Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2784/11.1TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: FIXAÇÃO JUDICIAL DE PRAZO
OBRIGAÇÃO PURA
PRAZO
SUPRIMENTOS
Data do Acordão: 05/22/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA 5º J C
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 1456 CPC, 777 CC, 243, 245 CSC
Sumário: I - A ação especial de fixação judicial de prazo, visa unicamente a fixação de prazo para as situações previstas no artº 777º nº2 do CC, ou seja, naqueles casos em que, não obstante a falta de estipulação ou disposição legal de prazo para o cumprimento, a prestação não pode ou não deve ser imediatamente exigida atenta a sua natureza, as circunstancias que a determinam, lhe subjazem ou envolvem, ou os usos a que está sujeita.

II- Se o próprio requerente alega que não foi estipulado prazo encontramo-nos perante uma obrigação pura, pelo que, e não invocando ele qualquer facto que possa subsumir o caso naquele segmento normativo, não pode instaurar aquela ação, mas antes exigir o cumprimento da obrigação – artº 777º nº1 do CC.

III- Se as partes anuiram que a obrigação será cumprida, rectius:«os suprimentos só serão reembolsados, conforme deliberação da Assembleia-geral de accionistas da primeira contraente, e sempre após um ano a contar da presente data», não nos encontramos, summo rigore, perante obrigação de prazo certo, mas também não estamos face uma obrigação sem prazo, antes perante uma situação “mista ou intermédia”, sujeita a uma condição que veda ou impede a imediata exigibilidade da prestação, pelo que o art. 777.º nº2 do CC não tem, ex vi do artº245.º nº1 do CSC, aplicação.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

A (…) intentou contra “L (…), SGPS, S.A.”, ação especial de fixação judicial de prazo.

Alegou:

Que celebrou com a ré, em 21.12.2007, contrato de suprimentos, mediante o qual lhe entregou suprimentos no valor de € 426.905,00 a qual declarou tê-los recebido.

 Na mesma data, a requerida constituiu-se por documento particular de constituição, destinando-se os suprimentos a apoio da sua atividade; a totalidade dos acionistas da requerida deliberaram em 21.12.2007, constituir, na proporção das respetivas participações sociais, suprimentos na sociedade no montante global de € 7.700.00,00.

 As partes convencionaram ainda que os suprimentos foram constituídos e realizados a titulo gratuito e que os mesmos só serão reembolsados, conforme deliberação da Assembleia-Geral de acionistas da requerida, e sempre após um ano a contar da presente - do contrato -  data.

 Assim, as partes não estipularam expressamente um prazo para o reembolso dos suprimentos, sendo que os estatutos da requerida nada dispõem, igualmente, sobre o referido reembolso, pelo que, por carta de 31.12.2010, interpelou a requerida para que lhe restituísse o montante de suprimentos supra aludido, pedindo que, para o efeito, diligenciasse todas as necessárias formalidades.

 O requerente, face à ausência de qualquer iniciativa por parte da requerida, não obstante a convocação de uma assembleia geral extraordinária para o dia 23 de Fevereiro de 2011, requereu na sua qualidade de acionista o aditamento de um ponto adicional à ordem de trabalhos da Assembleia Geral extraordinária, o qual consistia em “aprovar o reembolso integral, ao acionista A (…) dos suprimentos que o mesmo prestou à sociedade no valor global de € 426.905,00, no prazo máximo de trinta dias contados da data da realização da assembleia geral extraordinária em apreço”.

 Tal assembleia-geral teve lugar na data aprazada e veio a ser submetida a votação a proposta de reembolso dos suprimentos ao requerente, proposta esta que, com o voto do acionista maioritário, foi desde logo rejeitada.

 Contactada para o efeito, a requerida não acordou na fixação de um prazo.

Conclui pedindo:

 A fixação de um prazo de 30 dias ou o que o tribunal tiver por conveniente para que a requerida proceda ao reembolso integral e de uma só vez dos suprimentos prestados.

Opôs-se a requerida.

Disse, nuclearmente:

 Que os suprimentos eram estruturalmente dívida, mas funcionalmente capital da sociedade e que ao sujeitar a sua restituição a uma deliberação doa acionistas, as partes estabeleceram uma clausula cum voluerit, deixando nas mãos da sociedade devedora a restituição do valor mutuado.

E que o artº 777º não tem aqui aplicação, pois que ele só se aplica aos casos de obrigações puras, ou seja, aquelas em que não foi estipulado nenhum prazo certo, incerto ou condição, o que, in casu, não acontece, pois foi estabelecida aquela clausula.

Mesmo que assim não fosse, não podem os suprimentos serem restituídos no quinquénio  2010/2014, pois que o plano estratégico da sociedade  e respetivos investimentos para tal período foram  elaborados nesse pressuposto.

E porque o requerente participou na elaboração e aprovou tal plano a sua pretensão constitui abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença que:

Julgou improcedente a ação e, em consequência, absolveu a requerida do pedido.

3.

Inconformado recorreu o autor.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

Contra-alegou a requerida pugnando pela manutenção do decidido, ou, caso proceda o recurso, alargando o seu objeto, nos termos do artº 684º-A nº2 do CPC, com arguição da nulidade da sentença, com os seguintes, argumentos:

(…)

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 685º-A do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

 

1ª- Fixação, ou não fixação, judicial de prazo para restituição dos suprimentos ao abrigo do artº 777º do CC.

2ª – Naquele caso, nulidade da sentença por omissão de pronuncia quanto a factos alegados pela requerida tidos por demonstrativos da impossibilidade da restituição dos suprimentos em razão do seu interesse social.

5.

Foram dados como provados os seguintes factos que importa considerar.

1. A requerida é uma sociedade anónima, cujo objecto social é a gestão de participações sociais de outras sociedades como forme indirecta de exercício de actividades económicas.

2. O requerente é accionista da requeria, titular de 792.824 acções nominativas, no valor nominal de um euro cada, representativas de 5,54% do capital social da requerida.

3. No dia 21 de Dezembro de 2007, o requerente celebrou com a requerida o contrato de suprimentos (junto a fls. 61 dos autos e cujo teor se dá aqui como integralmente reproduzido), tendo o requerente entregue nessa data e de uma só vez à requerida suprimentos no valor de € 426.905,00, a qual declarou tê-los recebido.

4. As partes convencionaram ainda que os suprimentos foram constituídos e realizados a titulo gratuito.

5. E que os mesmos “só serão reembolsados, conforme deliberação da Assembleia-geral de accionistas da primeira contraente” e “sempre após um ano a contar da presente data”.

6. O requerente remeteu à requerida uma carta datada de 31 de Dezembro de 2010, a qual consta de fls. 66 e se dá aqui como integralmente reproduzida.

7. Em 31 de Janeiro de 2011 a requerida respondeu ao requerente por meio de carta, a qual consta de fls. 69 e se dá aqui como integralmente reproduzida.

8. Por carta datada de 4 de Fevereiro de 2011, dirigida ao Presidente da Mesa da Assembleia-geral da requerida, o requerente solicita o aditamento do seguinte ponto à ordem de trabalhos: “aprovar o reembolso integral ao accionista A (…), dos suprimentos que o mesmo prestou à sociedade no valor global de € 426.905,00 (quatrocentos e vinte e seis mil, novecentos e cinco euros), no prazo máximo de 30 (trinta) dias contados da data da realização da Assembleia Geral Extraordinária em apreço.”.

9. Tal Assembleia-geral teve lugar em 23 de Fevereiro de 2011, na qual veio a ser submetida a votação a proposta de reembolso dos suprimentos ao requerente, proposta esta que, com o voto do accionista maioritário, foi desde logo rejeitada.

10. Todos os accionistas celebraram contratos de suprimentos com a sociedade requerida, tendo todos os contratos o mesmo articulado, exceptuando a identificação do accionista e o valor do montante mutuado.

6.

Apreciando.

6.1.

Primeira questão.

6.1.1.

Estatui o artº 1456º do CPC:

«Quando incumba ao tribunal a fixação do prazo para o exercício de um direito ou o cumprimento de um dever, o requerente, depois de justificar o pedido de fixação, indicará o prazo que repute adequado.»

O processo especial de fixação judicial de prazo foi introduzido na nossa lei processual civil pelo DL 47690, de 11.05.1967, a fim de tornar efetivo o direito de fixação de prazo nas obrigações de prazo natural, circunstancial ou usual aludidas no n.º 2 do art. 777º do CC – cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 4ª ed. págs. 41/42,

Efetivamente na vigência do Código de Processo Civil de 1939, havia uma certa imprecisão quanto ao modo de tratamento destas obrigações a prazo, no que dizia respeito à fixação judicial do seu vencimento.

Diretamente, apenas existia um meio processual para o fixar, nas obrigações de prestação de facto e havendo título executivo, como preliminar da respetiva execução.

Segundo o artigo 939.º, do CPC de 1939, incluído na disciplina da execução para prestação de facto, se o prazo da prestação não estivesse determinado no título exequível, o exequente deveria indicar o que reputava suficiente e requerer que, citado o devedor para em dez dias dizer o que se lhe oferecesse, o prazo fosse fixado judicialmente  - cfr. Prof. Alberto dos Reis, Processo de Execução, 2.º, págs. 566 e seguintes, e Lopes-Cardoso, Manual da Ação Executiva, 3.ª edição, 1964, págs. 726 e segs.

Porque outra disposição não existia para a fixação judicial do vencimento das obrigações a prazo, defendia-se a aplicação analógica do citado artigo 939.º a todos os casos de obrigações a prazo.

6.1.2.

Importa reter que:

Primeiro.

A ação de fixação judicial de prazo tem como finalidade objeto ou escopo, a fixação de um prazo adequado e razoável, necessário ao cumprimento de uma obrigação.

O que, obviamente acontece desde logo quando as partes não fixaram tal prazo, maxime nas obrigações em que a natureza da prestação, as circunstancias que a determinaram ou os usos exijam o estabelecimento de um – nº2 do artº 777º, como sejam, vg., os  casos do artº411º do CC- contrato promessa unilateral; arº 777º nº3 do CC – quando a determinação do prazo da prestação haja sido deixado ao credor e este não usar de tal faculdade, pode o devedor requerer a sua fixação; artº 897º nº2 do CC – na venda de bens alheios, quando o comprador de boa fé queira obter do tribunal a fixação de um prazo para a convalidação, subordinando ao decurso do mesmo a propositura da ação de declaração de nulidade; artº 907º nº 2 do CC-  na venda de bens onerados quando o comprador pretenda que seja fixado prazo para que o vendedor proceda à expurgação dos ónus ou limitações.

A finalidade deste processo de jurisdição voluntária é, portanto, a de fixação judicial de prazo - nos casos em que ele não tenha sido fixado ou quando o credor e o devedor não chegaram a acordo sobre esse ponto - tendo-se em vista tornar efetivo o direito das partes a verem estabelecido um prazo para que se possa julgar vencida a obrigação que foi assumida.

E assim se poderá dizer que o pedido formulado nesta ação é a fixação do prazo e a causa de pedir a inexistência do mesmo ou o não acordo entre devedor o credor quanto ao momento do vencimento da obrigação.

E se a ação de fixação judicial de prazo se identifica através dos referenciados pedidos e causa de pedir, o direito que lhe serve de fundamento, isto é, o direito que com essa ação o autor pretende acautelar, é o de como credor poder exigir à outra parte o cumprimento da obrigação por esta assumida.

Ou seja, com este processo visa o requerente o preenchimento de uma cláusula acessória do contrato: - prazo de cumprimento da obrigação - indispensável para a determinação da mora.

Tal significa que nesta ação a função jurisdicional apenas incide sobre a fixação – ou não – do prazo para cumprimento de uma obrigação e logo se esgota no preciso momento em que se profere a decisão.

Segundo.

Tal finalidade da ação apresenta-se como única.

Nela são inadmissíveis indagações sobre questões de cariz contencioso como sejam a (in)existência ou nulidade da obrigação.

O que, liminarmente, decorre da inserção sistemática do artº 1456º e segs.

Sendo-lhe, assim, aplicáveis os princípios próprios dos processos de jurisdição voluntária, os quais visam uma tramitação é simples e rápida, como decorre do disposto nos artºs 302º e segs e e 1409 e sgs do CPC.

Tramitação esta que, evidentemente, não se compadece e compagina com aquelas indagações, a maior parte das vezes, complexas e morosas.

E que, aliás, aliás justifica que o requerente apenas tenha que provar em termos de suficiência - que não exaustivamente - o pedido de fixação do prazo para o cumprimento, o que passa pelo convencimento de que se tem direito ao cumprimento e que o demandado tem a obrigação de cumprir, constituindo a sua recusa ou inação uma ilegalidade ou até um abuso de direito - Cfr. entre outros, os Acs.:

- da Relação do Porto de 22.01.1980, BMJ, 294º, 399, de 08.05.1980, BMJ, 297º, 406, de 16.02.1989, CJ, 1º, 194, de 30.05.1994, BMJ, 437º, 578, de 13.03.1997, e de 18.04.2006, dgsi.pt, ps.9631337 e 0620757;

- da Relação de Coimbra de 13.03.1984, CJ, 2º, 36, de 11.06.1985, BMJ, 348º, 480, de 14.04.1993, BMJ, 426º, 538 e de 11.01.1994, BMJ, 443º, 629 e de 02.10.2007, dgsi.pt, p.2134/04.3;

- da Relação de Lisboa de 18.10.1986, BMJ, 364º,928, de 22.01.2002 e de 20.06.2002, dgsi.pt, p. 00106497 e 0032068 ;

- do STJ de 21.03.2000, Sumários, 39º, 18 e de 14.12.2006,  dgsi.pt,p.06B3880.

6.1.3

Destarte, conexionado com o artº 1456º do CPC, encontra-se o artº777.º do CC, o qual, sob a epígrafe DETERMINAÇÃO DO PRAZO, prescreve:

1. Na falta de estipulação ou disposição especial da lei, o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela.

2. Se, porém, se tornar necessário o estabelecimento de um prazo, quer pela própria natureza da prestação, quer por virtude das circunstâncias que a determinaram, quer por força dos usos, e as partes não acordarem na sua determinação, a fixação dele é deferida ao tribunal.

Resulta deste preceito, que as obrigações, quanto ao tempo do seu vencimento, podem classificar-se em dois grandes grupos: a) obrigações puras; b) obrigações a prazo ou a termo.

As obrigações puras - n.º1 - são aquelas que, por falta de estipulação ou disposição em contrário, se vencem logo que constituídas, ou seja, logo que o credor, mediante interpelação, exija o seu cumprimento ou o devedor pretenda realizar a prestação devida.

As obrigações a prazo são aquelas cujo cumprimento não pode ser exigido ou imposto à outra parte antes de decorrido certo período ou chegada certa data.

O prazo marca a data antes da qual o credor não pode exigir a prestação, se o devedor ainda a não tiver efetuado, ou não pode ser forçado a recebê-la assumindo aqui o prazo um carater suspensivo.

Todavia: «Da convenção das partes pode resultar uma situação mista ou intermédia: a de a prestação só ser devida se determinado evento futuro (condição) se verificar, sendo, porém, imediatamente exigível, logo que ocorra a condição» - A. Varela, ob. Cit. p.42 (nota 1).

Sendo que, dentro da categoria das obrigações a prazo cabem, como se disse, ainda aquelas a que se refere o n.º 2 do artº 777º do CC: obrigações de prazo natural, circunstancial ou usual.

6.1.4.

O caso vertente.

Para cabal dilucidação do mesmo importa ainda  considerar o disposto nos artºs 243º e 245º do CSC

 Artº 243º

1 - Considera-se contrato de suprimento o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo carácter de permanência.

2 - Constitui índice do carácter de permanência a estipulação de um prazo de reembolso superior a um ano…

 Artº 245º

1 - Não tendo sido estipulado prazo para o reembolso dos suprimentos, é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 777.º do Código Civil; na fixação do prazo, o tribunal terá, porém, em conta as consequências que o reembolso acarretará para a sociedade, podendo, designadamente, determinar que o pagamento seja fraccionado em certo número de prestações.

A Sra. Juíza alicerçou a sua decisão no seguinte discurso argumentativo:

«Conforme resulta do disposto no art.º 1456.º do C.P.Civil, o processo especial para fixação judicial de prazo destina-se apenas à fixação do prazo para o exercício de um direito ou cumprimento de um dever quando a fixação desse prazo incumbe ao tribunal e tal apenas acontece nas situações previstas no art.º 777.º n.ºs 2 e 3 do Cod. Civil, ou seja, nos casos em que o prazo não foi estipulado pelas partes nem está fixado na lei e a sua fixação se torne necessária pela natureza da prestação, por virtude das circunstâncias que a determinaram ou por força dos usos.

É certo, por outro lado, que o processo para fixação judicial de prazo não comporta quaisquer indagações sobre a existência ou validade da obrigação do requerido e o seu único objectivo consiste na fixação de um prazo em virtude de as partes estarem em desacordo relativamente a essa circunstância.

Assim, a fixação de prazo pressupõe que as partes estejam na disposição de cumprir aquilo a que se obrigaram, sendo totalmente inútil a fixação de prazo para cumprimento de uma obrigação relativamente à qual o devedor já manifestou a vontade de não cumprir – cfr. neste sentido, os Acórdãos da Relação do Porto de 28/11/96, nº convencional JTRP00019805; da Relação de Lisboa de 20/06/2002, nº convencional JTRL00043922 e de 22/01/2002, nº convencional JTRL00040329, todos em http://www.dgsi.pt.

No caso “sub-judice”, a requerida manifestou a disposição de cumprir o contrato, alegando apenas não haver lugar à fixação judicial do prazo, na medida em que tal prazo foi fixado pelas partes, ou seja, as partes convencionaram que os suprimentos só seriam reembolsados, conforme deliberação da Assembleia Geral de accionistas da requerida e sempre após um ano a contar da data do respectivo contrato de suprimentos.

 A obrigação em causa nos presentes autos é a obrigação de reembolsar os suprimentos prestados através do contrato de suprimentos que foi celebrado entre as partes em 21 de Dezembro de 2007.

No que toca ao prazo da prestação, ficou acordado que o mesmo seria conforme deliberação da Assembleia-geral de accionistas da requerida e sempre após um ano a contar da data do respectivo contrato de suprimentos.

Ou seja, ficou estabelecido um determinado prazo (após um ano a contar da data do respectivo contrato de suprimentos) mas dependente de deliberação da Assembleia geral de accionistas da requerida.»

Acrescentando mais adiante que:  «a obrigação que decorre para a requerida da celebração do referido contrato de suprimentos consiste no reembolso dos suprimentos prestados mas o cumprimento dessa obrigação supõe que a assembleia-geral da requerida aprove isso mesmo.

Consequentemente, a requerida está naturalmente obrigada (até pelo princípio geral da boa fé que a todos obriga na negociação, celebração e cumprimento dos contratos) a promover e praticar os actos que, pelo menos, são necessários à convocação de uma assembleia-geral, de modo a tornar possível a realização do contrato definitivo.

E neste campo, temos de referir que o decurso do prazo fixado (sempre após um ano a contar da data de celebração do contrato de suprimentos), por si só não é bastante para dar como certo que o reembolso de suprimentos tem necessariamente de ser feito, já que tal fixação daquele foi condicionada à sua aprovação em Assembleia Geral e é a verificação de tal condição que determina, ou torna exigível, o reembolso dos suprimentos prestados.

E diga-se que, com tal posição, o requerente não fica sujeito à vontade exclusiva da sociedade requerida, uma vez que a verificação do momento do cumprimento foi atribuída a um conjunto de accionistas, prevalecendo assim a formação de uma vontade social, da qual aliás, o próprio requerente integra».

Vejamos.

6.1.4.1.

Como se viu, e é referido na sentença, a ação especial de fixação judicial de prazo quadra, apenas ou determinantemente, na previsão do artº 777º nºs 2 e 3 do CC, ou seja, naqueles casos em que, não obstante a falta de estipulação ou disposição legal de prazo para o cumprimento, a prestação não pode ou não deve ser imediatamente exigida atenta a sua natureza, as circunstancias que a determinam, lhe subjazem  ou envolvem ou os usos a que está sujeita.

Mas não obstante o requerente invocar este segmento normativo para acobertar legalmente a sua pretensão, certo é que, bem vista a sua posição plasmada  em todo o processo,  tal invocação não se mostra curial.

Pois que ele pugna, reiterada e veementemente, pela inexistência de prazo para a restituição dos suprimentos e não alega – versus a requerida -  que a obrigação de reembolso de suprimentos é uma obrigação de prazo natural e, assim, não podendo, pela natureza, circunstâncias ou usos, ficar sujeita ao princípio da exigibilidade imediata. Caso em que, e único em que, se subsumiria na previsão do nº2 do artº 777.

Logo e bem vistas as coisas, o requerente, ele próprio, consubstanciou a sua causa petendi – único quid factual a considerar e relevante para subsumir e decidir o pedido e interpretar as normas invocadas e pertinentes -  como reportada a uma obrigação pura.

Nesta conformidade vedado –por desnecessário e até inútil -, lhe estava o recurso à ação e pedido de fixação judicial de prazo, pois que, atendendo à sua própria versão dos factos, poderia e deveria exigir o cumprimento imediato da obrigação ao abrigo do nº1 do artº 777º, na adequada ação declarativa, comum, de condenação.

Na verdade, como supra expendido, o fito único da presente ação é a fixação de prazo para cumprimento, pelo que ela se mostra inadmissível quando, no caso das obrigações puras, a prestação é imediatamente exigível, pois que o seu vencimento não está dependente do decurso de qualquer prazo.

6.1.4.2.

Mas mesmo que assim não fosse ou não se entenda, e porque o citado artº 245º do CSC remete para o nº2 do artº 777º no caso de não ter sido fixado prazo para a restituição dos suprimentos, importa interpretar o ponto 5. dos factos assentes do qual emerge que as partes anuiram que os suprimentos “só serão reembolsados, conforme deliberação da Assembleia-geral de accionistas da primeira contraente, e sempre após um ano a contar da presente data”.

Certo é que, no rigor dos princípios, e porque uma obrigação a prazo ou termo certo implica a estipulação de uma data em que a obrigação se vence, momento a partir do qual a obrigação pode ser exigida, esta anuência das partes não confere, tout court e summo rigore, à obrigação em causa, o jaez de obrigação de prazo certo.

Mas, bem vistas as coisas, ela está sujeita a uma condição que, a montante da perspetivação daquele prazo, veda ou impede a imediata exigibilidade da prestação, a qual apenas emerge se e quando tal condição se verificar, apresentando-se ela como sua  conditio sine qua non.

Encontramo-nos pois, perante uma situação hibrida, um tertium genus, algo entre a obrigação pura e a obrigação com prazo certo – uma situação “mista ou intermédia”, na terminologia do Mestre A. Varela, ob. e loc. supra cits.

Em todo o caso, certo é que não pode concluir-se e considerar-se encontrarmo-nos perante uma situação à qual pode ser aplicado o regime das obrigações puras, pois que, não obstante não ter sido estipulado prazo, com efeito suspensivo,  para o cumprimento da prestação, esta não pode ser exigível sem que um outro facto- o qual, inclusive, é anterior a uma eventual e possível fixação, pelas partes, de prazo subsequente -, sobrevenha.

Nesta conformidade, e tal como defendido pela recorrida, o art. 245.º/1 do CSC e o art. 777.º/2 do CC  não têm, in casu, aplicação.

6.1.4.3.

Aliás e bem vistas as coisas, na perspetivação das posições dos litigantes, a questão não é, ou não é tanto, de forma, atinente à fixação de prazo para cumprimento, como, antes, de fundo, concernente ao efetivo cumprimento da obrigação de restituição dos suprimentos.

Na verdade entre as partes não existe apenas uma dissonância quanto ao momento do cumprimento.

Existe incompatibilidade de posições – rectius por banda da ré -  sobre a própria natureza, adstrição e finalidade dos valores dos suprimentos, e assim, sobre a legalidade, ou, no mínimo, oportunidade e conveniência, da sua restituição, pelo menos nos anos mais próximos, pois que se forem restituídos a breve trecho, frustrado ou prejudicado pode  ficar o plano de investimentos da sociedade.

Dissonancia esta que é adensada e acentuada pelo facto de a ré defender que foi estabelecida uma clausula cum voluerit.

E pelo facto de o autor já ter tentado obter o reembolso e a ré lho ter negado.

Ou seja, o que está em causa, atento o modo como as partes delinearam a ação, não é a necessidade de fixação de prazo de cumprimento, mas antes, o apurar-se da razão ou sem razão de cada uma das partes para a restituição, ou não restituição, ou, naquele caso, em que data ou período de tempo – em curto prazo ou só após a consecução e/ou afirmação da atividade e/ou investimentos da sociedade.

Quid essencial que, como se viu, ultrapassa, em muito, a natureza e finalidades desta ação de fixação de prazo, de jurisdição voluntária e com processo aligeirado, pelo que ele não deve ser nela colocado e dilucidado, mas antes abordado, em termos abrangentes e aprofundados, na pertinente ação comum.

Por tudo isto sendo defensável o entendimento, aqui aplicável mutatis mutandis, que «Não cabe fixação judicial de prazo para a celebração de um contrato se antecipadamente se sabe que uma das partes não o celebrará» - Cfr. Acs. da Relação de Lisboa de 29/3/84 e de 27/6/91, CJ, 2º, 119 e  3º, 170; Ac. da Relação do Porto de 16/2/89, CJ. 1º, 194  e  Ac. do STJ de 14.12.2006 supra citado.

Improcede esta questão.

Improcedência esta  que prejudica o conhecimento da subsequente.

7.

Sumariando:

I - A ação especial de fixação judicial de prazo, visa unicamente a fixação de prazo para as situações previstas no artº 777º nº2 do CC, ou seja, naqueles casos em que, não obstante a falta de estipulação ou disposição legal de prazo para o cumprimento, a prestação não pode ou não deve ser imediatamente exigida atenta a sua natureza, as circunstancias que a determinam, lhe subjazem  ou envolvem, ou os usos a que está sujeita.

II- Se o próprio requerente alega que não foi estipulado prazo encontramo-nos perante uma obrigação pura,  pelo que,  e não invocando ele qualquer facto que possa subsumir o caso naquele segmento normativo, não pode instaurar aquela ação, mas antes exigir o cumprimento da obrigação – artº 777º nº1 do CC.

III- Se as partes anuiram que a obrigação será cumprida, rectius:«os suprimentos só serão reembolsados, conforme deliberação da Assembleia-geral de accionistas da primeira contraente, e sempre após um ano a contar da presente data», não nos encontramos, summo rigore, perante obrigação de prazo certo, mas também não estamos face uma obrigação sem prazo, antes perante uma situação “mista ou intermédia”, sujeita a uma condição que veda ou impede a imediata exigibilidade da prestação, pelo que o art. 777.º nº2 do CC não  tem, ex vi do artº245.º nº1 do CSC,  aplicação.

8.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pelo recorrente.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Carlos Marinho