Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
421/20.T9CLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALCINA DA COSTA RIBEIRO
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO
ACÇÕES DE ARBORIZAÇÃO E REARBORIZAÇÃO COM RECURSO A ESPÉCIES FLORESTAIS
DECISÃO DO PROCEDIMENTO DE AUTORIZAÇÃO PRÉVIA
CAMPOS AGRICULTADOS
Data do Acordão: 03/10/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DAS CALDAS DA RAINHA – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 4.º, 6.º A 11º, 10.º, 13.º, N.ºS 1, AL. B), E N.º 2, E 15.º, N.º 1, AL. C), DO DL N.º 96/2013, DE 19-10; ART. 5.º, § ÚNICO DO DECRETO N.º 13368, DE 23-05
Sumário: I – Não tendo o arguido impugnado, através de um dos meios legais (reclamação e/ou recurso), a decisão do procedimento de autorização prévia, proferida, pelo Conselho Diretivo do INCF, I.P., no âmbito de procedimento administrativo regulado nos artigos 4.º e 6.º a 11.º do DL n.º 96/2013, de 19-10, ficou definitivamente determinado que os terrenos agrícolas vizinhos ao local onde se pretendia plantar eucaliptos eram campos agricultados abrangidos pela protecção da distância de 20 metros.

II – O incumprimento da dita determinação é sancionado, como contraordenação, nos termos do artigo 15.º, n.º 1, al. c), do DL 96/2013.

III – O terreno agricultado a que se reporta o § único do artigo 5.º do Decreto 13568, de 23-05, equivale a terra de cultura, definida pela aptidão e afectação à agricultura, não tendo o terreno que possuir, em cada momento, uma produção agrícola.

Decisão Texto Integral:





Acordam, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO

1. A sentença proferida em 10 de setembro de 2020 manteve a decisão proferida pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (INCF) que condenou o arguido J.. pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 15.º, nº 1, alínea c) do Decreto-Lei n.º 96/2013, de 19 de julho, na coima de 1 000,00€ e bem assim na apresentação de um programa de recuperação, nos termos do disposto no artigo 13.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do mesmo diploma.

2. Inconformado com esta condenação, impugna-o o Arguido, com as conclusões que seguem:

1. Interpõe o Arguido o presente recurso da sentença proferida pelo tribunal “a quo” em Processo de Recurso de Contraordenação, que decide nos termos seguintes:

“- Julgo improcedente o recurso interposto e, em consequência, - Mantenho, nos seus precisos termos a decisão proferida pela autoridade administrativa, assim condenando o ora arguido na coima de 1.000,00€ (mil euros), pela prática da contraordenação p.e p. pela al. c), do n.º 1, do art.º 15º, do Decreto-Lei 96/2013, de 19.07:

- Mais condeno o arguido a apresentar um programa de recuperação, nos termos do disposto, no art. 13.º, n.º s1, al. b) e 2 do mesmo diploma.

2. Contudo, por um lado os factos dados como provados, impunham decisão diferentes, 3. e por outro, o Tribunal recorrido, ignorou por completo, quer factos alegados, quer documentos juntos pelo arguido, que reforçam a posição do mesmo.

4. Desde logo resultou provado o facto 16. onde consta:

“Ao tempo da plantação os terrenos confinantes não estavam a ser agricultados, estando parte deles em pousio e outros abandonados como sucedia com o terreno do lado norte em que o pomar que se encontrava abandonado, foi reabilitado no ano de 2017.”

5. Diz o tribunal recorrido: Ora, o que nos diz a letra da lei é que: Fica proibida a plantação de eucaliptos a menos de 20 metros de campos agricultados”, não distinguindo campos agricultados com produção efetiva ou campos agricultados com produção latente.

6. Salvo o devido respeito não nos parece que esta seja a interpretação correta, nem da letra da lei, nem do espírito da lei, nem mesmo do seu significado em português! Se o legislador quisesse incluir campo não agricultados, tinha dito!

7. Um terreno agricultado e um terreno agricultável ou arável, são conceitos diferentes!! Um terreno agricultado é aquele que está a ser usado na produção de produtos agrícolas, de forma ativa e cuja produção poderá ser prejudicada, pela plantação de outras espécies, designadamente eucalipto, daí a proibição e especial proteção:

Já um terreno agricultável, ou arável, é aquele que tem potencial agrícola, não precisando para isso estar em produção ativa, ou seja, agricultado, podendo estar em pousio ou mesmo abandonado.

8. Ora, se ao tempo da plantação os terrenos confinantes não estavam agricultados - e isso mesmo é dado como facto provado - mesmo que não houvesse o afastamento de 20 metros, também não era exigido por lei, logo o arguido, nenhuma norma legal violou, decidindo de diferente forma o tribunal “a quo”, viola o disposto parágrafo único do art. 5º do DL. 13.658 de 23 de maio de 1927 que claramente apenas refere campos agricultados:

9. Sem conceder sempre se diz: O Tribunal “a quo”, ignorou, ainda, as alegações e documentos juntos pelo arguido no seu recurso,

10. Nem as alegações, nem os documentos juntos - descrição predial e foto atual do local - onde é patente não só a existência do caminho, como do arvoredo que ladeia o terreno dos arguidos, como o facto de o mesmo se encontrar numa “cova”, ou seja a um nível inferior dos terrenos confinantes, e por isso não ser possível estar a uma distância de 0,5 metros do pomar do vizinho, foram sequer analisados ou referidos pelo Tribunal “a quo”:

11. Alegações e documentos que se tivessem sido levados em linha de conta, tinha forçado o tribunal a dar como provado, que:

- O terreno do arguido está num plano inferior ao dos terrenos confinantes, uma vez que está situado numa cova, facto aliás já provado, mas sem daí se retirar quaisquer consequências, - que entre o terreno do arguido e o art. 38º-D, existem um caminho que os separa; - que entre o terreno do arguido e os terrenos confinantes há uma barreira natural feita de arvoredos diversos e, - que são estes arvoredos que confinam com os restantes terrenos e não os eucaliptos e finalmente

- Que não se provam as distâncias entre a plantação de eucaliptos do arguido e os terrenos confinantes;

12. A que acresce o facto provado de que o pomar agora existente e confinante com o terreno do arguido, mas separado por uma barreira de arvoredo e tendo ainda em conta que a propriedade do arguido se encontra numa “cova”, plano inferior, só foi plantado de 2017, depois de o eucaliptal já ali existir.

13. E ainda que, estando a plantação de eucaliptos plantados num nível inferior, aos terrenos que o circundam, o afastamento exigível é que a base da plantação esteja a menos de 4 metros dos eventuais campos agricultados e não 20 metros;

14. Todos estes factos deveriam ter sido dados como provados, demonstrariam mais uma vez que o arguido não desrespeitou a autorização de arborização que lhe foi concedida, nem violou a al. c), do n.º 1, do art.º 15º, do Decreto-Lei 96/2013, de 19.07;

 15. Ademais que só após análise pelo ICNF do plano de arborização apresentado e retificação do mesmo, que levou à diminuição da área de arborização e à supressão de plantação em algumas propriedades, o arguido, apenas avançou que aquelas que lhe tinham sido autorizadas;

16. Assim, antes da Autorização administrativa para ações de arborização que é de 1 de fevereiro de 2016, o ICNF apreciou as zonas a plantar e mandou retificar as plantações, o que o arguido fez, o próprio ICNF o reconhece.

17. E não olvidamos que o artigo 127.º do C.P.P. consagra o princípio da livre apreciação da prova, este não pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso, e valoradas segundo parâmetros da lógica do homem médio e as regras da experiência, pelo que ao ter considerado provada a culpa do arguido como o fez o Tribunal “ a quo” violou ao art. 127º do C.P.P. e o consagrado o princípio da livre apreciação da prova.

3. O Ministério Público, em primeira instância, não se pronunciando sobre a questão suscitada no recurso, transcreve a matéria de facto e a ponderação dos mesmos pelo tribunal recorrido, para concluir que nenhum reparo merece a decisão ora recorrida, devendo manter-se tal decisão na integra.

4. O Digno Procurador-Geral Adjunto, no parecer fundamentado que emite, concluiu pela procedência parcial do recurso.

5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos legais, nada obstando ao conhecimento de mérito do recurso.

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A primeira instância julgou provados os seguintes factos:

1. Em 9.10.2015 o ora arguido submeteu ao INCF, através da plataforma para o efeito, o pedido de Autorização Prévia, com o n.º (…) [processo n.º (…)], para plantação de eucaliptos e pinheiro manso em várias propriedades, entre as quais a propriedade designada “ (...)”, sita na fração 39-D, na localidade de (…), pertencente à União de Freguesias de (…), (…) e (…) do Concelho de (…), onde se previa a arborização com eucalipto ao compasso 4x2m.

2. A fração 39-D referida, está localizada no canto superior direito da fotografia aérea da página 19/22 do projeto, verificando-se a existência de áreas agrícolas vizinhas.

3. O arguido foi notificado para proceder à supressão de deficiências no dia 27.11.2015.

4. As deficiências assinaladas foram, entre outras, o incumprimento ao estipulado no art.º 5.º do Decreto n.º 13658, de 23.05.1927.

5. Na resposta apresentada em 14.12.2015 o arguido refere que retificou a área de intervenção prevista no projeto, de forma a dar cumprimento ao previsto no mencionado decreto.

6. Mais especificamente, o arguido desistiu da arborização nalgumas das situações (áreas inicialmente previstas para plantação de eucalipto), uma vez que a faixa de 20m de distância às parcelas vizinhas abrangia a maioria do terreno disponível.

7. Em 1.02.2016, pelo Ofício n.º (…), foi emitida Autorização Prévia para o processo n.º (…) [pedido n.º (…)].

8. A referida Autorização Prévia mencionava a propriedade 39-D e referia a obrigatoriedade de cumprir com o Decreto 16358, de 23.05.1927, que no seu artigo único proíbe a plantação a menos de 20m de campos agricultados.

9. Em data não especificada, do outono de 2016, o arguido plantou os eucaliptos.

10. No dia 14.05.2017, agentes do NPA da GNR do DT de Caldas da Rainha, na sequência de uma denúncia, deslocaram-se à propriedade designada “ (...)”, fração 39-D, na localidade de (…), pertencente à União de Freguesias de (…), (…) e (…) do Concelho de (…).

11. No local verificaram que foram plantados eucaliptos à cova numa área estimada de 0,3ha, num compasso de 3x1m.

12. Verificaram ainda que a área plantada deixou as seguintes distâncias à extrema da propriedade:

Norte: 3 metros de distância a um pomar vizinho;

Oeste: 0,5 metros de distância a um pomar vizinho e a um terreno de pousio;

Sul: 3 metros de distância a um terreno de pousio vizinho:

Este: 1 metro de distância a um pomar vizinho.

13. O arguido sabia que a sua plantação tinha de manter uma faixa de 20 metros de distância em relação às parcelas vizinhas.

14. O arguido representou que a sua conduta era ilícita, por não respeitar as condicionantes mencionadas na Autorização Prévia.

15. O arguido conformou-se com tal ilicitude, persistindo na sua atuação.

16. Ao tempo da plantação os terrenos confinantes não estavam a ser agricultados, estan.do parte deles em pousio e outros abandonados como sucedia com o terreno do lado norte em que o pomar que se encontrava abandonado, foi reabilitado no ano de 2017.

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III. APRECIAÇÃO DO RECURSO

1. Questão Prévia 

O Recorrente traz à discussão a questão de saber se os campos agricultado a que se alude no art.º 5.º, § único do Decreto n.º 16538, de 23 de maio de 1926, abrangem pomares abandonados e terrenos de pousio.

O tribunal recorrido ao julgar provado no facto n.º 16, que, ao tempo da plantação os terrenos confinantes não estavam a ser agricultados, incurso na questão de direito discutida nestes autos, o que, a considerar-se, conduziria inverificação do disposto no citado artigo 5.º, § único, confundindo-se decisão de facto e decisão de direito [cf. artigo 64.º do Regime Geral das Contraordenações e artigo 205.º 205.º ´da Constituição da República].

A decisão de facto é o juízo sobre uma matéria objectiva, real e concreta que servirá de base para o direito a aplicar, através da operação da subsunção dos factos ao direito.

Só depois de fixados os factos é que o juiz está em condições de decidir se os pomares abandonados e os pousios são campos agricultados, para efeito do disposto no artigo 5º do Decreto de 16538 de 23 de maio.

Neste contexto a designação campos agricultados é um conceito de direito e não de facto, que, por isso tem de ser retirada da decisão sobre a matéria de facto, considerando-se como não escrita.

2.Impugnação de facto

Nas Conclusões n.ºs 9 a 17, questiona a decisão sobre a matéria de facto, invocando vários documentos que não terão sido atendidos pelo tribunal a quo e a violação do princípio de livre apreciação da prova.

Ora, de acordo com os artigos 73.º a 75.º e 78º do Regime Geral das Contraordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, o recurso da sentença ou do despacho judicial proferido ao abrigo do artigo 64.º, não admite a impugnação ampla da decisão de facto para o tribunal superior.

No âmbito contraordenacional, o tribunal da relação funciona como tribunal de revista, conhecendo apenas de direito, conforme o disposto nos artigos 66.º e 75.º, n.º 1 do RGCO, deixando de fora dos poderes de cognição desta instância o recurso da matéria de facto, nos termos do disposto do artigo 412.º, n.º 3, 4 e 5 do Código de Processo Penal.  

Esta regra sofre excepções, nomeadamente, nos casos de processamento das contraordenações juntamente com crimes (artigo 78.º, n.º 1).

O que se entende dada a diferença entre o regime penal e contraordenacional.

Como tem sido defendido pelo Tribunal Constitucional, por todos, no Acórdão de nº 612/2014:

«(…) em jurisprudência que não tem sofrido alterações ao longo de décadas, «são diferentes (…) os princípios jurídico-constitucionais, materiais e orgânicos, a que se submetem entre nós a legislação penal e a legislação das contraordenações» (…)

(…)

Ora, estando em causa ilícitos substancialmente diferentes, como massivamente se demonstra na citada jurisprudência, afigura-se materialmente fundada a norma que, como a que consta do sindicado artigo 75.º, n.º 1, do RGCO, nega ao arguido em processo de contraordenação a possibilidade de sindicar perante o tribunal da relação a decisão sobre matéria de facto proferida pela primeira instância, em sede de impugnação judicial da decisão que lhe aplica uma coima, contrariamente ao que sucede com o arguido em processo-crime.

É que, independentemente do grau de complexidade dos factos em discussão e do montante da coima aplicável, o certo é que estará sempre em causa a prática de uma contraordenação e a aplicação, por via dela, de uma coima. E uma contraordenação não é equiparável, quer na perspetiva do bem tutelado, quer na perspetiva das reações sancionatórias que determina, à prática de um crime; neste último caso, e como é sabido, está em causa a ofensa de bens e valores tidos como estruturantes da sociedade e a notícia da prática de um crime desencadeia, pela sua gravidade, um complexo processo com vista a determinar o seu autor e a responsabilizá-lo criminalmente com penas que, sendo de prisão ou multa, assumem sempre um sentido de retribuição ou expiação ética e uma finalidade ressocializadora cuja realização pode implicar, no limite, a privação da liberdade do arguido; nada disso se passa com as contraordenações que, sendo ilícitos, não comprometem os alicerces em que assenta a convivência humana e social, e dando lugar à aplicação de coimas, não se dirige, através delas, qualquer juízo de censura ético-jurídica à pessoa do agente mas uma simples advertência de alcance comportamental, cuja garantia é apenas e só de ordem patrimonial.

Por isso, acautelados que estejam, como estão, os direitos de audiência e defesa do arguido, quer na fase administrativa (artigo 32.º, n.º 10, da CRP), quer na fase judicial (artigo 20.º, n.º 4, da CRP), justifica-se que o legislador, na ponderação dos valores em presença, opte por um padrão de simplicidade e celeridade processuais que, no domínio dos recursos, se manifesta na norma, ora questionada, que limita, em princípio, os poderes de cognição da segunda instância à matéria de direito».

Por outro lado, continua o mesmo Aresto,

«A norma do artigo 32.º, n.º 10, da Lei Fundamental, não confere ao arguido em processos de contraordenação o direito de ver reapreciada por um tribunal superior a decisão sobre matéria de facto neles proferida, como pretende a recorrente. Como se esclarece no Acórdão n.º 659/2006, «com a introdução dessa norma constitucional (efetuada, pela revisão constitucional de 1989, quanto aos processos de contraordenação, e alargada, pela revisão de 1997, a quaisquer processos sancionatórios) o que se pretendeu foi assegurar, nesses tipos de processos, os direitos de audiência e de defesa do arguido, direitos estes que, na versão originária da Constituição, apenas estavam expressamente assegurados aos arguidos em processos disciplinares no âmbito da função pública (…). Tal norma implica tão-só ser inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, contraordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido (direito de audição) e possa defender-se das imputações que lhe são feitas (direito de defesa), apresentando meios de prova e requerendo a realização de diligências tendentes a apurar a verdade. É esse o limitado alcance da norma do n.º 10 do artigo 32.º da CRP, tendo sido rejeitada, no âmbito da revisão constitucional de 1997, uma proposta no sentido de se consagrar o asseguramento ao arguido, ‘nos processos disciplinares e demais processos sancionatórios’, de ‘todas as garantias do processo criminal’” (…)».

Apreciando precisamente a norma, ora sindicada, do artigo 75.º, n.º 1, do RGCO, à luz do referido parâmetro constitucional, considerou, aliás, o Tribunal Constitucional, que a Constituição não impõe, mesmo no âmbito do processo criminal, a garantia de um segundo grau de reapreciação da matéria de facto ou um duplo grau de recurso em matéria de facto (cf. Acórdãos nºs. 73/2007 e 632/2009 e, secundando-os, Acórdão n.º 6/2013), pelo que, representando a sentença proferida pelo tribunal de primeira instância, em processos de natureza contraordenacional, uma decisão proferida «já em grau de reapreciação» – justamente porque se trata de um recurso que incidiu sobre a decisão que aplicou a coima –, a pretensão de obter uma segunda reapreciação da matéria de facto pelo tribunal da relação excederia, desde logo, o âmbito de tutela do direito ao recurso, tal como vem sendo densificado pela jurisprudência constitucional. Por isso, concluiu pela não inconstitucionalidade da referida norma.

Na esteira deste entendimento que, também, subscrevemos na íntegra, rejeitamos o recurso da decisão da matéria de facto, mantendo-se a matéria de facto fixada pela primeira instância.

2. Recurso de direito

O arguido foi condenado pela prática de contraordenação prevista e punida pelo artigo 15º, n.º 1, alínea c) do Regime Jurídico aplicável às Acções de Arborização e Rearborização do território nacional (RJAA), aprovado pelo Decreto Lei n.º 96/2013, de 19 de julho.

Tem como objectivo, além do mais, a «simplificação e atualização do quadro legislativo incidente sobre as arborizações e rearborizações de cariz florestal, concentrando num único diploma o seu regime jurídico, em especial o procedimento de autorização e o quadro sancionatório aplicável e a eliminação dos regimes jurídicos que se revelaram inconciliáveis com os princípios, objetivos e medidas de política florestal nacional, aprovados pela Lei n.º 33/96, de 17 de agosto e, bem assim, daqueles que não asseguram a realização do interesse público associado ao ordenamento florestal e do território, e à conservação dos ecossistemas e da paisagem. ».

A aplicação do presente decreto-lei mantêm «atualidade e validade técnica e continuam a ser plenamente prosseguidos, quer pelo presente decreto-lei, quer por outra legislação especial já em vigor, incluindo, para além dos acima referidos, o regime da utilização de espécies não indígenas.

A título exemplificativo, destacam-se a Lei n.º 1951, de 9 de março de 1937, alterada pelo Decreto-Lei n.º 28039, de 14 de setembro de 1937, e regulamentada pelo Decreto n.º 28040, também de 14 de setembro de 1937, ora revogados e cujo âmbito de aplicação já não abarca a acácia-mimosa, o ailanto e muitas espécies de eucaliptos, uma vez que a utilização destas espécies está hoje proibida em lei especial reguladora da introdução na natureza de espécies não indígenas da flora e da fauna».

Por outro lado, com o presente decreto-lei pretende-se ainda instituir um sistema geral de controlo, avaliação e informação permanentes das acções de arborização e de rearborização com espécies florestais que não visem finalidades estritamente agrícolas (…) (Preâmbulo).

Um dos meios de controlo das acções de arborização traduz-se na necessidade de autorização prévia para arborizar um terreno com eucaliptos, caso se encontrem abrangidos pelo artigo 4.º, do RJAA.

De acordo com o disposto no artigo 10º, do RJAA, na versão vigente à data da prática dos factos:

1. Os pedidos de autorização prévia são analisados e decididos fundamentadamente, em função da sua conformidade com as disposições legais, regulamentares e técnicas com incidência nas ações de arborização e rearborização, designadamente, as seguintes:

a) As normas legais, regulamentares e técnicas de silvicultura e demais disposições orientadoras dos planos regionais de ordenamento florestal, dos planos específicos de intervenção florestal e dos planos de gestão florestal, quando aplicável;

b) As disposições legais em matéria de ordenamento e exploração florestal, bem como de defesa da floresta contra agentes bióticos e abióticos, nomeadamente as disposições constantes do Sistema Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios;

c) As medidas legais de concretização da política do ambiente, nomeadamente na área da conservação da natureza e biodiversidade, de proteção dos recursos hídricos e de avaliação de impacte e incidência ambiental;

d) As disposições legais em matéria de defesa dos solos agrícolas e dos aproveitamentos hidroagrícolas;

e) As medidas de proteção de infraestruturas e equipamentos sociais e de salvaguarda do património cultural;

f) As normas decorrentes dos instrumentos de gestão territorial ou de servidões e restrições de utilidade pública aplicáveis;

g) As normas aplicáveis em matéria de valorização da paisagem.

Por seu turno, a decisão de autorização prévia deve ainda estabelecer e fundamentar as condicionantes aplicáveis, incluindo o período de realização das ações de arborização e rearborização.

Compete ao Conselho Directivo do INCF, I.P. a decisão do procedimento de autorização prévia, proferida no âmbito do procedimento administrativo regulado no diploma citado.   [cf. artigos 4.º e 6.º a 11ºdo diploma citado].

A decisão de autorização prévia tem natureza administrativa (artigo 148.º, do Código de Procedimento Administrativo), só se consolidando se for válida e eficaz.

A validade respeita aos elementos intrínsecos ao próprio acto, pelo que os vícios a ela relativos afectam o próprio acto administrativo e a eficácia tem a ver com as circunstâncias extrínsecas do próprio acto, à efectiva produção de efeitos na esfera jurídica do circulo dos destinatários a que se dirige.

Os efeitos produzem-se desde a data em que é praticado, salvo nos casos em que a lei ou o próprio ato lhe atribuam eficácia retroactiva, diferida ou condicionada (artigo 155.º e 157.º Código de Procedimento Administrativo).

Nestes casos, a eficácia do acto depende da verificação de uma condição imposta por lei e pelo próprio acto e só produz efeitos quando se verifique a condição [artigo 157.º do Código de Procedimento Administrativo).  Entre a data em que é praticado o acto e o cumprimento da condição a eficácia o acto mantém-se válido, mas a eficácia encontra-se suspensa.

Daqui resulta, que a decisão de autorização prévia que estabeleça as condicionantes previstas no artigo 10.º, do Decreto-Lei n.º 96/2013, é um acto administrativo de eficácia condicionada, que só produzirá efeitos se as condições forem cumpridas.

Caso o destinatário não concorde com uma ou mais condições fixadas na decisão, assiste-lhe o direito de contra ela reagir a decisão, por reclamação, impugnação ou recurso, nos termos legais (cf. artigos 160.º, 184.º e 189.º, do Código de Procedimento Administrativo). Não o fazendo as condições impostas para a eficácia da decisão tornam-se definitivas, recaindo sobre o destinatário o dever de as cumprir.

Enquanto o agente não cumprir a condição de que depende a autorização para a plantação dos eucaliptos, esta não produz nenhum efeito na esfera jurídica destinatário. Tudo se passa como se não tivesse autorização. Está-lhe, pois, vedado arborizar ou rearborizar terrenos com eucaliptos fora do condicionalismo estabilizado definitivamente na decisão.

E, se o agente realizar acções de arborização contra aquela decisão, não observando, todas as condicionantes, incorre em incumprimento da decisão de autorização, não lhe podendo opor outro entendimento de facto e/ou de direito sobre o conteúdo das imposições condicionais.

Ou seja, depois das condições determinadas em definitivo, o agente não pode vir invocar a opinião jurídica diferente sobre a tomada pela administração pública. O conteúdo da decisão administrativa torna-se imodificável.

O incumprimento da decisão administrativa é sancionado, além do mais como contraordenação, nos termos do artigo 15.º, n.º 1, alínea c), do RJAA.

De acordo com este preceito a realização de ações de arborização e de rearborização com quaisquer espécies florestais em incumprimento da decisão de autorização a que se refere o n.º 2 do artigo 10.º, bem como dos projetos previamente autorizados ou da ficha de projeto simplificado a que se refere a alínea a) do n.º 2 do artigo 7.º, é punível com coima entre 1 000,00 EUR e 3 740,98 EUR.

São elementos objectivos do tipo:

- Existência de uma decisão de autorização prévia definitiva para a arborização ou rearborização;

- Realização de acções de arborização ou rearborização com quaisquer espécies florestais com incumprimento pela decisão administrativa.

De volta ao caso, temos por assente a seguinte factualidade:

Em 9.10.2015 o ora arguido submeteu ao INCF, através da plataforma para o efeito, o pedido de Autorização Prévia, com o n.º (…) [processo n.º (…)], para plantação de eucaliptos e pinheiro manso em várias propriedades, entre as quais a propriedade designada “ (...)”, sita na fração 39-D, na localidade de (…), pertencente à União de Freguesias de (…), (…) e (…) do Concelho de (…), onde se previa a arborização com eucalipto ao compasso 4x2m.

A fração 39-D referida está localizada no canto superior direito da fotografia aérea da página 19/22 do projeto, verificando-se a existência de áreas agrícolas vizinhas.

O arguido foi notificado para proceder à supressão de deficiências no dia 27.11.2015, nomeadamente o incumprimento ao estipulado no art.º 5.º do Decreto n.º 13658, de 23.05.1927.

Na resposta apresentada em 14.12.2015 o arguido refere que retificou a área de intervenção prevista no projeto, de forma a dar cumprimento ao previsto no mencionado decreto, tendo desistido da arborização nalgumas das situações (áreas inicialmente previstas para plantação de eucalipto), uma vez que a faixa de 20m de distância às parcelas vizinhas abrangia a maioria do terreno disponível.

O mesmo é dizer que o recorrente reconheceu que os terrenos vizinhos era terrenos agrícolas protegidos pela proibição do artigo 5.º § único do Decreto n.º 13568.

Analisada a resposta do arguido e feita a vistoria ao local, o ICNF emitiu, em 1.02.2016, a Autorização Prévia para o processo n.º (…) [pedido n.º (…)], fixando várias condicionantes para a arborização com eucaliptos da propriedade 39-D, nomeadamente a obrigação de cumprir com o Decreto 16358, de 23.05.1927, que no seu artigo único proíbe a plantação a menos de 20m de campos agricultados.

A entidade administrativa entendeu, assim, que as diligências que o arguido afirmou ter tomado, em 14 de dezembro de 2015, não foram adequadas à protecção dos terrenos confinantes, pelo que fixou a condição de deixar uma faixa de protecção de culturas agrícolas confinantes de 20 metros.

O arguido não impugnou a decisão administrativa por um dos meios legais (reclamação e/ou recurso). Pelo que, tal decisão regulou em definitivo que os terrenos agrícolas vizinhos do local onde se pretendia plantar os eucaliptos, eram campos agricultados abrangidos pela protecção da distância de 20 metros.

A decisão consolidou-se na esfera jurídica do recorrente, sendo inalterável ou modificável, por divergência de interpretação da norma jurídica.

 Ao arguido cabia-lhe cumprir a injunção, não lhe podendo opor outra opinião.

Não tinha o recorrente qualquer dúvida que a autorização para a plantação dos eucaliptos o obrigava a manter a dita distância, já que, em dezembro de 2015, informou no procedimento respectivo, que tinha rectificado a área de intervenção prevista no projeto, de forma a dar cumprimento ao previsto no mencionado decreto, uma vez que a faixa de 20m de distância às parcelas vizinhas abrangia a maioria do terreno disponível (factos provados n.ºs 5 e 6).

É, assim, inverídico que o INCF, I.P. tenha apreciado as zonas a plantar e tenha reconhecido que as rectificações aludidas na resposta do arguido de 14 de dezembro de 2015 cumpria as distâncias dos terrenos confinantes conforme o disposto citado artigo 5.º do Decreto n.º 13568.

Pelo contrário, reitere-se que o INCF, I.P., depois de analisar os argumentos do arguido, manteve a autorização prévia subordinada ao cumprimento da protecção das culturas agrícolas confinantes, através de uma faixa de pelo, menos, 20 metros.

O recorrente conheceu o teor da decisão, aceitou-a, sabendo que estava impedindo de plantar terreno 30-D os eucaliptos se não respeitasse a dita faixa de protecção dos terrenos confinantes.

Insurge-se, agora, o recorrente, contra tal exigência, por entender que os terrenos conflituantes podem ser classificados como campos agricultados, na medida em que se encontravam num plano superior, sendo que parte deles estavam em pousio e outros abandonados.

Pois bem.

Como deixámos dito, a condição de que dependia a eficácia da autorização prévia para a plantação dos eucaliptos ficou definitivamente estabilizada, recaindo sobre o arguido a obrigação de plantar os eucaliptos com distância a 20 metros dos terrenos vizinhos. Não o fazendo, incorreu em incumprimento da decisão.

 Ora, a contraordenação prevista no artigo 15.º, n.º 1, alínea c) do Decreto Lei n.º 96/2013, não contém no tipo objectivo a proibição de plantar eucaliptos prevista no §único do Decreto 13568 já mencionado, mas sim o incumprimento da decisão que determinou a observância deste preceito.  Se assim não fosse, o legislador cominaria como contraordenação quem plantasse eucaliptos a uma distância inferior a 20 metros dos terrenos confinantes agricultados, o que não sucedeu.

No caso, o FNCF, I.P apreciou e decidiu, em definitivo a questão da classificação dos terrenos agrícolas confinantes, considerando-os agricultados ou de cultura, abrangidos no artigo 5.º, § único do Decreto 13 568, disso notificou o arguido que não reagiu ao decidindo, vetando-lhe o direito de vir repristinar a questão da errada interpretação deste imperativo legal, para se eximir ao cumprimento do ordenado na autorização prévia.

A previsão contraordenacional do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 96/2013 não integra na acção objectiva típica a remissão para o artigo 5.º, § único do Decreto n.º 13 568, antes a delimita ao incumprimento de uma decisão administrativa definitiva.

Ou seja, a sanção visa fazer cumprir os comandos estabilizados na decisão tomada pela autoridade competente, sem sindicar o conteúdo da própria decisão, no caso saber se enferma de erro na interpretação do conceito de campos agricultados ou de culturas. Outro entendimento levaria a que o particular conseguisse modificar a decisão administrativa constitutiva do dever imposto ao destinatário, à revelia dos meios legais e adequados para o efeito, criando grande insegurança na eficácia dos actos validamente tomados pela administração pública.

Vale isto para dizer que a obrigação da distância de 20 metros em relação aos terrenos confinantes mostra-se válida e eficaz, pelo que o seu incumprimento integra a tipicidade objectiva da contraordenação prevista e punida pelo artigo 15.º, n.º 1, alínea c) do Decreto Lei 96/2013.

Deste modo, é irrelevante para o preenchimento dos elementos objectivos da contraordenação saber se os campos confinantes com o eucaliptal são campos agricultados ou agricultáveis, questão que o arguido deveria ter discutido, em sede própria -  no procedimento administrativo adequado a obter a autorização para plantar os eucaliptos – e não o fez.

Nestes termos, sendo a decisão em causa definitiva e tendo o arguido sido notificado do dever de cumprir a dita distância dos terrenos vizinhos adjacentes, não a cumprindo, verificados os elementos subjectivos, teria cometido a contraordenação por que foi condenado.

E, tanto bastaria para a improcedência do recurso.

Mas mesmo que assim, não se entenda, os argumentos do recorrente na defesa de que os terrenos confinantes não se se mostravam agricultados, mostram-se votados ao fracasso.

Eis as razões:

Dispõe o artigo 5.º do Decreto 13568, de 23 de maio de 1927, que aprovou o Regime de Protecção da Riqueza Florestal do País:

1.A plantação dos eucaliptos a menos de 20 metros de campos agricultados, quando entre estes e o local da plantação se não interpuserem estrada, rio, ribeiro, edifício ou no caso de os referidos terrenos de cultura se encontrarem a um nível superior em quatro metros ao da base da plantação.

§ único: Fica proibida a plantação de eucaliptos a menos de 20 metros de campos agricultados, quando estes e o local de plantação se não interponham estradas, rio, ribeiro edifício, ou no caso de os referidos terrenos de cultura se encontrarem a um nível superior em quatro metros ao da base de plantação.  

Mais tarde, com o direito ao arrancamento dos eucaliptos preveniu o legislador a plantação dos eucaliptos fora das normas legais.

Com a aprovação da Lei n.º 1 951, de 9 de março de 1937 (regula o direito ao arrancamento dos eucaliptos), à protecção dos terrenos cultivados, juntaram-se, os muros e prédios urbanos que deveriam ter uma faixa de protecção de 40 metros da plantação dos eucaliptos. A mesma distância devia ser observada dos terrenos de regadio.

A plantação feita em contravenção com aquela norma, poderiam ser arrancadas, a pedido dos interessados (Bases I e II).  [cf. Sessão de 12 de fevereiro de 1936, Diário das Sessões, n.º 79].

No decreto n.º 28039, de 14 de setembro de 1937, a regra da proibição dos eucaliptos é feita relativamente aos terrenos cultivados, às nascentes, terras de cultura de regadio, muros e prédios urbanos, não se aplicando aos terrenos de mato ou floresta, os muros de pedra solta que não sejam parte de construção urbana, alpendrada, vedação de pátios e outros cómodos, suporte de latadas e semelhantes, de acordo com o disposto no artigo 1º, § 2.º, do Decreto 28040, de 14 de setembro de 1937.

Não existem noções legais para definir campos agricultados, cultivados de cultura, ou nem terrenos de regadio, nem cultura arvense. Tratam-se de conceitos técnico-agrários que a doutrina e a jurisprudência tem vindo a perfilhar, ainda que em relação a outras situações.

Assim, entende-se que terrenos de sequeiro são os que não dispõem de qualquer sistema de rega, ou seja, de aproveitamento de águas, incluindo águas pluviais; enquanto que os terrenos de regadio dispõem de tais sistemas, que permitem o aproveitamento tanto de águas próprias como alheias [cf. entre outros, acórdão do STJ, de 24/05/2011, relatado por Lopes do Rego no processo n.º 380/07.7TCSNT.L1.S1, apud Acórdão do STJ de 17 de dezembro 2015, relatado por Tomé Gomes no processo, n.º 285/1999.E2.S1, www.dgsi.pt/jstj].

Por seu turno, o tipo de terrenos de regadio compreende os que se destinam a cultura arvense e os com tenham destinação hortícola. A cultura arvense diz respeito a cultura de herbáceas anuais ou vivazes, integradas ou não em rotações, excluindo, pois, as culturas arbustivas, arbóreas e florestais.

Terrenos de regadio são terrenos agrícolas. Quanto a estes, a faixa de protecção dos eucaliptos passou de 20 metros (Decreto n.º 13568) para 40 metros (Lei n.º 1951).

Feita uma breve abordagem pelos conceitos técnico-agrícolas, voltemos ao artigo 5.º, § único do Decreto n.º 13568.  Aqui, o legislador para uma mesma realidade (terrenos protegidos das plantações dos eucaliptos), menciona duas designações, campos agricultados ou terrenos de cultura, o que sugere que o legislador pretendeu referir-se a terrenos afectos à agricultura (como decidiu a primeira instância), e não a terrenos com produção de culturas activas (como defende o Recorrente, acompanhado pelo Ministério Público, junto desta Relação).

Salvo melhor opinião e com o devido respeito por opinião contrária, esta interpretação é a que se adequa aos os princípios hermenêuticos previstos no artigo 9º do Código Civil, se consideraremos o elemento literal, tendo em conta as regras gramaticais, o uso corrente da linguagem e a terminologia técnico-jurídica, considerando, ainda, o elemento lógico sistemático, o elemento histórico e o elemento teleológico.

Como já se deu nota, as restrições à plantação do eucalipto não são uma preocupação de hoje, mas remontam há, pelo menos, 75 anos.

Nos trabalhos preparatórios do Decreto n.º 13568, muito se debateu sobre as vantagens e desvantagens dos eucaliptos, dividindo-se as opiniões entre os que defendiam que os benefícios dos eucaliptos -  uma das essências florestais de maior valia para madeira, para o enxugo de terras e para a extracção de eucaliptol – se sobrepunham às inconvenientes - estragos que o seu crescimento causaria à sua volta, nomeadamente, à beira da estradas, dos terrenos em volta, prejudicando e mesmo destruindo as culturas) e os que defendiam a posição contrária [cf. trabalhos preparatórios do Decreto 13568, in diário das Sessões do Senado de 31 de março e 1 de abril de 1925] .

A ideia de campos agricultados surgiu sempre na discussão em sentido amplo, abrangendo os pousios e os terrenos de regadio. [Sessão de 31 de março de 1925 (Diário das Sessões do Senado, pág. 11].

Pelo que o sentido dado pelo legislador aos campos agricultados foi sempre a de campos agrícolas, ou campos de cultura terminologia também usada no § único do artigo 5.º do Regime de Protecção de Florestas, onde se integravam os pousios e os terrenos de regadio.

Com proibição dos eucaliptos pretendeu-se defender um conjunto de terrenos que, no momento da plantação, se encontrassem afectos à agricultura e não a outro fim, nomeadamente, as terras de mato e de florestas (estas excluídas da aplicação do Decreto-Lei n.º 28039, por força do Decreto Lei n.º 2040, ambos de 14 de setembro de 1937).

Um campo agricultado equivale, pois, a terra de cultura, definida pela aptidão e afectação à agricultura. Mas tanto não significa que o terreno tenha de ter, naquele momento, uma produção agrícola. O que se exige é que o solo esteja afecto a determinada (s) cultura (s).

Quando se fala de um campo agricultado ou de cultura quer dizer-se que o solo foi efectivamente mobilizado e preparado para produzir as culturas a que está afecto. Não se trata de uma acção possível ou futura de cultivo, mas de uma acção pretérita.

No caso em apreço mostra-se assente que nos terrenos vizinhos do eucaliptal estavam plantados pomares (facto provado n.º 12), podendo, por isso, afirmar-se que aqueles terrenos de regadio, se encontravam afectos à cultura de árvores frutíferas.

Um pomar é um conjunto de árvores implementadas no solo que se destinam a à produção periódica de frutos, cujos ciclos de vida normalmente duram vários anos.

Com a longevidade que lhe é característica, o pomar não deixa de ser pomar, se em algumas épocas ficar improdutivo, ou abandonado. As árvores continuam ligadas ao solo, mantendo a aptidão para reavivar a produção da fruta, como, aliás sucedeu, com a reabilitação do pomar confinante a norte com o terreno do arguido (facto provado n.º 16).

Tudo isto para concluir, que os pomares confinantes dom o terreno do arguido, são campos agricultados ou terrenos de cultura, para efeitos do disposto no §único do artigo 5.º do Decreto n.º 13568. 

O mesmo se diga dos pousios, que consiste num terreno mobilizado e arado que repousa, por um certo período de tempo, com o objetivo de restaurar a sua fertilidade, como parte de uma rotação, ou para evitar excedentes de produtos agrícolas (e-book ECONewFARMERs – Agricultura biológica, pág. 156).

A característica essencial dos pousios é o facto de a terra ficar em recuperação, normalmente dura, todo um ano agrícola. São terras incluídas no afolhamento ou rotação, trabalhadas ou não, não fornecendo colheitas durante toda a campanha, tendo em vista o seu melhoramento.

O pousio constitui, assim, uma das fases do cultivo habitual e regular de um solo, integram-se nos terrenos cultivados e não incultos, como aliás, resulta dos trabalhos preliminares do Decreto 13568, já acima referenciados.

Desta feita, quer os pomares, ainda que abandonados (sem produção activa) e os pousios confinantes com o terreno do recorrente são terrenos agricultados ou cultivados, nos termos e para os efeitos do disposto artigo 5.º, § único citado, entendimento, aliás corroborante com a posição hoje assumida em relação aos efeitos nefastos dos eucaliptos, cuja plantação se encontra, muito mais restringida que outrora, conforme resulta do Decreto-lei n.º 96/2013.

Estão, pois, preenchidos os elementos objectivos e subjectivos da contraordenação em que o recorrente foi condenado.

Improcede, assim, o recurso. 

 

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção Penal desta Relação, em julgar improcedente o recurso interposto por J..

Custas pelo Recorrente, com taxa de justiça que se fixa no mínimo.

Coimbra, 10 de Março de 2021

Alcina da Costa Ribeiro (relatora)

Maria Alexandra Guiné (adjunta)