Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1499/08.2PBVIS-G.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
RECURSO ORDINÁRIO
PRAZOS
Data do Acordão: 02/23/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2.º JUÍZO CRIMINAL DO TRIBUNAL JUDICIAL DA VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 215º, 399º E 420º CPP
Sumário: 1. Nos termos do n.º 6 do art.215.º do CPP, introduzido pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada no caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1.ª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário.
2. Essa elevação do limite máximo da prisão preventiva, aplica-se não só quando tenha sido confirmada integral ou parcialmente a sentença condenatória da primeira instância, mas também quando tenha sido agravada pelo tribunal de recurso a pena fixada nessa sentença, implicando que o referente para o prazo máximo da prisão preventiva seja o da pena agravada.
3. Os recursos ordinários, que são unitários, no sentido de que não dependem nem da natureza da decisão recorrida nem dos fundamentos do recurso, respeitam às decisões que ainda não transitaram em julgado.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

       Relatório

            Por despacho de 27 de Dezembro de 2010, o Ex.mo Juiz de Turno, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Viseu, decidiu indeferir a pretensão do arguido AF..., formulada a folhas 195, de “… concessão imediata da liberdade provisória, passado o mandato de soltura respectivo”, por “ haver passado o prazo máximo da custódia, segundo a lei”, alegando para o efeito que “ ficou preso em 27/12/2008, julgado em primeira instância, entretanto, mas a sentença ainda não transitou, correndo recurso de revista no STJ, sem acórdão, ainda.”. 

            Inconformado com o douto despacho de 27 de Dezembro de 2010 dele interpôs recurso o arguido AF..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:

I| - AF... está sob prisão preventiva desde 27/12/2008.

II - Nos termos do art.215.º/2 CPP, condenado em 1.ª Instância por crime a que corresponde pena de máximo superior a oito anos, o prazo máximo da prisão preventiva é, aqui, de dois anos.

III - Expirou.

IV - O despacho recorrido decidiu em contrário, convocando o art.215.º/6 da lei de processo citada.

V - Mas este preceito não tem aplicação ao caso.

VI - Na verdade, só pode ser mobilizado quando, para além do segmento dos recursos ordinários, a causa entra na fase dos recursos extraordinários, ou não ordinários, como por exemplo é o recurso de (in)constitucionalidade.

VII - A letra do preceito é clara: o prazo de prisão preventiva expande-se para além dos dois anos, se e só se houver confirmação da sentença de 1.º Instância do recurso ordinário.

VIII Acontece que a confirmação da sentença recorrida pelo Tribunal da Relação, que deu lugar a recurso de revista, não é de ter como confirmação da sentença de 1.ª Instância, nem sequer provisória, porque o efeito deste último recurso é o efeito suspensivo ex lege.

IX - Circunstância legal esta que impõe, nos termos da legis artis penal, uma interpretação, com base na literalidade do preceito, conforme ao conceito operativo que ficou exposto em Vl.

X - Em consequência, o despacho recorrido deve ser revogado, para concessão imediata da liberdade provisória ao recorrente, que a partir de 27/17/2010 passou a estar sob prisão ilegal.

Vossas Excelências, dando provimento ao recurso, com douto suprimento, farão bom Direito e Justiça.

            O Ministério Público na Comarca de Viseu respondeu ao recurso pugnando pelo seu não provimento e manutenção da decisão recorrida.

            O Ex.mo PGA neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso interposto pelo arguido.

            Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º2 do Código de Processo Penal. 

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

            Fundamentação

O despacho recorrido tem o seguinte teor:

            « Nos termos e com os fundamentos de facto e de direito constantes da douta promoção que antecede que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais, indefere-se a pretensão do arguido formulada a fls 195.

                Notifique, enviando, para melhor compreensão cópia da referida promoção.».  

           

            A douta promoção para que se remete no despacho recorrido tem o seguinte teor:

« Alegando que se mostra expirado o prazo máximo legal de prisão preventiva, o arguido vem requerer a sua restituição à liberdade, mas, salvaguardando sempre o devido respeito por opinião adversa, estamos em crer que não lhe assiste razão. Se não, vejamos:

Por douto acórdão de l.ª instância de 21/04/2010, foi o arguido condenado nos presentes autos, pela prática, em autoria material e em concurso efectivo, de um crime de Homicídio Qualificado, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts 131.º e 132.º,1 e 2 do C.Penal, e de um crime de Furto Simples, p. e p. pelo art. 203.º, 1 do C.Penal, na pena única de l9 anos e 3 meses de prisão.

Inconformado, o arguido interpôs recurso do douto acórdão condenatório de l.ª instância, para o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, o qual, em 8/9/10, negou provimento ao recurso, mantendo a douta decisão recorrida.

Irresignado com o teor do douto acórdão prolatado pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, que negou provimento ao recurso, o arguido interpôs recurso do mesmo para o STJ, sendo certo que, na sequência de tal recurso, ainda não foi proferido pelo STJ, acórdão transitado em julgado.

(Já antes, o arguido interpusera para o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, recursos de despachos que, em sede de revisão dos pressupostos da medida de prisão preventiva, tinham mantido a aplicação de tal medida ao arguido, sendo que, mais recentemente, o arguido, inconformado com o teor do douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que, em 4/8/10, julgara improcedente a arguição de nulidade assacada pelo arguido ao acórdão de 14/7/10, que mantivera a prisão preventiva, dele recorreu para o STJ, recurso que não foi admitido pela Relação, tendo o arguido reclamado para o Exmo Senhor Presidente do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, reclamação não admitida por extemporaneidade. Todavia, a interposição de tais recursos e os doutos acórdãos que decidiram os mesmos, não se revestem de relevância para a questão ora colocada à cognição deste Tribunal.)

Nos presentes autos, o arguido foi, em 27/12/2008, submetido ao 1.º interrogatório judicial de arguido detido, findo o qual lhe foi aplicada a medida de obrigação de permanência na habitação, com fiscalização através de meios técnicos de controlo à distância.

Sujeito a tal medida de coacção se manteve ininterruptamente a aguardar os ulteriores termos processuais, até a mesma medida ser substituída pela medida de prisão preventiva, situação na qual, desde então, e de forma ininterruptiva, se encontra a aguardar os ulteriores termos do processo.

Ora, de harmonia com o disposto no art. 215.º, l, d) do C.P.P., a prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado mas, no caso sub judice, tal prazo sempre se elevaria para 2 anos, mercê do disposto no n.º 2 do mesmo artigo, sendo ainda certo que, nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, no caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1.ª instância, e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, como é manifestamente o caso dos autos, o prazo máximo de prisão preventiva eleva-se para metade da pena que foi fixada.

Assim, se, no caso “sub-judice”, foi fixada ao arguido a pena de 19 anos e 3 meses, isso significa que o prazo máximo de prisão preventiva sem que haja condenação com trânsito em julgado, é de 9 anos, 7 meses e 15 dias.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no art.215.º, l, d), 2, 6 e 8 do C.P.P., o prazo máximo de prisão preventiva do arguido sem que haja condenação com trânsito em julgado, está longe de se mostrar esgotado, pelo que o arguido deverá continuar a aguardar preventivamente preso os ulteriores termos do processo, já que se mantêm os pressupostos de facto e os fundamentos de Direito que determinaram e mantiveram a aplicação de tal medida ao arguido.»


*
                                                                          *
                                                  
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recorrente AF..., a  questão a decidir é a seguinte:

- se n.º 6 do art.215.º, C.P.P. não se aplica ao caso concreto, mas sim o seu n.º 2, pelo que o despacho recorrido que não concedeu a imediata liberdade provisória ao arguido/recorrente deve ser revogado e este ser libertado imediatamente por já estar na situação de prisão ilegal desde 27/12/2010.

            Passemos ao conhecimento da questão.

Antes de entrar directamente no conhecimento da questão objecto do recurso importa clarificar a situação processual que deu origem ao requerimento do arguido AF..., cujo indeferimento deu origem ao presente recurso.

Resulta dos autos que o arguido AF... foi submetido ao 1.º interrogatório judicial, de arguido detido, em 27/12/2008, findo o qual lhe foi aplicada a medida de obrigação de permanência na habitação, com fiscalização através de meios técnicos de controlo à distância.

Tal medida de coacção foi-lhe entretanto substituída pela medida de prisão preventiva, encontrando-se nesta situação desde 4 de Fevereiro de 2010, a aguardar os ulteriores termos do processo.

Por douto acórdão de l.ª instância, de 21/04/2010, o arguido foi condenado nos presentes autos, pela prática em autoria material e em concurso efectivo, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2 do C.P.  e de um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203.º, n.º1 do C.P., na pena única de l9 anos e 3 meses de prisão.

Inconformado com o douto acórdão condenatório de l.ª instância dele interpôs recurso o arguido para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual por acórdão de 8 de Setembro de 2010 negou provimento ao recurso, mantendo a douta decisão recorrida.

Ainda inconformado com o teor do douto acórdão prolatado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, dele interpôs o arguido recurso para o STJ.

Ainda não foi proferido pelo STJ acórdão conhecendo do recurso para ele interposto.

Por requerimento junto a folhas 195 do processo o arguido requereu a sua imediata libertação por no seu entender ter já decorrido o prazo máximo de prisão preventiva, uma vez que tendo ficado preso em 27/12/2008, a sentença ainda não transitou, correndo ainda os seus termos no STJ sem que tenha sido proferido ainda o respectivo acórdão.

No despacho recorrido, de 27/12/2010, considerou-se que face ao disposto no n.º6 do art.215.º do Código de Processo Penal, tendo sido confirmada em sede de recurso a sentença condenatória proferida em 1.ª instância, o prazo máximo da prisão preventiva elevou-se para 9 anos, 7 meses e 15 dias, pelo que não se esgotou o prazo da prisão preventiva.

O arguido recorre desta decisão sustentando que o n.º 6 do art.215.º, C.P.P. não se aplica ao caso concreto, mas sim o seu n.º 2, alegando para este efeito, e em síntese: o art.215.º, n.º6 do C.P.P. ao usar o conceito de recurso ordinário “ para elevar acima dos dois anos o máximo dos máximos comum da prisão preventiva, delimita como campo de aplicação da norma ocorrer, depois de esgotados os meios de recurso ordinário e já iniciado algum recurso extraordinário.”. No caso presente tendo havido recurso da Relação para o STJ, com efeito suspensivo ex lege, não há confirmação ainda de qualquer sentença “ no iter final dos recursos ordinários”.  O histórico da alteração legislativa teve a ver com a demora da decisão dos recursos de inconstitucionalidade que tinham vindo a ser utilizados para conseguir mecanicamente a liberdade provisória dos arguidos.   

Vejamos.

O regime de prazos de duração máxima da prisão preventiva encontra-se previsto no artigo 215º do Código de Processo Penal.

Para melhor compreensão da problemática que está em causa, afigura-se de utilidade transcrever o artigo 215.º, na parte circunstancialmente adequada.

Diz ele o seguinte:

« 1 - A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido:

       a) Quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação;

       b) Oito meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória;

      c) Um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em 1.ª instância;

      d) Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.

2 - Os prazos referidos no número anterior são elevados, respectivamente, para 6 meses, 10 meses, 1 ano e 6 meses e 2 anos, em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, ou por crime:

    (…)      

3 - Os prazos referidos no n.º 1 são elevados, respectivamente, para um ano, um ano e quatro meses, dois anos e seis meses e três anos e quatro meses, quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.

4 - (…)

5 - Os prazos referidos nas alíneas c) e d) do n.º 1, bem como os correspondentemente referidos nos n.ºs 2 e 3, são acrescentados de seis meses se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional ou se o processo penal tiver sido suspenso para julgamento em outro tribunal de questão prejudicial.

6 - No caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1.ª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada.

7 - (…)

8 - Na contagem dos prazos de duração máxima da prisão preventiva são incluídos os períodos em que o arguido tiver estado sujeito a obrigação de permanência na habitação. »

Deste preceito resulta que o prazo de duração da prisão preventiva não se esgota numa só fase processual, dividindo-se em 4 parcelas: sem dedução da acusação; sem prolação de decisão instrutória quando tenha havido instrução; sem condenação em 1.ª instância; e com condenação sem trânsito em julgado da condenação.

Tendo em conta o objecto do recurso vamos debruçar-nos aqui apenas sobre o prazo de duração máxima da prisão preventiva na situação de existência de sentença condenatória, sem trânsito em julgado.

Em regra, o prazo de duração máxima da prisão preventiva fixado para a fase processual da condenação, sem trânsito em julgado, é de 1 ano e 6 meses ( n.º1).

Este regime apresenta algumas excepções.

O primeiro caso de excepção, enunciado n.º 2 do art.215.º do C.P.P., é compreensível em  razão da gravidade do crime: quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos ou o crime for um dos elencados nesse n.º 2, aquele prazo de duração máxima da prisão preventiva 1 ano e 6 meses eleva-se para 2 anos.

O segundo caso de excepção ao regime-regra resulta da natureza do processo: quando à gravidade dos crimes acresce a excepcional complexidade do procedimento, o aludido prazo eleva-se para 3 anos e 4 meses (n.º 3 do artigo 215.º do C.P.P.). Corresponde este caso, frequentemente, aos habitualmente chamados “mega processos”.

Em resultado da interposição de recurso para o Tribunal Constitucional ou de suspensão, para julgamento noutro tribunal, de questão prejudicial, a lei volta a permitir uma outra excepção: os prazos a que se aludem na alínea d), n.º1 e nos n.ºs 2 e 3 do art. 215.º, do C.P.P. podem ser acrescentados de 6 meses ( n.º 5).

Por fim, o n.º 6 do art.215.º do Código de Processo Penal, introduzido pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, prevê ainda outra excepção ao regime-regra, ao permitir o prolongamento da prisão preventiva no caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1.ª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário: o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada.

O n.º 6 do art.215.º do Código de Processo Penal não tinha correspondência em anterior disposição.

A propósito dessa norma consignou-se na Exposição de Motivos, da Proposta de Lei n.º 109/X, que está na base da Lei n.º 48/2007, que « Os prazos de prisão preventiva são reduzidos em termos equilibrados, para acentuar o carácter excepcional desta medida sem prejudicar os seus fins cautelares. Todavia, no caso de o arguido já ter sido condenado em duas instâncias sucessivas, o prazo máximo eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada. Embora continue a valer o princípio da presunção da inocência, consagrado no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição, a gravidade dos indícios que militam contra o arguido justifica aí a elevação do prazo.».

Parece ter-se pretendido, através deste n.º6, o prolongamento da prisão preventiva quando exista já um suficiente grau de certeza acerca da prática do crime, da sua autoria e da existência de culpa (baseado num duplo juízo condenatório), de modo a evitar que a extinção da medida de coacção pudesse vir a ocorrer por virtude da interposição de novo recurso, seja para o Supremo Tribunal de Justiça ou para o Tribunal Constitucional, ou da utilização de expedientes meramente dilatórios para prolongar artificialmente a duração do processo.

Um juízo confirmativo da existência de culpa determina a ampliação do prazo de prisão preventiva; a medida da pena determina o quantum dessa ampliação.

A redacção do preceito impõe que se esclareça quando existe “confirmação” da sentença condenatória em sede de “recurso ordinário”.

Parece-nos não haver dúvida que, numa interpretação literal, existirá sentença confirmativa da sentença condenatória em sede de recurso quando a decisão de recurso é totalmente coincidente, designadamente quanto à culpabilidade e à medida da pena concretamente aplicada, com a decisão de 1.ª instância. 

A doutrina e a jurisprudência constitucional entendem – e bem quanto a nós - ,  que uma interpretação racional do preceito não pode limitar-se aos casos em que houvesse uma absoluta sobreposição entre a decisão da 1.ª instância e a decisão de recurso, sob pena de violar o princípio da proporcionalidade, quando estão em causa outros casos que justificam o mesmo tratamento de alargamento do prazo máximo de prisão preventiva, por envolverem um duplo juízo condenatório.

Assim, o Cons. Maia Gonçalves sustenta que “No caso de condenação em pena de prisão em primeira instância e, em recurso ordinário pelo tribunal superior, o prazo de prisão preventiva eleva-se, se for caso disso, para metade da pena de prisão aplicada pelo tribunal superior.” [4].   

No mesmo sentido o Dr. Vítor Sérgio Sequinho dos Santos defende que o termo “confirmada” deve ser entendido « no sentido de a decisão do tribunal superior também condenar numa pena de prisão efectiva, ainda que, ao fazê-lo, esteja a julgar total ou parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido ou pelo Ministério Público no interesse deste.» [5]   

O Tribunal Constitucional, em acórdão de 2 de Dezembro e 2009, decidiu, por sua vez que não é inconstitucional a interpretação do art.215.º, n.º6 do C.P.P., na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, segundo a qual a elevação do limite máximo da prisão preventiva aí previsto para metade da pena que tiver sido fixada pelo tribunal superior, em caso de recurso, se aplica não apenas quando tenha sido confirmada a sentença condenatória da primeira instância, mas também quando tenha sido agravada pelo tribunal de recurso a pena fixada nessa sentença, implicando que o referente para o prazo máximo da prisão preventiva seja o da pena agravada. 

Referiu para o efeito, designadamente, que « A “confirmação” opera quando o tribunal de recurso rejeita o recurso nos termos do artigo 420º do CPP (e, por isso, não altera o julgado) ou aplica pena igual, inferior ou superior à pena da sentença recorrida, visto que, em qualquer desses casos há um juízo confirmativo de uma sentença condenatória que preenche, por si, o requisito legal de que depende a elevação do prazo máximo da prisão preventiva[6].

Por fim, diremos que o Código de Processo Penal distingue duas categorias de recursos no seu Livro IX: os recursos ordinários ( Titulo I) e os recursos extraordinários ( Titulo II).

Os recursos ordinários, que são unitários, no sentido de que não dependem nem da natureza da decisão recorrida nem dos fundamentos do recurso, respeitam às decisões que ainda não transitaram em julgado.

Os recursos extraordinários, que entre nós correspondem ao fixação de jurisprudência ( art.437.º ) e de revisão ( art. 449.º ), incidem sobre decisões já transitadas em julgado, visando reparar um erro cometido [7].

A partir do trânsito em julgado o condenado em pena de prisão passa à execução da respectiva pena, ao seu cumprimento ( art.477.º, n.º1 do C.P.P.), pelo que  deixa de haver prisão preventiva.

No caso em apreciação, o arguido AF... foi já condenado em pena de prisão na 1.ª instância.

Considerando a interpretação que deixámos exposta sobre a “confirmação” em sede de recurso ordinário, a que se alude no n.º6 do art.215.º do C.P.P., dúvidas não temos que a  condenação do arguido AF... em pena prisão na 1.ª instância foi confirmada , integralmente, em sede de recurso ordinário, no caso pelo Tribunal da Relação de Coimbra.

A “confirmação” em sede de recurso ordinário, a que ali se alude, não exige pois, como sustenta o recorrente, a confirmação da sentença de 1.ª instância no iter final dos recursos ordinários, ou seja, com trânsito em julgado, nem o esgotamento dos meios de recurso ordinário e já iniciado algum recurso extraordinário. A interpretação do recorrente tornaria inútil e sem qualquer sentido a elevação do prazo de duração máxima da prisão preventiva introduzida pela Lei n.º 48/2007 no n.º6 do art.215.º do C.P.P..

O juízo confirmativo da existência de culpa determina a ampliação do prazo de prisão preventiva, nos termos do art.215.º, n.º 6 do Código de Processo Penal e, assim, enquanto a condenação em pena de prisão, baseada nesse duplo juízo condenatório, se mantiver sem trânsito em julgado, designadamente por interposição de recurso para o STJ e eventualmente para o Tribunal Constitucional, o arguido poderá continuar sujeito à medida de prisão preventiva pelo prazo correspondente a metade da pena de prisão em que foi condenado.

Uma vez que a medida da pena de prisão determina o quantum da ampliação do prazo máximo da prisão preventiva, no caso em análise o prazo de duração máxima da prisão preventiva pode prolongar-se, a partir de 27/12/2008, por 9 anos, 7 meses e 15 dias.

O prazo máximo da prisão preventiva não é neste processo já o de dois anos a que alude o n.º 2 do art.215.º do C.P.P., mas sim, perante a fase processual em que se encontra o processo, o prazo especial de metade da pena fixada na sentença de 1.ª instância, confirmada em sede de recurso ordinário, a que alude o n.º6 do mesmo preceito.

Pelo exposto, não merecendo qualquer censura da decisão recorrida, improcede o recurso.

            Decisão

            Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AF... e manter a douta decisão recorrida.

             Custas pelo recorrente, fixando em 5 Ucs a taxa de justiça.

                                                                         *
ORLANDO GONÇALVES (Relator)
ABÍLIO RAMALHO


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.

[4] Cfr. “Código de Processo Penal anotado” , Almedina, 19.ª edição, pág. 522.

[5] Revista do CEJ, 1.º Semestre 2008, n.º 9 (Especial), “ Jornadas  , pág. 140 a 144.

[6] Cfr. Acórdão n.º 603/2009, in www.tribunalconstitucional.pt.
[7] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de processo penal”, Vol. III, Verbo, 2000, pág. 317.