Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
663/11.1TBTND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARVALHO MARTINS
Descritores: INSOLVÊNCIA
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
REMUNERAÇÃO
Data do Acordão: 03/11/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TONDELA 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.51,60, 156 CIRE, DL Nº 32/2004 DE 2/7, PORTARIA Nº 5/2005 DE 20/1
Sumário: A pretexto da legitimidade legalmente atribuída pelos arts. 20.º, n.º1, 22º, nºs 2 e 3, e 26.º, n.º2, do Estatuto dos Administradores da Insolvência (Lei n.º 32/2004, de 2 Julho) art. 1.º da Portaria º 51/2004, de 20/01, (n.° 1), quando competir ao administrador da insolvência a gestão de estabelecimento em actividade compreendido na massa insolvente, efectivada, cabe ao juiz fixar-lhe a remuneração devida até à deliberação a tomar pela assembleia de credores, nos termos do nº1 do art. 156º do CIRE.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:



I - A Causa:


E (…) Administradora de Insolvência, nos Autos em epígrafe, em que é insolvente I (…), SA, por não concordar com o despacho de 31.10.2013, veio interpor recurso de apelação, alegando e concluindo que:

I- Recorre-se do despacho onde se decidiu que “concordando com os argumentos expostos pela Ex.ma Magistrada do Ministério Público, diremos que não assiste razão à Sr.ª Administradora, na medida em que sendo pagamento da remuneração a suportar pelo IGFPJ, IP, a remuneração devida é a constante do artigo 27º , n 2 do DL 32/204 de 2/07, conjugado com Portaria n º 51/205 de 20/01, 11, sendo que, no caso a mesma já se mostra paga. Pelo exposto, indefere-se o requerido, porquanto não há lugar ao pagamento da segunda prestação.”
II. No fundo, tal despacho perfilha o entendimento de que a 2.ª prestação da remuneração fixa devida à Recorente não é devida, bem como não lhe é devida remuneração pela gestão do estabelecimento da insolvente.
Ora,
III. A insolvência de “ I (…) SA ” foi declarada em 28-07-2012, tendo a Recorente sido nomeada Administradora da Insolvência na mesma data.
IV. Em 04-07-2013 foi proferido despacho onde se extinguiu a instância “ tendo em consideração disposto no n º 4 do artigo 8º do CIRE ”.
 V. No âmbito da suas funções e durante todo aquele período, a Recorrente elaborou o Relatório, auto de arrolamento de bens, a lista de créditos definitiva (art. 129.º), etc – peças a que aludem os artigos 15.º e 129., entre outros, do CIRE.
VI. Paralelamente até à realização da Assembleia de Credores, durante 2 meses, a Recorrente assumiu a gestão da exploração do estabelecimento massa insolvente, como provam abundantemente os autos.
 VII. Em 02-08-2013, a Recorrente solicitou ao Tribunal que ordenasse/autorizasse o pagamento do remanescente dos seus honorários fixos e bem assim, fixasse/ordenasse pagamento, através dos cofres públicos, da remuneração devida pela gestão do estabelecimento da insolvente insolvente.
VIII. O Tribunal recorrido negou à Recorrente o direito àquelas remunerações, nos termos do despacho acabado de transcrever supra.
Mas, vejamos a primeira questão:
 IX. “ A remuneração prevista no n.º 1 do art. 20.º é paga em duas prestações de igual montante, vencendo-se a primeira na data da nomeação e a segunda seis meses após tal nomeação, mas nunca após data do encerramento do processo ” – art. 26.º , n.2, do EAI.
 X. Já o art. 1.º da Portaria n.º 51/204, de 20/01, ensina-nos que “ o valor da remuneração do administrador da insolvência nomeado pelo juiz, nos termos do n.º 1 art. 20.º Lei n.32/204 de 2/7, que aprovou o estatuto do administrador da insolvência, é de 2000, 00 €  XI. Podemos então concluir que, salvo alguma excepção, a remuneração devida ao administrador de insolvência é de 2000,00 € por cada processo, os quais devem ser pagos em duas prestações.
XI. A conclusão de que ao administrador de insolvência pode ser devida apenas uma remuneração de 1000,00 € encontra-se prevista, como excepção, no n.º 2 do mesmo art. 1.º da Portaria n.º 51/204, de 20/01 – “ no caso de o administrador da insolvência exercer as suas funções por menos de seis meses devido à sua substituição por outro administrador, aquele terá direito somente à primeira das prestações referidas no n.º 2 da Lei n.º 32/204 de 2/7, que aprovou o estatuto do administrador da insolvência ”.
 XI. Ou seja, só no caso do administrador de insolvência exercer as suas funções por menos de seis meses devido a ser substituído por outro administrador é que a remuneração devida será reduzida à primeira prestação (de 1000,00 €).
XIV. Se o legislador tivesse querido que a remuneração do administrador de insolvência, por processo, estivesse dependente do prazo de duração de cada processo, não teria previsto esta excepção da substituição por outro administrador.
XV. Bastaria aliás ter dito que a remuneração do administrador da insolvência seria de 1000,00 € ou de 2000,00 €, conforme o processo durasse menos ou mais de 6 meses – o que, salvo devido respeito, seria extremamente injusto e ilógico.
XVI. Até porque o trabalho desenvolvido num processo não pode resumir-se apenas ao maior ou menor tempo que processo dura, mas sobretudo ao trabalho que dá, aos incidentes, aos apensos, às diligências judiciais extrajudiciais efectuadas.
XVI. Portanto, o que legislador quis dizer, e disse, foi que a remuneração devida ao administrador de insolvência, por cada processo, era de 2000,0 €, independentemente da duração cada um deles.
Mais,
XVI. Ao prever que essa remuneração (sempre de 2000,00 €) seria paga em duas prestações, uma com a nomeação e outra seis meses após a nomeação, o legislador quis definir o momento de pagamento dessa remuneração não fazer variar o seu montante.
XIX. Tendo então definido que ela seria paga em duas prestações (de 1000,00 €): a primeira delas seria paga com a nomeação e a segunda seis meses após essa nomeação.
XX. É certo que acrescentou que esta segunda prestação nunca se venceria após o encerramento do processo e, cremos, foi esta última frase que levou o Tribunal a decidir que a segunda prestação da remuneração nem sequer se venceu e, portanto, não deveria ser paga. XXI. Mas entendemos que a interpretação correcta seria precisamente a contrária, ou seja – se a prestação NUNCA poderá vencer-se após o encerramento do processo, ela vencer-se-á com o enceramento do processo.
XXII. Com isto o legislador pretendeu evitar que a segunda prestação da remuneração pudesse vencer-se após o encerramento dos processos, resolvendo essa possibilidade ao dizer que a segunda prestação nunca se vence após o encerramento do processo.
 XXIII. Interpretar a parte final do art. 26, n.º 2, do EAI, no sentido de que a segunda prestação da remuneração do administrador de insolvência não é devida abusivo e injusto.
XXIV. De modo algum, como já se disse, o legislador quis fazer depender a remuneração do administrador de insolvência da duração de cada processo.
XXV. Ele definiu a remuneração de 2000,00 €, pagos em duas prestações iguais, uma com a nomeação e outra após seis meses, mas nunca após o encerramento do processo.
 XXVI. E como excepção a esta regra, definiu que, caso administrador de insolvência fosse substituído por outro administrador antes de decorridos seis meses sobre a nomeação, não lhe seria devida segunda prestação da remuneração.
XXVII. Portanto, a remuneração do administrador da insolvência, excepto quando for substituído, não depende do tempo de duração processo, sendo inevitavelmente de 2000,00 €.
XXVIII. O pagamento dessa remuneração deve ser feito em duas prestações, a primeira com a nomeação e a segunda após seis meses, excepto quando encerramento do processo se verifique antes dos seis meses, caso em que esta segunda prestação será paga nesse momento.
XXIX. Logo, não existe razão para ser negado à Recorrente o pagamento daquela 2.ª prestação, ainda mais tendo em conta que o processo durou mais de 12 meses
XXX. Na sentença recorrida, o Tribunal a quo parece então querer aplicar aos presentes autos o n.º 2, do art. 27.º do EAI.
XXXI. Sendo que, tal normativo, sob a epígrafe “pagamento da remuneração do administrador da insolvência suportada pelo Cofre Geral dos Tribunais ”, refere-nos apenas que, “ nos casos previstos no artigo 39.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a provisão adiantar pelo Instituto de Gestão Financeira de Infra-Estruturas Justiça, I. P., é metade da prevista no n.º 6 do artigo anterior, sendo paga imediatamente após a nomeação ”.
XXXII. Remetidos para o n.º 6 do art. 26.º do EAI, podemos ler que “ a provisão para despesas equivale a um quarto da remuneração fixada na portaria referida no n.º 1 do artigo 20.º e é paga em duas prestações de igual montante, sendo a primeira paga imediatamente após a nomeação a segunda após a elaboração do relatório pelo administrador da insolvência, nos termos do artigo 15.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.”
 XXXIII. Ou seja, a normativo que o Tribunal a quo utilizou para negar o pagamento da segunda prestação da remuneração devida à Recorrente, nem sequer se refere ao de qualquer REMUNERAÇÃO, mas apenas e só ao cálculo e pagamento da provisão de DESPESAS.
XXXIV. Que, nos casos do art 39.º do CIRE (que não é aqui o caso) é reduzida metade, sendo paga logo após a nomeação.
XXXV. Concluímos portanto, quanto a esta primeira questão, que não existe razão substantiva e/ou formal para ter sido indeferido requerido pela Recorrente, consistia no simples pagamento da segunda prestação da sua remuneração FIXA, no montante de 1000,00 €, acrescidos de IVA.

 Resta a segunda questão:

XXXVI. Acerca da remuneração devida pela gerência do estabelecimento da insolvente, prevê no art. 2.º do EAI, no seu n.º 1, que “quando competir ao administrador da insolvência gestão de estabelecimento em actividade compreendido na massa insolvente, cabe ao juiz fixar-lhe a remuneração devida até à deliberação a tomar pela assembleia de credores, nos termos do n.º 1 artigo 156.º do Código da Insolvência e da Recuperação Empresas”.
 XXXVII. Não deixando de se lembrar que “na fixação da remuneração prevista no número anterior, deve o juiz atender ao volume de negócios do estabelecimento, à prática de remuneração seguida na empresa, número de trabalhadores e à dificuldade das funções compreendidas na gestão do estabelecimento” – art. 2.º , n.º2, do EAI.
 XXVIII. E que “ caso os credores deliberem, nos termos referidos no n.º 1, manter em actividade o estabelecimento compreendido na massa insolvente, devem, na mesma deliberação, fixar a remuneração devida ao administrador da insolvência pela gestão do mesmo ” – art. 2.º , n.3, do EAI.
XXXIX. A Recorrente exerceu de facto a gestão do estabelecimento em actividade, nos termos do n.º art. 156.º do CIRE e art. 2.º , n.º1 EAI (atrás transcrito), mas o Tribunal recusa-se a fixar-lhe a ordenar o pagamento da remuneração que a lei lhe confere.
XL. Não restando dúvidas que a lei atribui ao juiz a fixação dessa remuneração, seguindo os critérios que constam do n.º 2, art. 2.º, do EAI (atrás transcrito).
XLI. É então impensável, injusto e ilegal, que lhe seja negada retribuição por um serviço que prestou (a mando do Tribunal dos próprios credores).
XLII. Daí que não se aceite nem se perceba decisão do Tribunal, que ignorou completamente esta parte do requerimento da Recorrente, bastando-se com a de tudo estava pago.
XLIII. Não cremos que o Tribunal tenha sequer admitido a incompatibilidade ou alternativa entre as duas remunerações.
 XLIV. Primeiro: existem vários tipos de remunerações, que não são alternativas mas sim cumulativas, como por exemplo: art. 23.º do EAI, sobre a remuneração devida pela elaboração do plano de insolvência; art. 24.º do EAI sobre a remuneração devida ao administrador judicial provisório; art 25.º do EAI sobre a remuneração devida ao fiduciário. XLV. Segundo: uma coisa é o trabalho que a Recorrente fez como Administradora da Insolvência e que tem de fazer em qualquer das outras centenas de processos onde for; outra coisa, diferente distinta, é o trabalho que a Recorrente fez na gestão da empresa, que passa pelo acompanhamento dos negócios, pagamentos fornecedores, recebimentos de clientes, contratações, despedimentos, angariação de matérias-primas, organização do trabalho, etc.
XLVI. E se a remuneração fixa paga o primeiro desses serviços, a lei diz que o juiz deve ficar a devida pelo outro.
 XLVII. Assim, cremos que não podem subsistir dúvidas sobre o “merecimento” da remuneração prevista no art. 2.º do EAI, além de devida por uma questão de legalidade, também o é por uma questão moral.
 XLVIII. Deve então proferir-se Acórdão onde se anule o despacho recorrido e se fixe a remuneração devida à Recorrente num mínimo de 2000, 00 € mensais, usando os critérios previstos no art. 2.º , n.2, do EAI, ordenando-se o seu pagamento pelo Cofre Geral dos Tribunais. XLIX. É pois evidente que o Tribunal recorrido interpretou erradamente os normativos dos art. 20.º, n.º1 e 26.º , n.2, do Estatuto dos Administradores da Insolvência (Lei n.º 32/204, de 2 Julho) art. 1.º da Portaria º 51/204, de 20/01, quanto à primeira questão decidenda.
 L. Como fez com o art. 22.º do mesmo EAI quanto à segunda questão aqui trazida à liça.
LI. Os quais deviam ter sido interpretados no sentido que a Recorrente acima expôs, fazendo assim justiça.
 LI. Ou seja, o Tribunal recorrido devia ter proferido despacho no sentido de ordenar o pagamento da 2.ª prestação da remuneração devida à Recorrente, bem como devia ter-lhe fixado a remuneração de 2000,00 € mensais, pela gestão do estabelecimento da insolvente, encaminhando seu pagamento pelo Cofre Geral dos Tribunais – sendo essa a mais correcta interpretação das normas vigentes e aplicáveis.

Não foram produzidas contra alegações.

II. Os Fundamentos:

Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir:

São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa, as que decorrem do elemento narrativo e documental dos Autos, designadamente que:

- Em 02 de Agosto de 2013, a Recorrente apresentou um requerimento (fl.s 2161) nos presentes autos, nos termos que se seguem:

“Por despacho de 04 de Julho de 20/3, foram os presentes autos extintos;
No entanto, apesar dessa extinção, a signatária tem ainda a receber do processo a 2ª prestação dos seus honorários fixos (1.000,00 € + IVA), há muito já vencida;
Por outro lado, apesar de por pouco tempo (2 meses), a signatária exerceu efectivamente funções de gestão na empresa insolvente, cuja remuneração deve ser fixada, na opinião da signatária, em valor não inferior a 1.000,00 €;
Assim, atento o supra exposto,
Requer a V. Exa. se dine ordenar o pagamento à signatária da 2ª prestação da sua remuneração fixa (1.000,00  + IVA);
 Mais requer a V. Exa. se digne proceder à fixação dos honorários da signatária pelo período em que exerceu efectivamente funções de gestão na empresa insolvente.”

- Consta da promoção do Procurador do Ministério Público, datado de 29 de Outubro de 2013, o seguinte:

“Requerimento de fls. 2167
À requerente já foi paga a primeira prestação prevista no artigo 1.º da Portaria 51/2005 de 20/01.
Nos termos do disposto no artº 27, n.° 2, do Decreto Lei n.° 32/2004, de 22/07, aplicável aos presentes autos atenta a data da instauração dos mesmos, entendemos que face á insuficiência da massa para efeitos de custas, bem como ao apoio judiciário de que beneficia a requerida, o que faz com que as custas fiquem a cargo do IGFPl, IP, a provisão devida é reduzida a metade, tendo a mesma já sido paga à requerente após a sua nomeação como Administradora de Insolvência, pelo que se nos afigura que nada mais é devido.
Termos em que promovo que se indefira o requerido pagamento”.

- Nesta sequência, foi a Recorrente notificada pelo ofício com a referência n.° 1698452, em 31 de Outubro de 2013, do despacho que a seguir se transcreve:

“Fls. 2167: Concordando com os argumentos expostos pela Ex.ma Magistrada do Ministério Público, diremos que não assiste razão à Sra Administradora, na medída em que sendo o pagamento da remuneração a suportar pelo lGFPJ,IP a remuneração devida é a constante do art. 27º, nº 2 do DL 32/2004 de 22/07 conjugado com a Portaria, nº 51/2005 de 20/01, art.º1º, nº1,. sendo que, no caso a mesma já se mostra paga.
 Pelo exposto, indefere-se o requerido, porquanto não há lugar ao pagamento da segunda prestação.”
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- Em 28 de julho de 2012 foi declarada a insolvência de I (…)SA.
- Na mesma sentença, foi nomeada Administradora da Insolvência a Dr-ª E (…) aqui recorrente.
- No âmbito das suas funções, a Recorrente elaborou, designadamente, o Relatório, auto de arrolamento de bens, a lista de créditos, o parecer sobre a qualificação da insolvência — a que aludem os artigos 155.°, 129.° e 188.° do CIRE.
- Em 04 de Julho de 2013 foi proferido despacho onde se extinguiu a instância “tendo em consideração o disposto no n ° 4 do artigo 8° do CÍRE”.
 - Com os autos a não findarem com a liquidação do activo, nem por insuficiência da massa insolvente, mas apenas por a insolvente apresentou PER num outro Tribunal, quando ainda não tinha transitado em julgado a sentença de insolvência nestes autos, tornando-os assim inúteis.
- A partir da sua nomeação como Administradora de Insolvência, a Recorrente passou a desempenhar essas funções, realizando todas as diligências necessárias a produção das peças processuais supra referidas, as quais são, na sua quase totalidade, de realização obrigatória; bem como a deslocar-se e a comparecer nas diligências onde a sua presença se tornava necessária.
- E ainda, como sempre, teve o seu escritório e os seus colaboradores ocupados a trabalhar nos presentes autos.
- Paralelamente, a Recorrente exerceu de facto funções de gerência na empresa insolvente, a qual nunca chegou a encerrar as suas instalações e funcionamento.
- Isto numa empresa que teve um volume de negocio de 3.163.161, 00 € em 2011 e que em 2010 tinha tido um volume muito superior a 6.000.000, 00 €.
- Com várias dezenas de trabalhadores ao seu serviço e muitos negócios em curso.
- Sendo que esses trabalhadores mantiveram os seus postos de trabalho, o Estado continuou (ou começou) a receber os seus impostos e os negócios da empresa continuaram a ser desenvolvidos, com a Recorrente a gerir o negócio, dando cumprimento às funções que o Tribunal lhe tinha confiado.
- Em 02 de Agosto de 2013, a Recorrente dirigiu um requerimento aos autos, solicitando ao Tribunal ordenasse/autorizasse o pagamento do remanescente (2.ª prestação) dos seus honorários fixos, bem como lhe fixasse a remuneração devida pela gerência da empresa, através dos cofres públicos, em virtude da extinção da instância nos termos atrás descritos.

Nos termos do art. 684°, n°3 e 690°, n°1, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n°2 do art. 669°, do mesmo Código.

Das conclusões, (das quais haverá de dizer-se - em nome do rigor que sempre há que colocar na hipótese de trabalho judiciário sub judice -, que desenvolvem de forma profusa e tautológica pontos de apreciação, em desrespeito pelo disposto no art. 685°-A, CPC sem levar em devida conta que, justamente, por conclusões se entendem “as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação” (Alberto dos Reis, CPC Anot., 5.°-359). E, sobretudo, que «as conclusões consistem na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso. Com mais frequência do que seria para desejar vê-se, na prática, os recorrentes indicarem como conclusões, o efeito jurídico que pretendem obter com o provimento do recurso, e, às vezes, até com a procedência da acção. Mas o erro é tão manifesto que não merece a pena insistir neste assunto. Se as conclusões se destinam a resumir, para o tribunal ad quem, o âmbito do recurso e os seus fundamentos, pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões porque devem ser decididas em determinado sentido, é claro que tudo o que fique para aquém ou para além deste objectivo é deficiente ou impertinente (Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 30, 299).

Ao concluir-se nas alegações dum recurso devem indicar-se, com um mínimo de precisão e de um modo directo, claro e conciso, as razões ou fundamentos da discordância com a decisão recorrida. Cabe a quem tem que apreciar o recurso, desde que se esteja perante uma anormal e injustificada prolixidade na explanação das conclusões, o juízo decisivo quanto à definição do limite do dever de concisão, imposto pelo n.° 1 dc art. 690°, do Cód. Proc. Civil (Ac. STJ de 29.2.2000: Sumários, 38.°-53).
As conclusões das alegações de recurso são proposições sintéticas onde se sumaria a exposição analítica do corpo das alegações. O recorrente, depois de elaborar mais ou menos longamente o rol das suas razões de facto e de direito, terá — a final — que apresentar um índice das questões, das razões e do direito que lhe assiste. Daqui resulta que as conclusões terão de ser, formalmente, bem diversas da exposição de motivos que as antecede: a não ser assim, corre-se o risco de, repetindo as conclusões formalmente a exposição anterior, ficar por delimitar o objecto do recurso (Ac. STJ, de 6.42000: Sumários, 40.°-25);

ressaltam, ainda assim, as seguintes questões elencadas, na sua formulação originária, a considerar na sua própria matriz:

1.
Deve proferir-se Acórdão onde se anule o despacho recorrido e se fixe a remuneração devida à Recorrente num mínimo de 2000, 00 € mensais, usando os critérios previstos no art. 22.º, n.º2, do EAI, ordenando-se o seu pagamento pelo Cofre Geral dos Tribunais, por ser  evidente que o Tribunal recorrido interpretou erradamente os normativos dos art. 20.º, n.º1 e 26.º , n.º2, do Estatuto dos Administradores da Insolvência (Lei n.º 32/2004, de 2 Julho) art. 1.º da Portaria º 51/2004, de 20/01, quanto à primeira questão decidenda.
2.
L. Como fez com o art. 22.º do mesmo EAI quanto à segunda questão, uma vez que o Tribunal recorrido devia ter proferido despacho no sentido de ordenar o pagamento da 2.ª prestação da remuneração devida à Recorrente, bem como devia ter-lhe fixado a remuneração de 2000,00 € mensais, pela gestão do estabelecimento da insolvente, encaminhando seu pagamento pelo Cofre Geral dos Tribunais – sendo essa a mais correcta interpretação das normas vigentes e aplicáveis.


Apreciando, diga-se - através de excurso pressuponente, com algum paralelismo situacional -, desde logo, que a al. b) do art. 51º do CIRE (dívidas da massa insolvente) esclarece, de vez, todas as dúvidas sobre a qualificação dos encargos com a remuneração do administrador judicial e as despesas destes e dos membros da comissão de credores, quando esta exista.
A este propósito, tenha-se presente o que, respectivamente, determinam os art. 60.° e 71.°, esclarecendo-se que os encargos decorrentes da remuneração do administrador judicial provisório e as despesas em que incorra são integrados, por determinação do art.° 32.°, n.° 3, nas custas do processo e, por conseguinte, também dívidas da massa, segundo o que se dispõe na al. a) do preceito em referência (LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, JOÃO LABAREDA, CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS ANOTADO - REIMPRESSÃO, Lisboa 2009, pp. 238-239.

Quanto basta - no cotejo articular da legislação invocada - para chancelar, em termos de hermenêutica jurídica emergente, com alcance cuircunstancial específico, que:

- Em 28 de julho de 2012 foi declarada a insolvência de I (…)SA.
Na mesma sentença, foi nomeada Administradora da Insolvência a Drª E (…), aqui recorrente.
No âmbito das suas funções, a Recorrente elaborou o Relatório, auto de arrolamento de bens, a lista de créditos, o parecer sobre a qualificação da insolvência, etc. — a que aludem os artigos 155.°, 129.° e 188.° do CIRE.
Em 04 de Julho de 2013 foi proferido despacho onde se extinguiu a instância “tendo em consideração o disposto no n ° 4 do artigo 8° do CIRE”.

Com os autos a não findarem com a liquidação do activo, nem por insuficiência da massa insolvente, mas apenas por a insolvente apresentou PER num outro Tribunal, quando ainda não tinha transitado em julgado a sentença de insolvência nestes autos, tornando-os assim inúteis.
A partir da sua nomeação como Administradora de Insolvência, a Recorrente passou a desempenhar essas funções, realizando todas as diligências necessárias a produção das peças processuais supra referidas, as quais são, na sua quase totalidade, de realização obrigatória. Bem como a deslocar-se e a comparecer nas diligências onde a sua presença se tornava necessária.
E ainda, como sempre, teve o seu escritório e os seus colaboradores ocupados a trabalhar nos presentes autos.
Paralelamente, a Recorrente exerceu de facto funções de gerência na empresa insolvente, a qual nunca chegou a encerrar as suas instalações e funcionamento.
Isto numa empresa que teve um volume de negocio de 3.163.161, 00 € em 2011 e que em 2010 tinha tido um volume muito superior a 6.000.000, 00 €.
Com várias dezenas de trabalhadores ao seu serviço e muitos negócios em curso.
Sendo que esses trabalhadores mantiveram os seus postos de trabalho, o Estado continuou (ou começou) a receber os seus impostos e os negócios da empresa continuaram a ser desenvolvidos, com a Recorrente a gerir o negócio, dando cumprimento às funções que o Tribunal lhe tinha confiado.
Em 02 de Agosto de 2013, a Recorrente dirigiu um requerimento aos autos, solicitando ao Tribunal ordenasse/autorizasse o pagamento do remanescente (2.ª prestação) dos seus honorários fixos, bem como lhe fixasse a remuneração devida pela gerência da empresa, através dos cofres públicos, em virtude da extinção da instância nos termos atrás descritos.

Tal significando, também aqui, que se não pode deixar sem remuneração minimamente em correspondência actividade desenvolvida, pressupondo, também, haver suportado

“[(…)despesas em causa e, assim, não aceites na decisão recorrida, que se encontram endogenamente verificadas a partir dos actos documentados nos autos a partir, exactamente, dos elementos processuais e documentais que neles se encontram — cfr. art.° 514.°, n.° 2 do CPCiviI aplicado «ex-vi» do art.° 17.° do C.I.R.E. - e as despesas NECESSARIAMENTE realizadas em termos de expediente e cuja verificação é impossível de documentar mas que não se pode negar terem existido, tais como  ao dispêndio de material de escritório, realização de telefonemas, envelopes, dispêndio de energia eléctrica, etc. bem assim como as despesas de deslocação (cfr. art.° 7º do Decreto-Lei n.° 106/98, de 24 de Abril, ao valor unitário / Km — que não engloba o custo das portagens — determinado pelos regimes legais definidos quer nos art.°s 1.º e 7.º do Decreto-Lei n.° 106/98, de 24 de Abril, quer no das correlativas Portarias que instituem o valor / Km para deslocações), custos que são necessariamente verificáveis pela própria natureza da actividade e que são apanágio, aliás e a título de exemplo, da própria actividade dos tribunais, que os fazem reflectir / repercutir nas contas de custas finais(…)];

Vinculando distinguir entre a própria «notoriedade» definida no art. 514.°, n.° 1, do Cód. Proc. Civil e que se traduz no «conhecimento geral» dos factos que a revestem — tornado dispensável a sua prova e até a sua alegação — e o carácter «notório» dos factos que a lei, ao invés, exige que sejam aduzidos e demonstrados, cuja noção, correspondente à formulada pela doutrina civilística (cfr. Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Anotado vol. 1.º, p. 166) se inseriu no n.° 2 do art. 257.° do Cód. de 1966: «O facto é notório, quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar».
Aflora aí a lição do Prof. Manuel de Andrade (Teoria Geral, vol. 2.°, p. 89) enquanto tinha por notório «tanto aquilo que é geralmente sabido, como aquilo que é de per si evidente».
Na verdade, o que se «evidencia» torna-se susceptível de ser notado por qualquer pessoa de normal diligência, independentemente do seu «generalizado conhecimento».

O que, dito isto, se vem a revelar incontroverso e incontrovertível, na decorrência legal obsidiante oportunamente convocada (Apelação 3349/J.0.OTBGMR-D.G1, no Tribunal da Relação de Guimarães). Ressumando como se destaca:

“(…) Disporem os art°s 19º, 20° e 27° da Lei no 32/2004, de 22 de Julho (que estabelece o estatuto do administrador da insolvência):

Artigo 19°
Remuneração do administrador da insolvência
O administrador da insolvência tem direito a ser remunerado pelo exercício das funções que lhe são cometidas, bem como ao reembolso das despesas necessárias ao cumprimento das mesmas. Artigo 20.°
Remuneração do administrador da insolvência nomeado pelo juiz
1 - O administrador da insolvência, nomeado pelo juiz, tem direito a ser remunerado pelos actos praticados, de acordo com o montante estabelecido em portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça.
2 - O administrador da insolvência nomeado pelo juiz aufere ainda uma remuneração variável em função do resultado da liquidação da massa insolvente, cujo valor é o fixado na tabela constante da portaria prevista no número anterior.
3 - Para efeitos do número anterior, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com excepção da remuneração referida no número anterior e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.
4 - O valor alcançado por aplicação da tabela referida no n.° 2 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos factores constantes da portaria referida no n.° 1.
5 - Se, por aplicação do disposto nos n.ºs 1 a 4, a remuneração exceder o montante de Euros 50000 por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue no exercício das funções.
Artigo 27.°
Pagamento da remuneração do administrador da insolvência suportada pelo Cofre Geral dos Tribunais
1 - No caso de o processo ser encerrado por insuficiência da massa insolvente, a remuneração do administrador da insolvência e o reembolso das despesas são suportados pelo Cofre Geral dos Tribunais.

2-
3-

 Por seu turno, o Estatuto do Administrador da Insolvência, aprovado pela Lei n° 32/2004 remete para a Portaria n° 51/2005, de 20 de Janeiro, a fixação dos valores da respectiva remuneração. Do preâmbulo desta Portaria consta:
A presente Portaria aprova o montante fixo de remuneração do administrador da insolvência nomeado pelo juiz, bem como as tabelas relativas ao montante variável de tal remuneração, em função dos resultados obtidos.
Procede-se ainda à regulamentação da forma como são pagas as despesas do administrador da insolvência, em especial quanto à provisão paga nos termos dos artigos 26 e 27 do Estatuto(…)”.

De resto, esta aplicação legal do conceito indeterminado «factos notórios» «aos factos que são do conhecimento geral», tem, do mesmo modo, o seu eco no comentário de J. A. dos Reis sobre «o conhecimento geral», no sentido de que é o conhecimento tido por parte da grande maioria dos cidadãos do País, regularmente informada». Sobre o que a doutrina entende por «facto notório», e pensando-se no leque de opiniões fundadas na lei, muito se tem escrito, não sendo ora momento azado para uma referência, ainda que sumária, aos critérios normalmente seguidos para o efeito. Em todo o caso, acha-se oportuna a indicação de que a «notoriedade», vista no facto x ou y, histórico, sociológico, etc., é a conhecida pelo juiz, sem que este necessite de recorrer a operações lógicas e cognitivas, como a juízos presuntivos: o facto apresenta-se notório ao juiz, porque ele o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado (J. A. dos Reis — Código de Processo Civil Anotado, vol. III, págs. 259 e segs.; J. Castro Mendes, Do Conceito de Prova em Processo Civil, págs. 711 e segs., onde o assunto vem desenvolvidamente tratado; e A. Vaz Serra, «Provas (Direito Probatório Material)», Boletim do Ministério da Justiça, n.° 110, págs. 61 e segs. — só para nos cingirmos à literatura jurídica portuguesa)» (do Ac. STJ, de 11.12.1991: BMJ, 411.°-574).

Serve isto, igualmente, para dizer que - aderindo, por inteiro, ao raciocínio decisório expresso na Apelação 3349/J.0.OTBGMR-D.G1, proferida  no Tribunal da Relação de Guimarães, de que foi Relator Sua Excia O Senhor Desembargador Amílcar Andrade -, destacar, também, que:

“Dos citados normativos, não restam dúvidas de que foi objectivo do legislador distinguir entre remuneração do administrador da insolvência pelo exercício das funções que lhe são cometidas e despesas necessárias ao cumprimento das mesmas, a cujo reembolso tem direito.
É a própria lei e regulamentação da mesma que estabelece de forma clara e inequívoca a diferenciação entre remuneração e despesas.
Trata-se, sem dúvida, de realidades distintas, que não devem ser confundidas.
A remuneração (...) do Administrador da Insolvência é fixável em razão das funções que lhe são cometidas e tem inquestionavelmente a ver com a actividade desenvolvida, com os actos praticados no âmbito das suas funções.
A remuneração do Administrador contém-se dentro de critérios (legais) remuneratórios fixos, predeterminados.
As despesas, por outro lado, emergem da actividade própria desenvolvida pelo Administrador da Insolvência no âmbito da actividade para a qual se encontra inscrita e que se encontra definida por lei.
Estabelecendo a lei a distinção entre a remuneração prevista no Estatuto e o pagamento das despesas que se revelem úteis ou indispensáveis, carece de suporte legal o entendimento sufragado na decisão recorrida de que as despesas gerais de expediente, nomeadamente os efectuados com papel, tinteiros, telefone, e fax devam ser considerados nos «honorários» devidos a final”.

No caso, em particular dos honorários em causa, pretendidos pela Sra. Administradora da Insolvência, como facilmente se constata, decorrem da própria natureza da actividade por si desenvolvida no âmbito do processo de Insolvência. Como tal, tem a Recorrente direito ao seu reembolso.

Também levando em consideração que interpretar uma lei não é mais do que fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja, determinar o seu sentido e alcance decisivos; o escopo final a que converge todo o processo interpretativo é ode pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei (Manuel de Andrade, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, págs. 21 e 26).
Interpretar, em matéria de leis, quer dizer não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, dentro das várias significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva (P. de Lima eA. Varela, Noções Fundamentais, II, 50 cd., pág. 130).
Resumindo, Pires de Lima e Antunes Varela dizem que o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório de diplomas ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei (Cód. Civ. Anot., , 4. cd., págs. 58 e s.).
A letra da lei é, naturalmente, o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, como assinala Baptista Machado, uma função negativa: eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio ou, pelo menos, qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei (Introdução ao Direito, 1987, págs. 187 e ss.).
Ou, como diz Oliveira Ascensão, «a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação.
Quer dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito» (O Direito — Introdução e Teoria Geral, 1978, pág. 350). Como escreveu Francesco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, 3ª ed., 1978, págs. 127 e ss. e 138 e ss., para apreender o sentido da lei, a interpretação socorre-se de vários meios: Em primeiro lugar busca reconstituir o pensamento legislativo através das palavras da lei, na sua conexão linguística e estilística, procura o sentido literal. Mas este é o grau mais baixo, a forma inicial da actividade interpretativa. As palavras podem ser vagas, equívocas ou deficientes e não oferecerem nenhuma garantia de espelharem com fidelidade e inteireza o pensamento: o sentido literal é apenas o conteúdo possível da lei; para se poder dizer que ele corresponde à mens legis, é preciso sujeitá-lo a crítica e a controlo.

Nessa vinculação – e não obstante -, configura-se como incontroverso que essa segunda prestação nunca será paga após a data de encerramento do processo (cfr. Art. 26º, nº2, do EAI. Imperativo legal que resiste à interpretação que pretende diferenciar tal realidade daquela que se perfilaria com o encerramento do processo”

Naquilo que sempre se configuraria como um mero tropo de linguagem sem alcance para derrogar a consideração peremptória alcançada com o elemento redactorial legal estatuído pelo legislador.

Como decorrência do próprio elemento redactorial do art. 27º do EAI, que sob a epígrafe “pagamento da remuneração do administrador da insoIvência suportada pelo Cofre Geral dos Tribunais, referir que, “nos casos previstos no artigo 39º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a provisão a adiantar pelo Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, IP, é metade da prevista no n.° 6 do artigo anterior sendo paga imediatamente após a nomeação”.

Pesando, muito embora, a consagração no nº6 do EAI, segundo a qual “a provisão para despesas equivale a um quarto da remuneração fixada na portaria referida no nº1 do art. 20º e é paga em duas prestações de igual montante, sendo a primeira paga imediatamente após a nomeação e a segunda após a elaboração do relatório pelo administrador da insolvência, nos termos do art. 155º do CIRE”, de alcance não abrangente, antes consideradora precípua de cálculo e pagamento da provisão de despesas. O que, com este alcance, também, se não configura como elemento perturbador da antecedente conclusão em decisório, assim sufragada.

Diversamente, considera-se não existir compressão redactorial normativa que se revele, na circunstância, como elemento impeditivo a satisfazer o que demais se peticiona, e, aqui, se subordina a “segunda questão”.

Tal a pretexto de se haver de levar em consideração, tal como vem alegado e flui - compreensivelmente - dos Autos que

“a Recorrente exerceu de facto a gestão do estabelecimento em actividade, nos termos do n.° do art. 156.° do CIRE e do art. 22.°, n.° 1 do EAI”.

Havendo, pois, o Tribunal de – por correspondência, fixar e ordenar o pagamento da remuneração que a lei lhe confere. Para tal, seguindo os critérios que constam do n.° 2, do art. 22.°, do EAI e que, aqui, se não prestam a dúvidas tormentosas de interpretação. Por confronto directo:

(n.° 1) “quando competir ao administrador da insolvência a gestão de estabelecimento em actividade compreendido na massa insolvente, cabe ao juiz fixar-lhe a remuneração devida até à deliberação a tomar pela assembleia de credores, nos termos do nº1 do art. 156º do CIRE”;

Vinculando – o que também se compreende, que “na fixação da remuneração prevista no número anterior deve o juiz atender ao volume de negócios do estabelecimento, à prática de remunerações seguida na empresa, ao número de trabalhadores e à dificuldade das funções compreendidas na gestão do estabelecimento” — art. 22.°, n.° 2, do EAI.

Tanto mais que (art. 22.°, n.° 3, do EAI), “caso os credores deliberem, nos termos referidos no n.° 1, manter em actividade o estabelecimento compreendido na massa insolvente, devem, na mesma deliberação, fixar a remuneração devida ao administrador da insolvência pela gestão da mesma”.

E já que se considera não existir incompatibilidade ou alternativa entre as duas remunerações, assim intangíveis em termos de autonomia  fenomenológica. Assim a conceder, como vem alegado, que:

“uma coisa é o trabalho que a Recorrente fez como Administradora da Insolvência e que tem de fazer em qualquer dos outros processos onde for; outra coisa, diferente e distinta, é o trabalho que a Recorrente fez na gestão da empresa, que passa pelo acompanhamento dos negócios, pagamentos a fornecedores, recebimentos de clientes, contratações, despedimentos, angariação de matérias-primas, organização do trabalho, etc”. Pois que, em qualquer circunstância, mais ainda por integração legal, a trabalho prestado haverá de efectivar-se correspondência de pagamento tida por proporcional e equitativa, atendendo às características da situação.

Em tais termos, pois o que se pretende com a interpretação jurídica não é compreender, conhecer a norma em si, mas sim obter dela ou através dela o critério exigido pela problemática e adequada decisão justificativa do caso. O que justifica que é o caso e não a norma o prius problemático – intencional e metódico (do Assento STJ, 27-9-1995:DR, IA, de 14-12-95, pp. 78-78)

Como decorrência, considera-se:

- quanto à “primeira questão”, existir razão substantiva e/ou formal para indeferir o requerido pela Recorrente, no que respeita ao por si considerado “pagamento da segunda prestação da sua remuneração”, no montante de € 1 000, 00, acrescidos de IVA;

- no que à “segunda questão” respeita, determinando-se a sua substituição por despacho onde seja fixada a remuneração tida por conforme de 1000, 00 € mensais (1000, 00 € x 2 meses = 2000, 00 € + 23% de IVA = 2460, 00 €) pelo período em que a Recorrente esteve a gerir o estabelecimento da insolvente, a ser paga pelo Cofre Geral dos Tribunais.

Razões determinantes, aqui também, da revogação da decisão recorrida na parte referida, determinando-se o pagamento em causa, nos demais termos consignados.

O que leva responder de forma negativa à “primeira questão” e afirmativamente à “segunda questão” colocadas, na sujeição aos referidos imperativos legais condicionadores [suo jure (Cícero, Or. 2, 65) - por direito próprio!)].


Podendo, assim, concluir-se, sumariando, que:

1.
O que se pretende com a interpretação jurídica não é compreender, conhecer a norma em si, mas sim obter dela ou através dela o critério exigido pela problemática e adequada decisão justificativa do caso. O que justifica que é o caso e não a norma o prius problemático – intencional e metódico.
2.
Como decorrência do próprio elemento redactorial do art. 27º do EAI, que sob a epígrafe “pagamento da remuneração do administrador da insoIvência suportada pelo Cofre Geral dos Tribunais”, referir que, “nos casos previstos no artigo 39º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a provisão a adiantar pelo Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, IP, é metade da prevista no n.° 6 do artigo anterior sendo paga imediatamente após a nomeação”.
3.
A pretexto da legitimidade legalmente atribuída pelos 20.º, n.º1, 22º, nºs 2 e 3, e 26.º , n.º2, do Estatuto dos Administradores da Insolvência (Lei n.º 32/2004, de 2 Julho) art. 1.º da Portaria º 51/2004, de 20/01, (n.° 1), quando competir ao administrador da insolvência a gestão de estabelecimento em actividade compreendido na massa insolvente, efectivada, cabe ao juiz fixar-lhe a remuneração devida até à deliberação a tomar pela assembleia de credores, nos termos do nº1 do art. 156º do CIRE.


III. A Decisão:

Pelas razões expostas, concede-se parcial provimento ao recurso interposto, indeferindo o requerido pela Recorrente, no que respeita ao por si considerado “pagamento da segunda prestação da sua remuneração”, no montante de € 1 000, 00, acrescidos de IVA; com a revogação da decisão recorrida na diferenciada parte impugnada, referente ao período em que a Recorrente esteve a gerir o estabelecimento da insolvente, determinando-se a sua substituição por despacho onde seja fixada a remuneração, tida por conforme, de 1000, 00 € mensais (1000, 00 € x 2 meses = 2000, 00 € + 23% de IVA = 2460, 00 €), tudo a ser pago pelo Cofre Geral dos Tribunais, também em função dos critérios previstos no art. 22.º, n.º 2, do EAI.

Custas em proporção.


António Carvalho Martins – Relator
Carlos Moreira - 1º Adjunto
Anabela Moreira de Carvalho - 2º  Adjunto