Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
262/20.7PBLMG-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CÂNDIDA MARTINHO
Descritores: PEDIDO CÍVEL
TEMPESTIVIDADE
REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO
Data do Acordão: 04/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE LAMEGO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 77º, N.º 1, 287º, Nº1, AL. B) DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: A “acusação alternativa” em que se deve configurar o requerimento de abertura da instrução apresentado pelo assistente nos termos do artigo 287º, nº1, al. b), não constitui uma acusação em sentido processual-formal, não correspondendo àquela a que se reporta o artigo 77º, nº 1, do Código de Processo Penal para efeitos do prazo para dedução do pedido de indemnização cível.
Decisão Texto Integral: Relatora: Cândida Martinho
Adjuntas: João Abrunhosa
Helena Lamas


*

Acordam, em Conferência, os Juízes da 4ªSecção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra.

I.Relatório

1.

Nestes autos de processo comum singular com o número 262/20...., do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu - Juízo Local Criminal ... - por despacho proferido em 21/1/2023, foi decidido indeferir por intempestivo o pedido de indemnização civil deduzido pela assistente em 18/10/2023.

Tal despacho é do seguinte teor:

“Por intempestivo não se admite o Pedido de Indemnização Cível deduzido pela assistente em 18-10-2023.

Com efeito e como se decidiu no aresto do Tribunal da Relação de Coimbra de 26-04-2017 (Relatora Maria José Nogueira, Processo n.º 44/10.4TASBG-A.C2, disponível em www.dgsi.pt.) que, doravante, seguiremos de perto, é pacífica, na doutrina e jurisprudência, o entendimento que qualifica o requerimento da abertura da instrução apresentado pelo assistente na sequência do despacho de arquivamento do Ministério Público - no campo dos crimes públicos e semipúblicos - como uma verdadeira acusação alternativa, “na qual – desde logo por via do princípio do acusatório e da vinculação temática - tem de constar os elementos descritos nas alíneas b) e c) do n.º 3 artigo 283.º do CPP a saber: A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada; A aplicação das disposições legais aplicáveis [cf. o artigo 287.º, n.º 2 in fine do CPP], sob pena de, assim não sendo, para além de nulo, constituir motivo de rejeição, por inadmissibilidade legal, da «acusação»”. (…) A configuração de acusação alternativa, de acusação em sentido material, ou seja que não sendo uma acusação em sentido processual-formal, deve constituir processualmente uma verdadeira acusação em sentido material, que delimite o objeto do processo, da acusação que o assistente entende que deveria ter sido produzida, é uma constante na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, objeto de afirmação em vários arestos, como, a título exemplificativo, sucede ainda nos acórdãos de 16.06.2008 (proc. n.º 2050/06 -3.ª), de 25.10.2006 (proc. n.º 3526/06.3.ª)”.

Ora, prevê-se no art. 77.º, n.º 1 do Código de Processo Penal que quando apresentado pelo Ministério Público ou pelo assistente, o pedido é deduzido na acusação ou, em requerimento articulado, no prazo em que esta deve ser formulada.

Destarte julgamos, na esteira do sobredito aresto, que se deve aplicar por analogia o n.º 1 do artigo 77.º do Código de Processo Penal “porquanto dada a natureza de acusação alternativa que reveste o requerimento em questão procedem as razões justificativas daquela disciplina, assim se garantindo a harmonia do sistema”. Donde, “em função da natureza de verdadeira acusação em sentido material que reveste o requerimento de abertura da instrução apresentado, na sequência do despacho de arquivamento [no caso de crimes públicos e/ou semipúblicos], pelo assistente perfilhamos o entendimento de que a lacuna assinalada há-de ser integrada pela aplicação analógica do n.º 1 do artigo 77.º do C. Penal, conduzindo à necessidade do pedido ser deduzido no prazo em que aquele deve ser formulado, o que não havendo sucedido conduz à respetiva extemporaneidade”   .

No caso em apreço, o Pedido de Indemnização Cível não foi apresentado no prazo fixado para a entrega do requerimento de abertura de instrução plasmado no art. 287.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, mas só após a prolação do despacho de pronúncia, donde se conclui pela sua manifesta extemporaneidade.

Naturalmente sem embargo da hipótese de arbitramento da reparação oficiosa prevista no art. 82.º A, n.º 1 e n.º 2 do Código de Processo Penal e no art. 21.º, n.º 2 da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro.

Anote nos lugares próprios

            (…)”.

            2.

            Não se conformando com o decidido, veio a assistente interpor o presente recurso, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

           

I.A douta decisão recorrida, referente à não admissão do PIC deduzido pela Assistente, aqui Recorrente, proferida por despacho de 21-11-2023, não pode manter-se, pois é atentatória dos elementares princípios de justiça e legalidade.

II. A decisão processual que o Meritíssimo Juiz proferiu no presente processo consubstancia uma decisão injusta, errada e ILEGAL.

III.O presente recurso tem assim por base, a reformulação da decisão, que considerou o PIC deduzido pela Assistente intempestivo.

IV. Não se compreende a interpretação efectuada pelo Mmo. Juiz de Direito.

V. A jurisprudência invocada no douto despacho não permite extrair a conclusão aplicada na decisão recorrida.

VI. Pois, o Requerimento de Abertura de Instrução (doravante RAI) deve ser considerado uma verdadeira acusação, mas só após ser proferido o competente DESPACHO DE PRONÚNCIA.

VII. Esse entendimento em nada conflitua com o art.º 77.º, n.º 1 do CPP, bem pelo contrário.

VIII. O despacho de pronúncia é que limita os factos sobre os quais o Arguido deverá ser julgado.

IX. O Arguido pode ser pronunciado sobre todos, ou apenas alguns os factos constantes do RAI!

X. A instrução – que não foi no caso do presente processo – pode ser requerida pelo Arguido.

XI. A instância (processo), aquando da abertura de instrução, ainda não está estabilizada, por forma a poder-se deduzir o competente PIC.

XII. Que se distingue de uma acusação de natureza particular, pois aí cabe à Assistente delimitar os competentes factos.

XIII. Nesse caso, aos factos que poderão seguir para julgamento estão estabilizados!

XIV. Aqui estamos perante um crime de natureza pública!

XV. A única reacção ao arquivamento era requerer a abertura de instrução.

XVI. É a decisão instrutória, que delimita a factualidade constante do RAI, podendo restringi-la.

XVII. Tal interpretação da lei – ab-rogante – atribuiria à Assistente um verdadeiro poder acusatório, que a mesma não detém neste tipo de crimes.

XVIII. A Assistente acabaria por apresentar uma peça processual (PIC), que poderia ser inócua, dado inexistir ainda uma verdadeira acusação, sem o proferimento do despacho de pronúncia.

XIX. Sendo isso até injusto e contraditório, quando a indemnização pode ser arbitrada neste crime, independentemente do pedido.

XX. A interpretação do Mmo. Juiz viola os dispositivos legais aplicáveis, cuja letra da lei é clara e cristalina.

XXI. O art.º 77.º, n.º 1 do CPP é claro e cristalino, ao definir que o Assistente deve deduzir o PIC na acusação (leia-se crimes particulares), ou no prazo que esta deva ser formulada.

XXII. A dita acusação pelo Assistente, como consta do art.º 284.º, n.º 1 do CPP, é feita no prazo de 10 dias após a notificação da acusação pública.

XXIII. Neste caso a acusação encontra-se perfeita com a notificação do despacho de pronúncia.

XXIV. Numa decisão instrutória, o prazo é por força do art.º 77.º, n.º 1 do CPP, de 10 dias, pois os demais números do artigo apenas se aplicam aos Lesados.

XXV. O próprio art.º 307.º, n,º 5 do CPP exclui os Assistentes, quanto à aplicabilidade do prazo de 20.

XXVI. A Assistente disponha assim de um prazo de 10 dias para apresentar o PIC, após a notificação da decisão instrutória.

XXVII. A Assistente e o seu mandatário foram notificados da decisão instrutória (pronúncia), por notificações datadas de 06/10/2023, considerando-se a primeira notificada a 12/10/2023 (5.º dia após a remessa) e o segundo no dia 9/10/2023 (3.º dia útil após a remessa).

XXVIII. Nos termos do art.º 113.º, n.º 10 do CPP, o prazo para a prática do acto conta-se a partir da última notificação, neste caso da Assistente.

XXIX. A Assistente tinha até 23/10/2023 ou até 26/10/2023 – caso pretendesse utilizar a faculdade prevista no art.º 139.º, n.º 5 do CPP ex vi 107.º, n.º 5 do CPP – para deduzir o pedido de indemnização civil baseado nos factos constantes da decisão instrutória.

XXX. Tendo-o feito no dia 18/10/2023, fê-lo tempestivamente, ou seja, dentro dos 10 dias subsequentes à notificação da decisão instrutória.

XXXI. Quanto ao Acórdão do Proc.º 307/21.3GALD.P1, não concordámos com a interpretação do Mmo. Juiz.

XXXII. No mesmo pugnou-se pela admissibilidade do PIC, após a pronúncia, quanto tinha já sido deduzida acusação pública – Requerimento de Abertura de Instrução apresentado pelo Arguido.

XXXIII. Por maioria de razão, se é permitida a dedução do PIC – independentemente do prazo de 10 ou 20 dias - após o despacho de pronúncia, também o será quando INIEXISTE ACUSAÇÃO (pública).

XXXIV. A situação do acórdão é igual à do presente processo, ou seja, estamos perante a integração de uma lacuna, porquanto a situação não foi prevista pelo legislador, devendo ser resolvida de acordo com os princípios do processo penal e a coerência do sistema, à luz do disposto no artigo 4.º do mesmo Código.

XXXV. Pelo que, sempre deveria a mesma ser preenchida nos termos expostos supra, através da concessão do prazo de 10 dias após a notificação do despacho de pronúncia (que consolida a acusação), nos termos do art.º 77.º, n.º 1 do CPP.

XXXVI. Assim sendo, a decisão é manifestamente ilegal por violação dos dispositivos legais acima identificados, mormente do art.º 77.º, n.º 1 do CPP.

TERMOS EM QUE O PRESENTE RECURSO DEVE MERECER PROVIMENTO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA, SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE ADMITA O PIC, PORQUANTO O MESMO É TEMPESTIVO.

Assim se fará, inteira, J U S T I Ç A!

(…)”.

           

3.

Na primeira instância a Exma Procuradora da República veio responder ao recurso, concluindo pela sua procedência.

Extraiu da sua motivação as seguintes conclusões:

“I)Nos termos do art. 308º n.º 1 do C.P.P. “Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia.”

II) Assim é o despacho de pronuncia que fixa o objecto do processo.

III)O pedido de indemnização civil deve ser considerado tempestivo por o ter sido efectuado, no prazo legal, após notificação do despacho de pronúncia.

Assim, e pelo exposto deverá a decisão ser revogada e admitido o pedido de indemnização civil apresentado por tempestivo.

(…)”.

4.

Neste Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, aderindo à argumentação expendida pela assistente/recorrente e secundada pelo Ministério Público na primeira instância.

5.

Cumprido o artigo 417º, nº2, do CPP, não foi apresentada qualquer resposta.

     

6.

Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art.419º, nº3, al.b), do diploma citado.

II. Fundamentação


A) Delimitação do Objeto do Recurso

Constituindo jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso afere-se nos termos do artigo 412º, nº1, do C.P.P, pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, onde deverá sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido, sem prejuízo das matérias do conhecimento oficioso, no caso vertente, atentas as conclusões apresentadas pela assistente/recorrente, a questão a decidir passa apenas por saber se o pedido de indemnização civil deduzido pela assistente foi ou não extemporâneo.

Vejamos então.

Para o efeito, importa ter presentes os seguintes elementos:

- No âmbito dos presentes autos que tiveram origem numa queixa apresentada pela assistente AA contra o ora arguido BB, seu ex-companheiro, por factos suscetíveis de integrarem a prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º,nº1,al.b), do Código Penal, veio o Ministério Público, em 30/5/2023,  a proferir despacho de arquivamento, por não se mostrar suficientemente indiciada a prática do referido crime, determinando o consequente arquivamento dos autos ao abrigo do disposto no artigo 277º,nº2, do Código de Processo Penal.

- Inconformada com o despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, veio a assistente requerer a abertura da instrução, pugnando pela pronúncia do arguido como autor do referido crime de violência doméstica.

- Finda a instrução, veio o arguido em 4/10/2023 a ser pronunciado pela prática do crime de violência doméstica.

  - Notificada a assistente por carta remetida em 4/10/2023 (via postal simples com prova de depósito), veio a mesma, em 18/10/2023, deduzir pedido de indemnização civil contra o arguido.

Considerou-se intempestiva a apresentação do pedido de indemnização civil, porquanto, de acordo com o entendimento perfilhado no despacho recorrido, tal pedido devia ter sido deduzido no mesmo prazo para a apresentação do requerimento de abertura de instrução, e não após a prolação do despacho de pronúncia.

Defendeu-se, para o efeito, no despacho recorrido, que constituindo o requerimento para a abertura da instrução apresentado pelo assistente, na sequência do despacho de arquivamento do Ministério Público - no campo dos crimes público e semipúblicos – uma verdadeira acusação alternativa, no qual têm de constar os elementos descritos nas alíneas b) e c), do nº3 do artigo 283º do CPP, aplicando, por analogia, o artigo 77º, nº1 do CPP, tal pedido de indemnização devia ter sido apresentado pela assistente no mesmo prazo de que esta dispunha para requerer a abertura da instrução, o que não tendo ocorrido conduz à sua respetiva extemporaneidade.

Como se aduziu em tal despacho:

“(…) dada a natureza de acusação alternativa que reveste o requerimento em questão procedem as razões justificativas daquela disciplina, assim se garantindo a harmonia do sistema”. Donde, “em função da natureza de verdadeira acusação em sentido material que reveste o requerimento de abertura da instrução apresentado, na sequência do despacho de arquivamento [no caso de crimes públicos e/ou semipúblicos], pelo assistente perfilhamos o entendimento de que a lacuna assinalada há-de ser integrada pela aplicação analógica do n.º 1 do artigo 77.º do C. Penal, conduzindo à necessidade do pedido ser deduzido no prazo em que aquele deve ser formulado, o que não havendo sucedido conduz à respetiva extemporaneidade”   .

No caso em apreço, o Pedido de Indemnização Cível não foi apresentado no prazo fixado para a entrega do requerimento de abertura de instrução plasmado no art. 287.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, mas só após a prolação do despacho de pronúncia, donde se conclui pela sua manifesta extemporaneidade.

(…)”.

Salvo o devido respeito, não nos revemos no entendimento defendido pelo Tribunal recorrido.

Concordando-se, na íntegra, com o entendimento perfilhado no acórdão trazido á liça no despacho recorrido, o qual, aliás, corresponde ao defendido pela maioria da jurisprudência, no sentido de o requerimento de abertura de instrução por parte do assistente ter de corresponder a uma verdadeira acusação, no que tange à imputação dos factos, delimitando-se o objeto do processo, cremos, porém, que o mesmo não permite extrair a ilação que dele retirou o despacho recorrido, no que tange ao momento processual em que deve ser deduzido o pedido de indemnização nos casos em que o assistente requer a abertura da instrução.

A “acusação alternativa” em que se deve configurar o requerimento de abertura da instrução apresentado pelo assistente nos termos do artigo 287º,nº1,al.b), não constitui uma acusação em sentido processual-formal e, como tal, salvo o devido respeito, não faz qualquer sentido fazê-la corresponder àquela a que se reporta o disposto no artigo 77º,nº1, do Código de Processo Penal.

A assim entender-se estar-se-ia a praticar um ato inútil, pois que inexistindo decisão instrutória eram ainda desconhecidos quais os factos suficientemente indiciados (os quais poderiam nem vir a existir) e respetiva qualificação jurídica.

 Ora, dispõe o citado artigo 77º,nº1, que:

1 - Quando apresentado pelo Ministério Público ou pelo assistente, o pedido é deduzido na acusação ou, em requerimento articulado, no prazo em que esta deve ser formulada.

2 - O lesado que tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil, nos termos do n.º 2 do artigo 75.º, é notificado do despacho de acusação, ou, não o havendo, do despacho de pronúncia, se a ele houver lugar, para, querendo, deduzir o pedido, em requerimento articulado, no prazo de 20 dias.

3 - Se não tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização ou se não tiver sido notificado nos termos do número anterior, o lesado pode deduzir o pedido até 20 dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de acusação ou, se o não houver, o despacho de pronúncia.

Regulando a forma, prazos e momento processual de dedução do pedido de indemnização, resulta assim deste preceito legal que no caso de ser apresentado pelo assistente, tal pedido deve ser formulado na acusação ou em requerimento articulado autónomo, no prazo em que a acusação deve ser formulada.

Ora, é indiscutível que a demandante civil é simultaneamente assistente, qualidade que detinha quando veio requerer a abertura da instrução e formular o pedido de indemnização civil.

E, sendo assistente, claro está que resulta do já citado artigo 77º,nº1, que quando formulado por tal sujeito processual o pedido de indemnização deve ser apresentado na acusação ou em requerimento articulado autónomo no prazo em que a acusação deve ser formulada.

Todavia, tal dispositivo legal, neste segmento do assistente, apenas deverá valer para as situações em que a causa de pedir do pedido de indemnização civil coincide com os factos da acusação particular deduzida pelo assistente (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 10/5/2016, proferido no processo nº83/13.3GACUB.E1), devendo ser conjugado, quanto ao prazo, com o disposto nos art.ºs 284.º, n.º 1 e 285.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, consoante os casos, e não para aquelas em que existe apenas um requerimento de abertura de instrução/acusação alternativa, como se defende na decisão recorrida

No caso vertente, inexistiu qualquer acusação, mas antes uma pronúncia, na sequência da assistente ter vindo requerer a abertura da instrução, ao abrigo do disposto no artigo 287º, nº1,al.b), face ao despacho de arquivamento dos autos por banda do Ministério Público.

Foi após a notificação da pronúncia, ou seja, após conhecer os factos suficientemente indiciados e a sua respetiva qualificação jurídica, que a assistente e demandante civil, com base neles, veio apresentar o seu pedido de indemnização civil.

E quanto a nós, cremos com franqueza que bem, pois até à pronúncia ela não poderia, parecemos óbvio, prever se a instrução que requerera conduziria ou não à indiciação suficiente dos factos vertidos no seu requerimento e que naturalmente pretendia que fossem a base do seu pedido de indemnização civil (neste sentido, Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 21 de junho de 2023 já trazido à liça na resposta apresentada pelo Ministério Público).

Não vislumbramos qualquer razão para tratar de forma diferente a situação dos autos daquela que está prevista no artigo 77º, nº2, apenas e só porque estamos já perante um lesado constituído assistente.

Para a situação em apreço, a possibilidade de deduzir pedido de indemnização civil, a partir da notificação da pronúncia decorrerá de uma interpretação extensiva do citado artigo 77º, nº2, razão pela qual deverá considerar-se que o pedido de indemnização civil deduzido pela recorrente deverá ser admitido por tempestivo, uma vez que foi apresentado em juízo dentro do prazo de 20 dias aí previsto.

Procede por isso o recurso interposto pela assistente.

III. Dispositivo

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam em conferência os juízes da 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar procedente o presente recurso interposto pela assistente e demandante, determinando-se, em conformidade, que o pedido de indemnização civil por aquela deduzido seja admitido.

 

Sem custas.

(Texto elaborado pela relatora e revisto pelas signatárias – art.94º,nº2, do C.P.P.)