Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1119/09.8TBAVR.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: UNIÃO DE FACTO
PRESTAÇÃO SOCIAL
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Data do Acordão: 05/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CBV AVEIRO JGIC JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: LEI 23/2010, DE 30 DE AGOSTO
Sumário: As alterações que a Lei n.º 23/2010 de 30 de Agosto introduziu no regime de prestações sociais em caso de óbito de um dos elementos da união de facto beneficiário de sistema de Seguran­ça Social, aplicam-se às situações em que o óbito do beneficiário ocorreu antes da entrada em vigor deste novo regime.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


I

A... instaurou, no Juízo de Grande Instância Cível de Aveiro, da comarca do Baixo Vouga, a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra o Instituto de Solidariedade e Segurança Social IP, pedindo que se declare ser titular de prestações por morte de B... , no âmbito do regime de Segurança Social.

Alegou, em síntese, que viveu com B..., em condições análogas às dos cônjuges, durante vários anos e até à morte deste em Abril de 2008. Mais alega que se encontra numa situação de insuficiência económica e impossibilidade de a suprir.

O réu contestou dizendo, em suma, desconhecer a situação económica da autora.

Proferiu-se despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e elaborou-se a base instrutória.

Julgou-se extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, em virtude da entrada em vigor da Lei 23/2010 de 30 de Agosto.

O réu interpôs recurso desse despacho, tendo então sido proferida decisão a revogá-lo e a ordenar o prosseguimento da acção.

Realizou-se julgamento e proferiu-se sentença em que se decidiu:

"Pelo exposto, julga-se a acção procedente e, em consequência, declara-se o direito da A. a receber do R. as prestações sociais por óbito de B...."

Inconformado com tal decisão, o réu dela interpôs recurso, que foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, findando a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

1. Por sentença ora recorrida, que correu termos pelo Juiz 3, Processo N.º 1119/09,8TBAVR da Comarca do Baixo Vouga, Aveiro, Juízo de Grande Instância Cível, o ora recorrente foi condenado a reconhecer à Autora o direito às prestações por morte de B..., beneficiário n.º 11164136010, para efeitos do disposto no art. 6.º da Lei n.º 7/2001 de 11 de Maio.

2. Considerou o meritíssimo Juiz a quo julgar a presente acção procedente ao abrigo da Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto, com fundamento na Lei Nova (Lei n.º 23/2010), que considera ter natureza interpretativa, integrando-se, de acordo com o n.º 1 do art. 13.º do Código Civil, na lei interpretada e sendo, consequentemente, de aplicação imediata

3. Com a prolação do Acórdão n.º 88/2004, DR II Série de 16.04.2004 do Tribunal Constitucional, certa Jurisprudência que aceitou, temporariamente, a desnecessidade de alegação e prova de todos os requisitos enunciados no art. 2020.º, em conjugação com o art. 2009.º ambos do CC, rapidamente inflectiu e corrigiu esse entendimento, com base nas decisões subsequentes proferidas, tanto pelo TC, como pelo STJ.

4. Jurisprudência essa hoje, minoritária, em face daquela que emana da que vem vertida no Acórdão do Plenário do TC n.º 614/2005, de 09.11.2005, que considerou não serem inconstitucionais as normas do art.º 8.º do DL n.º 322/90, de 18/10, do Dec. Reg. n.º 1/94, de 18/01 e da Lei 7/2001, de 11/05, na parte que fazem depender a atribuição das prestações por morte de um beneficiário da Segurança Social a quem com ele conviva em união de facto, da prova de todos os requisitos previstos no n.º 1 do art.º 2020.º do C Civil.

5. Pelo que, mal esteve o douto Tribunal "a quo" quando decidiu que, tendo a A. demonstrado o estatuto pessoal de membro sobrevivo de união de facto, dissolvida por óbito do beneficiário do R., tem direito às por prestações morte.

6. Efectivamente, como é fácil de constatar, no caso sub júdice não foram dados como provados os factos integradores desta causa de pedir complexa, que é o reconhecimento do direito à qualidade de titular de prestações por morte da Segurança Social

7. É o que se verifica, nomeadamente, no que concerne à prova da impossibilidade dos familiares constantes das alíneas b), c) e d) do art.º 2009.º do C Civil (descendentes, ascendentes e irmãos) em suprirem Junto da Autora as carências alimentícias de que necessita.

8. A mais recente Jurisprudência do STJ, Ac. de 23/01/2012, da 7.a Secção, proferido no Proc 1047/10.4TBFAR.E1.S1 veio entender que as alterações propostas pela nova lei das uniões de facto (alterações provocadas pela entrada em vigor da Lei n.º 23/2010, de 30/08) se aplicam só aos óbitos ocorridos após o dia 04.09.2010, data da sua entrada em vigor.

9. Sustenta aquele Acórdão que, para além da natureza não interpretativa e não retroactiva da Lei 23/2010, existe um outro entrave ao acolhimento da tese que pretende que a nova LUF é aplicável de imediato aos óbitos ocorridos antes do dia 04 de Setembro de 2010, e que tem a ver com o disposto no artigo 15.º do DL n.º 322/90, de 113/10, que ainda se encontra em vigor e que refere "As condições de atribuição das prestações são definidas à data da morte do beneficiário",

10. O Disposto neste artigo permite-nos desde logo extrair a seguinte conclusão: se era à data da morte do companheiro da ora recorrida que se fixavam as condições de atribuição das prestações sociais (definidas naquele DL) a que esta poderia aceder," logo se vê que não pode a LN (que veio fixar outras condições de atribuição) aplicar-se ao caso dos autos, ou seja, retroactivamente.

11. Relativamente à natureza interpretativa da Lei 23/2010, a intenção do legislador que a nova lei se integre na que lhe antecedia é essencial pois, como refere Francisco Ferrara "nem toda a decisão legal de uma controvérsia preexistente deve considerar-se interpretação autêntica, bem podendo suceder que o legislador tenha querido somente afastar dúvidas para o futuro, sem pretender que a nova lei se considere como conteúdo da lei antiga".

12. Como refere o Ac do STJ de 23/01/2012, caso a Lei 23/2010 se tratasse de uma lei interpretativa, integrar-se-ia na lei interpretada o que quer dizer que retroagia os seus efeitos até à data da entrada em vigor da lei antiga (Lei 7/2001), tudo ocorrendo, como se tivesse sido publicada na data em que o foi a lei interpretada.

13. E continua aquele Acórdão dizendo que, "o simples facto de uma lei consagrar uma solução que já na lei anterior certa jurisprudência ou certa doutrina julgava consagrada não é suficiente para se atribuir natureza interpretativa àquela lei, pois não é indício seguro de que esta queira ter eficácia retroactiva, o que dada a sua gravidade, não pode, sem mais, presumir-se".

14. Ainda na senda cio referido acórdão, e segundo Baptista Machado, "para que uma lei nova possa ser interpretativa são necessários dois requisitos' que a solução do direito anterior seja controvertida ou, pelo menos, incerta, e que a solução definida pela lei nova se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites impostos normalmente à interpretação e aplicação da lei."

15. Ora, continuando a citar o douto Aresto, "tais requisitos não se verificam. Na verdade, se alguma divergência houve na Jurisprudência, tudo se normalizou, depois do Tribunal Constitucional não haver julgado inconstitucionais as normas do art. 8.º do DL 322/90 e do art. 3.º, n.º 1 do DR n.º 1/94, quando interpretadas no sentido de que a atribuição da pensão de sobrevivência por morte do beneficiário da Segurança Social a quem com ele convivia em união de facto depende da obtenção de sentença judicial que lhe reconheça o direito a alimentos da herança do falecido nos termos do n.º 1 do art. 2010.º do Código Civil ou, no caso de não ser reconhecido tal direito, com fundamento na inexistência ou insuficiência dos bens da herança, do reconhecimento judicial da qualidade de titular daquela prestação, obtida mediante acção declarativa proposta contra a instituição de segurança social competente para a atribuição da mesma prestação".

16. Por outro lado, pode ler-se ainda no Ac. de 23/01/2012, do STJ, " ... na exposição de motivos do Partido Socialista n.º 280/XI que serviu de base ao texto da Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto, e que previa como único requisito para a atribuição das prestações por morte da Segurança Social a prova duma relação de união de facto entre a requerente e o falecido beneficiário do regime geral, por um período superior a dois anos antes da morte, podia ler-se o seguinte:

«O projecto de lei que agora se apresenta tem em conta o trabalho desenvolvido no âmbito do grupo de trabalho que elaborou o texto final, designadamente colhendo a formulação sobre o direito à pensão de sobrevivência, mais equitativa e que melhor responda à injustiça actualmente em vigor»."

17. Concluindo o douto Aresto, "Não se oferecem, pois, dúvidas que a intenção não foi a de precisar uma legislação anterior ambígua a exigir um esclarecimento, mas sim o de alterar uma legislação que se considerava injusta e que, portanto, importava mudar.

Dai que não seja possível classificar esta Lei como interpretativa, uma vez que o legislador não teve essa intenção".

18. A luz deste lapidar entendimento do STJ, não restam dúvidas que a douta sentença ora recorrida, quando defende a natureza interpretativa da Lei 23/2010 e a integração ela mesma na lei Interpretada, de acordo com o n.º 1 do art. 13.º do CC, sendo de aplicação imediata, carece totalmente de fundamento porque contrária ao espírito daquela Lei e á intenção do legislador.

19. Efectivamente, a intenção do legislador não foi a de determinar ou solucionar uma lei anterior controversa ou incerta, mas sim a de alterar uma legislação que se considerava injusta e pouco equitativa porque criadora de desigualdade entre casados e unidos de facto, relativamente aos requisitos para atribuição da pensão de sobrevivência a uns e a outros

20. A interpretação defendida na douta sentença ora recorrida viola por isso, o Princípio da Aplicação nas Leis no Tempo previsto no n.º 1, do art. 12.º do CC, quando considera que a Lei na 23/2010, de 30 de Agosto, tem natureza interpretativa integrando-se na lei interpretada, nos termos do art. 13.º do CC, sendo por isso de aplicação imediata

21. Termos em que, se considera que a Lei 23/2010 não se aplica aos casos em que um dos membros da união de facto, beneficiário da segurança social, faleceu antes da sua entrada em vigor, não tendo por isso eficácia retroactiva, quer por não se verificarem os pressupostos exigidos na 2.a parte do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, urna vez que a união de facto se dissolve com o óbito de um dos seus membros, quer por tal aplicação ser afastada pelo art. 15.º do DL 322/90, quer finalmente, por esta lei não ser interpretativa da Lei 7/2001.

22. Assim não ficou a autora dispensada de alegar e provar os requisitos exigidos para beneficiar das prestações da Segurança Social por óbito do companheiro, nos moldes estabelecidos na Lei 7/2001, primitiva redacção e demais legislação aplicável, supra referida.

Termina pedindo que a sentença recorrida seja "revogada, com as legais e necessárias consequências."

A autora não contra-alegou.

Face ao disposto nos artigos 684.º n.º 3 e 685.º-A n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil[1], as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir consiste em saber se o regime decorrente da Lei na 23/2010 de 30 de Agosto é aplicável à situação dos autos.


II

1.º


Estão provados os seguintes factos:

1 - No dia 12.4.08, faleceu, no estado de divorciado, B..., beneficiário da segurança social (al. A).

2 - A A. é solteira e é filha de C... e de D..., já falecidos (al. B).

3 - E... nasceu a 3.8.02 e é filho da A. e de B... (al. C).

4 – Desde, pelo menos, 1987 até à morte de B..., a A. e aquele residiam na mesma casa (resposta ao 1º da BI).

5 - Comiam juntos (resposta ao 2.º da BI).

6 - Dormiam na mesma cama (resposta ao 3.º da BI).

7 - Vivendo dos rendimentos que aquele obtinha e ambos partilhavam (resposta ao 4.º da BI).


2.º

A Meritíssima Juíza julgou procedente o pedido formulado pela autora, por entender que, sendo aplicável o regime da Lei 23/2010, aquela pretensão tinha aí acolhimento.

O réu discorda de tal entendimento, considerando que este diploma não se aplica ao caso dos autos, pois só abrange os óbitos ocorrido após 4 de Setembro de 2010, o que não acontece nesta acção, dado que o companheiro da autora faleceu em 2008.

A questão não é nova e tem sido intensamente debatida nos nossos tribunais nos últimos meses.

E dessa discussão resultaram decisões contraditórias, por não haver consenso quanto ao enquadramento jurídico que deve ser tido como o mais adequado.

Essa querela deu origem a um acórdão para uniformização de jurisprudência do STJ de 15-3-2012, proferido no processo 772/10.4TVPRT.P1.S1[2], mas que, por agora, não se encontra publicado no Diário da República. Significa isso que esta decisão ainda não assumiu a força jurídica de acórdão de uniformização de jurisprudência, mas não deixa de ser mais uma e com a particularidade de ser subscrita pelos Ex. Sr. Conselheiros das Secções Cíveis do STJ[3].

Aí decidiu-se que "a alteração que a Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto, introduziu na Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, sobre o regime de prestações sociais em caso de óbito de um dos elementos da união de facto beneficiário de sistema de Seguran­ça Social, é aplicável também às situações em que o óbito do beneficiário ocorreu antes da entrada em vigor do novo regime."

Nesse aresto afirma-se que:

"no sentido de se restringir a aplicação do novo regime aos casos despoletados a partir de óbitos posteriores à data da entrada em vigor da Lei nº 23/2010.

A mesma encontrou eco nos seguintes arestos proferidos neste Supremo Tribunal até esta data:

Ac. STJ, de 24-2-11
GRANJA da FONSECA
7ª Secção
(www.dgsi.pt e CJSTJ, tomo I)
Ac. STJ, de 19-1-12[4]
GRANJA da FONSECA
7ª Secção
(www.dgsi.pt)

E "sujeitando ao novo regime também as situações emergentes de óbitos ocorridos em data anterior ao início de vigência da Lei n.º 23/2010 (…).

A mesma foi assumida nos seguintes acórdãos alinhados por ordem cronológica:

Data
Conselheiro Relator
Secção
Fonte
Ac. STJ, de 7-6-2011
SALAZAR CASANOVA
6ª Secção
(www.dgsi.pt)
Ac. STJ, de 16-6-2011
SÉRGIO POÇAS
7ª Secção
(www.dgsi.pt)
Ac. STJ, de 6-7-2011
SALRETA PEREIRA
6ª Secção
(proc. 53/10.3TBSRP.E1.S1)
Ac. STJ, de 6-7-2011
PIRES da ROSA
7ª Secção
(www.dgsi.pt e CJSTJ, tomo II)
Ac. STJ, de 12-7-2011
MOREIRA ALVES
1ª Secção
(www.dgsi.pt)
Ac. STJ, de 6-9-2011
AZEVEDO RAMOS
6ª Secção
(www.dgsi.pt)
Ac. STJ, de 13-9-2011
HÉLDER ROQUE
1ª Secção
(www.dgsi.pt)
Ac. STJ, de 22-9-2011
SILVA GONÇALVES
1ª Secção
(www.dgsi.pt)
Ac. STJ, de 4-10-2011
JOÃO CAMILO
6ª Secção
(proc. 93/09.5TVLSB.L1.S1)
Ac. STJ de 27-10-2011
JOÃO BERNARDO
2ª Secção
(www.dgsi.pt)
Ac. STJ de 23-11-2011
TAVARES de PAIVA
2ª Secção
(www.dgsi.pt)
Ac. STJ, de 10-1-2012
MOREIRA ALVES
1ª Secção
(proc. 1938/08.2TBCTB.C1.S)
Ac. STJ, de 31-1-2012

Ac. STJ, de 23-2-2012

TÁVORA VÍTOR

SÉRGIO POÇAS

7ª Secção

7a Secção

(proc. 6014/09.8TBVLSB.L1.S1)

(proc. 4249/08.0TBMAI.P1.S1)

A quantidade de acórdãos, em tão curto período de tempo, com multiplicidade de relatores, dispersos pelas diversas secções cíveis, revela que foram ponderadas todos os argumentos em redor da referida questão de direito, e permite asseverar que relativamente à mesma questão, de natureza transitória, existe o que pode apelidar-se de jurisprudência constante ou reiterada deste Supremo Tribunal de Justiça (cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito-Introdução e Teoria Geral, 13.a ed., págs. 320 e segs.). "

E aí conclui-se afirmando que:

«A resposta maioritária à questão sob análise é alcançada seguindo dois percursos alternativos: com recurso à regra constante do art. 12.º, n.º 2, 2.ªl parte, do Código Civil (maioria dos arestos deste Supremo Tribunal), ou por aplicação directa da 1.ª parte do seu n.º 1 (TEIXEIRA de SOUSA e Ac. do STJ, de 16-6-11 - SÉRGIO POÇAS).

É comum a ambos os trajectos o reconhecimento de que o direito a prestações sociais a favor do elemento sobrevivo da união de facto assenta na invocação do respectivo estatuto de unido de facto que, de acordo com a nova lei, ficou dispen­sado da prova da necessidade de alimentos, assim como da prova da impossibilida­de de os obter de seus familiares.

Assim, também com TEIXEIRA de SOUSA (acompanhado, neste aspecto, por diversos arestos deste Supremo Tribunal), podemos afirmar que o que exclusivamente interessa para efeitos de aplicação do novo regime é apurar se "no momento em que o membro sobrevivo pretende constituir o direito às prestações sociais, se encontra preenchido o pressuposto do qual a lei faz depender a constituição desse direito", sendo "irrelevante o momento em que ocorreu a morte do membro da união de facto".»

Há, assim, nesta matéria uma jurisprudência quase uniforme do STJ e parece estarmos nas vésperas de termos um acórdão de uniformização de jurisprudência que consagra tal corrente esmagadoramente maioritária.

Os acórdãos de uniformização de jurisprudência, sendo certo que já não tem hoje o carácter vinculativo que tinham os Assentos, têm, necessariamente, uma força acrescida em relação a qualquer outra decisão judicial, mesmo do STJ. Não se trata de mais uma decisão; ela é a decisão que, na respectiva matéria, todas as que se lhe seguirem devem ter presente e que em relação a elas terá uma "força persuasiva"[5] e "a discordância, a existir, deve ser antecedida de fundamentação convincente, baseada em critérios rigorosos, em alguma diferença relevante entre as situações de facto, em contributos da doutrina, em novos argumentos trazidos pelas partes e numa profunda e serena reflexão interior"[6]. Convém não esquecer que a segurança (que se alcança por esta via) é um dos fins do Direito ou "uma das exigências feita ao Direito"[7], pois é ela que nos "permite prever os efeitos jurídicos dos nossos actos e, em consequência, planear a vida em bases razoavelmente firmes"[8]. Na verdade, «como conhecimento prévio daquilo com que cada um pode contar para, com base em expectativas firmes, governar a sua vida e orientar a conduta, a segurança jurídica aparece-nos sob a forma de "certeza jurídica"»[9].

No caso dos autos, regista-se que a sentença proferida, ao aplicar à situação dos autos o regime decorrente da Lei 23/2010, está conforme a mencionada jurisprudência maioritária do STJ[10], e pelos motivos expostos, não merece, nesse aspecto, qualquer censura.


III

Com fundamento no atrás exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelo réu.

                                                           António Beça Pereira (Relator)

                                                               Nunes Ribeiro

                                                              Hélder Almeida


[1] São deste código todas as normas adiante mencionadas sem qualquer outra referência.
[2] Em que, aliás, é réu o aqui réu.
[3] Com dois votos de vencido.
[4] É o acórdão citado pelo réu nas suas alegações.
[5] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil Novo Regime, pág. 425.
[6] Abrantes Geraldes, obra citada, pág. 427.
[7] Batista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 18.ª Reimpressão, pág. 55.
[8] Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, 4.ª Edição, pág. 75.
[9] Batista Machado, obra citada, pág. 57.
[10] A que ainda podemos acrescentar o Ac. STJ de 17-4-2012 no Proc. 347/08.8TBMGL.C1. S1