Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
397/11.7TBPMS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA INÊS MOURA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
SEGURO
INDEMNIZAÇÃO
VEÍCULO
PERDA TOTAL
RESERVA DE PROPRIEDADE
Data do Acordão: 10/14/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: PORTO DE MÓS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 692, 798, 804 CC, DL Nº 72/2008 DE 16/4
Sumário: 1. O artº 103 da Lei do Contrato de Seguro vai no sentido de proteger os direitos de terceiros, nomeadamente de credores preferentes, visando não só as situações em que o segurador aceitou ressalvar direitos de terceiro nas condições particulares da apólice, mas também os casos em que venha ao conhecimento do segurador a existência de credores preferentes.

2. É lícita a conduta do segurador quando solicita a aceitação ou autorização do titular da reserva de propriedade sobre o veículo, para proceder ao pagamento da indemnização devida pela perda total do mesmo, já que, de outra forma, não se exonera da sua obrigação, nos termos da norma referida, se tem conhecimento da existência de tal credor.

3. Ainda que seja nula a cláusula da reserva de propriedade atribuída no âmbito de um contrato de mútuo, não pode exigir-se o conhecimento de tal invalidade a terceiro que faz fé no registo da reserva de propriedade do veículo, e actua por isso sem culpa ao fazer depender o pagamento da indemnização devida da aceitação do titular da reserva de propriedade.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

H (…) vem intentar acção declarativa com a forma de processo ordinário contra a R. Companhia de Seguros K (...), S.A., pedindo a sua condenação no pagamento das seguintes quantias:

- € 23.342,85 acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento, correspondente ao capital seguro contratado pela perda total da viatura do A.

- € 874,46 a título de juros de mora desde 22.04.2010 até à presente data bem como os que se vencerem até à data da citação da Ré.

- € 34.086,00 a título de danos patrimoniais pela privação do uso da viatura do A.

- € 10.000,00 de danos não patrimoniais pela privação do uso da viatura do A.;

- € 1.735,00 acrescido das prestações que se vencerem, à razão de € 5,00 diários até integral pagamento, a titulo de parqueamento da viatura do A., a pagar à Sociedade (…)Lda,

- € 2.840,67 a título de cumprimento da cláusula 090, cobertura de viatura de substituição, a pagar à Sociedade (…) S.A.

- bem como, os valores referentes aos danos patrimoniais a liquidar em execução de sentença.

Alega, em síntese, que a R. não cumpriu o contrato de seguro celebrado consigo, ao não o ter ressarcido dos danos sofridos na sequência de acidente de viação ocorrido no dia 31 de Março de 2010, com intervenção do veículo ligeiro de passageiros com a matrícula GE (...) e do veículo ligeiro de passageiros com a matrícula IF (...), tendo a R. inicialmente assumido a responsabilidade pelo seu pagamento, que não efectuou por o A. não ter aceite a emissão do recibo também em nome do Banco S(...), S.A.

Devidamente citada a R. veio contestar pugnando pela improcedência parcial da acção. Refere que o A. só não recebeu ainda a indemnização por não ter aceite o recibo enviado, estando a R. obrigada a emitir o mesmo também em nome de S(...)por existir uma reserva de propriedade do veículo a favor desta entidade e por estar a indemnizar o A. da quantia correspondente à perda total do veículo, tendo sido o A. quem não aceitou os termos da regularização do prejuízo. Impugna os danos invocados pelo A.

Foi elaborado despacho saneador onde se afirmou a validade da lide, tendo sido selecionados os factos assentes e organizada a base instrutória, da qual o A. reclamou, o que foi indeferido.

Foi efectuada perícia e procedeu-se à realização da audiência de julgamento, com observância do legal formalismo.

Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a R. a pagar ao A. a quantia global de €32.818,52 acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento, correspondente às seguintes quantias parcelares:

a) €18.242,85, pela perda total do veículo sinistrado;

b) €9.000,00, pela privação do uso do veículo a partir de 03 de Maio de 2010;

c) €1.000,00, pelos danos não patrimoniais;

d) €1.735,00, pelo parqueamento do veículo do Autor na sociedade L (…) Lda.;

e) €2.840,67, pelo veículo de substituição fornecido pela Sociedade (…), S.A.;

bem como a quantia que vier a ser apurada em liquidação de sentença pelas consequências para a saúde do Autor e incapacidades de que poderá vir a padecer em consequência do acidente em causa, ao abrigo do disposto do art. 609.º, do novo Código de Processo Civil, mais determinando o prosseguimento dos autos apenas para efeitos da concretização do exame pericial ao Autor (cfr. fls. 238 a 239), ao abrigo do disposto no art. 600.º, n.º 2, do novo Código de Processo Civil, sem prejuízo de liquidação da sentença que vier eventualmente a ser requerida.

Não se conformando com a sentença proferida vem a R. interpor recurso de apelação da mesma, pedindo a sua alteração e apresentando para o efeito as seguintes conclusões:

1. Não existiu qualquer incumprimento contratual.

2. Com efeito, a Ré e o Autor acordaram estar perante uma situação de perda total.

3. O valor que o Autor teria direito a receber a esse título é o que decorre legalmente previsto, in casu de €18.242,85.

4. A Ré solicitou, conforme estava obrigada, o documento único automóvel.

5. E em face dos elementos dele constantes, designadamente a existência de uma reserva a favor do Banco S(...), emitiu o recibo de indemnização, exigindo a assinatura de ambos - o tomador do seguro e o referido Banco.

6. E fê-lo com base no art.º 103.º, do DL 72/2008, de 16 de abril.

7. No entanto, entendeu o tribunal a quo que, o referido art.º 103.º do DL 72/2008, não era aplicável ao caso em apreço nos presentes autos, por um lado, e que, por outro, a reserva registada a favor do Banco era nula;

8. Pelo que, não poderia a ora Apelante ter-se socorrido desses factos para exigir o recibo nas condições em que o exigiu.

9. Tendo-se, por isso, verificado incumprimento contratual.

10. Em contraponto, entendeu o Tribunal a quo, que tal invalidade da cláusula não podia prejudicar o Autor, e nessa medida não se tinha o mesmo constituído em mora.

11. Sucede que, o art.º 103.º, do DL 72/2008, não diz respeito às situações em que a respetiva seguradora haja aceite a ressalva de direitos da Apólice a favor das pessoas ou entidades indicadas nas Condições Particulares, não tendo a mesma natureza, nem tão pouco a sua aplicação se restringe às situações previstas no 42.º das Condições Gerais da Apólice referida em A).

12. Logo, teria aplicação no presente caso, mesmo que não haja ressalvas de direitos previstas no contrato de seguro em apreço.

13. É que o artigo apenas refere o conhecimento por parte da seguradora da existência de direitos de terceiros que o pagamento possa prejudicar.

14. Aliás, nesta esteira, vai a doutrina que em relação à anotação deste artigo refere expressamente, “o modo de levar o conhecimento ao segurador não se encontra sujeito a forma específica, devendo, todavia ser sopesados os ditames da boa-fé. As hipóteses mais comuns redundarão, no entanto, em ressalva expressa no texto da apólice” – Cfr. Lei do Contrato de Seguro Anotada, de Pedro Romano Martinez e outros, Almedina, a pág. 323 – (sublinhados nossos).

15. Relembre-se que a solicitação ao tomador de seguro do Documento Único Automóvel é um imperativo legal, uma vez que estamos perante um caso de perda total.

16. Assim, é mais do que evidente que tendo a Apelante conhecimento da existência de um direito de terceiro – in casu, o S(...) – através do referido Documento Único, está mais do que sopesado em ditames da boa-fé na forma como obteve tal conhecimento.

17. Por outro lado, entende a Apelada que, nos presentes autos, não podem impender sobre as partes quaisquer consequências decorrentes da nulidade da reserva aí prevista.

18. E muito menos que possa o Tribunal a quo entender que apesar de a mesma não poder aqui ser invocável “não pode impor-se tal cláusula ao Autor para lhe negar o direito à indemnização peticionada”.

19. Ora, salvo o devido respeito, que é muito, a quem não pode impor-se a inaplicação da referida cláusula (nula) é a Apelante, que, em relação àquele contrato de mútuo é terceiro, e está de boa-fé.

20. É que, independentemente do rigor jurídico das considerações proferidas pelo Tribunal a quo sobre a nulidade da “reserva de propriedade”, a verdade é que a Apelada não tinha como, nem tão-pouco, por que, saber que a reserva que constava do documento único e bem assim do registo, era nula.

21. Existindo a menção reserva de propriedade, em registo público, não era exigível a terceiros de boa-fé, como a K (...), que questionem ou atuem em sentido contrário aos efeitos que tal registo produz, uma vez que o registo, por natureza, faz fé pública.

22. Porém, o Tribunal a quo fez prevalecer o direito à indemnização do Apelado, sobre o direito/dever da K (...) de se comportar em conformidade com a lei e com o ato registral que conhecia.

23. Isto, não obstante, o tomador do seguro ser parte no contrato de onde emerge a cláusula nula, e, portanto, seu conhecedor, e a Açorena não, e, por isso, esta não tinha como aferir da legalidade da cláusula, nem tão-pouco da irregularidade do registo.

24. Quando era o Autor, na qualidade de outorgante de um contrato com uma cláusula nula, que deveria ter diligenciado pela retificação do registo de reserva a favor do Banco Santtader, se entendia que era indevida.

25. Pelo que, mal andou o Tribunal a quo ao ter determinado a existência de ilicitude com base na subsunção da aplicação do artigo que fez ao caso concreto.

26. Mas mesmo que se entendesse que era devida alguma condenação à K (...), o que apenas por mera cautela de patrocínio se concebe, atentas as circunstâncias do caso concreto e a boa-fé com que a Apelada agiu, deveria o Tribunal se ter limitado a condenar a K (...) no pagamento dos valores decorrentes do contrato de seguro.

27. A saber: o valor da perda total ao Autor e os 30 dias do veículo de substituição – os direitos exigíveis de acordo com o contratado celebrado (dirimida a questão da existência de direitos de terceiro).

28. De qualquer modo, sempre se diga que, mesmo que se entenda que existiu incumprimento contratual, o que apenas por mera cautela de patrocínio se concebe, a verdade é que não ficou provado que tenham existido os danos que o tribunal atendeu na condenação da Ré.

29. No que respeita à condenação no pagamento de € 9.000,00, a título de privação de uso do veículo, cabia a Autor alegar e provar os factos constitutivos do seu direito, nomeadamente, quais os danos concretos que tinha sofrido em consequência da privação de uso do veículo.

30. Porém, conforme resulta da fundamentação de direito e da matéria de facto, a fls… dos autos, não ficou provado que o A. tenha procedido ao aluguer de qualquer viatura.

31. Discorda-se da conclusão do Tribunal a quo de que a privação de uso constitui, por si só, um dano indemnizável sem necessidade de comprovação de prejuízos, em especial no que diz respeito a sociedades comerciais.

32. Dos factos dados como provados é lícito inferir que o Autor não teve qualquer prejuízo concreto com a privação do veículo já que, tem vindo a socorrer-se de ajudas de outras pessoas, pois não se encontrava em condições físicas para conduzir.

33. Logo não se tendo logrado provar que sofreu danos concretos, prejuízos, com a privação do veículo, devia o Tribunal a quo ter considerado tal pedido improcedente.

34. Por último, não podia o tribunal ter condenado a R., nos termos em que fez, pelo parqueamento do veículo.

35. É que deve ser considerado indemnizável apenas o período decorrido entre o acidente e a comunicação da R. ao Autor com o recibo de indemnização.

36. Desde essa data, o Autor sabia a posição da R. e podia (devia) ter diligenciado pelo não agravamento e/ou aumento dos danos.

37. Sendo certo que, sempre deveria o valor indemnizatório atribuído ser reduzido proporcionalmente, a esse período.

38. Mesmo que se considere ter ficado provado que o veículo ficou aparcado na L (…) Lda., sendo o custo diário de aparcamento de € 5,00, não ficou provado que o Autor tenha feito qualquer pagamento, ou tenha sido devidamente interpelado para o fazer, pelo que não pode ser a R. condenada num pagamento que o Autor não efetuou e nem se sabe se ou quando vai efetuar.

39. Quanto muito, poderia a R. ser condenada a pagar diretamente à oficina ou se e quando a oficina o reclamar.

40. Daí que, deve ser alterada a decisão proferida por outra que absolva a R. do pedido deduzido a título de parqueamento do veículo ou, caso assim não se entenda, que condene a R. a apagar à Autora a quantia que esta vier a

desembolsar a este título.

O A. não veio apresentar contra-alegações.

II. Questões a decidir

Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões -artº 635 nº 4 e artº 639 nº 1 a 3 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- artº 608 nº 2 in fine.

- do incumprimento do contrato de seguro pela R.;

- das indemnizações atribuídas ao A. a título de privação do uso do veículo e do parqueamento do veículo.

III. Fundamentos de Facto

Não tendo sido impugnada a matéria de facto e não havendo lugar a qualquer alteração da mesma, tendo em conta o disposto no artº 663 nº 6 do C.P.C., remete-se para os termos da decisão da 1ª instância que decidiu tal matéria e que considerou provados os seguintes factos:

1. O autor transferiu para a ré a responsabilidade civil obrigatória por danos emergentes decorrente da utilização da viatura com a matrícula GE (...), até ao montante de €1.800.000,00, por acordo titulado pela Apólice n.º 90757657 [A)].

2. O acordo referido em A) previa a cobertura:

– em caso de choque ou colisão, relativamente ao veículo com a matrícula GE (...), até ao montante de € 23.819 com uma franquia no montante de € 476,38;

– a protecção dos ocupantes do veículo em caso de morte ou incapacidade permanente, incapacidade temporária absoluta e internamento hospitalar e despesas de tratamento, até aos montantes de € 10.000.00, € 300,00 e € 1.000.000, respectivamente;

– veículo de substituição, em caso de acidente, roubo ou avaria, por um período até 30 dias [B)].

3. O artigo 40.º, n.º 1 das Condições Gerais da Apólice referida em A) prevê que “em caso de perda total, o valor da indemnização corresponderá ao valor seguro à data do sinistro nos termos do Art. 38.º, deduzido da franquia contratualmente aplicável e, se for o caso, do valor atribuído ao salvado” [C)].

4. O artigo 42.º das Condições Gerais da Apólice referida em A) prevê que “quando a Seguradora haja aceite a ressalva de direitos desta Apólice a favor das pessoas ou entidades indicadas nas Condições Particulares, e enquanto tal se mantiver, a liquidação dos sinistros por perda total não poderá ser efectuada sem o prévio acordo das referidas pessoas ou entidades” [D)].

5. Consta do Documento Único Automóvel1 reserva de propriedade sobre o veículo de matrícula GE (...), em nome do Banco S(...)S.A. [E) e documento de fls. 104.

6. Encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial e Comercial de Santarém o veículo com a matrícula GE (...), marca Audi, onde para além do mais, consta:

- Registo de propriedade com ap. 02483, em 03/10/2008, a favor de H (…);

- RESERVA com o n.º de ordem 00000 de 03/10/2008 com sujeito activo BANCO S(...), S.A. e com sujeito passivo H (…) [certidão do respectivo registo de fls. 123 e informação de fls. 124].

7. H (…) e M (…) na qualidade de “Adquirentes/Clientes” e o Banco S(...), S.A., estabeleceram entre si um acordo a que designaram de “CONTRATO DE FINANCIAMENTO PARA AQUISIÇÃO A CRÉDITO”, datado de 29 de Maio de 2008, subordinado a determinadas cláusulas particulares e cláusulas gerais, onde para além do mais, consta a identificação do bem ou serviço financiado (viatura ligeiro de passageiros da marca Audi, modelo A4) e do fornecedor (“(…).”), o valor do financiamento, condições de reembolso, modalidade de pagamento e garantias do contrato (“AC RES LIV EM BRANCO SUBSCRITA P/CASAL”) [documento de fls. 106 a 110].

8. No dia 31 de Março de 2010, na EN 1, ao Km 88,8 Turquel, concelho de Alcobaça, ocorreu um embate entre o veículo ligeiro de passageiros de matrícula GE (...) e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula IF (...) [F)];

9. O veículo de matrícula IF (...) era conduzido por M (...) e o veículo de matrícula GE (...) era conduzido pelo autor [G)].

10. O embate ocorreu na sequência de uma ultrapassagem efectuada pelo veículo de matrícula GE (...), conduzido pelo autor, quando se dirigia para o Hospital de Santarém, seu local de trabalho, colidindo frontalmente com o veículo de matrícula IF (...), que circulava na mesma via, mas no sentido Sul/Norte [H)].

11. A ré deu indicações ao autor para a viatura de substituição ser levantada no dia 2 de Abril de 2010 [S)].

12. O pai e um irmão do autor procederam ao levantamento de uma viatura na T (…), S.A., em 2 de Abril de 2010, de acordo com instruções da ré [3.º].

13. A viatura referida em 3. foi utilizada pelo pai e esposa do autor para se deslocarem ao hospital onde este estava internado [4.º].

14. E foi entregue na Turiscar no dia 3 de Maio de 2010 [5.º].

15. No dia 8 de Abril de 2010, o autor remeteu à ré Participação de Sinistro, respeitante ao embate referido em F) [I)].

16. Por carta datada de 10 de Maio de 2010, a ré informou o autor que iria assumir a regularização dos prejuízos resultantes do embate [J)].

17. Por carta datada de 22 de Abril de 2010, a ré informou o autor que foi apurado o montante de € 18.242,85, considerando estar perante uma perda total da viatura de matrícula GE (...), tendo em conta o capital garantido no montante de € 23.819,23, já deduzido da franquia contratual no montante de € 476,38 e do valor do veículo danificado, no montante de € 5.100,00, indicando a sociedade A (…) Unipessoal, Ld.ª como entidade que valorizou o veículo danificado e que liquidaria esta última quantia [K)].

18. O autor aceitou a proposta que lhe foi apresentada pela ré, por carta datada de 16 de Julho de 2010 [L)].

19. Por carta datada de 16 de Julho de 2010, a ré solicitou ao autor cópia do Documento Único Automóvel, para proceder à emissão do recibo de indemnização da perda total da viatura GE (...) [M)].

20. O autor enviou à ré o documento referido em M) [N)].

21. Em 6 de Agosto de 2010 a ré remeteu ao autor uma carta à qual anexou um recibo de indemnização em nome deste e do Banco Santander Consumer S.A., no montante de €18.242.85, solicitando a sua devolução, com a assinatura do autor e do Banco, a fim de proceder à emissão do respectivo cheque de pagamento [O)].

22. O autor, telefonicamente, dirigindo-se a agências da ré e através de carta datada de 31 de Agosto de 2010, solicitou a esta a emissão de novo recibo apenas em seu nome [P)].

23. Por carta datada de 2 de Setembro de 2010, a ré informou o autor que, de acordo com o disposto no nº 1 do Art. 42º das Condições Gerais da Apólice, em caso de perda total, o valor da indemnização corresponde ao valor seguro, deduzido da franquia contratual e do valor atribuído ao salvado, que podia contactar a empresa A (…) Unipessoal, Ld.ª, a qual pretendia adquirir o veículo pelo valor de € 5.100,00 e que, sendo o S(...) entidade interessada no objecto seguro, conforme o indicado no Documento Único Automóvel, o recibo de indemnização teria de ser sempre emitido em nome das duas entidades [Q)].

24. Em 14 e 26 de Janeiro de 2011 o autor solicitou à ré a disponibilização de uma viatura de substituição enquanto não lhe fosse paga a indemnização decorrente do embate referido em E) [1.º].

25. Em 26/01/2011 e 01/02/2011, a ré informou o autor que se o credor hipotecário emitisse uma declaração em como não tem interesse no veículo, seria emitido um novo recibo só em nome do autor [R)].

26. O autor não devolveu assinado o recibo mencionado em O) [T)].

27. Em 22 de Dezembro de 2010, a Turiscar solicitou ao irmão do autor, que procedeu ao levantamento da viatura referida em 3.º [viatura de substituição], o pagamento de €2.840,67 pela sua utilização entre os dias 10 de Abril e 3 de Maio de 2010, a que corresponde ao valor diário de € 113,62 [6.º e 14.º].

28. Em consequência do embate referido em F), o autor sofreu, entre outras lesões, uma fractura trimaleolar (tornozelo), fechada e uma fractura fechada das diáfises, do cúbito e do rádio à esquerda [7.º].

29. Foi transportado para o Hospital de Leiria onde recebeu os primeiros socorros, tendo depois sido transferido para o Hospital Distrital de Santarém [8.º].

30. Esteve internado no Hospital de Santarém desde o dia 31 de Março até ao dia 30 de Abril de 2010, data em que recebeu alta [9.º].

31. Permaneceu com Incapacidade Temporária pelo menos até 14/02/2013 [10.º].

32. O autor é técnico de radiologia [12.º].

33. Em 04 de Julho de 2013 ainda não havia sido dada alta clínica, encontrando-se o Autor a efectuar tratamentos em fisioterapia [13.º].

34. O autor encontra-se privado de viatura automóvel desde 3 Maio de 2010 [15.º].

35. Desde o dia 09/04/2010, a viatura com a matrícula GE (...) encontra-se parqueada nas instalações da sociedade L (…) Ld.ª, em Leiria, a aguardar decisão da ré quanto ao seu destino [16.º].

36. Pelo parqueamento, a sociedade L (…), Ld.ª cobra o valor de € 5,00 diários acrescido do IVA, totalizando, em 22/03/2011, o montante de € 1.735,00, acrescido de IVA [17.º].

37. A recusa da ré em proceder ao pagamento da indemnização ao autor sem a intervenção do credor hipotecário impede o autor de adquirir uma viatura de substituição [18.º] e por isso, em consequência das lesões resultantes do embate referido em E), o autor dependeu de amigos e familiares para se deslocar em viatura automóvel a consultas e fazer tratamentos diários [20.º].

38. O que lhe provocou incómodos, nervos, stresse, agitação, depressão, angústia e revolta [19.º e 21.º].

IV. Razões de Direito

- do incumprimento do contrato de seguro pela R.

A questão que se põe a este respeito é a de saber se a R. Seguradora não cumpre culposamente o contrato a que se obrigou quando recusa o pagamento da indemnização ao segurado pela perda total do veículo, fazendo depender o pagamento da aceitação da entidade a favor da qual consta a reserva de propriedade do veículo, no documento único automóvel.

De acordo com o regime jurídico do contrato de seguro, aprovado pelo Decreto-Lei 72/2008 de 16 de Abril e conforme o disposto no artº 32 nº 2 de tal diploma, o contrato de seguro tem de ser formalizado em instrumento escrito, denominado apólice de seguro.

O contrato de seguro pode ser celebrado por conta própria ou por conta de outrem, nos termos respectivamente previstos nos artº 47 e 48 da Lei do Contrato de Seguro, sendo que, neste último caso, o beneficiário da indemnização é outra pessoa que não o tomador do seguro.

Com interesse para a questão que se discute nos autos, importa atentar sobre as normas que se referem ao pagamento pela Seguradora, consignadas nos artº 102 a 104 do Decreto-Lei 72/2008 de 16 de Abril.

O artº 102, com a epígrafe “realização da prestação do segurador” estabelece no seu nº 1 que: “O segurador obriga-se a satisfazer a prestação contratual a quem for devida, após a confirmação da ocorrência do sinistro e das suas causas, circunstâncias e consequências.”

O artº 103, com a epígrafe “Direitos de terceiros”, dispõe que: “O pagamento efectuado em prejuízo de direitos de terceiros de que o segurador tenha conhecimento, designadamente credores preferentes, não o libera do cumprimento da sua obrigação.”

Finalmente, o artº 104 com referência ao vencimento da prestação, diz-nos que: “A obrigação vence-se decorridos 30 dias sobre o apuramento dos factos a que se refere o artigo 102º.”

Reportando-nos ao caso concreto, verifica-se que entre o A. e a R. foi celebrado um contrato de seguro titulado pela apólice identificada e cujo documento se encontra junto aos autos, com as coberturas previstas de acordo com as condições especiais e gerais anexas.

Em face do sinistro, que determinou o acionamento da apólice, constata-se que a R. assumiu a sua responsabilidade ao abrigo do contrato de seguro celebrado com o A. e propôs uma indemnização a pagar com referência à perda total do veículo, proposta que o A. aceitou.

A R. pediu então ao A. a cópia do documento único automóvel para proceder à emissão do recibo de indemnização relativo à perda total do veículo, tendo de seguida procedido à emissão do recibo que enviou ao A. solicitando a sua devolução com a assinatura do A. e da entidade que figurava em tal documento como detentora de reserva de propriedade sobre o veículo. Não tendo o A. aceite a necessidade da assinatura de tal entidade, a R. não procedeu ao pagamento da indemnização.

A obrigação da R. Seguradora proceder ao pagamento da indemnização respeitante ao valor equivalente à perda total do veículo seguro, na sequência do acidente de viação, não é posta em causa por nenhuma das partes. A divergência resulta do facto de, no documento único automóvel, constar a existência de uma reserva de propriedade do veículo em nome de entidade terceira, entendendo a R. que, nessa circunstância, cumpre-lhe obter a aceitação dessa entidade para o pagamento da indemnização ao A., o que este não aceita, por ser o único beneficiário do seguro e por não estarem ressalvados nas condições particulares da apólice os direitos de terceiro.

Na avaliação desta questão, entendeu a sentença recorrida que existe um retardamento da prestação por parte da Seguradora que devia ter procedido ao pagamento da indemnização ao A., após este ter aceite a sua proposta, considerando ilícita e culposa a sua conduta, ao fazer depender o pagamento ao A. da aceitação de terceiro, por não constar da apólice, nomeadamente das condições particulares, qualquer ressalva de direitos de terceiro, sendo o contrato de seguro por conta própria.

É certo que o artº 42 das condições gerais da apólice prevê que: “quando a seguradora haja aceite a ressalva de direitos desta Apólice a favor das pessoas ou entidades indicadas nas Condições Particulares, e enquanto tal se mantiver, a liquidação dos sinistros por perda total não poderá ser efectuada sem o prévio acordo das referidas pessoas ou entidades”.

Está fora de dúvida que na apólice em causa não foram ressalvados quaisquer direitos de terceiro, nem é feita qualquer menção nesse sentido nas condições particulares do contrato de seguro celebrado.

Importa, ainda assim, ter em conta o que dispõe o artº 103 da Lei do Contrato de Seguro já referido, no sentido de que o pagamento efectuado em prejuízo de direitos de terceiros de que o segurador tenha conhecimento, designadamente credores preferentes, não o libera do cumprimento da sua obrigação.

A previsão desta norma vai no sentido de proteger os direitos de terceiros, nomeadamente de credores preferentes, e tal protecção não é limitada às situações em que, na própria apólice, são ressalvados esses mesmos direitos, ainda que possa ter nesses casos a sua aplicação preferencial. Desde que o segurador saiba da existência de direitos de terceiros, nomeadamente de credores preferentes, o pagamento por ele efectuado em prejuízo destes não o desonera da obrigação, conforme estipula o artigo referido.

Na verdade, tal norma não se reporta expressamente, nem exclusivamente, aos casos em que a ressalva de direitos de terceiro consta do próprio contrato de seguro (como entendeu a sentença recorrida). Aliás, a ser assim, quase que seria inútil a existência de tal norma, uma vez que estaria a procurar assegurar-se aquilo que o próprio contrato de seguro, por si só, já asseguraria.

Considera-se por isso que a norma em questão visa, não só as situações em que o segurador aceitou ressalvar direitos de terceiro nas condições particulares da apólice (o que não aconteceu efectivamente no caso concreto), mas também os casos em que venha ao conhecimento do segurador a existência de credores preferentes.

Tal norma encontra algum paralelo no artº 692 do C.Civil que, na secção relativa à hipoteca e no que se refere às indemnizações devidas, estabelece, no seu nº 1 que: “Se a coisa ou direito hipotecado se perder, deteriorar ou diminuir de valor, e o dono tiver direito a ser indemnizado, os titulares da garantia conservam, sobre o crédito respectivo ou as quantias pagas a título de indemnização, as preferências que lhes competiam em relação à coisa onerada.” Acrescenta o nº 2 que: “Depois de notificado da existência da hipoteca, o devedor da indemnização não se libera pelo cumprimento da obrigação com prejuízo dos direitos conferidos no número anterior.”

In. Lei do Contrato de Seguro Anotada, de Pedro Romano Martinez e outros, José Alves Brito, em anotação ao artº 103, pág. 391, diz-nos: “O pagamento efectuado em prejuízo de direitos de terceiros, de que o segurador tenha conhecimento, não o exonera perante terceiros, obrigando-o a nova prestação. A lei alude aos credores preferentes (designadamente, hipotecários e pignoratícios) mas vai mais longe, abrangendo também outras situações como a reserva de propriedade, o usufruto (mas vide o artº 1481 do CC), o leasing, entre outras. O modo de levar o conhecimento ao segurador não se encontra sujeito a uma forma específica, devendo, todavia, ser sopesados os ditames da boa fé. As hipóteses mais comuns redundarão, no entanto, em ressalva expressa no texto da apólice.”

Considera-se por isso que, perante uma situação de perda total do veículo, o segurador não fica exonerado da sua obrigação se, tendo conhecimento da existência de um credor preferente, como é o caso do titular da reserva de propriedade sobre o veículo, proceder ao pagamento da indemnização em prejuízo dos direitos deste. É preciso não esquecer que estamos perante uma indemnização que resulta da perda da coisa.

Nesta medida, não pode ter-se como ilícita a conduta do segurador quando solicita a aceitação ou autorização do titular da reserva de propriedade sobre o veículo, para proceder ao pagamento da indemnização devida pela perda total do mesmo, já que, de outra forma, não se exonera da sua obrigação.

Na situação em presença temos, no entanto, um outro factor que pode interferir na solução do caso e que se reporta à circunstância de ser nula a reserva de propriedade, conforme considerou a decisão recorrida. É que, nessa circunstância não pode dizer-se que existe direito de terceiro alicerçado na reserva de propriedade. Importa então apurar qual a relevância que essa questão pode ter na avaliação do comportamento da R. já que, a licitude da sua conduta se fundamenta na existência de direitos de terceiro com reserva de propriedade do veículo a seu favor.

Considerou a sentença recorrida, em síntese, que o Banco Santander Consumer, S.A., entidade que figurava como titular da reserva de propriedade sobre o veículo, celebrou com o A. apenas um contrato de mútuo, nunca tendo sido proprietário do veículo, pelo que não podia reservar para si a propriedade do mesmo, sendo nula a cláusula estabelecida nesse sentido, não podendo impor-se tal cláusula ao A. para lhe negar o direito à indemnização pretendida. Tem razão.

Contudo, também à R. Seguradora que é terceira relativamente ao contrato de mútuo celebrado entre as partes, não se lhe pode impor o conhecimento da nulidade da cláusula da reserva de propriedade, pois a mesma não podia ter conhecimento de tal invalidade.

É preciso não esquecer o princípio previsto no artº 7º do C. Registo Predial, do qual decorre a presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define. Esta norma aplica-se ao registo automóvel, de acordo com o artº 29 do C. Registo Automóvel.

Nos termos do artº 798 do C.Civil só o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação é responsável pelo prejuízo causado ao credor, incorrendo assim na obrigação de indemnizar, sendo a culpa um elemento constitutivo do direito à indemnização.

A mora no cumprimento da obrigação representa o atraso culposo na realização da prestação, que dá origem à obrigação do devedor reparar os danos causados, nos termos do artº 804 nº 1 do C.Civil. O devedor incorre em mora, na concreta estatuição do nº 2, quando por causa que lhe seja imputável, não realiza a prestação no tempo devido, continuando a prestação a ser ainda possível.

O devedor só responde pelos danos que a mora trouxe ao credor se a causa da demora for devida a culpa sua. Não lhe sendo imputável, não responde por tais danos, mas não fica desonerado da obrigação. Não sendo culposo o atraso no cumprimento da obrigação, o devedor não incorre na obrigação de indemnizar o credor pelos prejuízos causados com a mora, nos termos do artº 804 nº 1 e 2 do C.Civil, por não poder dizer-se que o pagamento não ocorreu por causa que lhe é imputável.

Diz-nos Antunes Varela, in. Das Obrigações em Geral, pág. 412, que a ilicitude e a culpa são pressupostos distintos e autónomos da responsabilidade civil. A ilicitude aborda a conduta do autor do facto de forma objectiva, em negação dos valores tutelados pela ordem jurídica. A culpa considera todos os aspectos circunstanciais que interessam à maior ou menor censurabilidade da conduta, distinguindo-se o dolo da mera culpa, ou negligência, devendo esta ser avaliada em função da conduta exigível ao bonus pater familiae, conforme é previsão do artº 487 nº 2 do C.Civil que estabelece: “A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.” A pág. 393 da ob.cit. refere ainda este Professor: “Pode afastar também a existência do dolo a suposição errónea da verificação de uma circunstância que, a existir na realidade, constituísse uma causa justificativa do facto.”

Por outro lado, a mera culpa ou negligência consubstanciada na omissão do dever de diligência exigível ao agente, susceptível de censura também, também não está desenhada nos factos apurados.

Pelo contrário, os factos que resultaram provados revelam que a R. estava convencida de que existia uma reserva de propriedade sobre o veículo, o que fundamentava a sua exigência para efectuar o pagamento da indemnização ao A., não sabendo da invalidade daquela, ficando assim afastado um juízo de culpa ou de reprovação do seu comportamento.

Daqui resulta, perante os factos apurados, que o atraso no cumprimento da prestação por parte da R. sendo ilícito, na medida em que, face à nulidade da reserva de propriedade não pode dizer-se que há direitos de credores preferentes a beneficiar da protecção legal conferida pelo artº 103 da Lei do Contrato de Seguro (e que justificam a exigência da aceitação do titular da reserva de propriedade para o pagamento da indemnização) não é culposo, por a R. não conhecer, e não estar obrigada a conhecer, a invalidade da cláusula em questão. Estando a menção à reserva de propriedade feita no documento único automóvel e no registo, não pode apontar-se à R., terceira de boa fé, culpa no desconhecimento da invalidade do acto registado.

Conclui-se por isso que, havendo mora da R. no pagamento da indemnização ao A. acordada pela perda total do veículo e sendo a mesma devida, já não é a R. responsável pelos prejuízos causados decorrentes do atraso no pagamento, na medida em que, estava convencida da existência de uma reserva de propriedade sobre o veículo em questão, o que lhe permitia exigir a aceitação do titular de tal direito para efectuar o pagamento, atento o disposto no artº 103 do diploma referido, tendo por isso agido sem culpa.

- das indemnizações atribuídas ao A. a título de privação do uso do veículo e do parqueamento do veículo.

Em face do que ficou referido, no que se reporta à obrigação de indemnizar o A. pelos prejuízos causados pela mora, já se viu que, não tendo havido culpa da R. no atraso da prestação, não está a seguradora obrigada a ressarcir os mesmos.

Há incumprimento contratual por parte da R. na modalidade de retardamento da prestação, na medida em que, objectivamente, não existe direito de terceiro susceptível de protecção e de ser enquadrado na situação prevista no artº 103 da Lei do Contrato de Seguro. Contudo, por não ser culposo, não podendo a R. saber que a reserva de propriedade do veículo registada era inválida, não é a mesma responsável pelos prejuízos que para o A. resultaram do atraso no cumprimento da prestação.

Assim, fica prejudicada a questão suscitada pela Recorrente no que se refere à avaliação dos valores indemnizatórios atribuídos a título de privação do uso do veículo e do seu parqueamento, por a R. não estar obrigada a ressarcir a A. por tais prejuízos.

Nesta medida, procede o recurso apresentado quanto à condenação da R. no pagamento de indemnização considerada devida pela privação do uso do veículo, atribuída pelo montante de € 9.000,00 bem como pela despesa com o parqueamento do veículo, no valor de € 1.735,00, prejuízos fundamentados na mora culposa no cumprimento do contrato de seguro, revogando-se a sentença proferida nesta parte, conforme o requerido e mantendo-se a mesma no demais.

V. Sumário:

1. O artº 103 da Lei do Contrato de Seguro vai no sentido de proteger os direitos de terceiros, nomeadamente de credores preferentes, visando não só as situações em que o segurador aceitou ressalvar direitos de terceiro nas condições particulares da apólice, mas também os casos em que venha ao conhecimento do segurador a existência de credores preferentes.

2. É lícita a conduta do segurador quando solicita a aceitação ou autorização do titular da reserva de propriedade sobre o veículo, para proceder ao pagamento da indemnização devida pela perda total do mesmo, já que, de outra forma, não se exonera da sua obrigação, nos termos da norma referida, se tem conhecimento da existência de tal credor.

3. Ainda que seja nula a cláusula da reserva de propriedade atribuída no âmbito de um contrato de mútuo, não pode exigir-se o conhecimento de tal invalidade a terceiro que faz fé no registo da reserva de propriedade do veículo, e actua por isso sem culpa ao fazer depender o pagamento da indemnização devida da aceitação do titular da reserva de propriedade.

            VI. Decisão:

Em face do exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pela R., revogando-se em parte a decisão recorrida, quando condena a R. no pagamento das quantias de € 9.000,00 e de € 1.735,00 a título de indemnização pelos prejuízos causados, mantendo-se a mesma no demais decidido.

Custas por ambas as partes na proporção do decaimento.

Notifique.

                                                           *

                                               Coimbra, 14 de Outubro de 2014

                                               Maria Inês Moura (relatora)

                                               Fernando Monteiro (1º adjunto)

                                               Luís Cravo (2º adjunto)