Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6070/12.1TBLRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
ENCERRAMENTO
DECLARAÇÃO
INSOLVÊNCIA
Data do Acordão: 03/12/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA - TRIBUNAL JUDICIAL - 1º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.17-D, 17-G CIRE
Sumário: 1. Ultrapassado o prazo previsto no artigo 17.º-D, n.º 5, o Processo Especial de Revitalização (PER ) é encerrado.

2. Porém, quando ali seja apresentado pelo administrador judicial provisório parecer no sentido de ser decretada a insolvência do devedor, a mesma é imediatamente decretada pelo Juiz no próprio PER, que se converte em processo de insolvência, ficando os autos iniciais apensos a este.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:

I – RELATÓRIO

1. U (…), S.A.D, apresentou-se ao processo especial de revitalização no âmbito da redacção dos artigos 17.º-A e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[2], na redacção introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril.

2. Seguindo o processo os seus termos, por requerimento apresentado em 26 de Novembro de 2012, o Administrador Judicial Provisório veio, ao abrigo do disposto no artigo 17.º-G do CIRE, pronunciar-se no sentido de reconhecer a situação de insolvência da empresa, e requerer que a mesma fosse declarada insolvente por sentença.

A Devedora veio aderir a este requerimento, requerendo que seja decretada a sua insolvência.

3. Na sequência, a Mm.ª Juiz proferiu o seguinte despacho:

“Considerando que se mostra ultrapassado o prazo a alude o disposto no nº 5 do art. 17º-D do CIRE sem a aprovação do plano de recuperação da devedora, declaro encerrado o presente processo especial de revitalização (art. 17º G, nº 1 do mesmo normativo). (…)


*

Uma vez que o Sr. Administrador Judicial Provisório na comunicação a que alude o nº 1 do art. 17º- G emitiu parecer no sentido de que a devedora se encontra em situação de insolvência e requereu a declaração de insolvência da mesma, extraia certidão da comunicação do Sr. Administrador Judicial Provisório, do requerimento da devedora e do presente despacho e remeta à distribuição como processo especial de insolvência.

Distribuído o processo, remeta os presentes autos para apensação ao processo de insolvência (art. 17º- G, nº 4)”.

4. Inconformada com este segmento da decisão e visando a sua revogação e substituição por outro que determine que é o presente processo o competente para declarar a insolvência da Recorrente, a Requerente interpôs o presente recurso de apelação formulando as seguintes conclusões:     

«I.O despacho que determina que o presente processo seja submetido a distribuição, como processo especial de insolvência, não se poderá manter.

II.O presente processo configura um Processo Especial de Revitalização, tendo o Senhor Administrador Judicial Provisório emitido parecer no sentido de que a Recorrente se encontra em situação de insolvência, tendo requerido, em conformidade, a sua declaração de insolvência.

III.O Tribunal “a quo”, em vez de ter dado cumprimento ao disposto no artigo 17.º-G, n.º 3, do CIRE, determinou a distribuição do presente processo, como processo especial de insolvência.

IV.Atenta a letra da lei, outra conclusão não pode ser alcançada senão que deve ser no próprio processo especial de revitalização que deve ser declarada a insolvência do devedor e não num outro novo processo a distribuir.

V.De outra forma não poderia ser.

VI.Por um lado, porque os extremamente curtos prazos dos artigos a que o Processo Especial de Revitalização se reporta não se compaginam com a distribuição do processo e nova análise, de todo o processo, por parte de um outro Juiz, totalmente alheio ao até então processado;

VII.Por outro lado, o processo de insolvência vai aproveitar actos praticados no Processo Especial de Revitalização, como sejam as reclamações de créditos ou a lista de credores definitiva.

VIII.O Meritíssimo Juiz “a quo” fez uma errada interpretação e aplicação do artigo 17.º- G, n.º 3, do CIRE.».

Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

II. O objecto do recurso.

Com base nas disposições conjugadas dos artigos 660.º, 661.º, 664.º, 684.º, n.º 3, 685.º-A, n.º 1, e 713.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[3], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha.

Assim, o âmbito deste recurso respeita unicamente à questão de saber se, reconhecida a situação de insolvência no termo do processo especial de revitalização de empresa, a mesma deve ser declarada neste processo, ou determinar o início de um processo de insolvência, relevando para o efeito a factualidade supra descrita.


*****

III.1. - O mérito do recurso

III.1.1. Considerações gerais

O Processo Especial de Revitalização[4] foi introduzido com a 6.ª alteração ao Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18 de Março[5], cumprindo previamente determo-nos, ainda que brevemente, sobre esta nova figura e aquilatar das razões da sua introdução, com vista a uma melhor compreensão do regime.

Para o efeito, importa fazer uma incursão sobre o processo legislativo que culminou com esta alteração legislativa, julgada necessária mercê do exponencial aumento do número de insolvências em Portugal, resultantes da crise económica e financeira em que o país está mergulhado, e única solução que o denominado sistema de falência-liquidação previsto no CIRE permitia.

A primeira menção à necessidade de alteração deste sistema, encontramo-la no ponto 2.18 do “Memorando de Entendimento” celebrado entre o Estado português, a CE, o BCE e o FMI, que impunha a definição de “princípios gerais de reestruturação voluntária extra-judicial em conformidade com boas práticas internacionais”, após o que o Governo veio a aprovar a Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011, de 25 de Outubro, que definiu os seguintes “Princípios Orientadores da Recuperação Extrajudicial de Devedores”:

 “Primeiro princípio - o procedimento extrajudicial corresponde a um compromisso assumido entre o devedor e os credores envolvidos e (e não a um direito) e apenas deve ser iniciado quando as dificuldades financeiras do devedor possam ser ultrapassadas e haja uma forte probabilidade de este manter-se em actividade após a conclusão do acordo alcançado com os seus credores;

Segundo princípio - durante todo o procedimento, as partes devem actuar de boa fé, na busca de uma solução construtiva que satisfaça todos os envolvidos;

Terceiro princípio - deve ser garantida uma abordagem unificada por parte dos credores, que melhor sirva os interesses de todas as partes;

Quarto princípio - os credores envolvidos devem cooperar entre si e com o devedor de modo a concederem a este um período de tempo suficiente para obter e partilhar toda a informação relevante e para elaborar e apresentar propostas para resolver os seus problemas financeiros;

Quinto princípio - durante o período de suspensão, os credores envolvidos não devem agir contra o devedor, comprometendo-se a abster-se de intentar novas acções judiciais e a suspender as que se encontrem pendentes;

Sexto princípio - durante o período de suspensão, o devedor compromete-se a não praticar qualquer acto que prejudique os direitos e as garantias dos credores, ou que, de algum modo, afecte negativamente as perspectivas dos credores de verem pagos os seus créditos, em comparação com a sua situação no início do período de suspensão;

Sétimo princípio - o devedor deve adoptar uma postura de absoluta transparência durante o período de suspensão, partilhando toda a informação relevante sobre a sua situação, nomeadamente a respeitante aos seus activos, passivos, transacções comerciais e previsões da evolução do negócio;

Oitavo princípio - toda a informação partilhada pelo devedor, incluindo as propostas que efectue, deve ser transmitida a todos os credores envolvidos e reconhecida por estes como confidencial, não podendo ser usada para outros fins, excepto se estiver publicamente disponível;

Nono princípio - As propostas apresentadas e os acordos realizados durante o procedimento, incluindo aqueles que apenas envolvam os credores, devem reflectir a lei vigente e a posição relativa de cada credor;

Décimo princípio - As propostas de recuperação do devedor devem basear-se num plano de negócios viável e credível, que evidencie a capacidade do devedor de gerar fluxos de caixa necessários ao plano de reestruturação, que demonstre que o mesmo não é apenas um expediente para atrasar o processo judicial de insolvência, e que contenha informação respeitante aos passos a percorrer pelo devedor de modo a ultrapassar os seus problemas financeiros;

Décimo primeiro princípio - Se durante o período de suspensão ou no âmbito da reestruturação da dívida for concedido financiamento adicional ao devedor, o crédito resultante deve ser considerado pelas partes como garantido.”

E foi na sequência da definição destes princípios que veio a ser apresentada a proposta de lei n.º 39/XII da Presidência do Conselho de Ministros, assente na ideia fundamental de que “cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que, dificilmente, se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas”, e consequentemente privilegiando a manutenção do devedor no giro comercial e relegando para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação.

A atenuação da forma radical prevista no CIRE com a primazia do sistema de falência-liquidação, decorre logo da alteração introduzida ao seu artigo 1.º, n.º 1, que agora passou a dar primazia à recuperação das empresas em detrimento da liquidação do património do devedor, a não ser quando tal não se afigure possível, por isso que as alterações possam parecer mais de forma que de conteúdo[6].

Assim, mantendo-se a finalidade primeira do processo, a satisfação dos credores pela forma que vier a ser prevista num plano de insolvência ou de recuperação, permite-se no n.º 2 do artigo 1.º do CIRE, a opção pelo processo especial de revitalização ao devedor que se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, permitindo-lhe por esta via estabelecer negociações com os credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização (artigo 17.º-A, n.º 1, in fine).

Portanto, pressuposto primeiro para a utilização deste novo mecanismo é que o devedor, que comprovadamente esteja numa das referidas situações, ainda seja susceptível de recuperação (artigo 17.º-A, n.º 1), definindo-se que se encontra numa situação económica difícil o devedor que enfrentar dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito (artigo 17.º-B), e considerando-se em insolvência iminente, o devedor que esteja na iminência de se encontrar impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas (artigo 3.º, n.ºs 1 e 4).

Ponto é que, em qualquer dos casos, ainda não se encontre numa situação de insolvência efectiva, ou seja, efectivamente impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas (artigo 3.º, n.º 1), uma vez que caso tal ocorra, por força do disposto no artigo 18.º, o devedor tem o dever de se apresentar à insolvência[7].

 Por outras palavras, significa isto que se trata de um processo que visa possibilitar a revitalização rápida e eficaz dos devedores que se encontrem numa situação de “pré-insolvência”[8], não se tratando de “ressuscitar o já insolvente”, mas sim de “reanimar a que conserva ainda um sopro de vida, sendo necessário insuflar-lhe oxigénio indispensável para que se reactive e reerga”[9].

Para tal desiderato, a lei atribuiu natureza urgente ao processo (artigo 17.º-A, n.º 1), consagrou um regime de cariz voluntário já que o recurso ao PER depende da manifestação de vontade do devedor nesse sentido (artigos 17.º-A, n.ºs 1 e 2, e 17.º-C), e é optativo, uma vez que em situação de falência iminente o devedor por optar logo pela imediata apresentação à insolvência (artigo 3.º, n.º 4)[10]; e de pendor marcadamente extrajudicial (artigos 17.º-D, 17.º-F e 17.º-I), mas fazendo observar nas negociações entre devedor e credores, uma actuação conforme aos aludidos princípios orientadores, por via da previsão expressa do n.º 10 do artigo 17º-D.

Visando ainda conferir credibilidade a este processo e evitar o seu uso abusivo, atentos os importantes efeitos que do mesmo decorrem sobre outros processos pendentes (artigo 17.º-E, n.ºs 1 e 6), o legislador consagra a possibilidade de o devedor e os seus administradores de direito ou de facto, serem civilmente responsáveis pelos prejuízos causados aos credores em virtude de falta ou incorrecção das informações prestadas e das comunicações efectuadas (artigo 17.º-D, n.º 11).

Tratando-se, como se afirmou, de um processo de pendor marcadamente extrajudicial, ao juiz está cometida neste PER a prática de escassos actos: o primeiro é a nomeação de administrador judicial provisório, na sequência da comunicação efectuada pelo devedor e da verificação do cumprimento das formalidades legalmente prescritas para o efeito [artigo 17.º-C, n.ºs, 1 a 3, alínea a)][11]; depois, a decisão de impugnações de reclamações de créditos (artigo 17.º-D; seguidamente, quando as negociações chegam à elaboração de um plano de recuperação, o juiz decide se deve homologar o referido plano ou recusar a sua homologação (artigo 17.º-F, n.ºs 3 e 5); e finalmente, quando no processo não se chegue à aprovação de um plano de recuperação, e o mesmo seja encerrado, cabe ao juiz a declaração de insolvência do devedor, quando seja o caso (artigo 17.º-G).

Sinteticamente traçadas as linhas orientadoras do PER e o campo de intervenção do juiz, somos chegados ao momento de apreciar o cerne da questão recursória: a referida declaração de insolvência incumbe ou não ao juiz do PER?


*****

III.1.2. Declaração de insolvência

Do breve excurso efectuado podemos desde já avançar com resposta afirmativa à questão colocada.

Efectivamente, quer a letra da lei quer o seu espírito apontam neste preciso sentido, se a interpretarmos em obediência aos cânones previstos no artigo 9.º do Código Civil. Senão vejamos:

Logo quanto à apresentação do requerimento e formalidades do PER, previstas no artigo 17.º-C, decorre do disposto no n.º 3, alínea a), que o devedor comunica que pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação ao juiz do tribunal competente para declarar a sua insolvência, devendo este nomear, de imediato, por despacho, administrador judicial provisório.

Daqui decorre cristalinamente que o juiz que profere o despacho inicial de nomeação de administrador provisório, após confirmar o cumprimento pelo devedor das formalidades previstas no citado preceito legal, é o juiz do tribunal competente para declarar a sua insolvência, porquanto é a este, por via deste preceito, que o devedor comunica que pretende dar início ao PER.

A decisão de nomeação de administrador provisório tem os dois efeitos essenciais previstos no artigo 17.º-E, n.ºs 1 e 6:

- Obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor, e suspende as acções em curso com a mesma finalidade durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, extinguindo-se aquelas no caso de ser aprovado e homologado o plano de recuperação a não ser que neste se preveja a sua continuação;

- A sua publicação no portal Citius suspende os processos de insolvência em que, anteriormente ao PER, haja sido requerida a insolvência do devedor desde que ali não tenha sido proferida sentença declaratória de insolvência, quer a mesma tenha transitado em julgado quer não tenha[12], extinguindo-se aqueles logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação.

Daqui decorre também de uma forma clara que, atenta a finalidade de recuperação da empresa que agora se privilegia, o PER sobrepõe-se a todas as acções instauradas contra o devedor, quer para cobrança de dívidas quer para a respectiva declaração de insolvência, que se extinguem logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação (artigo 17.º-E, n.ºs 1 e 6).

Caso, porém, o devedor ou a maioria dos credores prevista no n.º 3 do artigo 17.º-F, concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D, que tem o máximo de três meses findo o prazo para as impugnações, o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto no PER, se possível, por meios electrónicos e publicá-lo no portal Citius (artigo 17.º-G, n.º 1).

Nesta situação, uma de duas situações pode acontecer, dependendo de o devedor se encontrar ou não em situação de insolvência.

Assim, nos casos em que o devedor ainda não se encontre em situação de insolvência, o encerramento do processo especial de revitalização acarreta a extinção de todos os efeitos previstos no citado artigo 17.º-E (artigo 17.º-G, n.º 2).

Estando, porém, o devedor já em situação de insolvência, o encerramento do processo regulado no presente capítulo acarreta a insolvência do devedor, devendo a mesma ser declarada pelo juiz no prazo de três dias úteis, contados a partir da recepção pelo tribunal da comunicação mencionada no n.º 1 – artigo 17.º-G, n.º 3.

Ora, este normativo cuja letra claramente se refere ao processo regulado no presente capítulo, que é o Processo Especial de Recuperação, dispondo que o seu encerramento acarreta a insolvência do devedor, devendo a mesma ser declarada pelo juiz no prazo de três dias úteis, contados a partir da recepção pelo tribunal da comunicação do administrador judicial provisório, a efectuar para o mesmo processo, claramente inculca que o processo onde é declarada a insolvência é aquele mesmo processo especial de revitalização. De facto, como vimos, este é logo iniciado no tribunal competente para declarar a insolvência, pelo que, se chegados a esta fase, a mesma for de declarar, é este o tribunal e processo competente para o efeito, tanto mais que o PER prevalece sobre a tramitação dos demais processos supra referidos.

Também no sentido de que este é o único entendimento adequado do regime, veja-se a previsão do n.º 7 do artigo 17.º-G, onde expressamente se afirma sendo o processo especial de revitalização convertido em processo de insolvência por aplicação do disposto no n.º 4 (sublinhado nosso), a levar, sem qualquer dúvida, à conclusão de que, quando o processo negocial se conclua sem aprovação do plano de recuperação, e o administrador judicial provisório comunique tal facto ao PER, emitindo o seu parecer no sentido de que o devedor se encontra em situação de insolvência, e requerendo que a mesma seja decretada (n.ºs 1 e 4 do citado preceito), o juiz do PER declara imediatamente a insolvência do devedor[13].

O entendimento diferente que foi sufragado pela Mm.ª Juiz a quo no sentido de determinar que fosse extraída certidão do parecer do administrador e remetida à distribuição só pode ter resultado de uma leitura do preceituado no n.º 4 do artigo 17.º-G, in fine, dissociada dos demais preceitos acabados de referir. De facto, ali se menciona sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência. A singela leitura deste segmento, sem interpretação da lei nos termos sobreditos, levou a Mm.ª Juiz à conclusão de que a insolvência seria decretada noutro processo e o PER seria apenso àquele.

Porém, da interpretação de todos os indicados normativos, decorre que este segmento só quer significar que, convertido o PER em processo de insolvência, seguirá como tal a partir da sentença que a declara, ficando os autos iniciais do PER apensos àquele processo onde é decretada a insolvência e, por esta via, é convertido em processo de insolvência.

Solução contrária levaria à inviabilização prática daquela que foi a intenção do legislador: criar um processo urgente onde, ou a empresa é considerada passível de recuperação, ou, caso tal não ocorra e a mesma se encontre em situação de insolvência, esta é imediatamente decretada pelo juiz no prazo máximo de três dias.

O caso dos autos espelha de forma evidente ao que levou o entendimento adoptado. A Mm.ª Juiz do PER entendeu não ser competente para decretar a insolvência e, por isso, determinou a distribuição do parecer do administrador; no processo a que tal distribuição deu origem (e que ora constitui o processo principal), a Mm.ª Juiz entendeu que, estando pendente processo de insolvência anterior, devia suspender aquele por aplicação do artigo 8.º do CIRE; e, por seu turno, a Mm.ª Juiz desse primeiro processo de insolvência considerou (e bem, como vimos), que o processo competente para decretar tal estado da Requerente era o PER. Resultado: há muito que se esgotou o referido prazo de três dias e a insolvência não foi decretada.

Pelo exposto, é de conceder provimento ao presente recurso, declarando-se competente para decretar a insolvência da Requerente o PER.

III.2. - Síntese conclusiva:

I - Ultrapassado o prazo previsto no artigo 17.º-D, n.º 5, o PER é encerrado.

II - Porém, quando ali seja apresentado pelo administrador judicial provisório parecer no sentido de ser decretada a insolvência do devedor, a mesma é imediatamente decretada pelo Juiz no próprio PER, que se converte em processo de insolvência, ficando os autos iniciais apensos a este.


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      III - Decisão

      Pelo exposto, revoga-se o despacho recorrido, declarando-se que a insolvência da Requerente deve ser imediatamente decretada no PER.

     Sem custas. 


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Albertina Pedroso ( Relatora )

Virgílio Mateus

Carvalho Martins

[1] Relatora: Albertina Pedroso;

1.º Adjunto: Virgílio Mateus;

2.º Adjunto: Carvalho Martins.
[2] Doravante abreviadamente designado CIRE.
[3] Doravante abreviadamente designado CPC.
[4] Doravante abreviadamente designado PER.
[5] Alterado pelos DL n.º 200/2004, de 18/09, n.º 76-A/2006, de 29 de Março, n.º 282/2007, de 7 de Agosto,  n.º116/2008, de 4 de Julho, e n.º 185/2009, de 12 de Agosto
[6] Cfr. Luís Menezes Leitão, in Direito da Insolvência, Almedina 2012, 4.ª edição, pág. 76.
[7] Cfr. neste sentido, autor e obra citada, pág. 309.
[8] Cfr. Ac. TRG de 18-12-2012, processo n.º 2155/12.2TBGMR.G1, disponível em www.dgsi.pt.
[9] Cfr. Ac. TRP de 15-11-2012, processo n.º 1457/12.2TJPRT-A.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Cfr., neste sentido, autor, obra e local citado.
[11] Na verdade, tendemos a concordar com a posição assumida no citado acórdão do TRP, em sentido diferente ao referido no também indicado acórdão do TRG, ao considerar que “o juiz, ao proferir o despacho a que se refere a segunda parte da alínea a) do n.º 3 do art.º 17.º-C do CIRE, não tem que verificar a existência dos requisitos materiais de que depende o recurso a tal procedimento, nem o seu eventual abuso”.
[12] Cfr. neste sentido, a decisão sumária proferida em 16-10-2012, no processo 421/12.6TBTND.C1, desta mesma secção.
[13] Cfr. neste sentido, autor e obra citada, pág. 313.