Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1075/09.2TBCTB-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANA VIEIRA
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CAUSA PREJUDICIAL
Data do Acordão: 05/19/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - C.BRANCO - JL CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.272 CPC
Sumário: I- A acção executiva não pode ser suspensa com fundamento na pendência de causa prejudicial, dado na mesma não haver decisão sobre o mérito da causa (visto que o direito que se pretende efectivar já está declarado), não podendo verificar-se a relação de dependência exigida no artigo 272.º, n.º 1, do CPCivil.

II- Contudo admite-se a suspensão da instância executiva com fundamento na 2ª parte do nº1 do art.272.º do CPC, isto é, “por outro motivo justificado”, desde que não se trate do caso de ter havido oposição à execução, pois em princípio a execução só pode ser suspensa mediante prestação de caução.

III- Para que se ordene a suspensão de uma acção executiva com base em ocorrência de motivo justificado é necessário que o motivo invocado seja outro que não a pendência de uma qualquer outra causa autónoma, caso contrário estar-se-ia, na mesma a funcionar, no fundo, como uma verdadeira causa prejudicial, o que a lei não permite.

Decisão Texto Integral:

Processo nº1075/09.2TBCTB-E.C1

          Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco – Juízo local Cível–Juiz 2

Relatora: Ana Vieira

          1º Adjunto Desembargador Dr. António Carvalho Martins

          2º Adjunto Desembargador Dr. Carlos Moreira

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                                             Sumário


I-  A acção executiva não pode ser suspensa com fundamento na pendência de causa prejudicial, dado na mesma não haver decisão sobre o mérito da causa (visto que o direito que se pretende efectivar já está declarado), não podendo verificar-se a relação de dependência exigida no artigo 272.º, n.º 1, do CPCivil.
II- Contudo admite-se a suspensão da instância executiva com fundamento na 2ª parte do nº1 do art.272.º do CPC, isto é, “por outro motivo justificado”, desde que não se trate do caso de ter havido oposição à execução, pois em princípio a execução só pode ser suspensa mediante prestação de caução.
III-  Para que se ordene a suspensão de uma acção executiva com base em ocorrência de motivo justificado é necessário que o motivo invocado seja outro que não a pendência de uma qualquer outra causa autónoma, caso contrário estar-se-ia, na mesma a funcionar, no fundo, como uma verdadeira causa prejudicial, o que a lei não permite.

         

                                                 *

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I- RELATÓRIO

Os exequentes A (…) e H (…) e A (…) intentaram acção executiva contra C (…) e E (…) alegando, em síntese: «.. Os executados foram condenados, por sentença de 21/05/2012, a:a) Reconhecerem os AA. como donos e legítimos proprietários do prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e 1º andar, destinado a habitação, com a superfície coberta de 53, 20 m2, inscrito na matriz sob o art.º 1194º e descrito na Conservatória do Registo Predial de   (...)  sob o n.º 1362, incluindo a faixa de terreno com 1,5 mtrs de largura, que acompanha toda a estrema poente do prédio.

b) A restituírem aos AA. essa faixa de terreno, devendo para o efeito destruir parcialmente o edifício que edificaram no seu logradouro, incluindo a parte deste que ocupa a parte deste que ocupa o espaço aéreo do terraço da casa dos AA. e que a este pertence.

c) A realizarem as obras necessárias para repor a faixa de terreno contigua à parede poente do prédio dos autores, no nível que tinha antes das obras, numa profundidade de 70 cms.

d) A retirarem o gradeamento da janela situada na parede poente do prédio dos AA., assim permitindo a abertura da mesma.

e) A absterem-se de quaisquer actos que ofendam ou perturbem o exercício do direito de propriedade dos autores sobre o seu prédio.

Os RR., aqui executados, apresentaram recurso de Apelação para o venerando Tribunal da Relação de Coimbra, o qual, por acórdão de 26/02/2013, confirmou a mencionada sentença.

Ainda inconformados, os RR. interpuseram recurso de revista excepcional que não foi admitido por acórdão proferido em 12 de Dezembro de 2013.

O autor J (…) faleceu, julgando-se habilitados, por decisão de 21/06/2016, a autora – A (…), H (…) e A (…)em substituição do falecido.

Ora, até à data os executados ainda não deram cumprimento a qualquer das obrigações a que foram condenados.

Termos em que se requer que:

a) os executados, por via da presente execução, prestem todos aqueles factos.

b) Após a citação dos executados para dizerem o que se lhes oferecer no prazo de 20 dias, seja fixado judicialmente o prazo de 30 dias para aqueles realizarem a prestação, prazo este que se reputa razoável e suficiente, (Cfr. 874º, n.º 1 do C.P.Civil).

c) Seja aplicada uma sanção pecuniária compulsória no montante de €50,00 por cada dia de atraso na prestação dos factos acima mencionados (Cfr. art.º 874º, n.º 1 do C.P.Civil)..»(sic).

                                                           +

O executado C (…) deduziu oposição á execução tendo alegado no requerimento inicial o seguinte: «… tendo sido notificado do douto despacho de 18 de Março de 2019, vem deduzir oposição à execução através, dos presentes Embargos de Executado, Nos termos e com os seguintes fundamentos:

I. Da inexigibilidade da obrigação exequenda

1.º O ora executado interpôs no dia 11 de Abril de 2019 Acção de Reivindicação de Propriedade, com fundamento em Acessão Imobiliária Industrial (doc.1) relativamente à faixa de terreno parcialmente ocupada por uma pequena parte do edifício de sua propriedade.

2.º A supra referida acção declarativa foi precedida de pedido de providência cautelar com efeito suspensivo da execução e da correspondente prestação de caução.

3.º Providência Cautelar essa que se encontra pendente de recurso.

4.º Sendo certo que independentemente do desfecho do recurso sempre terá de operar como questão prejudicial a supra referida acção de reivindicação.

5.º Face ao supra exposto, perante a existência de tal questão prejudicial verifica-se a inexigibilidade da obrigação exequenda - pelo menos até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida na acção de reivindicação - a qual é fundamento de oposição à presente execução, nos termos do disposto, entre outros nos art.ºs 875.º, n.º 2 e 729.º, al e) do Código do Processo Civil.

II. Da suspensão da Instância

6.º Pelo que deverá, desde logo nos termos do art.º 733.º, n.º 1, ser suspensa a presente instância executiva, pelo menos até transito em julgado da sentença a ser proferida na acção de reivindicação supra referida.

7.º O que tanto mais se justifica na medida em que o executado se propões prestar caução, o que se requer.

Nestes termos e nos melhores de direito devem os presentes

embargos ser recebidos, e em conformidade:

a) sendo declarada a inexigibilidade, ainda que temporária, da obrigação exequenda;

em consequência,

b) ser decretada a suspensão da instância executiva, pelo menos até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida na acção de reivindicação supra mencionada.

Para o que, alias, requer a V.Exa se digne admitir o executado a prestar caução fixando-lhe o respectivo valor e concedendo-lhe prazo para o efeito..»(sic).

Foi proferido despacho liminar nos seguintes temos: «.. Citado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 875.º, n.º 2 e 868.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, deduziu o executado C (…) oposição alegando que propôs ação com fundamento em acessão imobiliária industrial, relativamente à faixa de terreno ocupada por parte do edifício de sua propriedade, operando tal ação como questão prejudicial da presente execução, o que, por sua vez, importa a verificação da inexigibilidade da obrigação exequenda.

Requer, ademais, a suspensão da presente execução até ao trânsito em julgado da referida ação de reivindicação, nos termos do disposto no artigo 733.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

Vejamos.

Dispõe o artigo 875.º, n.º 2 do Código de Processo Civil que “Se o devedor não prestar o facto dentro do prazo, observa‐se, sem prejuízo da segunda parte do n.º 1 do artigo anterior, o disposto nos artigos 868.º a 873.º, mas a citação prescrita no artigo 868.º é substituída por notificação e o executado só pode deduzir oposição à execução nos 20 dias posteriores, com fundamento na ilegalidade do pedido da prestação por outrem ou em qualquer facto ocorrido posteriormente à citação a que se refere o artigo anterior e que, nos termos dos artigos 729.º e seguintes, seja motivo legítimo de oposição”.

O preceito citado é taxativo e restritivo quanto aos fundamentos que poderão constituir fundamento de oposição à prestação do facto por outrem e que se reconduzem a dois grupos de situações: a) a ilegalidade da prestação do facto por outrem; e b) a ocorrência de facto posterior à citação que constitua motivo legítimo à oposição.

Sendo que, nos termos do disposto no artigo 729.º do mesmo diploma legal que “Fundando‐se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes: a) Inexistência ou inexequibilidade do título; b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução; c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento; d) Falta ou nulidade da citação para a ação declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo; e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução; f) Caso julgado anterior à sentença que se executa; g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio; h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos; i) Tratando‐se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos”(sublinhado nosso)

Como salienta Fernando Amâncio Ferreira (in “Curso de Processo de Execução”, 11ª ed., Almedina, pág. 455), compreendem-se as limitações a esta oposição, porquanto o momento normal para a sua apresentação é o que ocorre a seguir à citação, face ao disposto no nº2 do artigo 874º, pelo que esta segunda oposição só pode, assim, fundar-se em circunstâncias supervenientes à citação, como seja o pedido de prestação de facto por outrem, sendo o facto infungível, por natureza ou por convenção, ou a extinção da obrigação por o facto ter sido devidamente prestado dentro do prazo fixado judicialmente.

Por seu turno, nos termos do disposto no artigo 732.º, nº 1 do Código de Processo Civil, “Os embargos, que devem ser autuados por apenso, são liminarmente indeferidos

quando: a) Tiverem sido deduzidos fora do prazo; b) O fundamento não se ajustar ao disposto nos artigos 729.º a 731.º; c) Forem manifestamente improcedentes”.

Considerando que a oposição foi tempestivamente apresentada, impõe-se aquilatar da adequação do fundamento invocado aos preceitos citados.

A argumentação apresentada pelo executado reconduz-se ao segundo grupo de situações supra referidas, isto é, entende o executado que a interposição de ação de reivindicação após citação realizada nos termos do disposto nos artigos 875.º e 868.º do Código de Processo Civil constitui facto posterior que constitui motivo legítimo de oposição, designadamente, a inexigibilidade da obrigação exequenda.

Como refere Rui Pinto (in “Manual da Execução e do Despejo”, pág. 227), exigibilidade é a qualidade substantiva da obrigação que deve ser cumprida de modo imediato e incondicional após a interpelação do devedor.

Há muito que a sentença exequenda transitou em julgado, sendo que na fase preliminar dos presentes autos, após ter sido dada ao executado oportunidade para se pronunciar quanto ao prazo cuja fixação se requereu, estes nada disseram, tendo o prazo para cumprir a obrigação execução sido fixado judicialmente e decorrido na íntegra.

Ou seja, ainda que num primeiro momento a obrigação exequenda fosse efetivamente inexigível, por sem prazo certo, uma vez fixado judicialmente tal prazo, esta passou a ser, para além de certa e líquida, também exigível, sendo que a propositura de ação declarativa posterior ao decurso de tal prazo não inverte a respetiva exigibilidade.

Na verdade, não se poderá confundir a eventual existência de uma questão prejudicial, tal como alegado pelo executado, com a exigibilidade da obrigação exequenda.

Conforme limpidamente exarado no Acórdão da Relação de Guimarães de 28.06.2018 (proc. n.º 3492/13.4TBBCL-A.G1) “ IV - Em sede de Embargos de Executado, a invocação de uma eventual causa prejudicial não torna inexigível a prestação exequenda constante do título executivo. Na verdade, para o efeito do preenchimento deste requisito processual apenas interessa saber se, ao tempo da citação, existia uma obrigação que os aqui executados deviam cumprir e que fosse quantitativa e qualitativamente determinada. V- Nessa medida, verificando-se essa situação, pode-se concluir que a situação invocada (a pendência de acções) não contende com este pressuposto (da exigibilidade), pelo que o pedido de suspensão de instância que se funde em tal motivo ou noutro motivo alegadamente justificado, em nada poderia afectar a exigibilidade do título executivo dado à execução.”

Em face do exposto, indefere-se liminarmente a oposição à execução apresentado pelo executado C (…), consequentemente o pedido de suspensão da instância nos termos do disposto no artigo 733.º do Código de Processo Civil.

Custas pelo executado, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido no âmbito dos autos principais.

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Nos termos do disposto no artigo 304.º, n.º 1 e 306.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, fixa-se ao presente incidente o valor de € 6.000,00.

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Notifique…»(sic).

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      Inconformado com tal decisão, veio o executado/oponente C (…) interpor recurso, e apresentou alegações, formulando, a final, as conclusões, nos seguintes termos: « EXCELENTÍSSIMOS SENHORES JUÍZES DESEMBARGADORES DO VENERANDO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
1. Vem a douta sentença ora recorrida indeferir liminarmente a oposição à execução por si apresentada e, “consequentemente”, o pedido de suspensão da instância, invocando que a obrigação exequenda se torna certa líquida e exigível aquando de prazo para o seu cumprimento e que, como tal, a invocada questão prejudicial – decorrente de ação de reivindicação entretanto proposta – não constitui, nos temos do disposto na al.e) do art.º 729.º do Código de Processo Civil (CPC), fundamento de inexigibilidade da obrigação exequenda.
2. Do mesmo passo, indefere o pedido de suspensão da instância, que muito embora fundado na mesma questão prejudicial, se reveste, salvo melhor opinião, de autonomia.
3. Ou seja, muito embora deduzida no contexto formal de uma oposição à execução, a verdade é que o pedido de suspensão da instância tem vida própria.
4. Porquanto, o pedido de suspensão da instância pode e deve ser atendido independentemente da oposição à execução apresentada e em cujo formalismo foi inserido.
5. Ora, a douta sentença não se pronuncia fundamentadamente sobre o pedido de suspensão da instância, pronunciando-se apenas e só sobre a oposição à execução.
6. Na verdade, muito embora a oposição à execução possa até, eventualmente, não ser julgada procedente, o pedido de suspensão (que é coisa diferente) deveria tê-lo sido.
7. Ora, não se tendo a douta sentença ora recorrida pronunciado sobre tal questão específica – o que até oficiosamente, e uma vez que foi levado conhecimento dos autos a existência de uma questão prejudicial, deveria ter sido determinado - deixou de se pronunciar sobre matéria relativamente à qual estava obrigada a fazê-lo, desde logo porque é, também, este pedido de suspensão da instância que consta expressamente do pedido final da respetiva peça processual – pelo que a douta sentença deve ser declarada nula e de nenhum efeito.

8.ºTudo conforme as disposições legais aplicáveis, entre outras as dos artigos 269.º por remição do artº. 272.º, ambos do CPC (suspendibilidade da instância quando a decisão depender do julgamento de outra questão).

9.º Tudo isto sem prejuízo de, mesmo no quadro formal da oposição apresentada - e portanto abstraindo da existência de um pedido de suspensão baseado numa questão prejudicial que deveria ter sido do conhecimento oficioso – a mesma dever ter merecido deferimento.

10.º Pois, ainda que se considere que obrigação é exigível, não poderá deixar de se entender que o título executivo é, pelo menos temporariamente e pelas razões invocadas, inexequível, conforme o mesmo art.º 229.º do CPC.

11.º Inexequibilidade esta que, obviamente, não tem caracter definitivo, mas temporário até à decisão transitada em julgado em sede da ação de reivindicação pendente.

Conclusões:

a) Ao não se ter pronunciado sobre a relevância suspensiva da questão prejudicial que se levou ao conhecimento dos autos, a douta sentença é nula por ilegal por violação, nomeadamente, do disposto no art.º 269.º e 272.º do CPC.

b) Pelo que, ao não se ter pronunciado sobre matéria relativamente à qual havia o dever de o fazer a douta sentença é nula por ilegal por violação do art.º 615.º, als. B) e d) do CPC;

c) A mesma douta sentença é, ainda, nula por ilegal, com violação do disposto nos artº.s 729.º e 272.º, entre outros, por não se ter pronunciado sobre a inexequibilidade provisória do título executivo decorrente da questão prejudicial entretanto suscitada e que, independentemente da apreciação da exigibilidade da obrigação, sempre deveria ter sido objeto do seu conhecimento oficioso e da consequente pronúncia sobre o mesmo.

Termos em que que e nos melhores de direito com o mui douto suprimento de V.Exas, deve o presente recurso merecer provimento e em consequência ser a douta sentença recorrida declarada nula por ilegal; Posto o que, uma vez revogada ser substituída por outra que:

a) Julgue procedente a oposição apresentada, atendendo à inexequibilidade provisória do título executivo;

b) Ou, na menor das hipóteses, determine a suspensão da instância executiva até ao trânsito em julgado da decisão jurisdicional que aprecie em definitivo a questão prejudicial pendente (ação de reivindicação).

Assim se fazendo Justiça…»(sic).

                                                           *

Não foram apresentadas contra-alegações.

                                                           *

Foi proferido despacho de admissão do recurso nos seguintes termos. «… Recorreu o embargante do despacho que indeferiu liminarmente o articulado de embargos de executado invocando, entre o mais, a nulidade de tal despacho por violação do disposto no artigo 615.º, n.º 1, als. b) e d) do Código de Processo Civil.

Defende o embargante que o tribunal ao indeferir liminarmente a oposição à execução mediante embargos não se pronunciou sobre o pedido de suspensão da instância que, no seu entender, sempre constituiria questão autónoma a exigir pronúncia autónoma.

Nos termos do disposto no artigo 617.º n.º 1 do Código de Processo Civil, se a questão da nulidade da sentença ou da sua reforma for suscitada no âmbito de recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, não cabendo recurso da decisão de indeferimento.

Face ao exposto, cumpre apreciar.

Tendo presentes as nulidades arguidas pela apelante, tenha-se presente, seguindo de perto as palavras de Abrantes Geraldes (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, pág. 139, em anotação ao atual artigo 641.º, correspondente ao artigo 685.º-C do Código de Processo Civil) que “a omissão de pronúncia deve limitar-se a questões que tenham sido alegadas ou que sejam de conhecimento oficioso, não servindo as alegações para introduzir novas questões que não foram submetidas ao tribunal a quo; o excesso de pronúncia, ao invés, terá que considerar se as questões foram ou não foram alegadas ou se são ou não de conhecimento oficioso; a condenação em quantidade ou em objecto diverso do pedido deve ser resultado de uma séria comparação entre o que consta da petição e da sentença.”

Tendo presente os referidos conceitos e descendo de imediato ao caso presente, afigura-se-nos, salvo o devido respeito por opinião diversa, que não se verificam as referidas nulidades.

De facto, pese embora refira o embargante nesta sede que o pedido de suspensão da instância configura questão autónoma a merecer pronúncia igualmente autónoma, compulsado o articulado de embargos de executado constata-se que o pedido de suspensão da instância mais não é do que a consequência do fundamento de inexigibilidade invocado como fundamento da oposição mediante embargos.

Na verdade, invoca o executado expressamente o disposto no artigo 733.º, n.º 1 do Código de Processo Civil para escudar o pedido de suspensão.

Ora, o referido preceito versa, precisamente, sobre as circunstâncias em que o recebimento de embargos suspende o prosseguimento da execução. Não sendo recebidos os embargos, atento o despacho de indeferimento liminar proferido, afigura-se-nos manifesto, salvo o devido respeito por opinião contrária, que se mostra prejudicada a eventual suspensão da instância com tal fundamento, visto que não se verifica o seu primeiro pressuposto de ordem formal: precisamente o recebimento dos embargos.

Por outro lado, pese embora o embargante faça menção ao disposto na alínea b) do artigo 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, afigura também que os fundamentos de direito – não de facto uma vez que a decisão configura uma questão de direito – se mostram espelhados na decisão proferida.

Termos em que se indeferem as referidas nulidades arguidas e se mantém a decisão nos seus precisos termos.

Notifique.

*

Considerando que a decisão é recorrível, o recorrente goza de legitimidade e que foi interposto tempestivamente (artigos 629.º, 631.º n.º 1 e 638.º do Código de Processo Civil), admito o recurso de fls. 7 e seguintes, o qual é de apelação para o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, com efeito meramente devolutivo, a subir de imediato nos próprios autos (artigos 644.º n.º 1 alínea a), 645.º nº 1 alínea a) e 647.º do Código de Processo Civil).

*

Cumpridas as formalidades legais, subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Coimbra…»(sic).


***

          II- DO MÉRITO DO RECURSO

1. Definição do objecto do recurso

          O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].

          Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, são as seguintes as questões solvendas:


A- Da nulidade da decisão liminar ao alegadamente não ter existido pronuncia quanto á suspensão da instancia por causa prejudicial.


B- Da suspensão da instância por causa prejudicial.

C- Da existência de inexequibilidade provisória do titulo decorrente da questão prejudicial

                                                           ***

          III- FUNDAMENTOS DE FACTO

A materialidade a atender para efeito de apreciação do objecto do presente recurso é a que dimana do antecedente relatório, conjugada com a seguinte factualidade que consta dos autos:

1- Os executados foram condenados, por sentença de 21/05/2012, a:a) Reconhecerem os AA. como donos e legítimos proprietários do prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e 1º andar, destinado a habitação, com a superfície coberta de 53, 20 m2, inscrito na matriz sob o art.º 1194º e descrito na Conservatória do Registo Predial de   (...)  sob o n.º 1362, incluindo a faixa de terreno com 1,5 mtrs de largura, que acompanha toda a estrema poente do prédio.

b) A restituírem aos AA. essa faixa de terreno, devendo para o efeito destruir parcialmente o edifício que edificaram no seu logradouro, incluindo a parte deste que ocupa a parte deste que ocupa o espaço aéreo do terraço da casa dos AA. e que a este pertence.

c) A realizarem as obras necessárias para repor a faixa de terreno contigua à parede poente do prédio dos autores, no nível que tinha antes das obras, numa profundidade de 70 cms.

d) A retirarem o gradeamento da janela situada na parede poente do prédio dos AA., assim permitindo a abertura da mesma.

e) A absterem-se de quaisquer actos que ofendam ou perturbem o exercício do direito de propriedade dos autores sobre o seu prédio.

Os RR., aqui executados, apresentaram recurso de Apelação para o venerando Tribunal da Relação de Coimbra, o qual, por acórdão de 26/02/2013, confirmou a mencionada sentença.

Ainda inconformados, os RR. interpuseram recurso de revista excepcional que não foi admitido por acórdão proferido em 12 de Dezembro de 2013.

2- O executado no dia 11 de Abril de 2019 instaurou acção de reivindicação de propriedade, com fundamento em acessão imobiliária industrial relativamente á faixa de terreno parcialmente ocupada por uma pequena parte do edifício da sua propriedade.

3- Como preliminar dessa acção o executado instaurou providencia cautelar requerendo a final a imediata suspensão da instancia executiva e a prestação de caução, a qual foi indeferida liminarmente por improcedência do pedido. A predita decisão foi confirmada por decisão do Tribunal da Relação de Coimbra transitada em julgado.

4- Por decisão datada de  18-03-2019 foi proferida decisão que determinou a notificação dos executados nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 875.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e previamente foi proferido despacho datado de 8-1-2019 a fixar o prazo da realização da prestação em 60 dias.

5- O executado deduziu oposição á execução a qual foi indeferida liminarmente, tendo a predita decisão sido confirmada por Acórdão do Tribunal da relação de Coimbra transitado em julgado.

                                                                     ***

IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO

 


A- Da nulidade da decisão liminar ao alegadamente não ter existido pronuncia quanto á suspensão da instancia por causa prejudicial.

A primeira questão a analisar contende com a decisão da questão prévia sobre a alegada existência de nulidade da decisão

O artigo 615 do NCPcivil estabelece os casos de nulidade de sentença: a) falta de assinatura; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.

          Os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença a provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).

Da nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia

No que respeita à nulidade da sentença por omissão de pronúncia dispõe a al. d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC. que é nula a sentença quando «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».

Esta nulidade decorre do incumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 608.º do mesmo Código, nos termos do qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras», prevendo ainda aquele dispositivo que o juiz não «pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».

Importa salientar contudo que, conforme dispõe o art.º 5.º, n.º 3, do CPC., o Juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação das regras de direito, mas apenas tem de se pronunciar “sobre questões que devesse apreciar” e “conhecer de questões de que não podia deixar de tomar conhecimento”.

Quer isto dizer que ao Tribunal cabe o dever de conhecer do objecto do processo, definido pelo pedido deduzido e respectiva causa de pedir.

Resumindo, o Tribunal tem de apreciar e decidir as questões processuais trazidas aos autos pelas partes – pedidos formulados e excepções deduzidas - e todos os factos em que assentam, mas não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os argumentos esgrimidos pelas partes nos autos, nem tão pouco está obrigado a complementar o acervo fáctico trazido pelas partes aos autos.

Em regra só existe omissão de pronúncia nos termos do art. 615º, nº 1, alínea d), do CPC., quando o Tribunal deixa de apreciar questões submetidas pelas partes à sua apreciação.

          A nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não ter tido aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras.

Já, porém, não ocorrerá a dita nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra.

A questão suscitada pelo Recorrente subjacente a este vício respeita à falta de pronúncia quanto à inexigibilidade do título executivo por existência de questão prejudicial, afigurando-se-nos desde já dizer que a decisão recorrida padece desta omissão quanto á causa prejudicial, dado que não existe nenhuma decisão ou referência sobre se existe ou não causa prejudicial e suspensão decorrente da invocada causa prejudicial.

        E assim sendo, infringiu o disposto no artigo 608.º-3, do CPC 2013, infracção esta produtora da nulidade do despacho sob recurso, nos termos do disposto nos artigos 613.º-3 e 615.º-1-d), do mesmo diploma legal,

Dúvidas não restam, pois, de que, em face do estatuído no artigo 615, nº 1, alínea d), do C.P.C., o despacho recorrido se encontra afectado por vício que origina a sua nulidade, com fundamento em omissão de pronúncia.

          Cumpre ao Tribunal superior suprir, em sede de recurso, eventual nulidade que decorra de total omissão de pronúncia, que tenha sido expressamente invocada em sede de recurso e que não tenha sido suprida em 1.ª instância.

Apurada a nulidade da decisão por omissão de pronúncia quanto á existência ou não de causa prejudicial e não tendo o tribunal a quo suprido a nulidade, cumpre ao Tribunal de recurso apreciar do objecto da apelação, em obediência ao disposto no art.º 665º, n.º 1 (regra da substituição ao tribunal recorrido).

De acordo com o disposto no nº1, do art. 665 do C.P.Civil, a declaração de nulidade da decisão proferida na 1ª instância, determina que este tribunal conheça do objecto do recurso, substituindo-se ao tribunal recorrido no julgamento omitido

         

Todavia, não se vislumbra a alegada nulidade por violação do disposto nos artº.s 729.º e 272.º, , por alegadamente não se ter pronunciado sobre a inexequibilidade provisória do título executivo decorrente da questão prejudicial entretanto suscitada e que, independentemente da apreciação da exigibilidade da obrigação, sempre deveria ter sido objeto do seu conhecimento oficioso e da consequente pronúncia sobre o mesmo, dado que a decisão recorrida analisou expressamente a questão da inexigilidade da obrigação devido á instauração da acção de reivindicação (apenas não se tendo pronunciado quanto á existência de causa prejudicial e da suspensão decorrente da mesma).

                                                           *


B- Da suspensão da instância por causa prejudicial.

O recorrente peticionou que fosse decretada a suspensão da instância executiva, devido a alegada questão prejudicial, pelo menos até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida na acção de reivindicação que instaurou.

 Para o efeito alega que interpôs no dia 11 de Abril de 2019 Acção de Reivindicação de Propriedade, com fundamento em Acessão Imobiliária Industrial  relativamente à faixa de terreno parcialmente ocupada por uma pequena parte do edifício de sua propriedade e que essa acção se traduz numa questão prejudicial que determina a  inexigibilidade da obrigação exequenda - pelo menos até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida na acção de reivindicação - a qual é fundamento de oposição à presente execução, nos termos do disposto, entre outros nos art.ºs 875.º, n.º 2 e 729.º, al e) do Código do Processo Civil. E peticiona a suspensão da instancia executiva pelo menos até ao transito em julgado da sentença que vier a ser proferida na referida acção de reivindicação que instaurou.

Cumpre decidir, assim se a instauração da acção de reivindicação se traduz ou não numa causa prejudicial á presente acção que implique a suspensão da acção executiva conforme peticionado pelo recorrente.

          Como é sabido a instância suspende-se, nos termos dos artºs. 272 do CPcivil quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento da outra já proposta ou quando ocorre motivo justificado.

          Uma causa é prejudicial à outra quando a decisão daquela possa prejudicar a decisão desta, isto é, quando a procedência da primeira tirar a razão de ser à existência da segunda - cfr. neste sentido, Prof. A. Reis, Comentários ao Código Processo Civil - 3º - 206.

          A razão de ser da suspensão por pendência de causa prejudicial é a economia e coerência dos julgamentos" (Alberto dos Reis, ob. cit. pág. 272).

          A decisão de uma causa depende do julgamento de outra quando na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja sentença possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão de outro pleito.

          Sobre este aspecto e para maiores desenvolvimentos, vide: Ac S.T.J. de 28/2/1975 in B.M.J. 244º, 239, Ac. S.T.J. de 29/7/1980 in B.M.J. 299º, 280, Ac. S.T.J. de 18/2/1982 in B.M.J. 314º, 267, Ac. da Rel. de Coimbra de 30/6/1981 in B.M.J. 310º, 346, Ac. da Rel. do Porto de 15/7/1982 in C.J. 1982, IVº, 210 e Ac. da Rel. de Coimbra de 18/12/1984 in C.J., 1984, Vº, 101).

          Acresce que ao ser ordenada a suspensão da instância dever-se-á averiguar se tal não irá acarretar desvantagens, ou que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.

Segundo a Lição de Alberto dos Reis, “uma causa é prejudicial a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda” – “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, Coimbra, 1946, pág. 268.

          Segundo o Prof. Manuel de Andrade (Lições de Processo Civil, págs. 491 e 492), só existe verdadeira prejudicialidade e dependência quando na primeira causa se discute, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental.

Mas, segundo o mesmo autor, nada impede que se alargue a noção de prejudicialidade, de maneira a abranger outros casos, podendo considerar-se prejudicial, em relação a outro em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal.

          No caso concreto o recorrente peticiona a suspensão da acção executiva devido a ter instaurada uma acção declarativa de reivindicação (quanto á instauração da providencia cautelar tal já foi decidido noutro processo).

Todavia, actualmente quer a doutrina quer a jurisprudência, entendem que a 1ª parte do n.º 1 do art.º 272.º do CPC não é aplicável à acção executiva, mantendo-se em vigor a doutrina do Assento de 24/05/60 (BMJ nº 97, pág.163), agora transformado em acórdão uniformizador de jurisprudência (art.17 nº2 do DL nº 329-A/95 de 12/12), ao fixar a seguinte jurisprudência – “A execução propriamente dita não pode ser suspensa pelo primeiro fundamento do art. 284.º do Código de Processo Civil “.

Igualmente, conforme se refere no  Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 14/10/2004 o entendimento da jurisprudência é praticamente uniforme no sentido de que a norma do referido artigo 272.º, nº 1 (antigo 279.º, nº 1), não é aplicável às acções executivas.

Não é assim possível suspender os termos de uma acção executiva com o fundamento na prejudicialidade de uma outra causa que se encontra pendente, pois a uma acção executiva não é propriamente uma causa a decidir, mas antes, contem em si um direito já efectivamente declarado ou reconhecido, não havendo, por isso, e em princípio, qualquer nexo ou razão de prejudicialidade.

Neste sentido, vide Aberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil , vol.3º, pág.274) que considerava que a 1ª parte do art.284º (actual 272.º nº1, 1ª parte) não pode aplicar-se ao processo de execução, porque o fim deste processo não é decidir uma causa, mas dar satisfação efectiva a um direito já declarado por sentença ou constante de título com força executiva. Não se verifica assim o requisito de estar a decisão da causa dependente do julgamento de outra já proposta.

          Neste sentido, vide o Ac RC 538-E/1999.C1, Relator:     JORGE ARCANJO, 15-03-2011 (disponível na base de dados da DGSI, local de origem de toda a jurisprudência citada sem menção de proveniência):«….IV – A 1ª parte do nº 1 do artº 279º do CPC (causa prejudicial) não é aplicável à acção executiva.

V – Muito embora a norma do artº 279º do CPC seja de carácter geral, não distinguindo entre acções declarativas e acções executivas, a verdade é que a suspensão com fundamento em causa prejudicial não se aplica à execução, pois nesta não há que proferir decisão sobre o fundo da causa, visto que o direito que se pretende efectivar já está declarado.

VI – Admite-se a suspensão da instância executiva com fundamento na 2ª parte do nº 1 do artº 279º do CPC (por outro motivo justificado), desde que não se trate do caso de ter havido oposição à execução, pois a execução só pode ser suspensa mediante prestação de caução.

VII – Porém, a 2ª parte do nº 1 do artº 279º tem âmbito de previsão diferente da sua 1ª parte (…) não podendo nela fundar-se a suspensão da acção executiva por pendência de acção autónoma.».

Por outro lado, também não se está perante a previsão de ocorrência de outro motivo justificado, constante da 2ª parte do nº 1 do referido artigo 272.º em análise.

O motivo justificado, susceptível de determinar a suspensão de uma execução, é o que é inerente ao próprio processo executivo, e não abrange a pendência de uma causa.

Neste sentido, vide Lebre de Freitas (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª edição, pág. 546),  “a 2ª parte do nº 1 (do citado artigo 279º) tem âmbito de previsão diferente da sua 1ª parte (…) não podendo nela fundar-se a suspensão da acção executiva por pendência de acção autónoma”.

Igualmente, conforme refere o  Ac da RC Processo:        2000/04       , Relator:        ISAÍAS PÁDUA, 7-7-2004:«Sumário:        I- Uma causa é prejudicial em relação a outra quando o julgamento ou decisão da questão a apreciar na primeira possa influir ou afectar o julgamento ou a decisão da segunda, nomeadamente em termos de modificar ou inutilizar os seus efeitos ou mesmo de tirar razão de ser à segunda.

II- Na actual Reforma do CPC /95 continua a não ser possível suspender os termos de uma acção executiva com o fundamento na 1ª parte do nº 1 do artº 279, ou seja, com base na prejudicialidade de uma outra causa que se encontre pendente.

III- É que uma acção executiva não constitui, propriamente, uma causa a decidir, por conter em si, como regra, um direito efectivamente declarado ou reconhecido, não havendo, assim, e em princípio, qualquer nexo ou razão de prejudicialidade.

IV- Porém, já é possível suspender a instância executiva à luz da 2ª parte do nº 1 do citado artº 279, ou seja, por ocorrência de outro motivo justificado.

V- Não tendo, todavia, o legislador definido o conceito de “motivo justificado”, será perante cada caso concreto que se terá de indagar se ocorre ou não motivo que justifique a suspensão da instância, em com base em tal fundamento, sendo que, contudo, que o mesmo não poderá ter nada a ver com a pendência de outra acção.»

E, no caso em apreço, o motivo invocado pelo executado recorrente está directamente relacionado com a pendência da referida acção declarativa, pelo que também e, de qualquer modo, não lhe podia ser aqui aplicável a 2ª parte do nº 1 do artigo 272.º.

Neste sentido, vide o Ac do STJ Processo:   09B0674     , Relator:          ÁLVARO RODRIGUES          16-04-2009:«Sumário :   O «outro motivo justificado» susceptível de determinar a suspensão de uma execução, nos termos do nº1 in fine do artº 279º do CPC, é o que inerente ao próprio processo executivo, como, v.g., a arguição de nulidade de um título executivo, um problema que surja em matéria de liquidação da quantia exequenda ou mesmo a pendência de uma acção de simulação do título executivo.

A entender-se que constitui motivo justificado para a suspensão de um processo de execução, a simples instauração, ainda para mais por um terceiro estranho à instância executiva, de uma acção cujo objecto seja o bem executado, acção essa (como quase todas) de resultado necessariamente aleatório, autorizada estaria uma forma de protelamento da execução que mais não visa do que dar realização prática a uma situação jurídica definida pela sentença passada em julgado ou documentada por título executivo legalmente válido, em manifesto prejuízo dos direitos reconhecidos dos exequentes.».

Assim, neste caso, estamos no contexto de uma situação de oposição à execução e o motivo invocado pelo Recorrente para fundamentar a suspensão da instância é precisamente o da pendência de uma acção, e nessa medida o motivo invocado para ordenar a suspensão não se enquadra nos legalmente previstos, sendo certo que in casu a execução apenas suspenderia com a prestação de caução.

Pelo exposto, indefere-se o pedido de suspensão por causa prejudicial.

De todo o exposto resulta, impondo-se concluir – suprindo-se no entanto nesta sede recursiva a nulidade por omissão de pronúncia em que incorreu a decisão recorrida –, que não ocorre fundamento para se suspender a acção executiva devido a uma invocada causa prejudicial, e nessa medida improcede  por essa razão, nesta parte o recurso.

                                                           *
     C- Da existência de inexequibilidade provisória do titulo decorrente da questão prejudicial

          Invoca por fim o recorrente que mesmo abstraindo da existência do pedido de suspensão devido a uma questão prejudicial (questão decidida), que a oposição deveria ter merecido deferimento, pois, ainda que se considere que obrigação é exigível, não poderá deixar de se entender que o título executivo é, pelo menos temporariamente  inexequível, conforme o mesmo art.º 729.º do CPC, até ao transito em julgado da sentença que vier a ser proferida na acção de reivindicação ( Inexequibilidade esta que, obviamente, não tem caracter definitivo, mas temporário até à decisão transitada em julgado em sede da ação de reivindicação pendente).

A acção executiva foi instaurada com vista ao cumprimento coercivo do que foi determinado no âmbito da sentença proferida nos autos principais.

Nos termos do disposto no artigo 729.º do mesmo diploma legal que “Fundando‐se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes: a) Inexistência ou inexequibilidade do título; b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução; c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento; d) Falta ou nulidade da citação para a ação declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo; e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução; f) Caso julgado anterior à sentença que se executa; g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio; h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos; i) Tratando‐se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos”(sublinhado nosso)

O  recorrente foi citado para os termos do artigo 875 nº2 e 868 nº1 do CPcivil e deduziu a presente oposição á execução alegando que instaurou acção com fundamento em acessão imobiliária relativamente á faixa de terreno ocupada em parte do edifício de sua propriedade, o que tal  determinaria a inexigibilidade da obrigação exequenda e requer a suspensão da presente execução até ao trânsito em julgado da referida ação de reivindicação, nos termos do disposto no artigo 733.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

          Estabelece o artigo 875.º, n.º 2 do Código de Processo Civil que “Se o devedor não prestar o facto dentro do prazo, observa‐se, sem prejuízo da segunda parte do n.º 1 do artigo anterior, o disposto nos artigos 868.º a 873.º, mas a citação prescrita no artigo 868.º é substituída por notificação e o executado só pode deduzir oposição à execução nos 20 dias posteriores, com fundamento na ilegalidade do pedido da prestação por outrem ou em qualquer facto ocorrido posteriormente à citação a que se refere o artigo anterior e que, nos termos dos artigos 729.º e seguintes, seja motivo legítimo de oposição”.

Conforme referem Virgínio Ribeiro e Sérgio Rebelo, in A Acção Executiva Anotada e Comentada, 2016, pág.608, nos termos do nº2 do artigo 875 do CPC se o devedor não prestar o facto no prazo fixado judicialmente, aplica-se o regime dos artigos 868 a 873, isto é, notifica-se o executado para querendo deduzir oposição mas apenas com fundamento na ilegalidade do pedido de prestação por outrem (obrigação infungível) ou em qualquer outro aspecto que seja posterior á citação do artigo 874 (facto superveniente) e que nos termos dos artigo 729 e seguintes (consoante seja execução de sentença ou outro titulo) seja motivo de embargos.

O preceito citado é taxativo e restritivo quanto aos fundamentos que poderão constituir fundamento de oposição à prestação do facto por outrem e que se reconduzem a dois grupos de situações: a) a ilegalidade da prestação do facto por outrem; e b) a ocorrência de facto posterior à citação que constitua motivo legítimo à oposição.

O recorrente considera que a interposição de ação de reivindicação após citação realizada nos termos do disposto nos artigos 875.º e 868.º do Código de Processo Civil constitui facto posterior que constitui motivo legítimo de oposição, designadamente, a inexigibilidade da obrigação exequenda.

Todavia, seguindo o entendimento do Ac da RG  3492/13.4TBBCL-A.G1, Relator:        PEDRO DAMIÃO E CUNHA, 28-06-2018:«..IV- Em sede de Embargos de Executado, a invocação de uma eventual causa prejudicial não torna inexigível a prestação exequenda constante do título executivo. Na verdade, para o efeito do preenchimento deste requisito processual apenas interessa saber se, ao tempo da citação, existia uma obrigação que os aqui executados deviam cumprir e que fosse quantitativa e qualitativamente determinada.

V- Nessa medida, verificando-se essa situação, pode-se concluir que a situação invocada (a pendência de acções) não contende com este pressuposto (da exigibilidade), pelo que o pedido de suspensão de instância que se funde em tal motivo ou noutro motivo alegadamente justificado, em nada poderia afectar a exigibilidade do título executivo dado à execução.”(sic).

         

          De resto, estamos perante uma execução de sentença que já transitou em julgado e tendo o prazo para cumprir a obrigação execução sido fixado judicialmente e decorrido na íntegra e nessa medida a obrigação é exigível.

De resto, tem de se considerar que a sentença transitada em julgado e dada à execução se impõe ao executado recorrente que foi parte nessa acção, se não por via da excepção do caso julgado, sempre por via da autoridade do caso julgado.

          Neste sentido, vide o Ac RP 2670/14.3T8LOU-A.P1, Relator:  MANUEL DOMINGOS FERNANDES, 29-02-2016:« Sumário:     I - A acção executiva não pode ser suspensa com fundamento na pendência de causa prejudicial, pois, não tendo por fim a decisão de uma causa, não pode nela verificar-se a relação de dependência exigida no artigo 272.º, n.º 1, do CPCivil.

II - O mesmo já não pode dizer-se, em princípio, em relação à oposição à execução, a qual deverá ser suspensa sempre que esteja pendente acção comum destinava a abalar a validade do título executivo com os mesmos fundamentos daquela oposição.

III - Intentada a acção executiva com base em sentença na qual se declarou que os ali autores/exequentes eram donos de um determinado imóvel e condenados os Réus a reconhecer tal direito bem como a restitui-lo livre de pessoas e bens, no estado em que se encontrava antes das construções nele efectuadas que, por isso, têm de ser demolidas, qualquer acção posterior intentada pelos réus/executados não tem qualquer influência na exequibilidade da sentença transitada, uma vez que a mesma se impõe aos executados por força da autoridade do caso julgado no que tange à referida restituição e demolição das construções por os factos aí dados como assentes constituírem antecedente lógico dessa decisão.

IV - Intentada a acção de reivindicação tinham os Réus o ónus de impugnação na contestação, sendo naquela peça que toda a defesa devia ter sido deduzida, sob pena de preclusão do direito (artigos 573.º e 574.º do CPCivil), pelo que ao não o terem feito, seja por via de impugnação ou de excepção colocaram-se na contingência de ver julgado reconhecido o direito dos Autores, porventura incompatível com qualquer direito seu.

A pendência de uma acção declarativa não contende com o pressuposto da exigibilidade da obrigação, e nessa medida o pedido de suspensão decorrente desse fundamento, em nada afecta a exigibilidade do titulo executivo.

Assim e pelo exposto, subscrevemos na íntegra a decisão recorrida no sentido em que não foram alegados factos na oposição à execução que se possam subsumir a qualquer um dos fundamentos elencados taxativamente na lei processual (artigo 733.º do CPCivil).

Pelo exposto, improcede este segmento do recurso.

De todo o exposto resulta, suprindo-se, no entanto, nesta sede recursiva a nulidade por omissão de pronúncia em que incorreu a decisão recorrida, que não ocorre fundamento, ainda assim, para não se confirmar essa decisão.

                                                           ***

III- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, suprindo-se ainda o vício da nulidade por omissão de pronúncia em que incorre a decisão recorrida, em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a cargo do apelante (art. 527º, nºs 1 e 2).

          Coimbra, D S

Ana Vieira ( Relatora )

António Carvalho Martins

          Carlos Moreira                                                     

                                                


[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.