Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
36/09.6TBCVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: VENDA EXECUTIVA
ANULABILIDADE
INVALIDADE
Data do Acordão: 05/14/2013
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COVILHÃ – 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 908º E 909º CPC.
Sumário: I – As causas de anulação da venda em execução, expressas no art. 908º do CPC, estão estabelecidas no interesse exclusivo do executado, e as causas de invalidade da venda, previstas no art. 909º, estão estabelecidas no interesse do executado e, também, no interesse dos credores no caso estabelecido na al.c) do nº 1 deste preceito.

II - O comprador para lá das causas de anulação da venda previstas em seu favor no art. 908º do CPC pode invocar para além do erro constante nesse preceito quaisquer outros motivos de anulação do negócio jurídico (incapacidade, dolo, coacção) nos termos da lei geral.

III - Sendo fisicamente identificável o imóvel penhorado, podendo na realidade e em concreto ser apreciado e certificado pelos interessados na venda nas suas características físicas, nomeadamente na sua área, composição, confrontações e estado de conservação, sendo também o imóvel penhorado o que corresponde ao artigo matricial respectivo e à certidão de registo (existentes nos autos) necessária à confirmação da existência de ónus e encargos, a eventual discrepância de área, alteração de artigo matricial não certificada nos autos ou diferente composição não obsta à realização da venda uma vez que a possibilidade de confirmação física do bem penhorado garante a certeza e segurança jurídica na obtenção do preço.

Decisão Texto Integral: Face à simplicidade da questão e atento o que dispõe o art. 705° do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.

Relatório

No 3º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã e no processo executivo que aí correu termos, sendo exequente o ora Apelante, Banco A…, S.A., na acta do “auto de abertura de propostas em carta fechada” foi proferida decisão que indeferiu o requerimento do exequente, apresentado no dia anterior, e que pretendia a não realização da venda.

Desta decisão foi interposto o presente recurso em que a recorrente conclui que: …

Com as alegações de recurso, o recorrente juntou dois documentos, não pedindo expressamente a sua junção enquanto documentos mas referindo no corpo das alegações que juntava duas certidões “por questões de mera facilidade de consulta”, sem referir se já existiam ou não nos autos.

O adjudicante J… contra alegou defendendo a confirmação da decisão recorrida.

Cumpre decidir

… …

Fundamentação

Os factos que interessam à decisão são os que constam do relatório tornando-se ainda explícito que:

- Nos autos de execução foi designado o dia 30 de Janeiro de 2013, pelas 14.15h para abertura das propostas que até esse momento fossem entregues na Secretaria do Tribunal para compra do imóvel penhorado “descrito na CRP da Covilhã sob o nº… e inscrito na respectiva matriz sob o art. …”;

- Em 21 de Dezembro de 2012 foi enviada à exequente notificação da designação da data para abertura de propostas;

- Em 29 de Janeiro de 2013, pelas 16.34.50h, a exequente fez entrar na Secretaria do Tribunal requerimento cujo teor integral é o seguinte:

“ 1- Nos presentes autos acha-se marcada a venda do imóvel penhorado para amanhã, dia 30 de Janeiro de 2013 pelas 14H00.

2 - No intuito de apresentar proposta para aquisição do referido imóvel, o Exequente mandou proceder à sua avaliação.

3 - No decurso de tal avaliação foram constatadas irregularidades no imóvel, maxime a não correspondência da área da construção implantada no terreno com as áreas constantes da matriz e descrição predial.

4 - Tais discrepâncias poderão vir a determinar a impossibilidade de transmissão do prédio a terceiros, nomeadamente efectivação do respectivo registo de aquisição.

5 - Urge, assim e previamente à venda do imóvel, corrigir as discrepâncias encontradas junto das entidades competentes para o efeito.

6 - Parece, assim, poder concluir-se pelo não interesse de realização da venda agendada, passível de vir a ser anulada por eventual adquirente que, após o acto de aquisição, venha a constatar as ditas anomalias.

Termos em que se vem requerer a V. Exa. que se digne dar sem efeito a diligência de venda agendada, ficando os autos a aguardar as correcções que venham a ser necessárias em termos de registo, matriz e licenciamento.”

    - No dia 30 de Janeiro pelas 14.15 h, na diligência de abertura de propostas de venda em carta fechada foi proferida a seguinte decisão:

    “ No caso vertente, o fundamento da sustação é a possível futura anulação da venda, por divergência entre a área real e a área declarada na matriz e na descrição predial.

Todavia, o requerimento não vai além de meras considerações vagas, despidas da precisão material necessária para que se possibilitasse apurar com segurança, a possibilidade, deveras excepcional, de sustar a venda previamente agendada.

De facto, muito se estranha que dispondo o Exequente dos referidos elementos, apenas na véspera da venda o mesmo apresente o pedido sob apreciação.

Nesta fase é bom atentar que o processo não se encontra na livre disponibilidade do exequente, sendo necessário acautelar os interesses dos Executados e no âmbito da presente diligência, também dos proponentes.

Sem prejuízo de existir essa possibilidade de anulação da venda ou de redução do preço, em face da referida divergência, a verdade é que o único proponente, tomando conhecimento do referido requerimento, opôs-se frontalmente a tal adiamento, o que permite considerar que tal hipótese, apesar de possível, é, neste momento, uma remota conjectura, a qual não constitui fundamento suficiente de adiamento da presente diligência ou de suspensão da presente execução.

Aliás, sempre se deve dizer, que tomando o comprador conhecimento da divergência, antes da realização do negócio e não obstante tal conhecimento, decidir manter a sua proposta, dificilmente poderá ver declarada a anulação da venda.

Assim, em face de tudo o exposto, indefere-se o requerido.”.

… …

A questão submetida a recurso, delimitado pelas conclusões, consiste em saber se existia fundamento, com base no que é referido no requerimento do exequente, para que o Tribunal recorrido tivesse dado sem efeito a designação da venda por propostas em carta fechada que estava designada e que veio a ter lugar.

No essencial das suas alegações e que, depois, converte nas conclusões que reproduzimos, o Apelante diz que os valores indicados para a venda respeitavam o valor patrimonial constante da certidão matricial junta ao processo e que, por iniciativa sua, solicitou uma avaliação do imóvel sendo que essa avaliação quase triplicava o valor indicado para a venda, razão pela qual pretendia a exequente apresentar proposta que desse satisfação a esse valor.

No entanto, não apresentou essa proposta no processo por, “muito em cima da venda”, ter sido alertado para o facto de existirem discrepâncias entre as áreas constantes da descrição predial e as tomadas no terreno.

Foi nessa altura que verificou que no anúncio da venda o prédio era indicado como descrito na CRP sob o nº… e inscrito na matriz no art. … quando, efectivamente, esse artigo está eliminado e foi substituído pelo …, sendo que as confrontações do registo e da matriz não coincidem, bem como as áreas e a descrição que não contempla uma cave que figura na certidão.

Apreciando e decidindo, é incontornável que nos autos foi realizada a penhora de um determinado imóvel que, como se sabe, se efectiva através da comunicação electrónica do agente de execução ao serviço de registo competente (art. 838 nº1 CPC.)

Depois deste procedimento e segundo o mesmo normativo, inscrita a penhora e realizado o seu registo, é enviado ao agente da execução certidão dos registos em vigor sobre o prédio penhorado, sendo após que se lavra o auto de penhora.

Por sua vez, numa fase posterior, realizada a venda do imóvel penhorado, a lei adverte para os casos em que a venda é inválida por ser anulada ou ficar sem efeito e é com base no elenco dessas circunstâncias que teremos de apreciar e decidir se, afinal, deveria ou não ter sido dada sem efeito a venda designada nos autos (que se veio a realizar) e isto porque o raciocínio que preside à solução da questão é o de que a diligência de venda deveria ser dada sem efeito se ocorresse alguma das causas que poderia conduzir a que, depois da venda realizada esta devesse ser anulada ou dada sem efeito ou, dito de outro modo, a venda designada não deveria ter lugar na medida em que antes da sua realização se verificasse alguma causa que poderia vir a determinar a sua invalidade.

E é isto mesmo que decorre e é aceite nas conclusões de recurso do Apelante quando invoca com único fundamento jurídico em seu abono a violação do disposto no art. 908 nº1 do CPC.

Analisando as causas de invalidade da venda e tomando em primeiro lugar aquelas que no dizer da lei são fundamento de anulabilidade, o art. 908 nº1 do CPC remete para o reconhecimento por parte do comprador, depois da venda, de algum ónus ou limitação que não tivesse sido tomado em consideração e que excedesse os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria ou, ainda, a existência de erro sobre a coisa transmitida por falta de conformidade com o que foi anunciado (art. 908 nº1).

Por sua vez o art. 909 nºs 1 e 2 refere os casos em que a venda fica sem efeito e que ocorrem quando for anulada ou revogada a sentença que se executou; se a oposição à penhora for julgada procedente; se toda a execução for anulada por falta ou nulidade da citação do executado ou se a coisa vendida não pertencia ao executado e foi reivindicada pelo dono; quando depois da venda tenha sido julgada alguma acção de preferência ou deferida a remissão de bens.

Os casos previstos no art. 908 são reconhecidos unanimemente como reportando-se a anulabilidades a favor do comprador e do adjudicatário[1] e são estes e só estes que podem pedir a anulação e simultaneamente a indemnização a que tenham direito quando se verifiquem os demais requisitos estabelecidos no preceito.

Na análise deste pedido de anulação fazemos notar que o comprador não tem de alegar nem provar os pressupostos gerais do erro, sendo a venda anulável mesmo que o destinatário da declaração desconhecesse que as características do bem constituíam um elemento essencial da formação da vontade do comprador[2].

 Os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria a que refere o art. 908 nº1 reconduzem as limitações legais do direito de propriedade e as servidões legais ainda não constituídas mas já não, por integrarem vícios de direito, o usufruto, hipoteca e penhor, etc.[3] Tendo em conta que na venda executiva nos termos do art. 824 nº2 do CC “os bens são vendidos livres dos direitos de garantia que os oneram bem como dos demais direitos reais constituídos posteriormente a qualquer arresto, penhora ou garantia, estes direitos não podem considerar-se compreendidos nos ónus transmitidos ao adquirente; diversamente os direitos em causa são transferidos para o produto de alienação dos respectivos bens (art. 824 nº3 do CC) e ónus e encargos”[4]

Assim, o erro que se pretende precatar no art. 908 do CPC é o que existe quando o comprador, supondo comprar um determinado prédio, compra um outro ou quando a coisa pretendida tem qualidades (jurídicas) diferentes das por ele conjecturadas. Sendo de ter presente no contexto da decisão a proferir que o pedido de anulação pode ser feito dentro do prazo de um ano subsequente ao conhecimento do vício - art. 287 CC podendo ainda o comprador invocar para além do erro quaisquer outros motivos de anulação do negócio jurídico (incapacidade, dolo, coacção) nos termos da lei geral.

Ao lado dos casos de anulação da venda, previstos todos eles no interesse e para defesa do comprador, os outros em que a venda fica sem efeito são os constantes do art. 909, nº 1, alíneas a), b) e c) justificando-se por razões de protecção a executado.

Embora estas causas de invalidade da venda (as do art. 909) não sirvam a decisão a proferir neste recurso, deixamos registado que o primeiro caso respeita à anulação ou revogação da sentença que tenha servido de título executivo e à procedência da oposição à execução ou à penhora; o segundo contempla o caso de invalidade da venda derivado da execução ter ocorrido à revelia do executado e que foi anulada por falta ou nulidade da citação; o terceiro (e o único em que se prevê, também, para lá do executado o interesse dos credores) alude à anulação da venda por vício que atinja directamente a venda por vício que atinja acto anterior de que ela dependa absolutamente, sendo o que se verifica quando por ex. falta a audição do exequente do executado ou dos credores com garantia sobre os bens sobre a modalidade da venda ou o valor (art. 886-A nº1 e 2 CPC), com a falta de notificação do despacho que ordenou a venda (art. 886 –A nº6) e com a omissão do anúncio e edital para a venda por propostas em carta fechada (art. 890 nº1).

Nestes casos referidos, o executado pode pedir a restituição dos bens no prazo de 30 dias a contar da decisão definitiva gozando no entanto o comprador do direito de retenção enquanto não for embolsado do valor do preço e das despesas (art. 909 nº3). Se o executado não pedir a restituição dos bens nos termos preditos a venda não ficará sem efeito restando-lhe apenas o direito de receber o preço por que a venda tenha sido efectuada. 

 Um último caso de venda sem efeito é o de a coisa vendida não pertencer ao executado (art. 909 nº1 al.d) servindo-se o efectivo dono da acção de reivindicação proposta em separada sem dependência da acção executiva e isto quando tenha deixado passar o prazo de se poder opor à penhora através de embargos de terceiro ou estes tenham sido rejeitados na fase introdutória (art. 355 CPC).

Neste contexto normativo o que resulta agora como importante é enquadrar as causas apontadas pelo Apelante como merecedoras de obstar à realização da venda e que, como vimos, teriam de ser as que, depois de realizada a venda, fossem merecedoras de determinar a sua invalidade.

Da mesma forma que sublinhamos como dado incontornável a realização da penhora nos autos do imóvel discutido, de novo tornamos presente que essa penhora, por definição, consistiu na apreensão concreta do bem, isto é, de uma realidade física e corpórea concreta, percepcionável pelos sentidos, independentemente da maneira como essa realidade consta dos elementos documentais que a certificam, maxime, os documentos matriciais e de Registo. Por isso mesmo é que é pacifico na doutrina o entendimento de que a penhora realiza uma dupla função de individualizar e apreender os bens que se destinam aos fins da execução e, por outro lado, a de conservar esses bens assim individualizados na situação em que se encontram evitando que sejam escondidos deteriorados ou alienados em prejuízo da execução[5].

Na decisão do recurso, uma primeira evidência é a de que não está nem foi posto em causa pelo Apelante que a penhora incidiu sobre uma realidade física concreta e determinada, que pode ser objecto de observação, consulta e verificação (vd. art. 891 do CPC), tendo sido essa mesma realidade física corpórea penhorada aquela que foi objecto da venda e que pôde ter sido apreciada nas suas características de área, composição, confrontações e estado de conservação até ao dia de abertura de propostas.

Reforçando esta ideia de a penhora como acto jurídico actuando sobre uma realidade física, a redacção do art. 840 nº1 do CPC impõe que a penhora dos imóveis implique uma efectiva apreensão do bem em vez da tradição formal, representada por um termo no processo, havendo agora sempre lugar a uma tradição efectiva e não apenas, como acontecia anteriormente, quando o depositária encontrava dificuldade em tomar conta dos bens ou tivesse dúvidas sobre o objecto.

Um outro apontamento que julgamos interessante ter presente é o que resulta da leitura do art. 842 nº 1 CPC quando estabelece que a penhora abrange o prédio e todas as partes integrantes desde que não sejam expressamente excluídas e nenhum outro privilégio exista sobre elas, inciso que parece responder por si à alegação de que, afinal, o imóvel estando descrito com uma determinada composição, o ter em concreto mais um sótão ou uma cave não alterará a sua identidade para efeitos de execução, desde que esse eventual novo espaço não tenha autonomia jurídica, cabendo-lhe por exemplo uma outra fracção em regime de propriedade horizontal.

Mais concretamente agora, a penhora do imóvel discutido foi realizada nos autos e foi designada a sua venda com o cumprimento de todos os procedimentos necessários à determinação da modalidade e preço não tendo sido levantada qualquer oposição, nomeadamente, quer quanto a essa modalidade quer quanto a esse preço.

É precisamente na véspera da realização da venda que, às 16.34.50h, a exequente, ora apelante, fez entrar na secretaria do Tribunal um requerimento em que pedia que fosse dada sem efeito essa diligência, não se realizando a venda designada para o dia seguinte, e isto porque a área da construção implantada no terreno não coincidiria com as áreas constantes da matriz e da descrição predial e tais discrepâncias poderiam vir a determinar a impossibilidade de transmissão do prédio a terceiros, nomeadamente efectivação do respectivo registo de aquisição e seriam causas obstativas da venda.

Não citando qualquer preceito legal de onde decorresse o abono jurídico da sua pretensão, nem mesmo juntando a certidão matricial onde estivesse patente qualquer discrepância, o Apelante sustentou no entanto que deveria concluir-se pelo não interesse de realização da venda agendada, passível de vir a ser anulada por eventual adquirente que, após o acto de aquisição, viesse a constatar as ditas anomalias. Mas o teor do requerimento apresentado e que motivou a decisão recorrida não coincide com o teor das alegações de recurso em que concretiza as discrepâncias, o que no requerimento não tinha feito, adiantando que no anúncio da venda o prédio era indicado como descrito na CRP sob o nº… e inscrito na matriz no art. …, quando efectivamente esse artigo está eliminado e foi substituído pelo …; as confrontações do registo e da matriz não coincidem bem como as áreas (apresentando a concretização em metros quadrados) e a descrição, que não contempla uma cave que figura na certidão.

A esta necessária observação de onde se extrai que no requerimento o ora apelante disse menos que aquilo que agora alega em recurso para ser deferida a sua pretensão, teremos de acrescentar uma primeira e igualmente evidente advertência que é a de o objecto do presente recurso ter por finalidade apreciar a decisão recorrida em face dos factos e razões de direito invocados no requerimento apresentado e não perante o teor das alegações de recurso. E isto porque não somos chamados em recurso a decidir se a venda deveria não devia ter sido realizada em face do que se diz nas alegações/conclusões do recurso mas antes se o deveria ou não ter sido em face dos factos invocados no requerimento uma vez que as alegações não servem para corrigir, completar e menos ainda acrescentar o que foi requerido e objecto de decisão em primeira instância, servindo antes para sustentar as razões pelas quais a decisão recorrida não é em face do direito aplicável e dos factos e prova apresentados (no requerimento) a acertada.

Colocados na posição do julgador, perante o requerimento com o teor do apresentado pelo exequente, tendo por universo de conhecimento os elementos documentais existentes nos autos à data da decisão, cremos que não poderíamos dizer nada de muito diferente do que constitui o teor do decidido, nomeadamente quando se faz notar o sentido das considerações aí apresentadas como vagas, imprecisas, destituídas de concretização factual e de alegação de fundamento jurídico, que não sendo de todo necessário vir expressamente invocado, teria algum sentido de rigor como o adverte o art. 467 nº1 al. c) do CPC no âmbito da petição inicial mas aplicável a todos os requerimentos e, aliás, como o vem a fazer, depois, nas alegações de recurso.

Teremos de convir que pretender-se que se dê sem efeito uma venda judicial na véspera da sua realização, protestando-se para esse efeito não haver correspondência da área de construção implantada no terreno com as áreas constantes da matriz e da descrição predial, e que tal conhecimento resultou de uma actividade, sponte sua, alheia ao processo e à actividade do tribunal, ao ter mandado proceder à avaliação do imóvel para apresentar proposta de aquisição, sem apresentar qualquer comprovativo sequer de ter havido alteração ao artigo matricial distinto portanto da existente nos autos e reportada na certidão de registo, constitui uma alegação a que falta, em nosso entender, fundamento jurídico.

A não concretização no requerimento das discrepâncias, alegadas simplesmente em abstracto, tirava desde logo a possibilidade de um juízo concretizador de quais as implicações que essas eventuais discrepâncias pudessem ter na concretização ou não da venda, sem que se possa afirmar, obviamente, que bastaria a alegação das apontadas discrepâncias, ainda que não concretizadas para que o tribunal tivesse de assumir uma atitude de dúvida quanto à existência ou não de discrepâncias (ainda que sem saber quais eram por não terem sido concretizadas) e, como tal, não só tivesse dar sem efeito a diligência designada como também colocar o processo a aguardar as correcções que viessem a ser necessárias em termos de matriz, de registo e licenciamento, fazendo-se notar que o requerente não concretizava também que diligências seriam essas e, menos ainda, tomava a iniciativa de as requerer.

No entender do requerente/exequente, para obstar a uma diligência de venda que teve na base a penhora, o cumprimento da observância dos prazos e procedimentos que lhe eram oponíveis, os procedimentos referentes à escolha da modalidade da venda e preço, todos eles com o conhecimento da exequente e a sua convocação a sindicar e participar nesses procedimentos, afinal, para obstar à venda, dizíamos, bastaria vir na véspera com um requerimento com o teor do apresentado e invocando um interesse de terceiros (dos eventuais compradores) e não próprio.

Não nos parece aceitável porém esta solução. Se, como o Apelante parece pretender sugerir, todos os documentos que nas alegações de recurso juntou já estavam disponíveis nos autos[6], nesta hipótese, não se entenderia que nas diversas notificações que lhe foram feitas a partir da penhora e deste acto inclusive, não tivesse tido a diligência de fazer notar as eventuais discrepâncias que desde a penhora existiriam e que, aliás diga-se, se não eram obstativas da penhora menos o seriam da realização da venda. Ou seja, se a alegação que vertia no requerimento reportava uma situação já existente desde o momento da penhora ter-lhe-ia cumprido assinalar o que considerava ser uma anomalia mas que, decididamente, o tribunal não considerava uma vez que ao determinar a venda o fez no pressuposto de que a instância continha todos os requisitos de regularidade para que fosse designada e a tanto ninguém se tinha oposto (vd. o art. 809 CPC sobre os poderes do juiz na execução).

Se a imprecisão do requerimento apontada na decisão de recurso podia e devia ser conjugada com o teor do anúncio da venda, conforme pretende o Apelante, e se o tribunal não via nesse anuncio qualquer irregularidade, pois havia determinado a venda, então era exigido ao requerente que reclamando o que entendia ser uma irregularidade, apontasse em concreto as específicas discrepâncias por referência a esse anúncio uma vez que em matéria de articulados/requerimentos nenhum documento ou suporte documental dispensa a alegação do que ele contem ou, no mínimo, a sua menção (no requerimento) com a sinalização do que nele importa. 

Quer com isto dizer-se que se o requerimento constituía um mero convite a uma actividade oficiosa do juiz no sentido de verificar irregularidades no processo que obstassem à venda, a decisão recorrida podia ser entendida como um recusar desse convite por o tribunal entender que tudo estava conforme a permitir a venda e o recurso ora interposto, dirigido à inércia de actividade oficiosa do juiz, nos termos em que o foi, não faria sentido. Mas se, como obviamente é, o requerimento solicitava uma decisão sobre uma irregularidade que o exequente considerava existir, então a exigência de concretização dos factos, da prova e das razões jurídicas que assistiam à razão que reclama impunha um teor do requerimento diferente no sentido já apreciado.     

Analisando mesmo assim, perante essa insuficiência de alegação de factos e indicação de prova no requerimento, a perspectiva da possível configuração jurídica da pretensão do requerente e que ele só enuncia nas alegações de recurso, defender-se que o deferimento, dando sem efeito a venda, cabe na previsão do art. 908 nº1 do CPC não tem sustentação, logo quando voltamos a ter presente que esse normativo tem na sua previsão o interesse exclusivo do comprador.

A decisão recorrida, embora sem o apoio de nenhuma invocação do requerente, aponta isso mesmo quando num juízo que pretendeu de completude e de procura de um eventual fundamento jurídico para enquadrar o requerido, deixou expresso que o processo na fase da venda não se encontra na disponibilidade do exequente, sendo necessário acautelar os interesses dos Executados também dos potenciais compradores, adiantando ainda que “sem prejuízo de existir essa possibilidade de anulação da venda ou de redução do preço, em face da referida divergência, a verdade é que o único proponente, tomando conhecimento do referido requerimento, opôs-se frontalmente a tal adiamento, o que permite considerar que tal hipótese, apesar de possível, é, neste momento, uma remota conjectura, a qual não constitui fundamento suficiente de adiamento da presente diligência ou de suspensão da presente execução.

Aliás, sempre se deve dizer, que tomando o comprador conhecimento da divergência, antes da realização do negócio e não obstante tal conhecimento, decidir manter a sua proposta, dificilmente poderá ver declarada a anulação da venda”.

Isto é, o tribunal recorrido indo até além do que era necessário ao simples indeferimento, por entender que ele não trazia qualquer invocação concreta ou concretizada da existência de qualquer irregularidade processual ou outra que obstasse à venda, analisou a pretensão do exequente na dimensão já por nós assinalada e que é a de se ir à procura de saber se as causas protestadas para dar sem efeito a venda, a existirem, importariam, depois, a anulação da venda, concluindo pela negativa.

O exequente podia diligenciar dentro e fora do processo pela obtenção de todos os elementos necessários a propor para venda um preço maior, ou mesmo para requerer, se o achava essencial, que se fizesse corresponder à realidade física penhorada a descrição matricial ou o de registo, esperando depois a decisão do tribunal. Contudo, aquilo que realize fora do processo corre por sua conta e risco, no sentido de, dentro dele, apenas relevar o que a lei valida e traduz como actos processuais, maximé, na interacção própria de requerimentos e decisões.

Não foi no entanto o valor indicado para a venda nem a sua modalidade que o recorrente colocou em causa no requerimento que mereceu o indeferimento, mas antes que estaria na disposição de fazer proposta de compra muito superior aquela pelo qual o bem foi vendido se constassem outras confrontações, outro artigo matricial e outra composição do prédio. 

O exequente não estava impossibilitado, assim, sendo ou não sua prática corrente, como afirma, de solicitar as avaliações particulares que quisesse ao imóvel penhorado bem como a inteirar-se da sua área e composição, estado de conservação ou qualquer outra circunstância que considerasse importante para apresentar ou não qualquer proposta de compra. Não cremos é que possa invocar para a não realização da venda um princípio de confiança sem consagração legal e ao abrigo do qual sustenta que não apresentou melhor proposta para o imóvel que aquela pelo qual ele foi vendido porque, existindo discrepância entre as áreas constantes da descrição predial, matricial e as tomadas no terreno, tal importava automaticamente que se desse sem efeito a venda.

A propósito do interesse nas indicações fornecidos pelos documentos matriciais e de registo e eventuais desconformidade das áreas, confrontações ou quaisquer outras circunstâncias descritivas dos prédios, no que concerne ao poder probatório, é unânime na jurisprudência que a certidão de registo apenas faz presumir o direito inscrito e a sua pertença ao respectivo titular, presunção esta que não abrange as circunstâncias descritivas (tais como confrontações e áreas) não percepcionadas oficiosamente, mas apenas declaradas pelo interessado, o mesmo se passando quanto às certidões matriciais dos imóveis no que toca à sua descrição e ao conteúdo de um prédio numa escritura notarial. Ou, no dizer impressivo do STJ, “No que diz respeito às confrontações, áreas e limites de determinado prédio, as declarações insertas em escrituras públicas e certidões matriciais e registais valem o que valem e o julgador utiliza-as, ou não, para fundamentar a sua (livre) convicção”[7].

Aplicando este entendimento no que ele pode ter de interessante ao caso em decisão, cremos que deve ser assumido como prioritária a acepção de que o importante na execução é saber que realidade em concreto foi penhorada e é colocada em venda, se essa realidade tem correspondência a um artigo matricial e a uma descrição de registo e se todos os interessados no processo (v.g. exequente, executado, credores, compradores) podem ter conhecimento exacto e inequívoco, percepcionável pelos sentidos de qual é essa realidade que foi penhorada e é colocada em venda, a tanto não obstando que entre a matriz e o registo exista qualquer discrepância de área, confrontações ou até de descrição da composição.

Não existe qualquer dúvida no processo sobre qual o bem que foi penhorado e que ele possui, efectivamente, um determinado artigo matricial e uma descrição de registo que lhe corresponde, não sendo a eventualidade de em recurso se vir alegar que o artigo matricial foi substituído por outro que impõe a conclusão de o prédio ser diferente, podendo quando muito ter sido o artigo substituído mas continuando o bem como identidade físico-jurídica a mesma.

Confirmação disto mesmo é a circunstância de, quer a penhora, quer os ónus e encargos sobre o prédio discutido, serem certificados pela certidão de registo constante dos autos e que diz respeito, precisamente e sem qualquer dúvida, a essa realidade física penhorada, querendo com isto afirmar-se, com toda a segurança e certeza jurídica, qual o imóvel penhorado. E qualquer pessoa pôde em concreto apreciar esse prédio na sua área, limites, composição, confrontações e demais características, sendo também a esse imóvel que corresponde o artigo matricial e a certidão de registo existente nos autos à data da realização da venda, ainda que eventualmente tenha havido alteração do número do artigo matricial (sem que essa informação tenha sido fornecida no processo até à data da venda, inclusive).

Acresce ainda que, como é feito notar na decisão recorrida, o interesse no qual está construído o art. 908 nº1 do CPC é exclusivo do comprador e não tendo este reclamado a nulidade da venda, bem pelo contrário, tendo até declarado que no conhecimento da invocação de discrepâncias se opunha à anulação da diligência de venda, este seu conhecimento cremos que faz tacitamente precludir a possibilidade de no prazo de uma ano (art. 287 CC), com esses motivos, poder arguir a anulabilidade da venda. O que é reconhecido pelo próprio apelante quando no requerimento apresentado invocava não um interesse seu mas sim o de terceiros, precisamente o dos eventuais compradores.

Centrando-nos agora, em síntese, no conteúdo das conclusões de recurso, e revertendo nesta síntese tudo o que antes afirmámos, afigura-se-nos que as discrepâncias apontadas no requerimento, da forma como o foram, e bem assim ainda que existissem no concreto da invocação que só nas alegações é realizado, não têm a possibilidade de obstar à realização da venda por não constituírem nenhum causa de possível invalidade da mesma e por as discrepâncias de área, confrontações ou composição do imóvel existente na matriz ou no registo não constituírem, no caso, obstáculo ao conhecimento completo e exacto da realidade do prédio que foi penhorado e vendido. Diga-se também, que não nos parece argumento de valor o protestar que essas discrepâncias tornam impossível a revenda do imóvel porquanto, qualquer que seja o proprietário, se quiser corrigir área, confrontações ou composição do seu imóvel, sempre o poderá fazer sem que isso impossibilite, se não o fizer, a venda do prédio, bastando convocar a realidade do quotidiano e ter presente os inúmeros casos em que essas discrepâncias ocorrem sem serem rectificadas e sem que isso constitua entrave à venda ou ao comércio jurídico.  

Quanto à segunda conclusão de recurso, contrariamente ao afirmado pelo recorrente, o tribunal recorrido não reconheceu a existência de quaisquer discrepâncias, que aliás não eram apresentadas em concreto no requerimento, tendo antes, como nós mesmos aqui o fizemos nesta decisão de recurso, afirmado que mesmo a existirem discrepâncias dessa natureza elas não conduziam à anulação da venda que só poderia ser invocada pelo comprador em favor de quem está instituído o art. 908 nº1 do CPC, alertando para o facto de o comprador não só nada ter alegado bem como, advertido da invocação de eventuais discrepâncias renunciou ao direito de as invocar ao opor-se a que a venda fosse dada sem efeito.

Por último, cremos que não tem fundamento legal o dizer-se na conclusão 3 que a decisão recorrida não atendeu ao interesse do credor e devedor ao manter a realização da venda desconforme ao anuncio da praça, porque a realidade do bem na sua área e composição implicaria maior valor. É que a realidade do bem, como já o dissemos várias vezes é a mesma, porque essa realidade é a que resulta da percepção dos sentidos e pôde ser verificável por todos os interessados no local a partir da penhora, nos seus elementos de área, composição, confrontações ou estado de conservação, não havendo dúvidas nem o recorrente tendo nunca posto em causa que seja o prédio, rectius, a totalidade do prédio pertencente ao executado, com a sua composição, confrontações e área reais, aquele que foi penhorado e que foi objecto de venda, nada lhe tendo obstaculizado que pudesse ter-se apresentado na venda e proposto, para essa realidade penhorada, o preço que entendia justo.

É evidente que se o exequente entendia ou entendeu que em vez de apresentar proposta de compra por valor que considerava mais justo só deveria apresentar uma proposta se não existissem as discrepâncias que considerava ocorrerem, essa sua decisão assume o risco de poder ver indeferida a sua pretensão de julgar que nisso existira causa para anulação da venda.

O interesse relevante que nesta fase do processo (a da venda) pode ser o dos credores, do exequente ou dos executados, não se afere pelo que cada um tome por mais conveniente na casuística economia dos resultados mas sim por aquilo que as normas legais que regem a venda em processo executivo determinam, e este, como o dissemos, é exclusivamente o do comprador de acordo com o citado art. 908 nº1. É por estas razões que não basta invocar que um preço superior da venda satisfaria melhor os interesses dos executados e do exequente, ou que a finalidade da venda tem como fim e limite a satisfação dos valores englobados na execução na decorrência do disposto no art. 886 - B do CPC. A obtenção deste maior valor faz-se segundo as normas que regem a venda e que remetem para a fixação do preço base e da modalidade, garantindo também um justo e livre acesso de todos os interessados à compra garantindo a possibilidade de todos poderem saber que bem foi penhorado e está em venda, de forma a permitir consequentemente que cada um possa fazer as suas propostas.

Decidido se existem ou não causas que se oponham à efectivação da venda e que serão as mesma que poderão torná-la inválida depois de ela se realizar, consideramos irrelevante invocar que noutras condições se teria podido conseguir ou não um preço maior com satisfação do exequente executado e credores se essas condições reclamadas por quem as invoque não constituírem uma das causas de invalidade.

Assim, se o ora recorrente defende que estaria na disposição de oferecer três vezes ou duas vezes e meia mais que o valor pelo qual foi vendido o imóvel mas somente no caso de as discrepâncias que reclame estarem resolvidas, o tribunal recorrido não tem de atender a essa promessa de possibilidade de obtenção de um valor maior para sustar a venda mas sim, e somente, a saber se existe algum fundamento legal que determine, em termos de regularidade processual, seja ela proveniente da citação do executado, seja dos procedimentos de penhora, modalidade da venda, valor desta ou outros, que a venda não se possa realizar.

Decidindo que nenhuma dessas causas ocorre, então a questão que importa não é a de apurar se podia ser conseguido um valor superior para a venda mas antes se o valor obtido o foi mediante as normas legais aplicáveis e como já o afirmámos a venda não se encontra viciada por nenhuma causa de invalidade.

Assim improcede a Apelação e confirma-se a decisão recorrida.

Sumariando a decisão, nos termos do art. 713 nº 7 do CPC, deixa-se expresso que:

- As causas de anulação da venda em execução expressas no art. 908 do CPC estão estabelecidas no interesse exclusivo do executado e as causas de invalidade da venda previstas no art. 909 estão estabelecidas no interesse do executado e, também, no interesse dos credores no caso estabelecido na al.c) do nº1 deste preceito. 

- O comprador para lá das causas de anulação da venda previstas em seu favor no art. 908 do CPC pode invocar para além do erro constante nesse preceito quaisquer outros motivos de anulação do negócio jurídico (incapacidade, dolo, coacção) nos termos da lei geral.

- Sendo fisicamente identificável o imóvel penhorado, podendo na realidade e em concreto ser apreciado e certificado pelos interessados na venda nas suas características físicas, nomeadamente, na sua área, composição, confrontações e estado de conservação, sendo também o imóvel penhorado o que corresponde ao artigo matricial respectivo e à certidão de registo (existentes nos autos) necessária a confirmação da existência de ónus e encargos, a eventual discrepância de área, alteração de artigo matricial não certificada nos autos ou diferente composição não obsta à realização da venda uma vez que a possibilidade de confirmação física do bem penhorado garante a certeza e segurança jurídica na obtenção do preço. 

Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a Apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas Pelo Apelante

Manuel Capelo (Relator)

[1] Não cabe nesta previsão o consignatário, uma vez que para este não se transfere a propriedade dos bens do devedor ou de terceiro mas somente o direito de receber os frutos, conforme o refere Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução, p. 407.

[2] Vd. Amâncio Ferreira, op. cit. p. 408 e em sentido coincidente M. Teixeira de Sousa, in Acção executiva p. 396.

[3] Vd. Pires de Lima e Antunes Varela, C.Civil Anotado vol. II p. 197
[4] Amâncio Ferreira, op. cit. p. 408
[5] Vd. Amâncio Ferreira, op. cit p. 200, fazendo a recensão dos autores e citando Liebman.
[6] Sem ser necessário à decisão a proferir o apreciar esse aspecto neste momento, nomeadamente para determinar da junção indevida de documentos com as alegações e respectiva condenação em multa, parece que manifestamente aquele documento da entidade tributária que refere um novo artigo matricial para o prédio não estaria ainda nos autos quando foi realizada a venda e só terá sido junto com as alegações de recurso.

[7] Ac. STJ 4-3-2004 no proc. 03B3015 , in dgsi.pt