049.
Reclamou a ré das mesmas a fls 1060 ss com fundamento no disposto no artº 32º nº 2 da Portaria 419-A/2009, alegando que dada a existência de pluralidade de partes vencedoras, deverá ser reduzido o montante reclamado a título de compensação daquelas face às despesas com mandatário judicial, uma vez que ambas reclamam a totalidade prevista no disposto no artº 26º nº 3 al. c).
Respondeu apenas a interveniente a fls 1065, mantendo o valor por si apresentado.
Dispõe o artº 26º nº 3 do RCP, na parte que ora nos interessa que a parte vencida é condenada nos termos previstos no Código de Processo Civil, ao pagamento dos seguintes valores, a título de custas de parte:
a) (…)
b) (…)
c) 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face ás despesas com honorários do mandatário judicial sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do nº 2 do artigo anterior
d) (...)
Dispõe por sua vez o artº 32º da Portaria 419-A/2009:
1- Na indicação em rubrica autónoma das quantias pagas a título de honorários e despesas do mandatário judicial ou de agente de execução só são consideradas as quantias até ao limite previsto na alínea c) do nº 3 do artigo 26º do RCP.
2- Havendo pluralidade de sujeitos na parte ou partes vencedoras, para apuramento dos montantes que cada um deverá receber, divide-se o limite previsto no número anterior por cada um deles de acordo com a proporção do respectivo vencimento.
Da conjugação destas normas resulta que haverá que proceder ao cálculo do montante das taxas de justiça pagas por todas as partes, efectuando-se o somatório das mesmas, devendo a parte vencida pagar à parte vencedora metade desse valor com o fim de compensar a parte vencedora dos custos que tenha suportado ou venha a suportar com o patrocínio do seu mandatário judicial.
O referido valor, havendo pluralidade de partes vencedoras é dividido por ambas na proporção do respectivo vencimento, a significar, como defende a ré na sua reclamação, que a quantia devida nos termos do disposto no artº 26º nº 3 al. c) do RCP é in casu para a autora e interveniente, na proporção de 25%.
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Em face do exposto, julgo procedente a reclamação da ré e determino a redução das quantias enunciadas nas notas justificativas de custas de parte pela autora e interveniente, na rubrica referente ao disposto no artº 26º nº 3 al. c) do RCP, para 25% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora».

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Vindo alegado, conclusivamente, pois, em função do que os Autos evidenciam, que:

«a Decisão de Indeferimento de dispensa de pagamento de remanescente de taxa de justiça é ilegal por violação do preceituado no n.º 1, e 7, do artigo 6.º, e 11.º, do RCP, n.º 7, do artigo 530.º, do CPC, e materialmente inconstitucional por contrária ao princípio de Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efetiva, Proporcionalidade e Proibição do Excesso – artigos 20.º, 18.º, e 2.º, da CRP».

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- Constando de fls. 1068 e 1069, após Vista ao Ministério Público, a seguinte apreciação expressa sobre a questão sub judice:

«Nos termos do disposto no art.6° nº7 do R.C.P. "Nas causas de valor superior a € 275.000,00 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento".
Tendo presente, entre outros, o acórdão do S.T.J. de 12/12/13 tirado do processo nº1319/12.3TVLSS-S (cfr. www.dgsi.pt) no que respeita à interpretação que deve ser dada ao disposto no nº7 do art. 6° do R.C.P., nomeadamente, quanto aos princípios da proporcionalidade e adequação no pagamento das custas judiciais e igualdade no acesso à justiça consagrado no art. 20° da C.R, no sentido de permitir ao juiz dispensar o pagamento quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida pelo facto de a causa exceder o valor de € 275.000,00, deverá, a nosso ver, adoptar-se um critério que tenha em conta, nomeadamente, a fase processual em que o litígio é dirimido e se foi por transacção, desistência, ou, sentença.
A presente acção tramitou todas as fases processuais, nomeadamente, com produção de prova em audiência final de julgamento, prolação de sentença que apreciou o mérito da causa, interposição de recurso e decisão final pelo tribunal de segunda instância. Ocorreu, além disso, a intervenção principal de terceiros, e dedução de reconvenção.
Embora não se afigurando que a causa revestisse de especial complexidade, consideramos que não deve ser dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça tendo em conta que tem sido nosso critério, que essa dispensa, sendo excepcional, face à redacção do nº7 do art. 6° do R.C.P., só deve ocorrer quando a causa termine com transacção das partes, ou se revele de simplicidade a apreciação do seu mérito.
A conduta das partes, por outro lado, cingiu-se ao normal pleitear, não originando delongas na resolução do processo, nem dilações que obstassem à normal tramitação dos autos
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Assim, afigura-se-nos proporcional e adequado que no caso vertente, atendendo ao valor de € 19.278,00 de taxa de justiça remanescente, sejam as partes dispensadas do pagamento de 1/5 desse valor, ficando a cargo de cada uma, a taxa de justiça remanescente de € 3.856,00».

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Nos termos do art. 635º do NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto no art° 608º, do mesmo Código.


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As questões suscitadas, na sua própria matriz constitutiva e redactorial, consistem em apreciar se:

1.
V) (…) A Ré/ Apelante foi condenada a pagar à Autora € 59.880,00 + juros, sendo que, se o remanescente da taxa de justiça não for dispensado, significa que esta vai ter de pagar, em taxa de justiça, € 28.917,00, ao qual acrescem as custas de parte (uma vez que tanto a Autora como a Interveniente irão também ter de suportar directamente o remanescente da taxa que farão repercutir nas custas de parte).
W) Donde, facilmente se compreende que a Ré/ Apelante, caso não seja dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça, terá de suportar, entre taxa de justiça e custas de parte (que reflectem directamente o valor das taxas de justiça liquidadas), directa e indirectamente, € 141.142,50 (cento e quarenta e um mil cento e quarenta e dois euros e cinquenta cêntimos)!
X) Isto é, terá de suportar directamente € 31.365,00 (taxa de justiça + remanescente da taxa de justiça), e, indirectamente, € 109.777,50 (custas de parte onde se incluem as taxas de justiça liquidadas pela Autora e Interveniente), o que, em termos prático, corresponde a pagar directamente ao sistema público de administração da justiça, pelos presentes autos, € 94.095,00,
Y) O que viola claramente os princípios da proporcionalidade e da igualdade!
Z) Pelo que a Decisão de Indeferimento de dispensa de pagamento de remanescente de taxa de justiça é ilegal por violação do preceituado no n.º 1, e 7, do artigo 6.º, e 11.º, do RCP, n.º 7, do artigo 530.º, do CPC, e materialmente inconstitucional por contrária ao princípio de Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efetiva, Proporcionalidade e Proibição do Excesso – artigos 20.º, 18.º, e 2.º, da CRP.

Apreciando, diga-se - pressuponentemente -, em função do que se consagra no art. 296º NCPC (atribuição do valor à causa e sua influência) -, que

«a utilidade económica imediata do pedido, expressa em dinheiro, constitui o critério geral para a determinação do valor da causa. Quando o pedido tenha por objeto uma quantia pecuniária líquida ("quantia certa em dinheiro"), a determinação está in re ipsa, constituindo essa quantia a utilidade tida em vista pelo autor ou reconvinte, independentemente de ser pedida a condenação no seu pagamento, a simples apreciação da existência do direito a essa quantia ou a sua realização em ação executiva; nos outros casos, há que encontrar o equivalente pecuniário correspondente à utilidade ("benefício") visada (art. 297-1). As disposições sobre o valor da causa que consagram critérios especiais (arts. 298, 300 a 304) representam a concretização e a adaptação deste critério geral, em função da modalidade do pedido formulado.
Há, porém, que ter em conta que o pedido se funda sempre na causa de pedir (LEBRE DE FREITAS, Introdução cit., n.º I.4.6), que o explica e delimita. Dela não abstrai o critério da utilidade económica imediata do pedido, pelo que este não é considerado abstratamente, mas sim em confronto com a causa de pedir, para o apuramento do valor da causa; assim, por exemplo, a ação em que se formula o pedido de entrega de um prédio a título de arrendamento (ou da sua devolução por via da extinção deste) não tem o mesmo valor que aquela em que a entrega do mesmo prédio seja pedida com base em título de propriedade (ALBERTO DOS REIS, Comentário cit., III, ps. 593-594).
Tal como o pedido desligado da causa de pedir não basta à determinação do valor da ação, também a causa de pedir, por si, não o determina: com base num contrato pelo qual é devida a quantia de 1.000, pode pedir-se a condenação do réu em 100 apenas; este é o valor do pedido (Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 3ª Edição, p. 586).

Por sua vez, não pode deixar de se levar em consideração, neste horizonte problemático, na emergência do disposto no art. 299º NCPC (momento a que se atende para a determinação do valor),

«para que estejamos perante um pedido do réu ou de interveniente principal distinto do do autor, é preciso que lhe corresponda, de acordo com a regra do art. 296-1, uma nova utilidade ou valor económico. Tal não acontece quando o réu ou o interveniente pretende conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter (art. 530-3).
Por isso, não há aumento do valor da causa quando, por exemplo, autor e réu pretendem ambos ser proprietários de determinada coisa, quando um pede a declaração de nulidade ou a anulação dum negócio jurídico por determinada causa e o outro a declaração (geral) da sua validade ou quando o interveniente principal (credor solidário) deduz contra o réu o mesmo pedido de condenação que o autor deduzira a seu favor. Veja-se LOPES CARDOSO, Manual dos incidentes cit., p. 36» (Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 3ª Edição, p. 591).
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Convocando, por sua vez, a emissão conceitual ínsita na redacção do art. 529º (custas processuais), funciona como dimensão obsidiante e inarredável considerar que:

«o apuramento do montante da taxa de justiça faz-se, em função do valor da causa, nos termos das tabelas I e II anexas ao Reg. Custas. Quando o valor da ação é superior a 275.000 euros, diz o art. 6-7 Reg. Custas. "o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz[,] de forma fundamentada, atendendo designadamente à [menor] complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento". Assim, a taxa deixa, nessa parte, de ser paga por ambas as partes ao longo do processo para passar a onerar apenas a parte vencida no final (a "parte responsável pelo pagamento", segundo a condenação proferida, a que se refere o art. 31-1 Reg. Custas). É, aliás, de elementar justiça que, em ação de valor muito elevado, a parte vencedora não tenha de pagar montantes excessivos que pode ter dificuldade em recuperar como custas de parte. Por isso também, quando a parte vencida beneficie de apoio judiciário, é dispensada a elaboração da conta final de custas (art. 29-1-d RegCustas).
Mas alguma jurisprudência, argumentando que o atual sistema da taxa de justiça assenta na ideia de que ela é paga por ambas as partes como contrapartida da prestação dum serviço, entende que também a parte vencedora é onerada com esse pagamento remanescente final, como complemento das taxas correspondentes ao valor de 275.000 euros, sem prejuízo de, tal como a parte vencida, poder pedir que seja dele dispensada e de contra esta ter direito de regresso, em custas de parte (ac. do TRC de 3.12.13, Luís CRAVO, www.dgsi.pt. proc. 1394/09; ac. do TRL de 28.4.16, JORGE LEAL, CJ; 2016, I, p. 121, e www.dgsi. pt, proc. 473/12, citando inadequadamente uma passagem de SALVADOR DA COSTA, Regulamento das Custas Processuais anotado, Coimbra, Almedina, 2013, p. 65, que apenas se refere à taxa de justiça devida "quando e por virtude do impulso processual a que a lei se reporta e no prazo legalmente estabelecido para o pagamento da segunda prestação", excluindo portanto das suas observações o excesso apenas pago no final).
Esta interpretação é, não só contrária à norma geral do art. 527 (e ao espírito da norma especial do referido art. 29-1-d Reg.Custas), mas também manifestamente inconstitucional: a parte vencedora não pode ser responsabilizada, em termos desrazoáveis, pelo pagamento que a contraparte terá em última instância que suportar, não sendo defensável atribuir-lhe, depois de ganha a ação, um papel próximo do fiador principal pagador; além do mais, o recebimento das custas de parte pode revelar-se difícil ou até, em certas situações, praticamente impossível.
A violação do art. 20 da Constituição da República e a ofensa do princípio da proporcionalidade são invocáveis contra essa interpretação.
Saliente-se que o ac. do TRL de 28.4.16 equacionou a questão da inconstitucionalidade, admitindo-a quando os valores encontrados sejam desproporcionados; mas, independentemente desta desproporção, a própria imputação à parte vencedora, no final, de parte do remanescente das custas não se nos afigura conforme com a Constituição da República (Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª Edição, pp. 424-425).
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No caso dos Autos, impressiona - vindo convocado como argumento recursivo (no fundo, a tal se reconduzindo o noema da questão) -, exactamente, que:

“V) (…) A Ré/ Apelante foi condenada a pagar à Autora € 59.880,00 + juros, sendo que, se o remanescente da taxa de justiça não for dispensado, significa que esta vai ter de pagar, em taxa de justiça, € 28.917,00, ao qual acrescem as custas de parte (uma vez que tanto a Autora como a Interveniente irão também ter de suportar directamente o remanescente da taxa que farão repercutir nas custas de parte).
W) Donde, facilmente se compreende que a Ré/ Apelante, caso não seja dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça, terá de suportar, entre taxa de justiça e custas de parte (que reflectem directamente o valor das taxas de justiça liquidadas), directa e indirectamente, € 141.142,50 (cento e quarenta e um mil cento e quarenta e dois euros e cinquenta cêntimos)!
X) Isto é, terá de suportar directamente € 31.365,00 (taxa de justiça + remanescente da taxa de justiça), e, indirectamente, € 109.777,50 (custas de parte onde se incluem as taxas de justiça liquidadas pela Autora e Interveniente), o que, em termos prático, corresponde a pagar directamente ao sistema público de administração da justiça, pelos presentes autos, € 94.095,00,
Y) O que viola claramente os princípios da proporcionalidade e da igualdade!»

Mais impressionando, ainda - neste contexto -, salientar a invocação de que:

Z) Pelo que a Decisão de Indeferimento de dispensa de pagamento de remanescente de taxa de justiça é ilegal por violação do preceituado no n.º 1, e 7, do artigo 6.º, e 11.º, do RCP, n.º 7, do artigo 530.º, do CPC, e materialmente inconstitucional por contrária ao princípio de Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efetiva, Proporcionalidade e Proibição do Excesso – artigos 20.º, 18.º, e 2.º, da CRP.

Tal como, em termos sequentes, o Ministério Público haver, em sua opinião, destacado, restritivamente, que:

«Embora não se afigurando que a causa revestisse de especial complexidade, consideramos que não deve ser dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça tendo em conta que tem sido nosso critério, que essa dispensa, sendo excepcional, face à redacção do nº7 do art. 6° do R.C.P., só deve ocorrer quando a causa termine com transacção das partes, ou se revele de simplicidade a apreciação do seu mérito.
A conduta das partes, por outro lado, cingiu-se ao normal pleitear, não originando delongas na resolução do processo, nem dilações que obstassem à normal tramitação dos autos»
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O que, tudo ponderado, determina fazer valer que «(…) a possibilidade concedida ao juiz de dispensar o pagamento de taxa de justiça remanescente em ações de valor tributário superior a € 275 000,00 foi introduzida para fazer face à inconstitucionalidade material de que padecia o regime então em vigor, o qual permitia que fossem impostas às partes custas de valor absolutamente desproporcionado, sem qualquer correspondência com o serviço de administração da justiça prestado, podendo assumir montantes tais que as pessoas se viam compelidas a afastarem-se dos tribunais, num atropelo do direito de acesso à justiça.

O facto de a lei permitir, atualmente, o referido movimento corretor do valor das custas, poderá fundamentar um juízo de constitucionalidade da lei quanto a esta questão, como, por exemplo, se decidiu no acórdão do STA, de 20.10.2015, processo 0468/15. Mais, existem decisões jurisprudenciais que defendem que, tendo o tribunal rejeitado a reclamação da conta de custas consubstanciada em extemporâneo requerimento de dispensa do pagamento de taxa de justiça remanescente, a aludida questão de inconstitucionalidade nem sequer se põe (vide STA, acórdão de 29.10.2014, processo 0547/14; Relação de Lisboa, de 15.10.2015, processo 6431-09.3TVLSB-A.L1-6).

Porém, à semelhança do que foi ponderado no acórdão da Relação de Lisboa, de 03.7.2012, processo 741/09.7TBCSC.L2-L2-7, afigura-se-nos que é possível ao tribunal averiguar, como nesse acórdão se diz, “se a aplicação estrita das normas jurídicas, vocacionadas à hipótese concreta, pelos resultados atingidos (…) não será passível de esbarrar com disposições de natureza constitucional (…) de tal maneira se impondo algum ajustamento normativo.”

De facto, como se diz no acórdão n.º 421/2013, do Tribunal Constitucional, de 15.7.2013, “os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adoção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito”.

Se é certo que, como se disse, o sistema legal tem atualmente a referida válvula de escape, capaz de refrear a tributação que uma tabela tributária sem limites poderia implicar, e reiterando-se que tal sistema deverá ser acionado aquando da decisão final (sentença; decisão sumária ou acórdão proferido em sede de recurso), com a disponibilização de reação contra essa decisão em sede de pedido de reforma ou de recurso contra a mesma, haverá que reconhecer que, como se infere da diversidade de entendimentos que esta temática suscita, o atual dispositivo legal aparenta falta de clareza, podendo levar a que a associação de inércia desatenta do lado do julgador com descuido do lado das partes conduza a uma tributação que, pela sua exorbitância, imponha os efeitos de uma fiscalização concreta de constitucionalidade.

Aqui se sufragando o exarado pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 301/2009, de 22.6.2009, segundo o qual “…estando em causa o apuramento da proporcionalidade, ou não, de um valor quantitativamente determinado, as configurações casuísticas, no plano da fiscalização concreta da constitucionalidade, contam como elemento de valoração, sem pôr em cheque a natureza normativa do nosso sistema de controlo. Daí a admissibilidade, sem contradição, de juízos discordantes sobre o mesmo critério normativo, dada a sua diferente projecção consequencial sobre distintas realidades, do ponto de vista da natureza e do valor do serviço prestado.”

Atendendo a que, como se disse, a lei já permite o controlo do montante de taxa de justiça a cobrar às partes, a correção a operar por aplicação direta de critérios constitucionais só deverá ocorrer em situações de manifesta iniquidade, de insuportável desequilíbrio entre o que é reclamado das partes e o que foi prestado pelo sistema de justiça, em termos tais que não poderão deixar indiferente o aplicador do direito» (Cf. Ac. RL de 28-04-2016, Proc. nº 473/12.9TVLSB-C.L1-2, Relator: JORGE LEAL). Tal como nos Autos se impõe.

Por conseguinte, quanto aos processos (na aceção do RCP) cujo valor exceda € 275 000,00, as partes começarão por, aquando do respetivo impulso processual, pagar a taxa de justiça correspondente ao valor de € 275 000,00; proferida a decisão final do processo, se o juiz nela nada disser quanto à dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente e a(s) partes dissentir(em) dessa omissão (ou discordar(em) da medida do decidido nessa matéria) deverá ou deverão requerer a reforma da decisão quanto a custas, em requerimento avulso ou em recurso, consoante o caso (neste sentido, cfr. Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado, 2013, 5.ª edição, pág. 201; na jurisprudência, vide STA, acórdão de 29.10.2014, processo 0547/14 e acórdão de 20.10.2015, processo 0468/15; Relação de Lisboa, acórdão de 03.7.2012, processo 741/09.7TBCSC.L2-7 - consultáveis in www.dgsi.pt).

É certo que a complexidade da causa pode levar ao agravamento da taxa de justiça, nos termos do art. 6-5 RegCustas, que remete para a tabela IC anexa. Em todo o caso, reconhece-se, pois, circunstancialmente, tratar-se de valores elevados, porventura exagerados, face às circunstâncias do litígio, embora não se possa dizer que o processo tivesse sido linear e desprovido, em absoluto, de alguma “complexidade jurídica”, inerente, por regra, a qualquer lide, mas ficando, em bom rigor e não obstante - em termos de elemento categorial classificatório, em tais termos, que se lhe atribui -, na fronteira da (in)ultrapassagem da singeleza jurídica.

Afigurando-se, a pretexto do que vem de se expor, existirem suficientes razões - legais, conceituais e algébricas -, para se conceder provimento ao presente Recurso, consequentemente se “revoga o Despacho que indeferiu o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, antes, julgando totalmente procedente a requerida dispensa de pagamento de remanescente de taxa de justiça”.
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Assim arredando, mesmo, perante a realidade algébrica do presente caso e legalidade tutelar referente a custas referida, «a redução das taxas de justiça incidentes sobre o valor superior a € 275 000,00 (solução intermédia – redução da taxa de justiça remanescente, em lugar da dispensa integral - cuja admissibilidade não tem - igualmente -, suscitado controvérsia, estando proficientemente fundamentada, v.g., no Ac. STJ de 1319/12.3TVLSB-B.L1.S1:7ª SECÇÃO, Relator: LOPES DO REGO, ao determinar que a própria “norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz ser lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade”.

Razões que determinam atribuir resposta afirmativa às questões em 1.

*

Podendo, assim concluir-se, sumariando (art. 632º,nº7 NCPC) que:



1.
Em função do que se consagra no art. 296º NCPC (atribuição do valor à causa e sua influência), a utilidade económica imediata do pedido, expressa em dinheiro, constitui o critério geral para a determinação do valor da causa. Quando o pedido tenha por objeto uma quantia pecuniária líquida ("quantia certa em dinheiro"), a determinação está in re ipsa, constituindo essa quantia a utilidade tida em vista pelo autor ou reconvinte, independentemente de ser pedida a condenação no seu pagamento, a simples apreciação da existência do direito a essa quantia ou a sua realização em ação executiva; nos outros casos, há que encontrar o equivalente pecuniário correspondente à utilidade ("benefício") visada (art. 297-1).
2.
Há, porém, que ter em conta que o pedido se funda sempre na causa de pedir que o explica e delimita. Dela não abstrai o critério da utilidade económica imediata do pedido, pelo que este não é considerado abstratamente, mas sim em confronto com a causa de pedir, para o apuramento do valor da causa.
3.
Convocando, por sua vez, a emissão conceitual ínsita na redacção do art. 529º (custas processuais), funciona como dimensão obsidiante e inarredável considerar que o apuramento do montante da taxa de justiça faz-se, em função do valor da causa, nos termos das tabelas I e II anexas ao RegCustas. Quando o valor da ação é superior a 275.000 euros, diz o art. 6-7 RegCustas. "o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz[,] de forma fundamentada, atendendo designadamente à [menor] complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
4.
De facto, como se diz no acórdão n.º 421/2013, do Tribunal Constitucional, de 15.7.2013, “os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adoção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito”.
5.
Sufragando o exarado pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 301/2009, de 22.6.2009, segundo o qual “…estando em causa o apuramento da proporcionalidade ou não de um valor quantitativamente determinado, as configurações casuísticas, no plano da fiscalização concreta da constitucionalidade, contam como elemento de valoração, sem pôr em cheque a natureza normativa do nosso sistema de controlo. Daí a admissibilidade, sem contradição, de juízos discordantes sobre o mesmo critério normativo, dada a sua diferente projecção consequencial sobre distintas realidades, do ponto de vista da natureza e do valor do serviço prestado.”
6.
Atendendo a que, como se disse, a lei já permite o controlo do montante de taxa de justiça a cobrar às partes, a correção a operar por aplicação direta de critérios constitucionais só deverá ocorrer em situações de manifesta iniquidade, de insuportável desequilíbrio entre o que é reclamado das partes e o que foi prestado pelo sistema de justiça, em termos tais que não poderão deixar indiferente o aplicador do direito.
6.1.
A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz ser lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade (Cf. Ac. STJ de 1319/12.3TVLSB-B.L1.S1:7ª SECÇÃO, Relator: LOPES DO REGO).

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III. A Decisão:

Afigurando-se, a pretexto do que vem de se expor, existirem suficientes razões - legais, conceituais e algébricas -, para se conceder provimento ao presente Recurso, consequentemente, se “revoga o Despacho que indeferiu o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, antes, julgando totalmente procedente a requerida dispensa de pagamento do remanescente de taxa de justiça”.

Sem Custas.
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António Carvalho Martins ( Relator)
Carlos Moreira
Moreira do Carmo