Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
312/10.5TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARVALHO MARTINS
Descritores: DIREITOS DE AUTOR
OBRA FOTOGRÁFICA
RESPONSABILIDADE CIVIL
Data do Acordão: 05/10/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.1, 9, 27, 42, 159, 164, 165 DO CDADC, 483, 496, 562, 563 CC
Sumário: 1. O facto constitutivo do direito de autor é a “criação da obra”, abrangendo direitos de carácter patrimonial e direitos de natureza pessoal ( não patrimonial ), identificando-se o criador intelectual da obra fotográfica com o fotógrafo que originariamente captou a imagem.
2. O art.164 CDADC não tutela o mérito ou valor artístico da fotografia, mas antes a natureza artística da respectiva criação, excluindo-se da protecção legal as fotografias que são a mera consequência de uma operação puramente mecânica e automática.

3. A distinção entre fotografias “artísticas” e fotografias vulgares só casuisticamente pode ser feita, tendo em conta, designadamente, a escolha do objecto e as condições da sua execução, reflectindo a marca intelectual e personalidade do autor.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

O autor, C (…), intentou a presente acção declarativa de condenação, com forma de processo sumário, contra o réu J (…), alegando, em síntese, ser fotógrafo e detentor de vasto espólio fotográfico. Mais alegou que o réu, nos meses de Outubro e Novembro de 2006, em estabelecimento comercial que lhe pertence, expôs réplicas de 51 fotografias antigas da cidade de Viseu, o que fez sem a sua autorização, facto que gerou na esfera jurídica do autor danos de natureza patrimonial e não patrimonial.

Consequentemente, solicitou o autor a condenação do réu no pagamento da quantia de € 5.590,00, montante no qual contabilizou os danos alegados.

Citado regularmente para o efeito, o réu apresentou contestação, em tempo útil, na qual, em síntese, se defendeu por excepção, invocando a prescrição do direito de que se arroga o autor, e impugnando a matéria alegada na petição inicial, considerando que as fotografias em questão não se encontravam assinadas, que o autor não alegou como adquiriu os direitos sobre as mesmas, e que, ainda que lhe pertença, existindo há mais de 50 anos, são de utilização pública.

Concluiu considerando que a acção deveria ser julgada improcedente.

Apresentou o autor resposta à contestação, na qual, em síntese, considerou que o direito por si invocado não prescreveu, porquanto o réu praticou acto com natureza de ilícito criminal, para o qual se mostra estabelecido prazo prescricional de cinco anos.

Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que

“(…) no caso em apreço, provou-se que o aqui autor é detentor e dono de um espólio fotográfico centenário sobre a cidade de Viseu, constituído por fotografias antigas.

Porém, não se provou quem foi o autor originário de tais fotografias, ou seja, o fotógrafo que originariamente captou as imagens que nelas constam, nem se apurou qualquer facto que possa caracterizar tais fotografias como uma criação artística pessoal, original e única, desse fotógrafo (desconhecido neste processo).

Daí que não se possa afirmar que as fotografias em questão no processo sejam merecedoras da referida tutela legal, designadamente da conferida pelo artigo 165°, n° 3, CDADC.

Em consequência, deverá a acção improceder, atenta a apontada falência probatória.

*

Nos termos expostos, julgo improcedente a presente acção, pelo que, em conformidade, absolvo o réu J (…) do pedido formulado pelo autor C (…)”.

C (…) autor nos autos em referência, e neles devidamente identificado, notificado da sentença que decidiu a improcedência do pedido, não se conformando com a mesma,  dela veio interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, alegando e concluindo que:

a) O Tribunal “ a quo” deu como provado entre outros factos:-1. O autor é empresário fotográfico detentor de vasto espólio fotográfico. 2. O autor é detentor de um espólio fotográfico centenário sobre a cidade de Viseu. 3. Tal espólio é constituído por fotografias. 4. Tal espólio fotográfico pertence ao autor( negrito nosso).

b) Ficou provado que: O réu, sem conhecimento, autorização, ou qualquer relação contratual ou outra, expôs, em datas que em concreto não foi possível apurar, do ano de 2006, no referido estabelecimento R..., réplicas de cerca de 50 fotografias antigas da cidade de Viseu, pertencentes ao autor.

c) Também ficou provado:_ O autor apresentou queixa crime por tais factos, tendo o inquérito, sido proferido despacho de suspensão provisória do processo pelo período de seis meses, com a injunção de o réu, então arguido, entregar no prazo de seis meses a quantia de €500.00 a instituição de solidariedade social do distrito de Viseu.

d) Provado ficou: As fotografias em causa pertencem ao autor, que as pode reproduzir, difundir ou vender(negrito nosso).

e) Mais ficou provado: cada fotografia tem o valor económico de €90.00, acrescido de IVA.

f) Fundamentou e concluiu o Douto Tribunal: “ Ora, no caso em apreço, provou-se que o aqui autor é detentor e dono de um espólio fotográfico centenário sobre a cidade de Viseu, constituído por fotografias antigas. Porém, não se provou quem foi o autor originário de tais fotografias, ou seja, o fotógrafo que originariamente captou as imagens que nelas constam, nem se apurou qualquer facto que possa caracterizar tais fotografias como uma criação artística pessoal, original e única, desse fotógrafo desconhecido neste processo).

g) Daí que não se possa afirmar que as fotografias em questão no processo sejam merecedoras da referida tutela legal, designadamente da conferida pelo artigo 165º, nº 3 do CDADC.

h) Em consequência, deverá a acção improceder, atenta a apontada falência probatória. - Concluiu a douta Sentença que respeitamos assim como ao meritíssimo Magistrado que a proferiu mas não nos conformamos com a sua bondade jurídica.

i) O douto Tribunal ao dar como provado que o autor é detentor de um espolio fotográfico constituído por fotografias antigas da cidade de Viseu,

j) Ao dar como provado que tal espolio fotográfico pertence ao autor; Ao dar como provado que tais fotografias pertencem ao autor, que as pode reproduzir, difundir ou vender,

k) Tinha de na sua fundamentação jurídica numa verdadeira decisão judicativa de realização do direito considerar que o autor é o titular dos direitos de propriedade/patrimoniais inerentes aos direitos sobre as obras, independentemente dos direitos morais, pessoais do autor/criador das fotografias, esses inalienáveis e pessoais.

l) Não podia o autor/recorrente ser o dono das fotografias e não ser o titular dos direitos patrimoniais sobre as mesmas, pertencendo-lhes como ficou provado.

m) O Tribunal ao dar como provado que o autor/recorrente é a pessoa a quem pertencem as fotografias, que as pode reproduzir, difundir ou vender e não dar como provado nem enquadrar juridicamente tal factualidade como sendo o autor o titular do direito patrimoniais sobre as mesmas,

n) Direito patrimonial que o réu/recorrente violou usando ilicitamente tais réplicas.

o) Violou por isso, na nossa humilde perspectiva , o Douto Tribunal “a quo” os artigos 1º,9º,27º,42º e 165º do CDADC e artigos 483º,496º,562º e 563º seguintes do C.Civil, normas estas que deveriam ser aplicadas no sentido de o pedido solicitado ao Douto Tribunal ser procedente.

J (…), notificado das alegações do recorrente, veio apresentar as suas contra-alegações, que pugnaram pela improcedência do recurso interposto, por sua vez concluindo que:

1. O recorrente não é o criador intelectual das fotos;

2. Os eventuais direitos sobre as mesmas fotos pertenceram ou pertencem(?) ao pai do recorrente, e nomeadamente em consequência do trespasse de um estabelecimento, a Foto Q...;

3. Os direitos sobre as fotos são hoje do pai do recorrente ou do estabelecimento adquirido? Ou o recorrente adquiriu tais eventuais direitos? E a ser assim o recorrente adquiriu tais direitos por sucessão? Por compra? Respostas que cabiam ao recorrente dar e às quais não conseguiu fazer qualquer prova.

4. Nestes autos nem sequer sabemos se o pai do recorrente e demais criadores originários estão vivos ou já faleceram

5. Mais, detentor de espólio centenário não significa que seja proprietário. Detentor tem um significado preciso que não se confunde com o de proprietário.

6. Do mesmo modo centenário significa mais de 100 anos.

7. Sendo certo que não foi o recorrente o autor criativo das fotos, para os termos e efeitos do art°. 31º e 33º n°2 do CDADE tinha o recorrente que demonstrar ainda que ainda não decorreram 70 anos após a morte do criador intelectual, facto que, de novo, o recorrente não demonstrou

8. Mais, para os termos e efeitos do n° 2 do artigo 27° do CDADC («presume-se autor aquele cujo nome tiver sido indicado como tal na obra, conforme o uso consagrado, ou anunciado em qualquer forma de utilização ou comunicação ao público») o recorrente nem sequer demonstrou que tenha, por qualquer meio, manifestado ao público paternidade sobre a obra. É uma presunção que cabia ao recorrente afastar; e não o fez!

II. Os Fundamentos:

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:

5.1 — O autor é empresário fotográfico detentor de vasto espólio fotográfico;

5.2 - O réu é empresário, explorando à data dos factos um estabelecimento comercial designado “ R...;

5.3 - O autor é detentor de um espólio fotográfico centenário sobre a cidade de Viseu;

5.4 - Tal espólio é constituído por fotografias;

5.5 - Tal espólio fotográfico pertence ao autor;

5.6 - O réu, sem conhecimento, autorização, ou qualquer relação contratual ou outra, expôs, em datas que em concreto não foi possível apurar, do ano de 2006, no referido estabelecimento R..., réplicas de cerca de 50 fotografias antigas da cidade de Viseu, pertencentes ao autor;

5.7 - Tais fotografias tinham o tamanho aproximado de 50x75;

5.8 - O autor apresentou queixa crime por tais factos, tendo, no correspondente inquérito, sido proferido despacho de suspensão provisória do processo pelo período de seis meses, com a injunção de o réu, então arguido, entregar no prazo de seis meses a quantia de € 500,00 a instituição de solidariedade social do distrito de Viseu;

5.9 - Não foi aplicada qualquer satisfação económica ao autor/ofendido;

5.10 - O réu nunca solicitou qualquer espécie de autorização para utilizar tais réplicas;

5.11 - As fotografias em causa pertencem ao autor, que as pode reproduzir, difundir ou vender;

5.12 - Cada fotografia tem o valor económico de € 90,00, acrescido de IVA;

5.13 - O autor sente-se angustiado com esta situação;

5.14 - O autor não sabe quantas mais réplicas existem;

5.15 - O réu foi interpelado pela exposição de fotos num estabelecimento desta cidade;

5.16 - Tais fotos não estavam assinadas, e que das mesmas não constava qualquer indicação do seu autor e/ou proprietário;

5.17 - Tais fotos são antigas.

Nos termos do art. 684°, n°3, e 690°,n°1, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n°2, do art. 660°, do mesmo Código.

Das conclusões ressaltam as seguintes questões, a apreciar sequencialmente, tendo em conta a numeração que lhes foi atribuída:

1. m) O Tribunal ao dar como provado que o autor/recorrente é a pessoa a quem pertencem as fotografias, que as pode reproduzir, difundir ou vender e não dar como provado nem enquadrar juridicamente tal factualidade como sendo o autor o titular do direito patrimoniais sobre as mesmas, tinha de na sua fundamentação jurídica numa verdadeira decisão judicativa de realização do direito considerar que o autor é o titular dos direitos de propriedade/patrimoniais inerentes aos direitos sobre as obras, independentemente dos direitos morais, pessoais do autor/criador das fotografias, esses inalienáveis e pessoais?

Apreciando, diga-se como referencial pressuponente, que, na circunstância, a funcionar como elemento obsidiante, se provou “que o aqui autor é detentor e dono de um espólio fotográfico centenário sobre a cidade de Viseu, constituído por fotografias antigas”. Todavia, “não se provou quem foi o autor originário de tais fotografias, ou seja, o fotógrafo que originariamente captou as imagens que nelas constam, nem se apurou qualquer facto que possa caracterizar tais fotografias como uma criação artística pessoal, original e única, desse fotógrafo (desconhecido neste processo)”.

Daí que não se possa afirmar que as fotografias em questão no processo sejam merecedoras da referida tutela legal, designadamente da conferida pelo artigo 165°, n° 3, CDADC.

O que responde, desde logo, negativamente à questão em 1.

2. n) Houve direito patrimonial que o réu/recorrente violou usando ilicitamente tais réplicas?

O que antes se apreciou, renova-se, aqui, na sua plena dimensão. Cumpre observar, a este respeito, um específico prisma de análise postulante. Com efeito, uma obra não é tanto a emanação de um sujeito eternamente estável e completo quanto o reconhecimento de um funcionamento social da acção — no caso, a acção que leva a comunicar pela escrita (Cf. Helena Carvalhão Buescu, EM BUSCA DO AUTOR PERDIDO, ob. cit. pp.39) ou, pode acrescentar-se, por outra expressão, como pela fotografia.

É, pois, essa situação comunicacional (ou seja, a compreensão histórica do texto (ou acrescentaremos nós - que, aqui, decidimos -, da fotografia) como fazendo parte de um sistema sócio-cultural de intercâmbio de informações e sentidos) que faz chegar à noção de obra, distinta da noção de texto, ou representação, embora jogando com ela. A passagem a obra postula, deste ponto de vista, o reconhecimento de uma historicidade que é integrada como um dos planos da constituição do sentido. (...). Como se a obra pretendesse dar conta de um patamar de entendimento que, uma vez constituído, não necessita de constantes reiterações para continuar a funcionar (Cf. Helena Carvalhão Buescu, EM BUSCA DO AUTOR PERDIDO, ob. cit. pp.39).

Para lá, obviamente, do próprio título ou representação, visual, que efectua uma metaforização semelhante à realizada por Stendhal, propondo a leitura como viagem e o leitor como viajante a, assim, ser, o próprio autor é, também ele, um ser errante e deambulatório, acompanhando (mais do que prescrevendo) um movimento, um percurso de cada vez actualizado pelo leitor que ocupe a posição do viajante, também observador.

Todos estes aspectos jogam no momento em que nos situamos face a um quadro ou fotografia em particular. No entanto, este quadro ou fotografia, propõe uma outra condição de leitura e percepção pela qual somos levados a visioná-lo de acordo com duas perspectivas diferentes (e a postular uma terceira perspectiva, interna ao mundo representado, que impede os embaixadores de ver aquilo que nós, sob certas condições, podemos percepcionar). Temos, por um lado, a perspectiva frontal, pela qual acedemos à representação figurativa. Parece ter, desta perspectiva frontal, um padrão mais ou menos alusivo, apresentando-se como um «cruzamento» de linhas e zonas de luz e cor que não podemos entretanto, num primeiro momento, reconhecer enquanto representação figurativa.

Mas, por outro lado, se mudarmos a nossa perspectiva situando-nos num lugar preciso, lateral em relação ao quadro ou à fotografia, então poderemos reinterpretar o padrão como uma representação - deformada, dada de forma oblonga e oblíqua, através da anamorfose como naqueles espelhos que, jogando com as formas côncavas e convexas, transformam e deformam a imagem do que reflectem. A captação dessa presença requer, no sentido literal, uma mudança de perspectiva (Cf. Helena Carvalhão Buescu, EM BUSCA DO AUTOR PERDIDO, ob. cit. pp. 40-41).

O autor é fundamentalmente o resultado de uma interacção entre o texto (a obra, de um modo geral) e o leitor, ou seja, o momento em que o texto e o leitor mutuamente se reconhecem como fazendo parte de um acto de comunicação no qual a figura do autor representa, por si só, uma função e uma figuração (Cf. Helena Carvalhão Buescu, EM BUSCA DO AUTOR PERDIDO, ob. cit. pp. 42).

E sem que se possa olvidar que George Steiner, em obra diferenciada, assinala-o por uma outra forma ao dizer que “a «criação» deixa-se, por conseguinte, definir como o que é liberdade consumada, que inclui e exprime na sua incarnação a presença do que está ausente ou do que poderia ser radicalmente outro. A abstracção torna obscuro este postulado. A claridade e o reconhecimento familiar residem na sua aplicação (George Steiner, Gramáticas da Criação, tradução de Miguel Serras Pereira, Antropos, Relógio D’Água, p.149).

Sempre a proceder a uma distinção entre o conceito de criação e o de invenção (ob cit. p. 151) pois que até “as subtracções, as abstenções e os «desbastes» que engendram as formas de efectuação (...) operam no palimpsesto das versões precedentes e alternativas subjacentes ao produto acabado ( cit. p. 152)

Tendo por energia os ideais e a praxis do intercâmbio científico, de um ordenamento enciclopédico relativo à natureza e à manufactura (p239), em termos, exactamente, de “exercício cooperativo da criação” (p.242). Pois que todas as as obras “mantêm diversos modos de relação com as que as precedem. Esta relação pode ir da generalidade difusa a uma atenção intensa e específica. Pode acarretar a imitação, a rejeição, a variação, o disfarce, a paródia, a citação directa ou indirecta. Os modos de alusão, de referência declarada ou encoberta, são propriamente incomensuráveis.

Nenhuma obra, por mais iconoclástica, por mais «original» (mas que significa exactamente o termo «original»?) que seja, chega até nós ou ao mundo sem precedentes (p.282).

Neste sentido, cuja relevância é imensa, há na estética, na poiesis, uma história contínua, uma fenomenoloqia aditiva e cumulativa. Podendo delinear-se um inventário das transformações; a relação da obra nova com o passado substancial e formal, com a tradição. A riqueza do cânone, daquilo que é exemplar, revela-se ao mesmo tempo origem e inibição, seminal e limitativa. Proporciona alfabetos, marcadores de reconhecimento e de imediaticidade, de reevocação e de comparação omnipresentes (George Steiner, Gramáticas da Criação, Tradução de Miguel Serras Pereira, Antropos, Relógio D`Água, p.283; autênticas “narrativas de recordação” p. 288).

O que impõe convocar - também neste condicionalismo - o direito, pois, como um social e funcional instrumento de controlo pragmaticamente orientado (...) a convocação de um “direito responsivo”, de superação dos anteriores modelos de “direito repressivo” e de “direito autónomo”, em que se recuperasse a “soberania da finalidade” com a consideração dos resultados, através da assumida relevância dos factores» (A. Castanheira Neves, O “jurisprudencialismo” - proposta de uma reconstituição crítica do sentido do direito, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 138, p. 249).

Todavia, sem se traduzir na juridicização-assimilação das externalidades sociais ao direito, na juridicização dos fenómenos morais, económicos, políticos, mas sem anular a especificidade desses “discursos” no discurso jurídico, como se pretende incriminatoriamente fazer, incompreendendo a «adjudication as a forum ofideology”.

Trata-se, pois, de um problema prático - «o problema do sentido do encontro do homem com os outros homens e do modo desse encontro também no mundo», sem que se possa pretender converter em «re spondere na culpa, enquanto o “momento subjectivo” de que o pecado é o momento ontológico (P. Ricoeur)» (A. Castanheira Neves, O “jurisprudencialismo” - proposta de uma reconstituição crítica do sentido do direito, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 138, p. 315), sem “polaridade de agónica dialéctica”.

Aqui também como que no próprio Kairos da história, que ai está a convocar o homem autor arguido e em que ele não pode deixar de se comprometer, na dialéctica entre “crise” e “crítica”, assumindo uma exigente e irrenunciável responsabilidade, que na forma expressa será o reconstituinte superador.

Tanto assim que saiu indemonstrado qualquer direito patrimonial que o réu/recorrente haja violado usando tais réplicas de fotos, no condicionalismo que o probatório assinala.

O que impõe responder negativamente à questão configurada em 2.).

3. o) Violou, por isso, o Tribunal “a quo” os artigos 1º, 9º, 27º, 42º, 165º do CDADC e artigos 483º, 496º, 562º, 563º e seguintes do C.Civil, normas estas que deveriam ser aplicadas no sentido de o pedido solicitado ao Tribunal ser procedente?

Diga-se, sobre este particular - com LUIZ FRANCISCO REBELLO -, para um, em absoluto adequado reposicionamento da questão sub judice, que, de acordo com o disposto no art. 1º do CDADC (Da Obra Protegida - Definição), para que uma obra literária, artística ou científica possa usufruir da protecção legal, basta que haja sido exteriorizada sob qualquer forma apreensível pelos sentidos. A comunicação a terceiros, quer por via directa (representação), quer indirecta (reprodução), assim como a sua efectiva utilização ou exploração por qualquer meio, não constituem condição de que a protecção dependa. São também irrelevantes, como se declara no artigo seguinte, o mérito e o objectivo da obra, assim como o seu registo, consoante referem os artigos 12.° e 213.°.

 O Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 14 de Dezembro de 1995 (Boletim M. J., n.° 452, 1996, pp. 451-459), sintetiza este princípio dizendo (à semelhança do que enunciam as recentes leis francesa e espanhola, de 1985 e 1987 respectivamente, logo no seu artigo 1.º) que «o facto constitutivo do direito de autor é sempre, e só, a criação da obra». Nisto reside a distinção essencial entre o sistema dito «continental» do direito de autor (em que a legislação portuguesa se inscreve) e o sistema anglo-saxónico do copyright, baseado na protecção dos exemplares mediante os quais a obra é reproduzida (LUIZ FRANCISCO REBELLO -CÓDIGO DO DIREITO DE AUTOR E DOS DIREITOS CONEXOS ANOTADO, seguido de Legislação Complementar, Convenções Internacionais e Directivas Comunitárias, 3ª edição revista e actualizada, 2002, pp. 31-32).

Indiscutivelmente (a pretexto do consagrado no art. 9º CDADC - conteúdo do direito de autor), o direito de autor é, essencialmente, um direito de face dupla (J. Kohler), a «patrimonialização de um direito da pessoa», como o definiu o civilista francês René Savatier e como também resulta deste artigo 9.°, que engloba no seu conteúdo «direitos de carácter patrimonial e direitos de natureza pessoal, denominados direitos morais». A summa divisio entre uns e outros reside na inalienabilidade, irrenunciabilidade e imprescritibilidade dos direitos morais, enquanto os direitos patrimoniais são susceptíveis de alienação e renúncia e se extinguem (caducam) com o decurso do tempo (LUIZ FRANCISCO REBELLO, ob. cit. p.50).

Quanto ao art. 27.° (paternidade da obra), no seu alcance específico ao consagrar:

1. Salvo disposição em contrário, autor é o criador intelectual da obra.

2. Presume-se autor aquele cujo nome tiver sido indicado como tal na obra, conforme o uso consagrado, ou anunciado em qualquer forma de utilização ou comunicação ao público.

3. Salvo disposição em contrário, a referência ao autor abrange o sucessor e o transmissário dos respectivos direitos;

impõe o cotejo com o  artigo 11º («o direito de autor pertence ao criador intelectual da obra, salvo disposição expressa em contrário»). Todavia o campo de aplicação destes dois artigos é distinto: aqui define-se a qualidade de autor, enquanto o artigo 11.º trata da titularidade ou atribuição do direito de autor, que pode ser conferida a uma entidade diversa do próprio criador.

O direito de reivindicar a paternidade da obra é, nestes termos, um dos direitos morais reconhecidos nos artigos 9.°-3 e 56.°-1.

Sendo que a presunção segundo a qual auctor est quem opus demonstrat acha-se consagrada, em termos semelhantes, no artigo 15.°-1) da Convenção de Berna («para que os autores das obras literárias e artísticas protegidas pela presente Convenção sejam, salvo prova em contrário, considerados como tais.., é suficiente que o nome seja indicado na obra da forma habitual»). Trata-se de uma presunção tantum iuris, como tal elidível por prova em contrário (LUIZ FRANCISCO REBELLO, ob. cit. p.70).

Não podem, assim, ser objecto de transmissão nem oneração, voluntárias ou forçadas, os poderes conferidos para tutela dos direitos morais, nem quaisquer outros excluídos por lei.

Corresponde, em parte, ao artigo 39.° do Código anterior. A redacção da epígrafe e do artigo é a que lhes foi dada pela Lei n.° 45/85.

Como quer que seja, os poderes que não podem ser transmitidos nem onerados são, fundamentalmente, os que integram o conteúdo pessoal do direito de autor (ditos «direitos morais»), que a lei declara «inalienáveis» (artigo 56.°-2), bem como aqueles que a lei pontualmente declare indisponíveis.

Por sua vez, do art. 42.° (limites de transmissão e da oneração), decorre que não podem ser objecto de transmissão nem oneração, voluntárias ou forçadas, os poderes conferidos para tutela dos direitos morais, nem quaisquer outros excluídos por lei. Precisando-se que os poderes que não podem ser transmitidos nem onerados são, fundamentalmente, os que integram o conteúdo pessoal do direito de autor (ditos «direitos morais»), que a lei declara «inalienáveis» (artigo 56.°-2), bem como aqueles que a lei pontualmente declare indisponíveis (ibidem, p.86).

Já o art. 165º, por sua vez, consagra, apoditicamente, em termos projectivos, que:

1 — O autor da obra fotográfica tem o direito exclusivo de a reproduzir, difundir e pôr à venda com as restrições referentes à exposição, reprodução e venda de retratos e sem prejuízo dos direitos de autor sobre a obra reproduzida, no que respeita às fotografias de obras de artes plásticas.

2 — Se a fotografia for efectuada em execução de um contrato de trabalho ou por encomenda, presume-se que o direito previsto neste artigo pertence à entidade patronal ou à pessoa que fez a encomenda.

3 — Aquele que utilizar para fins comerciais a reprodução fotográfica deve pagar ao autor uma remuneração equitativa.

Conjugando-se com o art. 159º do mesmo diploma (forma e conteúdo do contrato de reprodução), a dispor que

 a reprodução das criações de artes plásticas, gráficas e aplicadas, design, projectos de arquitectura e planos de urbanização só pode ser feita pelo autor ou por outrem com a sua autorização.

Empreendido este excurso pelos normativos invocados, cumpre promover a sua hierarquia superlativa abrangente, que sairá precípua do alcance do referido art. 165ª, uma vez que a reprodução da fotografia de uma obra de artes plásticas ou figurativas (pintura, desenho, escultura, etc.) depende uma dupla autorização: do fotógrafo e do autor da obra fotografada. É, de certo modo, uma aplicação do princípio consignado no artigo 3.°-2 quanto aos direitos dos autores das obras preexistentes em relação às obras derivadas.

Em todo o caso, não pode olvidar-se que o art. 164º CDADC (condições de protecção) enuncia, igualmente, que:

1 — Para que a fotografia seja protegida é necessário que pela escolha do seu objecto ou pelas condições da sua execução possa considerar-se como criação artística pessoal do seu autor.

2 — Não se aplica o disposto nesta secção às fotografias de escritos, de documentos, de papéis de negócios, de desenhos técnicos e de coisas semelhantes.

3 — Consideram-se fotografias os fotogramas das películas cine matográficas.

O que volta a impor apreciar, com Francisco Luís Rebelo (ob. cit., pp.220-221) que, aparentemente, a exigência de que uma obra fotográfica, para ser protegida, deva considerar-se uma «criação artística pessoal do seu autor» parece colidir com o princípio, expresso no n.° 1 do artigo 2.°, de que o mérito não é factor condicionante da protecção legal das obras intelectuais. Não é todavia o mérito ou o valor artístico da fotografia que o artigo 164.° postula, mas sim a natureza artística da respectiva criação, pretendendo-se assim excluir da protecção legal as fotografias que são a mera consequência de uma operação puramente mecânica e automática.

Todavia, o acórdão da Relação do Porto de 20 de Outubro de 1992, citado em nota ao artigo 2.°, entendeu - noutra postulação - que «é imprescindível um juízo de valor para se poder detectar a criatividade» que permite outorgar protecção legal a uma obra fotográfica.

A distinção entre fotografias «artísticas» e fotografias vulgares ou banais terá de ser estabelecida casuisticamente, com base em critérios que a lei, a doutrina e a jurisprudência têm procurado fixar.

Assim, o Decreto n.° 13 725, no seu artigo 92.°, só considerava «propriedade do artista fotográfico» os «produtos da arte fotográfica quando tivessem por objecto monumentos, paisagens, coisas públicas ou pertencentes a particulares que permitiam a sua reprodução e esta [fosse] um trabalho inédito de disposição, técnica e luz»; e o Código anterior, que o actual seguiu, aludia à «escolha do objecto» e às «condições da sua execução» como elementos caracterizadores da natureza artística da obra fotográfica.

Existe em França uma vasta jurisprudência sobre esta matéria, que pode auxiliar o intérprete chamado a aplicar a lei; de um modo geral, as decisões mais significativas colocam o acento tónico na necessidade de a obra fotográfica «reflectir a personalidade do seu autor» e «revelar o esforço e o trabalho pessoais deste» (Tribunal de Apelação de Paris, 20 de Janeiro de 1961) ou «apresentar a marca intelectual do seu autor, traço indispensável para conferir à obra o carácter de individualidade que caracteriza a criação» (Tribunal de Apelação de Chambéry, 18 de Maio de 1961).

Em todo o caso, o critério positivo conducente à qualificação de uma fotografia como obra incluída na protecção do direito de autor, que se contém no n.° 1 deste artigo (a escolha do objecto e as condições da execução), é aqui completado com um critério negativo: não se consideram abrangidas naquela protecção as fotografias mencionadas, a título de exemplo (como se depreende da expressão «coisas semelhantes»), no n.° 2.

Nestes termos - como vem observado -, de novo sem poder arredar de que, no caso em apreço, se provou que o aqui autor é detentor e dono de um espólio fotográfico centenário sobre a cidade de Viseu, constituído por fotografias antigas, mas sem que se haja provado quem foi o autor originário de tais fotografias, ou seja, o fotógrafo que originariamente captou as imagens que nelas constam, nem se apurou qualquer facto que possa caracterizar tais fotografias como uma criação artística pessoal, original e única, desse fotógrafo (desconhecido neste processo), tal implica que se não possa afirmar que as fotografias em questão no processo sejam merecedoras da referida tutela legal, designadamente da conferida pelo artigo 165°, n° 3, CDADC.

Consequentemente, não pode deixar de se sufragar - perante a factualidade consagrada em probatório, que

“(…) como se postula no artigo 27°, n° 1, CDADC, e salvo disposição em contrário, “autor é o criador intelectual da obra “, identificando-se, no caso de obra fotográfica, com o fotógrafo que oríginariamente captou a imagem.

Presumindo-se autor “aquele cujo nome tiver sido indicado como tal na obra, conforme o uso consagrado, ou anunciado em qualquer forma de utilização ou comunicação ao público”, é certo que a referência ao autor abrange o sucessor e o transmissário dos respectivos direitos — artigo 27°, no 2 e 3, CDADC.

Na verdade, considerando o preceituado na derradeira norma legal citada, e ainda no artigo 40º, CDADC, o direito de autor pode radicar-se no autor (in casu fotógrafo) originário da obra, bem como nos seus sucessores ou transmissários.

Daí que, para ter direito à referida remuneração equitativa concedida pelo artigo 165°, n° 3, CDADC, o aqui autor (em sentido processual) tenha de demonstrar que é (ele próprio) o fotógrafo que originariamente tirou as fotografias em causa (autor originário), ou então seu sucessor ou transmissário, ou seja, que as fotografias foram-lhe transmitidas mortis causa ou por negócio inter vivos.

Além disso, tem ainda o aqui autor o ónus de demonstrar que as fotografias em questão, “pela escolha do seu objecto ou pelas condições da sua execução “, possam considerar-se como “criação artística pessoal do seu autor “, pois só nessa hipótese merecerão a mesma protecção legal — cfr. artigo 164°, n° 1, CDADC”.

Nem pode ter-se por despiciendo, neste contesto, como é, também, invocado, que, para os próprios “termos e efeitos do n° 2 do artigo 27° do CDADC (autor aquele cujo nome tiver sido indicado como tal na obra, conforme o uso consagrado, ou anunciado em qualquer forma de utilização ou comunicação ao público») o recorrente nem sequer demonstrou que tenha, por qualquer meio, manifestado ao público paternidade sobre a obra. É uma presunção que cabia ao recorrente afastar; e não o fez!”

Sendo que o ónus consiste - na referência do art. 342°,1, do CCivil - na necessidade de observância de determinado comportamento, não para satisfação do interesse de outrem, mas como pressuposto da obtenção de uma vantagem para o próprio, a qual pode inclusivamente cifrar-se em evitar a perda de um beneficio antes adquirido (A. Varela, Obrigações, 35): traduz se, para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como liquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova: ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências se os autos não contiverem prova bastante desse facto (trazida ou não pela mesma parte) (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1956, pág. 184).

O ónus da prova traduz-se, pois, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta (Ac. RC, 17-11-1987: CJ 1987, 50-80).

Assim, pois que todos os elementos considerados deficitários, alegadamente inconsiderados, pelo recorrente, foram levados em devida conta, na decisão proferida.

Exactamente porque constituem pressupostos da responsabilidade civil, nos termos dos arts. 483.º e 487.º. nº2, do Cód. Civil, a prática de um acto ilícito, a existência de um nexo de causalidade entre este e determinado dano e a imputação do acto ao agente em termos de culpa, apreciada como regra em abstracto, segundo a diligência de um «bom pai de família». A causa juridicamente relevante de um dano é - de acordo com a doutrina da causalidade adequada adoptada pelo art. 563.º do Cód. Civil - aquela que. em abstracto, se revele adequada ou apropriada à produção desse dano, segundo regras da experiência comum ou conhecidas do lesante (Ac. STJ. 10-3-1998: BMJ, 475-635). Aqui não configuráveis.

Por sua vez, de acordo com o disposto no art. 496º Código Civil, para que os danos não patrimoniais justifiquem uma indemnização, é necessário que mereçam, pela sua gravidade, tutela do direito, cabendo ao tribunal, em cada caso, dizer se o dano é ou não merecedor da tutela jurídica (Ac. STJ. 25-1 1-1988: ADSTA ,326.°-264). O que, aqui, se enunciou pela negativa.

A pretexto do art. 572º CC, o montante da indemnização por danos patrimoniais deve medir-se pela diferença entre a situação real em que o lesado se encontra e a situação hipotética em que ele se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano (Ac. RL, 21-2-1985: CJ, 1985, 1.°-69). O que, aqui, nos termos consagrados em probatório, não saiu consagrado.

Sendo que, a pretexto do art. 563.° (nexo de causalidade) - a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Em todo o caso, é preciso estabelecer uma ligação positiva entre a lesão e o dano, através da previsibilidade deste em face daquela (Correia de Jesus, ROA, 1969, pág. 64). O que, também, no caso em análise, não logrou comprovação.

O que, do mesmo modo, impõe responder negativamente à questão com o nº3.

Podendo, assim, concluir-se, sumariando, que:

1.

Para efeitos também do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos, uma obra não é tanto a emanação de um sujeito eternamente estável e completo, quanto o reconhecimento de um funcionamento social da acção - no caso, a acção que leva a comunicar pela escrita ou, pode acrescentar-se, por outra expressão, tal como pela fotografia.

2.

 É, pois, essa situação comunicacional (ou seja, a compreensão histórica do texto (ou acrescentaremos nós - que, aqui, decidimos -, da fotografia) como fazendo parte de um sistema sócio-cultural de intercâmbio de informações e sentidos) que faz chegar à noção de obra, distinta da noção de texto, ou representação, embora jogando com ela. A passagem a obra postula, deste ponto de vista, o reconhecimento de uma historicidade que é integrada como um dos planos da constituição do sentido. Como se a obra pretendesse dar conta de um patamar de entendimento que, uma vez constituído, não necessita de constantes reiterações para continuar a funcionar.

3.

 Todos estes aspectos jogam no momento em que nos situamos face a um quadro ou fotografia em particular. No entanto, este quadro ou fotografia, propõe uma outra condição de leitura e percepção pela qual somos levados a visioná-lo de acordo com duas perspectivas diferentes (e a postular uma terceira perspectiva, interna ao mundo representado, que impede os embaixadores de ver aquilo que nós, sob certas condições, podemos percepcionar). Temos, por um lado, a perspectiva frontal, pela qual acedemos à representação figurativa. Parece ter, desta perspectiva frontal, um padrão mais ou menos alusivo, apresentando-se como um «cruzamento» de linhas e zonas de luz e cor que não podemos entretanto, num primeiro momento, reconhecer enquanto representação figurativa.

4.

 A «criação» deixa-se, por conseguinte, definir como o que é liberdade consumada, que inclui e exprime na sua incarnação a presença do que está ausente ou do que poderia ser radicalmente outro. A abstracção torna obscuro este postulado. A claridade e o reconhecimento familiar residem na sua aplicação.

5.

 Nenhuma obra, por mais iconoclástica, por mais «original» (mas que significa exactamente o termo «original»?) que seja, chega até nós ou ao mundo sem precedentes.

6.

 O que impõe convocar - também neste condicionalismo - o direito, pois, como um social e funcional instrumento de controlo pragmaticamente orientado (...) a convocação de um “direito responsivo”, de superação dos anteriores modelos de “direito repressivo” e de “direito autónomo”, em que se recuperasse a “soberania da finalidade” com a consideração dos resultados, através da assumida relevância dos factores».

7.

Tanto assim que saiu indemonstrado qualquer direito patrimonial que o réu haja violado usando tais réplicas de fotos, no condicionalismo que o probatório assinala.

8. A sua hierarquia superlativa abrangente, que sairá precípua do alcance do referido art. 165ª, uma vez que a reprodução da fotografia de uma obra de artes plásticas ou figurativas (pintura, desenho, escultura, etc.) depende uma dupla autorização: do fotógrafo e do autor da obra fotografada.

9.

 Não é todavia o mérito ou o valor artístico da fotografia que o artigo 164.° postula, mas sim a natureza artística da respectiva criação, pretendendo-se assim excluir da protecção legal as fotografias que são a mera consequência de uma operação puramente mecânica e automática.

10.

 Em todo o caso, o critério positivo conducente à qualificação de uma fotografia como obra incluída na protecção do direito de autor, que se contém no n.° 1 deste artigo (a escolha do objecto e as condições da execução), é aqui completado com um critério negativo: não se consideram abrangidas naquela protecção as fotografias mencionadas, a título de exemplo (como se depreende da expressão «coisas semelhantes»), no n.° 2.

11.

Nestes termos,  de novo sem poder arredar de que, no caso em apreço, se provou que o aqui autor é detentor e dono de um espólio fotográfico centenário sobre a cidade de Viseu, constituído por fotografias antigas, mas sem que se haja provado quem foi o autor originário de tais fotografias, ou seja, o fotógrafo que originariamente captou as imagens que nelas constam, nem se apurou qualquer facto que possa caracterizar tais fotografias como uma criação artística pessoal, original e única, desse fotógrafo (desconhecido neste processo), tal implica que se não possa afirmar que as fotografias em questão no processo sejam merecedoras da referida tutela legal, designadamente da conferida pelo artigo 165°, n° 3, CDADC.

12.

Daí que, para ter direito à referida remuneração equitativa concedida pelo artigo 165°, n° 3, CDADC, o aqui autor (em sentido processual) tenha de demonstrar que é (ele próprio) o fotógrafo que originariamente tirou as fotografias em causa (autor originário), ou então seu sucessor ou transmissário, ou seja, que as fotografias lhes foram transmitidas mortis causa ou por negócio inter vivos.

13

.Além disso, tem ainda o aqui autor o ónus de demonstrar que as fotografias em questão, “pela escolha do seu objecto ou pelas condições da sua execução “, possam considerar-se como “criação artística pessoal do seu autor “, pois só nessa hipótese merecerão a mesma protecção legal — cfr. artigo 164°, n° 1, CDADC”.

14.

Nem pode ter-se por despiciendo, neste contesto, como é, também, invocado, que, para os próprios “termos e efeitos do n° 2 do artigo 27° do CDADC (autor aquele cujo nome tiver sido indicado como tal na obra, conforme o uso consagrado, ou anunciado em qualquer forma de utilização ou comunicação ao público») o recorrente nem sequer demonstrou que tenha, por qualquer meio, manifestado ao público paternidade sobre a obra. É uma presunção que cabia ao recorrente afastar; e não o fez!”

15.

 Exactamente porque constituem pressupostos da responsabilidade civil, nos termos dos arts. 483.º e 487.º. nº2, do Cód. Civil, a prática de um acto ilícito, a existência de um nexo de causalidade entre este e determinado dano e a imputação do acto ao agente em termos de culpa, apreciada como regra em abstracto, segundo a diligência de um «bom pai de família». A causa juridicamente relevante de um dano é - de acordo com a doutrina da causalidade adequada adoptada pelo art. 563.º do Cód. Civil - aquela que. em abstracto, se revele adequada ou apropriada à produção desse dano, segundo regras da experiência comum ou conhecidas do lesante. Aqui não configuráveis.

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.Por sua vez, de acordo com o disposto no art. 496º Código Civil, para que os danos não patrimoniais justifiquem uma indemnização, é necessário que mereçam, pela sua gravidade, tutela do direito, cabendo ao tribunal, em cada caso, dizer se o dano é ou não merecedor da tutela jurídica. O que, aqui, se enunciou pela negativa.

17.

A pretexto do art. 572º CC, o montante da indemnização por danos patrimoniais deve medir-se pela diferença entre a situação real em que o lesado se encontra e a situação hipotética em que ele se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano. O que, aqui, nos termos consagrados em probatório, não saiu consagrado.

18.

Sendo que, a pretexto do art. 563.° (nexo de causalidade) - a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Em todo o caso, é preciso estabelecer uma ligação positiva entre a lesão e o dano, através da previsibilidade deste em face daquela. O que, também, no caso em análise, não logrou comprovação.

III. A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

António Carvalho Martins ( Relator )

Carlos Moreira

Moreira do Carmo