Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
670/20.3T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELENA MELO
Descritores: PARTILHA HOMOLOGADA POR SENTENÇA
EFEITO DO CASO JULGADO
IMPUGNAÇÃO
INADMISSIBILIDADE DO MEIO PROCESSUAL
Data do Acordão: 12/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE CASTELO BRANCO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 625.º, 1127.º, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 2121.º DO CÓDIGO CIVIL E 72.º DO DLEI N.º 23/2013, DE 5/3
Sumário:
I – As razões de segurança jurídica que o caso julgado visa tutelar, não permitem a   impugnação de uma partilha homologada por sentença transitada em julgado, mediante a  aplicação analógica do artigo 2121º do Código Civil, relativo à impugnação da partilha extrajudicial, nem segue o regime geral de impugnação dos negócios jurídicos, previsto nos artigos 285º e seguintes do Código Civil.

II – No caso a A. até alegou no processo de inventário os factos que veio invocar nesta ação, só tendo tido sucesso parcialmente nos vícios que invocou.  Mas mesmo que não os tivesse invocado, não poderia agora vir invocar vícios ocorridos na sua pendência, pretendendo a anulação da partilha nele efetuada, por força do efeito preclusivo do caso julgado.

III – O meio próprio para obstar à homologação de uma partilha que se considera não dever ter sido homologada é o recurso.

IV – Após o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, o modo de obter alterações à partilha efetuada é apenas através da emenda e da anulação da partilha e eventualmente, nos casos excecionais previstos na lei, o recurso de revisão.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Relatora: Helena Melo
1.º Adjunto: José Avelino Gonçalves
2.º Adjunto: Paulo Correia


Processo 670/20.3T8CTB

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

AA instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum  contra os Réus BB e CC, pedindo que se reconheça o direito de propriedade da herança aberta por óbito de DD e EE sobre o prédio urbano situado na Rua ..., Freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...97 e inscrito na matriz sob o artigo ...25º e que se ordene a restituição do mesmo “à esfera jurídica da herança, livre de pessoas, bens e quaisquer ónus”.

Para além disso, solicita ainda a Autora que se declare a nulidade do contrato de compra e venda do referido imóvel celebrado por escritura pública de 30 de maio de 2018 e que se ordene o “cancelamento de todas as inscrições de aquisição registadas no respetivo registo predial com base na referida escritura e de eventuais registos subsequentes”.

Para tanto, alega em síntese, que a Ré BB instaurou o processo de inventário por óbito dos pais de ambas que corre termos no Cartório Notarial ..., a cargo da Ex.ma Senhora Dr.ª FF sob o número ...3/16 e no âmbito do qual a Ré, na qualidade de cabeça-de-casal, apresentou relação de bens da qual constava, entre outros, o prédio urbano atrás identificado.

Sucede que, contrariamente à vontade da Autora, que “sempre pretendeu participar, ativamente, na partilha do património dos seus pais, sendo inclusivamente sua intenção que lhe fosse adjudicado pelo menos um bem imóvel”, o referido processo de inventário “decorreu sem qualquer intervenção por parte da A., (…), até ao dia 25.03.2019, momento em que a A. ali suscitou diversas nulidades e irregularidades, cuja apreciação pela Exma. Sra. Notária foi agora ordenada, face ao recurso interposto da sentença homologatória da partilha”.

Ora, a Autora apercebeu-se, entretanto, de que todos os bens imóveis tinham sido adjudicados à Ré, sua irmã, “por quantias absolutamente irrisórias”, à exceção do prédio urbano atrás mencionado, cuja restituição à herança e nulidade da venda pede e que foi “vendido por negociação particular, mas ao companheiro da Ré, ora Réu, num ardil por estes montado e simulado”.

Contudo, “a Ré não ignora que a A. jamais concorda ou concordaria com a forma como a partilha foi levada a cabo”, tanto mais que “a forma da partilha evidencia manifesto e flagrante abuso de direito, má fé, dolo e simulação, revelando a má fé e dolo da Ré na preparação da partilha e a total comparticipação do Réu nesse fito”.

Na verdade, em sede de conferência de interessados realizada no dia 24 de novembro de 2017 foram adjudicados à Ré cinco imóveis “pela irrisória quantia global de € 21.517,00, quando, como é facto manifestamente notório, cfr. art. 412º do CPC, é totalmente inverosímil que haja bens imóveis cujo valor real se cinja a tais quantias, (…), pelo que atuou a Ré em manifesto abuso de direito, aproveitando-se da ausência e não intervenção da A. (…) para preencher o seu quinhão hereditário com bens cujo valor real é muito superior ao da adjudicação”.

Relativamente ao prédio urbano em questão nestes autos, sustenta a Autora ter existido, “além de má fé e dolo, clamorosa simulação também”, tendo em conta que “era precisamente o bem com o valor patrimonial mais elevado, correspondente a € 45.450,00”.

De facto, em sede de conferência de interessados realizada a 24 de novembro de 2017, “a Ré, premeditada e propositadamente, não requereu a adjudicação de tal bem para si, como se nenhum interesse tivesse no mesmo, requerendo antes a sua venda a terceiros, mas pelo valor patrimonial, correspondente a € 45.450,00, e desde logo indicou agente de execução para promover a respetiva venda”.

No entanto, “a verdade é que a Ré sempre teve interesse no referido bem”, “ali habitando, em fins-de-semana, períodos de férias e outras temporadas. E, pelo esquema que montou, em conluio com o Réu, obteve o mesmo efeito, mas por valor muito inferior ao valor patrimonial e ao valor real de mercado”, na medida em que, no âmbito do próprio processo de inventário, o imóvel acabou por ser vendido ao Réu CC que é o companheiro da Ré há cerca de onze anos, pelo preço de € 10.500,00, através de escritura pública outorgada no dia 30 de maio de 2018.

Assim, concluiu a Autora que a venda do prédio urbano efetuada no processo de inventário foi simulada uma vez que, a R. ao declarar, em sede de conferência de interessados, que não pretendia a adjudicação desse imóvel, a Ré implementou “um esquema para que o mesmo fosse adquirido indiretamente em seu benefício, pelo seu companheiro”, “com o fito único de enganar e prejudicar a A., o próprio Cartório e instâncias legais e jurídicas, e obter um benefício não devido”.

A Ré apenas declarou que não pretendia que o imóvel lhe fosse adjudicado de forma a evitar que o respetivo valor patrimonial, correspondente a € 45.450,00, aumentasse, nessa medida, o valor do seu quinhão hereditário, o que implicaria o pagamento à Autora das tornas correspondentes a metade desse valor.

Consequentemente, “a manter-se tal venda, por aquele montante, fica a A. prejudicada também, na medida em que o valor real do imóvel não acarreta para si um benefício patrimonial correspondente a apenas € 5.250,00, mas antes muito superior”, sendo certo que nem a Ré teve intenção de vender, nem o Réu teve intenção de comprar o imóvel, ambos pretendendo apenas que a Ré pudesse manter o uso e a fruição do imóvel pelo valor mais baixo possível.

Nestes termos, conclui a Autora que os Réus “simularam as suas declarações negociais” e que tanto a ata da conferência de interessados realizada no dia 24 de novembro de 2017, como a escritura pública de compra e venda outorgada no dia 30 de maio de 2018 estão inquinadas de falsidade.

Os Réus vieram aos autos apresentar a sua contestação, impugnando a generalidade dos factos alegados pela Autora em sede de petição inicial.

Assim, e uma vez que não atuaram da forma descrita pela Autora, concluem os Réus que a presente ação deve ser julgada improcedente, por não provada, absolvendo-se os Réus dos pedidos contra si formulados.

Por despacho proferido em 28.06.2023 foi declarada verificada a exceção dilatória consistente na inadmissibilidade do meio processual utilizado pela A. e, em consequência, foram os RR. absolvidos da instância.

A A. não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:

(…).

Os RR. contra-alegaram e concluíram as suas contra-alegações do seguinte modo:

(…).

II – Objeto do recurso

De acordo com as conclusões da apelação, as quais delimitam o objeto do recurso, as questões a conhecer são as seguintes:

. se o despacho recorrido ofende o caso julgado que se formou sobre o despacho de 19.11.2020 que determinou a suspensão da instância;

. se não se verifica a exceção dilatória inominada consistente na inadmissibilidade do meio processual utilizado pela Autora.

III – Fundamentação

Na primeira instância foram considerados provados os seguintes factos:

1. No dia 6 de março de 2014 a Ré BB, na qualidade de cabeça-de-casal, declarou, no âmbito do procedimento simplificado de habilitação de herdeiros instaurado na Conservatória do Registo Civil ..., que os autores das heranças, DD e GG, faleceram, respetivamente, no dia .../.../2002 e no dia .../.../2014 e, para além disso:

“Que nenhum dos falecidos deixou testamento ou qualquer outra disposição de última vontade.

Que ao falecido, sucederam como únicas herdeiras:

- O cônjuge sobrevivo – EE, ora falecida;

- as filhas – BB,

– AA, ao tempo da abertura da sucessão casada com HH, no regime da separação de bens, presentemente dele divorciada.

Que à falecida sucederam como únicas herdeiras:

- As filhas, já identificadas – BB e AA.

Que não há quem lhes prefira ou com elas possa concorrer nas sucessões. (…).”.

2. A Ré BB instaurou, no Cartório Notarial ... a cargo da Ex.ma Senhora Dr.ª FF, o processo de inventário por óbito dos seus pais que correu termos sob o número ...3/16, no âmbito do qual apresentou, na qualidade de cabeça-de-casal, a relação de bens da qual constam os seguintes:

“A) Bens imóveis

Verba n.º 4

Prédio Urbano, afeto a habitação, composto de R/Chão  e 1º andar, sito na Rua ..., Freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o Art. ...25º da Freguesia ..., concelho ... Processo: 670/20... Referência: ...04 Tribunal Judicial da Comarca ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...97, com valor patrimonial tributário de € 45.450,00 (…).

Verba n.º 5

Prédio Urbano, afeto a habitação, composto de casa abarracada de 1 pavimento e três divisões, sito em ..., Caminho ..., ..., Freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o Art. ...30º da Freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...15, com valor patrimonial tributário de € 25.210,00 (…).

Verba n.º 6

Prédio Rústico, composto de horta, oliveiras, figueiras, olival, cultura arvense em olival, cultura arvense de regadio, citrinos e vinha, com área de 3.600 m2, sito em ..., Freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o Art. ...6º, Secção ..., da Freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...98, com valor patrimonial tributário de € 57,90 (…).

Verba n.º 7

¼ Prédio Rústico, composto de construção rural, olival, cultura arvense em olival e cultura arvense, com área de 6.480 m2, sito em ..., Freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o Art. ...4º. Secção ..., da Freguesia ..., concelho ..., omisso na Conservatória do Registo Predial ..., com valor patrimonial tributário de € 37,99 (…).

Verba n.º 8

Prédio Rústico, composto de cultura arvense de regadio e oliveiras, com área de 160 m2, sito em ..., Freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o Art. ...11º, Secção ..., da Freguesia ..., concelho ..., omisso na Conservatória do Registo Predial ..., com valor patrimonial tributário de € 3,19 (…).

Verba n.º 9

Prédio Rústico, composto de cultura arvense, com área de 120 m2, sito em ..., Freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o Art. ...24º, Secção ..., da Freguesia ..., concelho ..., omisso na Conservatória do Registo Predial ..., com valor patrimonial tributário de € 0,46 (…).”.

3. No dia 24 de novembro de 2017 foi realizada conferência de interessados no Cartório Notarial ... a cargo da Ex.ma Senhora Dr.ª FF, na qual estiveram presentes apenas a Ré BB e o seu Ilustre Patrono, constando da respetiva ata, para além do mais, o seguinte:

“A conferência destina-se à adjudicação de bens.

Estando presente apenas a cabeça-de-casal, (…), foi apresentada pela mesma uma proposta em carta fechada, aberta neste ato, (…), na qual aquela se propõe adquirir os bens a partilhar, constantes da respetiva relação, identificados sob as verbas cinco, seis, sete, oito e nove pelos valores respetivamente de € 21.430,00, € 50,00, € 33,00, € 3,00 e € 1,00, somando tudo o valor total de € 21.517,00, tendo entregue um cheque caução do valor de € 1.505,35, valor este superior a cinco por cento do valor base dos mesmos bens.

Assim foi aceite a referida proposta apresentada pelo cabeça-de-casal, tendo-se deliberado adjudicar-lhe os bens acima identificados objeto da sua proposta.

Não foi apresentada qualquer proposta de adjudicação relativamente ao bem imóvel da verba quatro e aos bens da verba dez.

Deliberou-se proceder à venda do bem imóvel da verba quatro, cujo valor atribuído é de € 45.450,00, tendo a cabeça-de-casal indicado a Agente de Execução Fernanda Pires Mendes para proceder à respetiva venda.

Foi ainda deliberado adjudicar à interessada, AA, o bem móvel da verba dez e adjudicar à cabeça-de-casal a única verba do passivo, identificada como verba onze. (…).”.

4. Mediante escrito datado de 30 de maio de 2018, intitulado Compra e Venda, a Ex.ma Senhora Agente de Execução II, na qualidade de primeira outorgante e de encarregada de venda no processo de inventário número ...16, e o Réu CC, na qualidade de segundo outorgante, declararam, perante Notário, o seguinte:

“A primeira outorgante, na qualidade em que outorga, declarou:

Que, pelo preço já recebido de dez mil e quinhentos euros, livre de ónus ou encargos, vende ao segundo outorgante, o prédio urbano, sito na Rua ..., na freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...25º, com o valor patrimonial tributário de € 45.450,00, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... quatrocentos e noventa e sete/da freguesia ..., com o registo de aquisição a favor de EE e marido DD, pela apresentação vinte e sete de dezassete de dezembro de mil novecentos e noventa e sete.

O segundo outorgante declarou:

Que aceita esta venda. (…).”.

5. Pela apresentação n.º ...67, de 30 de maio de 2018, foi registada a aquisição do prédio urbano identificado em 4., por compra, a favor do Réu CC.

6. Por sentença proferida a 18 de março de 2019 no âmbito do processo de inventário que correu termos no Juízo Local Cível ... sob o número 268/19...., foi homologada a partilha constante do mapa elaborado pela Ex.ma Senhora Notária a 20 de outubro de 2018, do qual resulta que “à herdeira, AA, são adjudicados os bens móveis da verba sete e metade do valor que constitui a verba oito, que somam o valor total de sete mil setecentos e cinquenta euros (…), e como tem direito ao valor líquido de dezasseis mil duzentos e noventa e nove euros e nove cêntimos (…), tem a receber de tornas da cabeça-de-casal a quantia de oito mil quinhentos e quarenta e nove euros e nove cêntimos (…).”.

7. No despacho proferido em sede de audiência prévia realizada no âmbito da presente ação declarativa, a 19 de novembro de 2020 foi referido, para além do mais, o seguinte:

 “Ora, da consulta no sistema informático do referido processo – processo n.º 268/19.... deste Juízo Local Cível -, resulta que são invocadas as seguintes nulidades:

- Nulidade de todo o processado desde a sua citação, por ter sido por erro desculpável que não interveio no inventário, erro cuja essencialidade é conhecida da interessada BB, por bem saber que ela pretendia nele intervir, ficando a dever-se tal erro à circunstância de a Patrona que lhe foi inicialmente nomeada lhe ter referido para não receber qualquer carta e que ela trataria de tudo, e só recentemente, por substituição daquela Patrona, vir a ter conhecimento que tinha tornas a receber;

- Nulidade da citação por preterição de formalidades essenciais por aquela não vir acompanhada dos docs. 1 a 3, o que lhe prejudicou o direito de defesa;

- Nulidade por abuso de direito por parte da interessada BB que se aproveitou da sua ausência no inventário para preencher o seu quinhão com bens cujo valor real é muito superior ao do da adjudicação;

- Nulidade por simulação na venda do bem imóvel que constitui a verba n.º 4 da inicial relação de bens por ter sido vendido pela encarregada de venda de forma pouco transparente, vindo a sê-lo ao companheiro da interessada BB, por € 10.500,00, quando o valor real dele era de € 45.450,00;

- Nulidade da adjudicação das verbas 2, 3, 4, 5 e 6 da relação de bens, por dever ter sido adiada a Conferência Preparatória e a Conferência de Interessados atenta a sua não presença nelas, bem como a falta de notificação a ela da ata da Conferência de Interessados e do despacho de 14/4/2018 que aceitou a proposta de aquisição do imóvel que constitui a verba n.º 4.

Assim, a sentença homologatória de partilha ainda não transitou em julgado e a serem procedentes as nulidades invocadas, o processo de inventário voltaria ao seu início e, teria que haver pronúncia sobre o negócio de compra e venda em causa nos presentes autos. (…).

Assim, embora no inventário não se discuta qualquer questão que possa modificar uma situação jurídica a ser apreciada nos presentes autos até porque já foi proferida sentença homologatória de partilha, a verdade é que a decisão do recurso interposto da sentença homologatória de partilha é suscetível de modificar a situação jurídica pressuposto da presente ação.

Esta circunstância constitui um motivo justificativo para a suspensão da instância, de modo a evitar que, nas duas causas, se produzam decisões contraditórias ou até que a presente ação deixe de ter objeto, salvaguardando-se, desse modo, a imagem e o prestígio dos tribunais. Evitar que dois tribunais sejam colocados numa situação de contradição de julgamentos de facto ou que sejam proferidas decisões inúteis, é um motivo relevante, se outros não se sobrepuserem, para justificar a suspensão da instância ao abrigo do disposto na parte final do n.º 1 do art. 272º do CPC.

Por isso, conclui-se que não sendo o processo de inventário causa prejudicial da presente ação, a verdade é que na sequência da interposição de recurso da sentença homologatória de partilha com a invocação de nulidades várias, pode o negócio jurídico em causa nos presentes autos ser anulado o que implicaria que esta ação ficaria sem objeto. Esta situação justifica a suspensão da instância.

Pelo exposto, e nos termos da disposição legal citada, ordeno a suspensão destes autos até que a sentença homologatória de partilha proferida no âmbito do processo n.º 268/19.... transite em julgado.”.

8. Por acórdão proferido a 12 de outubro de 2021 no âmbito do processo de inventário n.º 268/19...., o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu julgar parcialmente procedente a apelação interposta pela Autora AA da “decisão da Ex.ma Notária incidente sobre o requerimento de 25/03/2019, anulando o mapa de partilha definitivo, devendo ter lugar o mapa informativo a que se referia o art. 60º do RJPI, e, na sua sequência, ser notificada a apelante para exercer as faculdades do art. 61º desse diploma legal, anulando-se também a sentença homologatória do mapa de partilha, e, em consequência, julgando-se prejudicado o conhecimento das questões que decorram da apelação incidente sobre a sentença homologatória da partilha que não se reconduzam às apreciadas no âmbito do recurso atrás referido”.

9. No Acórdão a que se alude em 8. refere-se, para além do mais, o seguinte:

“2- A interessada AA interpôs apelação, para este Tribunal da Relação, da sentença homologatória da partilha, tendo concluído as respetivas alegações nos seguintes termos:

I. Vem o presente recurso, oportunamente interposto da sentença que homologou a partilha constante do mapa junto aos autos, adjudicando os quinhões às respetivas interessadas, impugnando-se ainda, as decisões tomadas anterior e posteriormente e que reflexamente influem na sentença em causa.

II. O presente recurso tem por objeto a globalidade da decisão proferida pelo Tribunal a quo, bem como as decisões interlocutórias proferidas ao longo do processo de inventário, e ainda a apreciação das nulidades e irregularidades cometidas ao longo de todo o processo, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

III. A sentença recorrida não cumpre com os requisitos legalmente exigidos, cfr. art. 57º do RJPI, nomeadamente no que diz respeito às decisões tomadas na conferência de interessados e quanto ao pagamento do passivo.

IV. A sentença recorrida não possui o relatório, fundamentação e parte dispositiva, determinando a sua nulidade.

V. No âmbito do dever contido no art. 66º do RJPI, impende sobre o juiz o dever de suscitar e decidir nulidades que sejam de conhecimento oficioso.

VI. Por isso, impunha-se que o Tribunal a quo aferisse da citação da Recorrente, que se revela aliás, nula, por preterição de formalidades essenciais prescritas na lei que coartam e prejudicam os direitos de defesa da Recorrente, por força do disposto nos arts. 219º, n.ºs 1 e 3 e 191º, ambos do CPC.

VII. Na medida em que com a citação da Recorrente não foram remetidos os documentos juntos como doc. n.º 1 a 3, assim mencionados na relação de bens apresentada pela Cabeça-de-Casal, o que impossibilita a Recorrente de exercer o respetivo direito de defesa e contraditório.

VIII. Não tendo a sentença que homologou a partilha apreciado a citação da Recorrente, é a mesma nula, por omissão de pronúncia.

IX. Constituindo tal omissão também uma nulidade, que se invoca, tudo com as legais consequências.

X. Por outro lado, a forma da partilha evidencia, no mínimo, manifesto e flagrante abuso de direito e simulação, o que não poderia escapar ao escrutínio e apreciação que se impõe ao/à M.º/ª Juiz a quo.

XI. Na Conferência de Interessados foram adjudicados à Cabeça-de-Casal 5 (cinco) bens imóveis pela irrisória quantia global de € 21.517,00, quando, como é facto manifestamente notório, cfr. art. 412º do CPC, é totalmente inverosímil que haja bens imóveis cujo valor real se cinja a tais quantias, em particular face ao estado do mercado imobiliário atualmente.

XII. Na Conferência de Interessados, a Cabeça-de-Casal, premeditada e propositadamente, requereu a venda da verba nº 4 da primeira relação de bens apresentada, pelo valor patrimonial, correspondente a € 45.450,00, e desde logo indicou agente de execução para promover a mesma.

XIII. Por requerimento de 17.01.2018, a Exma. Sra. Agente de Execução dá conta aos autos de que nenhuma proposta foi apresentada, até àquela data.

XIV. No dia 03.02.2018, a Exma. Sra. Agente de Execução junta aos presentes autos 3 (três) propostas, sendo uma delas datada de 17.01.2018, precisamente a data em que a Exma. Sra. Agente de Execução indicou aos autos não existir ainda nenhuma proposta de compra.

XV. As 3 (três) propostas alegadamente apresentadas não evidenciam a forma como chegaram à Exma. Agente de Execução, seja por carta, seja por fax, seja por qualquer outro meio e muito menos evidenciam a data em que foram apresentadas as propostas e não consta nos autos a forma como foi promovida a venda do referido bem, até 17.01.2018 e posteriormente.

XVI. As propostas alegadamente apresentadas e juntas aos presentes autos são em tudo, estilo, letra, discurso, etc, idênticas.

XVII. Com aquela venda, alegadamente a terceiros estranhos à Cabeça-de-Casal não foi mais do que um ardil por esta montado para que o bem fosse adquirido indiretamente em seu benefício, pelo seu companheiro, por valor muito abaixo do real e até muito abaixo do valor patrimonial.

XVIII. A aceitação por parte da Cabeça-de-Casal da venda de um bem imóvel pelo modesto valor de € 10.500,00, cujo valor patrimonial é de € 45.450,00, evidencia o esquema que foi montado.

XIX. Era imperioso concluir que a forma da partilha, era, assim, no mínimo, suspeita.

XX. A partilha deve ter em consideração o valor atual das verbas em causa, sob pena de prejuízo para os adquirentes, injusta composição do litígio e da decisão final não corresponder à situação real no momento da decisão.

XXI. O processo de inventário destina-se a uma justa e equitativa partição do património hereditário, e constitui uma medida de proteção que se destina a evitar prejuízos e a distribuir, equivalentemente, um património.

XXII. Basta atentar ao mapa de partilha, aos valores pelos quais vasto e significativo património foi adjudicado à Cabeça-de-Casal para facilmente se concluir que não existe, nos presentes autos, qualquer justa partição do património hereditário, sendo também, por esta via, contrário à ordem pública e ofensivo dos bons costumes a partilha em causa,

XXIII. Pois existe um manifesto desequilíbrio entre os benefícios obtidos pela Cabeça-de-Casal, de adjudicação de 5 (cinco) bens imóveis, e um manifesto prejuízo da Recorrente, ao ser “concedido”, por isso, um direito a tornas, no mísero valor de € 8.549,09, sendo o seu quinhão composto pela quantia irrisória de € 16.299,09.

XXIV. É, assim, igualmente nula a partilha, nos termos do disposto no art. 280º do CC.

XXV. A Cabeça-de-Casal, com a partilha patente nos autos, a manter-se, irá enriquecer de forma clamorosamente injusta e abismal em detrimento da Recorrente, que irá igualmente empobrecer na mesma medida.

XXVI. Constatado que a partilha ofende gravemente os interesses patrimoniais da ora Recorrente e que esta estava convencida de uma realidade distinta da verdadeira, é dever oficioso proceder à correção de tal situação, de modo a alcançar-se a repartição igualitária e equitativa do acervo hereditário.

XXVII. Impende de facto sobre o Juiz o dever de verificar a legalidade da partilha, do ponto de vista substantivo e processual.

XXVIII. Pelo que, de modo a alcançar uma repartição igualitária e equitativa, deve ser declarado nulo todo o processado posterior à citação da Recorrente.

XXIX. Pelo que se impunha, e impõe, a declaração de nulidade da adjudicação à Cabeça-de-Casal dos bens correspondentes às verbas n.º 2, 3, 4, 5 e 6 da ulterior relação de bens apresentada, o que ora se requer.

XXX. É igualmente nula, a venda do imóvel correspondente ao artigo matricial n.º ...25, da freguesia ..., concelho ..., por simulação, o que se requer, tudo com as legais consequências.

XXXI. A Recorrente não foi notificada da ata da Conferência de Interessados, nem do despacho da Digníssima Notária de 14.04.2018, que aceitou a proposta de aquisição do imóvel que corresponde à verba n.º 4 pela proposta apresentada pelo Exmo. Senhor CC, nem foi a Recorrente notificada dos demais atos praticados relativos a esta venda,

XXXII. O que constitui nulidade, apta a influir na decisão da causa e justa composição do litígio.

XXXIII. Não foi dado cumprimento ao disposto no art. 45º do RJPI.

XXXIV. A Conferência Preparatória deveria ter sido adiada, pela ausência da Recorrente, nos termos do art. 47º, n.º 5 do RJPI,

XXXV. Tal como a Conferência de Interessados.

XXXVI. O que constitui igualmente nulidade, suscetível de influir no exame e decisão da causa e justa composição do litígio, e que deveria ter sido apreciada pelo Tribunal a quo.

XXXVII. Não tendo sido, é a sentença recorrida nula, por omissão de pronúncia, o que se invoca, tudo com as legais consequências.

XXXVIII. Assim, deveria e deve ser decretada a nulidade do processo, anulando-se todo o processado desde a citação da Recorrente, o que se requer.

XXXIX. As decisões tomadas pela Digníssima Notária merecem reparo, cuja sindicância nesta sede se reclama, sendo o modo, meio e Tribunal competente para delas conhecer.

XL. No dia 25.03.2019, a Recorrente dirigiu um requerimento ao Cartório Notarial em causa, invocando a nulidade do processo, por erro, quer por julgar a Recorrente que estava a ser devidamente representada em juízo pela Il. Patrona que lhe fora nomeada para o efeito, Dra. JJ, Il. Advogada, quer por desconhecer a Recorrente o efeito de não recebimento das notificações que lhe foram dirigidas, porque foi assim expressamente aconselhada pela Dra. JJ, Il. Advogada e patrona que lhe fora nomeada, nulidade ainda decorrente da violação do direito indisponível de partilhar, nulidade da citação da Recorrente, nulidade por abuso de direito, nulidade por simulação, nulidade decorrente da ausência de notificação à Interessada da Ata da Conferência de Interessadas e do despacho de 14.04.2018, bem como de todos os atos subsequentes referentes à venda do imóvel que corresponde à verba n.º 4, nulidade por violação do art. 45º do RJPI, nulidade por violação do art. 47º n.º 5 do RJPI, tendo ainda a Recorrente, nesse mesmo ato e requerimento, apresentado reclamação contra a relação de bens, juntando ainda 5 (cinco) documentos e arrolando testemunhas.

XLI. No dia 26.03.2019, por uma questão de mera cautela de patrocínio, a Recorrente apresentou no Tribunal a quo requerimento de igual teor.

XLII. Tal requerimento mereceu o despacho de fls…, de 27.03.2019, que declarou a instância local cível incompetente em razão da matéria para apreciar o requerimento apresentado pela aqui Recorrente em 26.03.2019, indeferindo-o, por isso, liminarmente.

XLIII. No dia 28.03.2019, a Recorrente apresentou requerimento no Cartório Notarial, juntando o despacho judicial de fls…, de 27.03.2019, insistindo e requerendo a apreciação do requerimento apresentado em 25.03.2019.

XLIV. Tais requerimentos mereceram a notificação datada de 31.03.2019.

XLV. No dia 11.04.2019, a Recorrente apresentou requerimento dirigido à Digníssima Notária, invocando a nulidade da notificação, por, ao contrário do ali constante, não ter sido junta a sentença homologatória da partilha, insistiu e requereu a apreciação do requerimento apresentado em 25.03.2019, e, caso assim não se entendesse, requereu ainda a Recorrente a remessa do referido requerimento para o Tribunal a quo, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 16º, n.º 1 e 3 do RJPI.

XLVI. No dia 23.04.2019, a Recorrente apresentou recurso da notificação datada de 31.03.2019, ao abrigo do disposto no art. 67º do CPC, dirigido ao Tribunal a quo.

XLVII. Por notificação datada de 25.04.2019, foi a Recorrente notificada do despacho da mesma data, da Digníssima Notária, e agora sim, da sentença homologatória da partilha.

XLVIII. A Digníssima Notária não poderia ter remetido o processo para o Tribunal a quo, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 66º, n.º 1 do RJPI, quando as tornas nem sequer estavam pagas à Recorrente.

XLIX. A Digníssima Notária não poderia ter tramitado o processo de inventário, sem cumprir com as regras que lhe são aplicáveis, e ignorando as evidências latentes, nos termos dos factos patentes nas conclusões VI, VII, XI, XII, XIII, XIV, XV, XVI, XVII, XVIII, XX, XXI, XXII, XXIII, XXV, XXVI, XXXI XXXII, XXXIII, XXXIV, XXXV e XXXVI, por uma questão de economia processual aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.

L. Era obrigação e estava na disposição da Digníssima Notária assegurar a regular tramitação do processo de inventário e assegurar e garantir a justa composição dos quinhões e repartição do património hereditário.

LI. Independentemente de existir ou não sentença homologatória da partilha, a Digníssima Notária tinha o dever de se pronunciar quanto aos requerimentos apresentados pela Recorrente, em 25.03.2019, 28.03.2019, 11.04.2019 e 23.04.2019.

LII. Sendo certo que, a sentença homologatória da partilha, à data, como agora, ainda não havia transitado em julgado, sendo, por isso, a arguição dos vícios patentes no requerimento de 25.03.2019 tempestiva.

LIII. A decisão da Digníssima Notária, datada de 31.03.2019, embora se tenha dificuldade em qualificar como decisão, sendo antes uma mera informação, é nula, por omissão de pronúncia e falta de fundamentação.

LIV. Pela equiparação das funções do notário no âmbito do processo de inventário, às funções do juiz, no âmbito dos pleitos judiciais, considerando ainda o disposto no art. 82º do RJPI, está o notário sujeito aos mesmos deveres, em especial no que tange às decisões.

LV. E, por isso, impõe-se também ao notário, no âmbito do processo de inventário, o dever de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, nos termos do n.º 2 do art. 608º do CPC,

LVI. Bem como o dever de realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer, em respeito pelo princípio do inquisitório, contido no art. 411º do CPC.

LVII. E, as decisões têm de ser sempre fundamentadas, nos termos do disposto no art. 205º da CRP, densificando-se legalmente no art. 154º do CPC.

LVIII. O processo de inventário, apesar de atualmente desjudicializado, não deixa igualmente de estar sujeito nas decisões a proferir, a tal dever de fundamentação.

LIX. Assim, a cada cidadão, que recorre ao sistema jurisdicional, é assegurado um direito e garantia constitucional e convencional, que se traduz numa efetiva decisão sobre a sua pretensão em prazo razoável.

LX. O despacho de 25.04.2019 da Digníssima Notária é completamente omisso quanto ao requerimento apresentado pela Recorrente em 11.04.2019 e o recurso apresentado em 23.04.2019, apesar de ser posterior a estes atos praticados pela Recorrente.

LXI. Pelo que, também este despacho, é nulo, por completa omissão de pronúncia, nomeadamente quanto à remessa dos autos ao Tribunal a quo, nos termos do disposto no art. 16º, n.ºs 1 e 3 do RJPI, e quanto à admissão do recurso interposto em 23.04.2019.

LXII. A circunstância do requerimento em causa ter sido apresentado após a prolação da sentença homologatória da partilha não constitui fundamento e base para recusar a sua apreciação, já que, a sentença não transitou em julgado, e impende sobre o notário a obrigação de apreciar todas as questões submetidas à sua apreciação, e que, não foram apreciadas antes e muito pelo Juiz, ao contrário do que consta do despacho de 25.04.2019.

LXIII. A sentença que homologou a partilha, precisamente por ser anterior a 25.03.2019, jamais poderia ter apreciado a matéria alegada e colocada em crise no requerimento em causa.

LXIV. O RJPI não impede nem veda ao notário a capacidade e competência para apreciar questões mesmo após a prolação de sentença homologatória.

LXV. Se assim fosse, não seria possível nem a lei preveria a nova partilha, emenda ou anulação da partilha.

LXVI. O processo de inventário padece de graves nulidades, e têm de facto que ser consideradas as questões suscitadas pela Recorrente.

LXVII. Como consta dos autos, até 25.03.2019, a Recorrente não teve qualquer intervenção nos autos de inventário, como consta dos mesmos.

LXVIII. Mas estava a Recorrente em erro, por estar convencida que a Dra. JJ, Il. Advogada, patrona que lhe fora nomeada, estaria a agir de acordo com os interesses e direitos da Recorrente, que assim foi expressamente declarado por aquela. Processo:

LXIX. Nunca foi nem vontade, nem desejo, nem determinação da Recorrente não participar nos presentes autos e muito menos permitir o absoluto roubo e assalto ao património dos seus pais e ao seu quinhão hereditário.

LXX. A Recorrente nada fez, por si mesma, até à presente data por ter a convicção plena que a Dra. JJ, Il. Advogada, estava a atuar em seu nome e representação, como declarou que o fazia e como era sua obrigação legal e deontológica.

LXXI. Pelo que é evidente que a Recorrente esteve, desde o início dos presentes autos, em erro, compreensível e desculpável.

LXXII. O homem médio, colocado nas mesmas circunstâncias que a Recorrente teria a mesma convicção e comportamento.

LXXIII. Não obstante o disposto no art. 249º do CPC, a verdade é que a Recorrente não teve de facto qualquer conhecimento das notificações que lhe foram dirigidas e que, por indicação da Dra. JJ, Il. Advogada, as não recebeu.

LXXIV. E, por isso, porque não foram efetivamente recebidas, como consta dos autos, as mesmas não devem ser consideradas como eficazes quanto à Recorrente, o que se requer, tudo com as legais consequências, por força do erro em que estava a Recorrente.

LXXV. A Recorrente desconhecia quer que ao não receber as notificações que lhe eram dirigidas, tinha o mesmo efeito como se as recebesse e tomasse conhecimento do seu teor,

LXXVI. E desconhecia igualmente a Recorrente que a Dra. JJ, Il. Advogada nomeada, nada tinha feito nos presentes autos.

LXXVII. A própria Cabeça-de-Casal bem sabe que a Recorrente queria intervir nos presentes autos, porque sempre se interessou pela herança dos pais, desde o óbito dos mesmos, e que, de forma alguma, a Recorrente concordaria com o que se veio a verificar.

LXXVIII. Nos termos configurados pelos arts. 246º, 247º, 251º e 252º, todos do Código Civil, verificou-se erro, na declaração da Recorrente, aqui consubstanciado no seu silêncio ao longo dos presentes autos, em virtude da desconformidade entre a vontade real e a vontade declarada (silêncio), o que desde já se invoca, tudo com as legais consequências.

LXXIX. Pelo que, também por esta via, deve ser decretada a nulidade de todo o processado, desde a citação da Recorrente, cfr. art. 359º do CC e art. 291º do CPC, o que se requer, com as legais consequências.

LXXX. Nos termos do disposto no art. 2101º, n.º 2 do CC, o direito de partilhar é um direito indisponível, pelo que, não está na disponibilidade das partes afastá-lo ou não exercê-lo.

LXXXI. Tal indisponibilidade tem subjacente um princípio de interesse e ordem pública, pelo que a sua violação importa a nulidade, nos termos do disposto no art. 280º do CC.

LXXXII. Assim, também por esta via, é nulo todo o processado posterior à citação da Recorrente, na medida em que ferido, ainda que não querido e desconhecido pela Recorrente, da manifestação e exercício do seu direito de partilhar.

LXXXIII. A Recorrente alegou e juntou prova documental apta a demonstrar que a Cabeça-de-Casal conhece os pretensos proponentes na aquisição do imóvel em causa.

LXXXIV. O Exmo. Sr. KK e a Exma. Sra. LL são amigos chegados da Cabeça-de-Casal, sendo suas visitas de casa e companhia para passeios, convívios, etc, conforme doc. n.º 1 junto com o referido requerimento.

LXXXV. O Exmo. Senhor CC é o companheiro da Cabeça-de-Casal há cerca de 10 (dez) anos, que vivem como de marido e mulher se tratassem, igualmente conforme doc. n.º 1 e 2 junto com o requerimento de 25.03.2019.

LXXXVI. A reclamação contra a relação de bens pode ser apresentada a todo o tempo, até ao trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha.

LXXXVII. O que a Recorrente fez, com o requerimento de 25.03.2019.

LXXXVIII. Considerando as questões suscitadas pela Recorrente e a sua importância e influência da decisão e objeto do processo, impõe-se a sua apreciação.

LXXXIX. Incorreram as decisões impugnadas na violação e/ou incorreta interpretação e aplicação do disposto nos arts. 240º, 246º, 247º, 251º, 252º, 280º, 359º e 2101º, n.º 2, todos do Código Civil, arts. 154º, 187º, 191º, 195º, 196º, 198º, 200º, 219º, 291º, 411º e 607º, n.º 4 e 5, todos do CPC, arts. 4º, 16º, 28º, 29º, 32º, 45º, 47º, 57º e 82º, todos do RJPI, arts. 8º, 20º, n.ºs 1, 4 e 5 e 205º, todos da CRP e art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

XC. Impondo-se, por tudo o supra exposto a revogação das decisões impugnadas.

Termos em que e sempre, invocando-se o douto suprimento desse Venerando Tribunal deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, determinada a nulidade de todo o processado após a citação da Recorrente, tudo com as legais consequências.

Caso assim não se entenda, subsidiariamente, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, declarada a nulidade da adjudicação à Cabeça-de-Casal dos bens correspondentes às verbas n.º 2, 3, 4, 5 e 6 da ulterior relação de bens apresentada, bem como declarada a nulidade da venda do imóvel correspondente ao artigo matricial n.º ...25, da freguesia ..., concelho ..., por simulação, tudo com as legais consequências.

Caso assim não se entenda, subsidiariamente, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ordenada a apreciação do requerimento apresentado em 25.03.2019, tudo com as legais consequências. (…).

Ainda sobre o requerimento acima referido – o dirigido ao Cartório Notarial – veio este Tribunal da Relação declarar-se incompetente em razão da hierarquia, para dele conhecer, tendo ordenado que os autos baixassem ao Cartório Notarial em causa para dele conhecer.

Foi apreciado o requerimento em causa pela Exma Notária que o indeferiu totalmente.

4 – Apelou, então, a interessada AA dessa decisão, tendo concluído as respetivas alegações nos seguintes termos: (…).

XLVII. A Cabeça-de-Casal atuou em manifesto abuso de direito, aproveitando-se da ausência e não intervenção da Recorrente – repita-se novamente, não querida e desconhecida por esta – para preencher o seu quinhão hereditário com bens cujo valor real é muito superior ao da adjudicação.

XLVIII. A Cabeça-de-Casal declarou pretender a venda a terceiro de um bem imóvel, para assim conseguir o mesmo através do seu companheiro, por valor muito inferior ao real e até ao patrimonial.

XLIX. As únicas 3 (três) pretensas propostas apresentadas para a aquisição do bem imóvel em causa foram apresentadas por amigos próximos e pelo companheiro da Cabeça-de-Casal.

L. E, surpreendentemente, ou não, a proposta vencedora, de aquisição de um bem imóvel, cujo valor patrimonial é de € 45.450,00, pelo ridículo valor de € 10.500,00, foi apresentada precisamente pelo companheiro da Cabeça-de-Casal, que rapidamente se apressou a aceitar.

LI. Esta aceitação, por isso, é desde logo suscetível de causar estranheza, no mínimo.

LII. Uma vez que a venda de um bem imóvel com o valor patrimonial de € 45.450,00, pelo montante de € 10.500,00, é no mínimo suspeito.

LIII. Porquanto a sentença que homologou a partilha ainda não transitou em julgado, e que a mesma deverá ter em consideração o valor atual das verbas em causa, sob pena de prejuízo para os adquirentes, injusta composição do litígio e da decisão final não corresponder à situação real no momento da decisão, deve ser anulada.

LIV. As evidências supra descritas, patentes no requerimento de 25.03.2019, impõem a sua consideração, uma vez que demonstram, de forma cabal e inequívoca o desequilíbrio da partilha.

LV. E é nesta sede que tal tem de ser considerado e não em ação autónoma.

LVI. Uma vez que o processo de inventário destina-se a uma justa e equitativa partição do património hereditário. (…).”.

10. Na fundamentação do Acórdão a que se alude em 8. refere-se, para além do mais, o seguinte:

“6 - Na sequência do acórdão que foi proferido por este Tribunal da Relação nos presentes autos dever-se-á iniciar a apreciação dos recursos interpostos pela interessada AA pelo que incide sobre o despacho da Exma Notária que indeferiu na íntegra o requerimento por ela apresentado em 25/03/2019 e, apenas na sua improcedência, e relativamente às questões que não se configurem como comuns relativamente a esse recurso, havendo-as, se deverá apreciar a apelação sobre o despacho de homologação da sentença de partilha.

Referentemente àquele recurso, e que importa aqui desde já decidir, resulta do confronto da decisão proferida pela Exma Notária e das conclusões das respetivas apelações, constituir objeto do mesmo a apreciação das seguintes questões:

A- a nulidade dessa decisão, nos termos do als. b) e d) do n.º 1 do art. 615º CPC, por ausência de fundamentação e por omissão de pronúncia;

B- a nulidade de todo ou parte do processo de inventário, pelos seguintes motivos:

- por falta de citação da apelante;

-por não ter sido adiada a conferência preparatória, apesar da ausência da apelante;

-por não ter sido dada sem efeito a conferência de interessados, com designação de nova data para a respetiva realização, não obstante não existir então nos autos a confirmação da notificação da apelante para a mesma;

- por falta de notificação da mesma relativamente aos demais atos /diligências;

C- a tempestividade da arguição, no requerimento de 25/3/2019, das nulidades decorrentes dessas não notificações, tempestividade essa advinda das seguintes circunstâncias, cuja apreciação corresponderá a outras tantas sub-questões:

- por não se poder considerar o requerimento apresentado em 21/11/2018 pelo Sr. Dr. MM como efetiva e real intervenção da apelante; 

- porque os atos nulos não podem ser renovados, nem sanados, independentemente da arguição;

- porque se verificou erro da apelante em função da conduta da Il. Patrona que lhe foi nomeada, devendo esse erro ser apurado nos presentes autos;

- por abuso de direito da cabeça-de-casal ao ter-se aproveitado da ausência e não intervenção da apelante para preencher o seu quinhão hereditário com bens cujo valor é notoriamente superior ao da adjudicação e, ao ter adquirido indiretamente em seu beneficio a verba n.º 4 da relação de bens através da venda que potenciou, por valor muito inferior ao real, ao seu companheiro;

- em função do dever oficioso de corrigir a repartição desigualitária e não equitativa do acervo hereditário, sob pena de ofensa à ordem pública e bons costumes;

D) a tempestividade da reclamação contra a relação de bens.

(…).

Havendo apenas dois interessados num processo de inventário, o desinteresse de um deles no processamento do processo facilmente pode redundar no resultado de que aqui a apelante se queixa – o interessado não revel aproveitar-se da ausência daquele para preencher o seu quinhão hereditário com bens imóveis cujo valor é notoriamente superior ao da adjudicação. Bem como, pode agir como a apelante refere relativamente a uma das verbas, dissimulando o seu real interesse nesse bem através da sua venda por propostas em carta fechada a um proponente fictício.

Saber se há um dever oficioso por parte do Juiz (ou do Notário) na correção da repartição desigualitária e não equitativa do acervo hereditário que assim venha a ser obtida pode ser questão discutível, mas desde logo levanta a interrogação, de difícil resposta, a respeito de saber quão desigualitária ou não equitativa se tem que apresentar essa repartição para esse efeito.

Parece-nos antes, que o devido processamento do inventário e a atuação interessada dos interessados nele obvia àquele resultado, sendo de rejeitar intervenções corretivas por parte do Juiz ou Notário, ainda que em nome de ofensa à ordem pública e bons costumes.

Já atrás se deixou referido que na concreta situação dos autos se entende que a Exma Notária antes de prosseguir na realização da conferência de interessados e perante a ausência de um dos dois, se deveria ter certificado se a ausente estava notificada para esse ato, sendo que, se não tivesse meio de o saber, deveria ter dado sem efeito aquela diligência e marcar nova data para a mesma.

Não o fez, porém, deixando prosseguir a conferência, com o resultado dela advindo, vindo a verificar-se que a referida interessada ausente, aqui apelante, estava efetivamente notificada para a diligência, pois, tendo-lhe sido possível levantar no correio a carta que lhe fora enviada com essa finalidade, optou por não o fazer.

Quando assim é não se vê que o Juiz (ou Notário) hajam de ser mais papistas que o Papa.

De todo o modo, e mais uma vez, na situação concreta dos autos, a questão em referência acaba por perder relevância autónoma, desde o momento em que o patrono oficioso da apelante veio aos autos reclamar o pagamento das tornas por depósito, com o conteúdo que a esse ato se deu acima.

Não obstante esse entendimento, e continuando a entender não ser possível desconsiderar esse requerimento para o efeito de sanar as pretendidas nulidades, como já se expôs, entende-se ser de admitir que desde o momento em que, efetivamente, do mesmo não consta o IBAN da apelante de modo a tornar operante o pagamento das tornas e, como notificada para o indicar, a mesma não o fez, se tenha ainda como possível para a interessada/apelante o exercício das opções alternativas que resultam do disposto no art. 61º do RJPI, para o que deve ser notificada.

Veja-se, aliás, que do mapa de partilha de fls. 209 apenas consta, «notifique-se ainda a interessada a quem cabem tornas para reclamar o pagamento das mesmas».

A possibilidade que se entrevê, torna prematura a organização do mapa de partilha definitivo, devendo ter lugar o mapa informativo a que se refere o art. 60º do RJP, que, aliás, perante as tornas devidas, deveria, de todo o modo, ter tido lugar nos autos.

O que significa que foi prematura também a prolação da sentença homologatória do mapa de partilha, que, por isso, se anula, bem como, antecedentemente, o mapa de fls. 209.

Com o que resultam prejudicadas as questões a conhecer no recurso interposto pela apelante da sentença homologatória da partilha que se não reconduzam às acima decididas no âmbito do recurso interposto da decisão proferida relativamente ao requerimento de 25/3/2019.

Cabe por fim decidir a última questão – a de saber se é ainda possível à aqui apelante reclamar da relação de bens.

Assim o pretende a apelante entendendo possível fazê-lo mesmo depois de proferida a sentença homologatória da partilha.

A respeito dessa matéria referia o art. 32º/5 do RJPI: «As reclamações contra a relação de bens podem ainda ser apresentadas até ao inicio da audiência preparatória, sendo o reclamante condenado em multa, exceto se demonstrar que não a pode oferecer no momento próprio, por facto que não lhe é imputável».

É bem clara a norma em questão relativamente ao terminus do prazo para apresentar reclamações contra a relação de bens – o início da audiência preparatória.

Não há como, salvo melhor opinião, entender possíveis tais reclamações até ao trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, como sucedia no âmbito do art. 1348º do CPC. (…).”.

11. No dia 6 de dezembro de 2021 os autos de inventário foram remetidos ao Cartório Notarial para os fins indicados pelo Tribunal da Relação de Coimbra no Acórdão mencionado em 8. a 10..

12. Por sentença proferida a 26 de abril de 2022, transitada em julgado no dia 1 de junho de 2022, foi homologada a partilha constante do mapa junto aos autos de inventário n.º 268/19...., tendo sido adjudicados às interessadas os respetivos quinhões.

13. Do mapa da partilha a que alude a sentença mencionada em 12. consta, para além do mais, o seguinte:

“Imóveis – Verba dois (valor € 10.500,00,00 - € 514,50 de honorários pagos à Agente de Execução encarregada da venda = valor € 9.985,50)

Verba três (valor – 21.430,00)

Verba quatro (valor – € 50,00)

Verba cinco (valor – € 33,00)

Verba seis (valor – € 3,00)

Verba sete (valor – € 1,00)

Valor total – € 31.502,50.

Móveis – Verba oito.

- Valor – € 2.500,00. (…).

Considerando a proposta em carta fechada apresentada pela cabeça-de-casal na conferência de interessados e o pedido de adjudicação feito pela interessada, AA, no seu requerimento de 13/01/2022, procede-se às adjudicações pela seguinte forma:

Pagamentos

- São adjudicados à cabeça-de-casal, BB, os bens das verbas quatro, cinco, seis, sete e oito e metade do bem da verba três da Relação de Bens, (…) leva a menos do que o seu direito, o valor de quatro mil e dois euros e cinquenta cêntimos (…), que tem a receber de tornas.

- São adjudicados à interessada, AA, metade do bem identificado na verba três da Relação de Bens, (…), leva a menos do que o seu direito o valor de cinco mil novecentos e oitenta e três euros e dois cêntimos (…), que tem a receber de tornas. (…).”

Da alegada ofensa do caso julgado formal que se formou sobre a decisão de 19.11.2020 onde se determinou a suspensão da instância

Alega a apelante que a decisão recorrida que sustenta a procedência da exceção inonimada da inadmissibilidade do meio processual utilizado pela A. com base no entendimento de que as questões suscitadas nos presentes autos consubstanciam questões conexas com o processo de inventário e como tal apenas no referido inventário poderiam ser apreciadas, a não ser que o conhecimento de tais  questões tivesse sido relegado para os meios processuais comuns no processo de inventário, viola o caso julgado que se formou sobre o despacho proferido na audiência prévia realizada em 19.11.2020.

Mais invocou que, que, pese embora o despacho de 19.11.2020 tenha declarado a  suspensão da instância até que transitasse em julgado a sentença homologatória de partilha proferida no âmbito do processo n.º 268/19...., as circunstâncias e pressupostos que sustentam uma e outra decisão são os mesmos. Para sustentar o alegado, a apelante transcreveu  parcialmente a decisão de 19.11.2020, sublinhando as passagens que, em seu entender,   se mostram contrariadas pela decisão recorrida e que são as seguintes, mantendo-se o sublinhado aposto  pela apelante:

“confrontado o que está em discussão na presente ação e o processo de inventário, não podemos dizer que o processo de inventário está em causa a apreciação de uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada na decisão da presente ação. De facto, já foi proferida sentença homologatória de partilha e a venda objeto da presente ação foi efetuada no âmbito do processo de inventário e, portanto, não está em discussão qualquer questão que possa modificar uma situação jurídica que tem que ser considerada na presente ação.

(…)

Assim, embora no inventário não se discuta qualquer questão que possa modificar uma situação jurídica a ser apreciada nos presentes autos até porque já foi proferida sentença homologatória de partilha, a verdade é que a decisão do recurso interposto da sentença homologatória de partilha é suscetível de modificar a situação jurídica pressuposto da presente ação. 

(…)

Por isso, conclui-se que não sendo o processo de inventário causa prejudicial da presente ação, a verdade é que na sequência da interposição de recurso da sentença homologatória de partilha com a invocação de nulidades várias, pode o negócio jurídico em causa nos presentes autos ser anulado o que implicaria que esta ação ficaria sem objeto. Esta situação justifica a suspensão da instância.”.

            Os apelados, embora tenham contra-alegado, não se pronunciaram concretamente sobre esta questão, limitando-se a invocar que esta ação constitui uma repetição da ação de processo comum que no  dia 6 de novembro de 2019, a A. instaurou no Juízo Central Cível, à qual foi atribuído o  número 1730/19..., nos termos da qual foi solicitada “a anulação da partilha efetuada no âmbito do Proc. N.º ...3/16, que correu termos no Cartório Notarial ... da Dra. FF”, tendo a A.,  como fundamento das pretensões por si formuladas, alegado os mesmos factos que constituem a causa de pedir invocada na petição inicial por si apresentada nos presentes autos. Consequentemente, a instauração da presente ação declarativa sempre constituiria uma repetição da ação de processo comum atrás identificada, nos termos e para os efeitos indicados no artigo 581º do CPC, razão pela qual se imporia concluir pela verificação da exceção dilatória de litispendência ou da exceção dilatória de caso julgado, consoante ainda não tenha sido ou já tenha sido proferida decisão final transitada em julgado no âmbito da referida ação de processo comum.

                                                                       *

Pressuposto essencial da violação do caso julgado formal é que uma pretensão já decidida, em contexto meramente processual, e que transitou, seja objeto de repetida decisão (cfr. se defende no Ac. do STJ de 08.03.2018, proc. 306/14.7TBACB-T.C1.S1).   Se assim for, a segunda decisão deve ser desconsiderada por violação do caso julgado formal assente na prévia decisão.

Tal entendimento resulta do artº 625º do Código de Processo Civil que dispõe:

“1. Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar.

 2. É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual”

A decisão recorrida apreciou esta  questão – violação de caso julgado formal - pois que a apelante a suscitou no requerimento em que se pronunciou sobre a possibilidade do tribunal vir a julgar procedente a exceção da inadmissibilidade processual, em resposta à notificação que lhe foi feita, em cumprimento do disposto no artº 3º, nº 3 do CPC, nos seguintes termos:

Já no que concerne ao invocado caso julgado formal resulta do disposto no artigo 620º, n.º 1, do CPC, que “as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo”.

Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, em anotação ao preceito legal citado, “o caso julgado formal, por oposição ao caso julgado material, restringe-se às decisões que apreciam matéria de direito adjetivo, produzindo efeitos limitados ao próprio processo e, ainda assim, com algumas exceções, designadamente a que decorre do art. 595º, n.º 3, quanto à apreciação genérica de nulidades e exceções dilatórias (cf. notas 4 e 5 ao art. 595º). Despacho que recai sobre a relação processual é todo aquele que, em qualquer momento do processo, aprecia e decide uma questão que não seja de mérito (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anot., vol. II, 3ª ed., p. 753).”.

Ora, o despacho proferido a 19 de novembro de 2020 no âmbito da audiência prévia realizada na presente ação declarativa versou sobre a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da sentença homologatória de partilha proferida no processo de inventário n.º 268/19...., nele não tendo sido apreciada a verificação de qualquer exceção dilatória, nem, sequer, consignada genericamente a inexistência de exceções que obstassem ao prosseguimento dos autos.

Deste modo, não se vislumbra em que medida o caso julgado formado pelo despacho a que se aludiu poderia impedir a apreciação da exceção dilatória inominada consistente na inadmissibilidade do meio processual utilizado pela Autora.

Na verdade, no decurso da audiência prévia realizada a 19 de novembro de 2020 não foi proferido despacho saneador, mas apenas o despacho a que já se aludiu, nos termos do

qual foi declarada a suspensão da instância (cfr. ata a que corresponde a referência n.º 32692320).

Citando novamente Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa dir-se-á que “o caso julgado apenas se forma relativamente a questões ou exceções dilatórias que tenham sido concretamente apreciadas e nos limites dessa apreciação, não valendo como tal a mera declaração genérica sobre a ausência de alguma ou da generalidade das exceções dilatórias”.

Nestes termos, não tendo a exceção dilatória a que se tem vindo a aludir sido apreciada no despacho proferido em sede de audiência prévia, nem constando, sequer, dos autos qualquer declaração genérica sobre a ausência de alguma exceção dilatória, dúvidas não restam de que o caso julgado invocado pela Autora não obsta ao conhecimento da referida exceção dilatória inominada.

Pelo contrário, o prosseguimento da presente ação declarativa é que poderá encontrar-se inviabilizado também em consequência da verificação da exceção dilatória de caso julgado ou, eventualmente, de litispendência.

Na verdade, em face da homologação, por sentença transitada em julgado, da partilha efetuada no âmbito do processo de inventário número ...3/16, afigura-se inequívoco que o resultado visado pela Autora com a instauração da presente ação declarativa (declaração de nulidade da venda realizada nesse processo e subsequente reintegração do prédio urbano atrás identificado no acervo patrimonial a partilhar) não poderia vir a ser alcançado, sob pena de violação do caso julgado formado pela referida sentença homologatória.”

            Afigura-se-nos que a decisão recorrida decidiu bem.

A força obrigatória das decisões que gozam de caso julgado formal é absoluta: mantém-se mesmo que o juiz seja substituído por outro ou o processo seja remetido para outro tribunal. Tampouco pode ser afastada por uma mera invocação do princípio da adequação formal, do artigo 547.º.[1]

A decisão de 19.11.2020 não apreciou a questão que veio a ser apreciada no despacho saneador recorrido, concluindo pela inadmissibilidade do meio processual utilizado pela A.. Aquele despacho apenas conheceu da questão de se saber se a decisão do recurso interposto da sentença que homologou a partilha e de vários outros despachos interlocutórios proferidos precedentemente, justificava a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha proferida no âmbito do processo 268/19, tendo se entendido que a justificavam.

Nem da decisão nem dos pressupostos em que assenta a decisão, se pode concluir no sentido defendido pela apelante.

O que se decidiu no despacho de 19.11.2020 não vincula que o juiz que o proferiu ou outro que o venha a substituir, como aconteceu até no caso,  não possa decidir pela inadmissibilidade do meio processual empregue, nem pela procedência de qualquer  pressuposto processual, como a falta da capacidade judiciária ou de legitimidade. Em momento algum, o despacho de 19.11.20  se pronunciou sobre a admissibilidade do meio empregue, nem sobre qualquer pressuposto processual.

Quando se diz no despacho de 19.11.2020 que, se o recurso for procedente, a ação fica sem objeto, tal afirmação não é um reconhecimento de que o meio processual é o próprio, mas apenas a constatação de que, se recurso for julgado procedente e a venda anulada, esta ação, onde se pede que a venda seja declarada nula, deixará de fazer sentido.

Não assiste, assim,  razão à apelante.

            - Da alegada inadmissibilidade do meio processual utilizado pela A. na presente ação 

            No despacho saneador recorrido conheceu-se da questão de modo pormenorizado, ao longo de 40 páginas,  com citações, a propósito,  de diversos arestos.

            Alega a apelante que o acórdão desta Relação de 12.10.2021 que teve por objeto o recurso interposto da sentença homologatória proferida no inventário e de várias decisões interlocutórias, onde a A. e a sua irmã, a ora R. e apelada, são as únicas interessadas e também o recurso interposto do despacho da Exmª Notária que indeferiu o requerimento por si apresentado em 25.03.2019, é omisso quanto à questão suscitada nestes autos. No entender da apelante, o excerto do Acórdão desse Tribunal da Relação, de 12.10.20121, proferido nos recursos do processo de inventário transcrito na sentença recorrida, no ponto 10,  não consubstancia qualquer afastamento da possibilidade de vir a ser declarada a nulidade da venda do imóvel em causa nestes autos. Tal questão, suscitada em sede de recurso, foi considerada prejudicada pela decisão proferida.

Concluindo a apelante que, consequentemente, nada impede a Recorrente de suscitar, através da presente ação, a nulidade por simulação na venda do imóvel em causa nestes autos, através da ação declarativa, como o fez.

Acresce ainda que, se fosse apenas admissível discutir-se questões conexas com o processo de inventário nos meios comuns quando as partes para aí fossem remetidas por decisão expressa naquele processo proferida, nenhum sentido, utilidade ou aplicação teria a alínea a) do nº 1 do artº 1092º do CPC, sendo que no caso nem está em causa a definição dos bens que integram o acervo hereditário.

            Vejamos:

            Pretende a apelante com a presente ação que seja declarada a nulidade da compra e venda realizada por escritura celebrada no dia 30 de Maio de 2018, lavrada a fls. 86 a 87 do Livro de Escrituras Diversas nº ...20 do Cartório Notarial da Dra. NN,  na qual foram intervenientes como vendedor, a encarregada da venda nomeada nos autos de inventário e o R. na presente ação e ordenada a restituição deste bem à herança aberta por óbito de DD e de EE.

            O bem em questão e objeto de venda pelo valor de 10.500,00 é o prédio urbano sito na Rua ..., freguesia ..., inscrito na matriz sob o artº ...25º e descrito na CRP ... sob o nº ...97 da freguesia ..., prédio este que integrava a relação de bens que foi apresentada pela cabeça de casal, a ora R.,  no inventário judicial por esta instaurado.

            Ao referido processo de inventário aplicam-se as regras constantes do DL 23/2013, de 5 de março. Este diploma veio a ser revogado  pela Lei 117/2019, de 13 de setembro, mantendo-se, no entanto, aplicável aos processos de inventário pendentes em cartório notarial à data da sua entrada em vigor, nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 11º da Lei 117/2019, como é o caso do inventário em questão.

            O DL 23/2013 prevê no artº 51º que, caso os herdeiros não tenham interesse na adjudicação de um ou mais bens, podem requerer a sua venda, partilhando então o produto da venda. Estabelece, assim,  o artº  51º do RJPI que os bens não adjudicados mediante propostas em carta fechada são adjudicados por negociação particular, a realizar pelo notário, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Civil quanto à venda executiva por negociação particular.

Ao remeter para a venda executiva, aplicam-se também à venda em processo de inventário, as disposições dos artigos  838º e 839º do CPC que consagram um regime especial de anulação da venda executiva. A  anulação da venda regulada no artº 838º do CPC é restrita ao comprador (artº 838º , nº 1 do CPC).  A venda ficará sem efeito nos casos previstos no artº 839º do CPC, designadamente se for anulado o ato da venda, nos termos do artº 195º do CPC (cfr. artº 839º, nº 1, alínea c)).

            Por requerimento de 25.03.2019  , já depois de proferida a sentença homologatória da partilha, a qual foi proferida em 18.03.2019, mas antes do seu trânsito, veio a aqui apelante suscitar diversos vícios do inventário, designadamente a nulidade de todo o processado por falta de citação.

Este requerimento foi apreciado pela Exmª Notária[2] que o indeferiu totalmente. Dessa decisão a ora apelante interpôs recurso, a acrescer ao recurso que já tinha interposto da sentença que homologou a partilha em 18.03.2019.

No acórdão desta Relação de 12.10.2021, proferido no processo 268/19...., a que se fez referência e que é mencionado nos factos provados da sentença recorrida,  foi decidido iniciar a apreciação dos dois  recursos interpostos pela interessada AA (ora A. e apelante) – da sentença homologatória da partilha e do despacho da Sra. Notária que recaiu sobre o requerimento da referida interessada,  apresentado em 25.03.2019 – pelo recurso do despacho da Sra.Notária que indeferiu na íntegra o requerimento por aquela apresentado em 25/03/2019 e, apenas na sua improcedência, e relativamente às questões que não se configurassem como comuns relativamente a esse recurso, havendo-as, se apreciaria então a apelação sobre o despacho de homologação da sentença de partilha.

E, do confronto das conclusões do recurso interposto pela interessada do despacho que apreciou o requerimento de 25.03.2019 com o decidido no despacho recorrido, entendeu-se no mencionado acórdão que cumpria apreciar as seguintes questões:

“A- a nulidade dessa decisão, nos termos do als b) e d) do nº 1 do art 615º CPC, por ausência de fundamentação e por omissão de pronúncia;

B- a nulidade de todo ou parte do processo de inventário, pelos seguintes motivos:

- por falta de citação da apelante;

-por não ter sido adiada a conferência preparatória, apesar da ausência da apelante; -por não ter sido dada sem efeito a conferência de interessados, com designação de nova data para a respetiva realização, não obstante não existir então nos autos a confirmação da notificação da apelante para a mesma;

- por falta de notificação da mesma relativamente aos demais atos /diligências;

C- a tempestividade da arguição, no requerimento de 25/3/2019, das nulidades decorrentes dessas não notificações, tempestividade essa advinda das seguintes circunstâncias, cuja apreciação corresponderá a outras tantas sub-questões:

- por não se poder considerar o requerimento apresentado em 21/11/2018 pelo Sr Dr MM como efetiva e real intervenção da apelante;

- porque os atos nulos não podem ser renovados, nem sanados, independentemente da arguição;

- porque se verificou erro da apelante em função da conduta da Il. Patrona que lhe foi nomeada, devendo esse erro ser apurado nos presentes autos;

- por abuso de direito da cabeça de casal ao ter-se aproveitado da ausência e não intervenção da apelante para preencher o seu quinhão hereditário com bens cujo valor é notoriamente superior ao da adjudicação e, ao ter adquirido indiretamente em seu beneficio a verba nº 4 da relação de bens através da venda que potenciou, por valor muito inferior ao real, ao seu companheiro;

- em função do dever oficioso de corrigir a repartição desigualitária e não equitativa do acervo hereditário, sob pena de ofensa à ordem pública e bons costumes;

D) a tempestividade da reclamação contra a relação de bens.”    

Constituíam, assim, designadamente, como questões a conhecer, nomeadamente,  o abuso de direito por abuso do direito de ação e a utilização dos  mecanismos legais previstos no processo de inventário, designadamente a venda por negociação particular dos bens que não foram objeto de adjudicação por proposta em carta fechada (artº 51º do RJPI), para prejudicar o outro interessado na partilha e obter vantagens patrimoniais que, de outro modo, não conseguiria obter e o  dever oficioso de corrigir a repartição igualitária dos bens. 

E  sobre o abuso de direito e sobre o alegado dever oficioso de corrigir a repartição igualitária dos bens, escreveu-se, seguinte :”Havendo apenas dois interessados num processo de inventário, o desinteresse de um deles no processamento do processo facilmente pode redundar no resultado de que aqui a apelante se queixa – o interessado não revel aproveitar-se da ausência daquele para preencher o seu quinhão hereditário com bens imóveis cujo valor é notoriamente superior ao da adjudicação. Bem como, pode agir como a apelante refere relativamente a uma das verbas, dissimulando o seu real interesse nesse bem através da sua venda por propostas em carta fechada a um proponente fictício.

Saber se há um dever oficioso por parte do Juiz (ou do Notário) na correção da repartição desigualitária e não equitativa do acervo hereditário que assim venha a ser obtida pode ser questão discutível, mas desde logo levanta a interrogação, de difícil resposta, a respeito de saber quão desigualitária ou não equitativa se tem que apresentar essa repartição para esse efeito.

Parece-nos antes, que o devido processamento do inventário e a atuação interessada dos interessados nele obvia àquele resultado, sendo de rejeitar intervenções corretivas por parte do Juiz ou Notário, ainda que em nome de ofensa à ordem pública e bons costumes.

Já atrás se deixou referido que na concreta situação dos autos se entende que a Exma Notária antes de prosseguir na realização da conferência de interessados e perante a ausência de um dos dois, se deveria ter certificado se a ausente estava notificada para esse ato, sendo que, se não tivesse meio de o saber, deveria ter dado sem efeito aquela diligência e marcar nova data para a mesma.

Não o fez, porém, deixando prosseguir a conferência, com o resultado dela advindo, vindo a verificar-se que a referida interessada ausente, aqui apelante, estava efetivamente notificada para a diligência, pois, tendo-lhe sido possível levantar no correio a carta que lhe fora enviada com essa finalidade, optou por não o fazer.

Quando assim é não se vê que o Juiz (ou Notário) hajam de ser mais papistas que o Papa.”

Concluiu-se, assim, no sempre referido acórdão que não se verificava qualquer situação de abuso de direito que importasse corrigir através da atuação do tribunal, por ter sido a apelante que deu causa à situação – alegado preenchimento pela outra interessada do  seu quinhão hereditário com bens imóveis cujo valor era notoriamente superior ao da adjudicação e alegada dissimulação do seu real interesse num determinado bem, através da sua venda por propostas em carta fechada a um proponente fictício que o veio a adquirir por valor inferior ao seu valor tributário - ao desinteressar-se dos termos do inventário, não levantando as notificações que lhe foram dirigidas e consequentemente, não comparecendo nos autos para os quais fora convocada,  nomeadamente, à conferência de interessados, onde a R. apresentou propostas para a adjudicação de determinadas verbas, não demonstrando aparente interesse pela adjudicação do bem em discussão nesta ação.

É certo que o acórdão recorrido não diz expressamente que a venda não é nula, mas pronuncia-se sobre os factos em que a apelante assenta o abuso de direito, entre os quais o circunstancialismo que envolve a venda e que sustentam também a arguição de simulação, factualidade nas quais se apoia a apelante nos dois recursos que interpôs. É a própria apelante que no recurso interposto no processo 268/19, refere na conclusão XL formulada no recurso da sentença homologatória e de várias decisões interlocutórias que invocou a nulidade por simulação no requerimento de 25.03.2019.

Como se constata do confronto das conclusões das alegações constantes do acórdão de 12.10.2021 e parcialmente transcritas para os factos provados, tanto no recurso  da sentença homologatória da partilha  (conclusões XI a XIX e XXIX e XXX) como no recurso do requerimento de 25.03.2019 (conclusões XLVII a LII) a apelante suscitou a questão do abuso de direito e alegou os factos que, em seu entender, tornavam suspeita a venda efetuada no processo de inventário do imóvel correspondente ao prédio inscrito no artº ...25º da freguesia ..., concelho ..., concluindo, no recurso da sentença homologatória pela nulidade da partilha (artº 280º do CC), pela nulidade da adjudicação das 5 verbas que identifica  à ora R. e pela nulidade da venda do imóvel e, no recurso do despacho que recaiu sobre o seu requerimento de 25.03.2019, concluindo pela  anulação da sentença homologatória, o que conduziria também à anulação da partilha por esta homologada.

            Note-se que, como se refere no acórdão, com a procedência parcial do recurso interposto do despacho que recaiu sobre o requerimento da interessada AA de 25.03.2019, só resultaram “prejudicadas as questões a conhecer no recurso interposto pela apelante da sentença homologatória da partilha que se não reconduzam às acima decididas no âmbito do recurso interposto da decisão proferida relativamente ao requerimento de 25/3/2019 (sublinhado nosso).”, ou seja as questões que eram comuns foram conhecidas, só ficando prejudicadas as demais. Consequentemente, sendo os factos, de acordo com as conclusões, os mesmos, poder-se-ia entender que o acórdão conheceu da questão que a apelante diz ter sido prejudicada. Mesmo que os factos não sejam qualificados de modo idêntico em ambos recursos, a diferente qualificação jurídica não obsta à identidade dos  fundamentos. 

Mas ainda que assim não se entenda e se considere que a questão não foi apreciada, tendo ficado prejudicado o seu conhecimento pela decisão proferida sobre o recurso do despacho que se pronunciou sobre o requerimento da apelante de 25.03.2019 e que o julgou parcialmente procedente, procedendo à anulação do mapa de partilha definitivo, ordenando a elaboração do mapa informativo a que se refere o artº 60º do RJPI, aprovado pela Lei 23/2013 e na sua sequência, a notificação da apelante para exercer as faculdades previstas no artº 61º do referido diploma legal, posteriormente e, após cumprimento do ordenado, foi proferida nova sentença homologatória da partilha, em 26.04.2022 que transitou em julgado, partilha em resultado da qual foram adjudicados à R. os bens constantes das 5 verbas discriminadas e se repartiu o valor resultante da venda do bem pelas duas únicas herdeiras, deduzido das despesas apresentadas pela encarregada da venda.

A partilha judicial homologada por sentença em processo inventário, sujeita ao escrutínio e chancela do tribunal, enquanto ato de jurisdição afirmada, não segue o regime geral de impugnação dos negócios jurídicos, previsto nos artigos 285º e seguintes do Código Civil, admitindo o legislador poucas e tipificadas situações que justificam a sua alteração (cfr. se defende no Ac. do TRL de 22.03.2022, proferido no  proc.433/19.9T8PDL-A.L1.7).

            No caso a A. até alegou no processo de inventário os factos que veio invocar nesta ação, só tendo tido sucesso parcialmente nos vícios que invocou.  Mas mesmo que não os tivesse invocado, não poderia agora vir invocar vícios ocorridos na sua pendência, pretendendo a anulação da partilha nele efetuada, por força do efeito preclusivo do caso julgado.  A extensão do caso julgado abrange não só os fundamentos invocados pelo autor, mas também os meios de defesa invocados pelo réu , as exceções invocadas e até as que poderia ter invocado e não invocou, pois toda a defesa deve ser deduzida na contestação, contra o pedido deduzido, desde que relativos à relação controvertida, tal como ela existia à data da sentença. Se a nova ação ou a defesa na nova ação se fundamentarem em factos novos ocorridos após a data do trânsito em julgado da sentença, já não colide com o efeito do caso julgado.

            Também em sede de processo de inventário devem ser abrangidas pelo efeito preclusivo do caso julgado, as questões suscitadas e as que não se suscitaram, mas que poderiam ter sido suscitadas na pendência do inventário.

            O meio próprio para obstar à homologação de uma partilha que se considera não dever ter sido homologada é o recurso.

            Após o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, o modo de obter alterações à partilha efetuada é apenas através da emenda e da anulação da partilha (e eventualmente, nos casos excecionais previstos na lei, o recurso de revisão). As razões de segurança jurídica que o caso julgado visa tutelar, não permitem a   impugnação de uma partilha homologada por sentença transitada em julgado, mediante a  aplicação analógica do artigo 2121º do Código Civil, relativo à impugnação da partilha extrajudicial.

            O Regime Jurídico do Inventário já previa nos artºs 71º a 73º a emenda e anulação da partilha.

            Também os atuais artºs 1126º e 1127º do CPC, aditados ao CPC, pela Lei 117/2019, de 13/09 que alterou os artigos 1082º a 1085 (artº 3º) e aditou os artºs 1097º a 1139º (artº 4º), aditando ao Livro V, o título XVI, denominado processo de inventário (artº 5º, alínea a),  permitem a emenda e a anulação da partilha homologada por sentença transitada em julgado, nos apertados limites aí definidos e que reproduzem, quanto aos fundamentos, o estatuído nos artigos 71º a 73º, havendo apenas diferenças entre o regime precedente e o atual,  relativamente ao modo  a empregar. No regime do DL 23/2013, a  anulação tinha de ser requerida mediante ação própria a apensar ao inventário (artº 72º, nº 2);  atualmente é por meio de incidente deduzido nos próprios autos do inventário (artº 1127º, nº 2 do CPC).

            Na falta de acordo quanto à emenda, o interessado pode requerer fundamentadamente, no próprio processo, que a ela se proceda, no prazo máximo de um ano a contar do conhecimento do erro, desde que o conhecimento seja posterior à decisão (artº 71º do RJIJ aprovado pela Lei 23/2013 e atual artº 1126º do CPC).

            A  partilha, confirmada por sentença homologatória transitada em julgado, só pode ser anulada quando tenha havido preterição ou falta de intervenção de algum dos herdeiros e se mostre que os outros interessados procederam com dolo ou má fé, seja quanto à preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi preparada (artº 72º do DL 23/2013 e artº 1127º nº 1 do atual CPC).

            No caso, a A. até já lançou mão da anulação da partilha, conforme também se assinalou  na sentença recorrida, tendo instaurado no Juízo Central Cível, a ação de processo comum a que foi atribuído o número 1730/19..., nos termos da qual foi solicitada “a anulação da partilha efetuada no âmbito do Proc. N.º ...3/16, que correu termos no Cartório Notarial ... da Dra. FF. Caso assim não se entenda, subsidiariamente, nestes termos e nos melhores de direito, deve a ação ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, condenada a R. a reconhecer a incorreta descrição dos bens imóveis, aqui se incluindo quanto ao valor, bem como a reconhecer quer o excesso, quer a falta de relacionamento de bens que compõem o acervo hereditário, procedendo-se à avaliação dos bens imóveis e à emenda da partilha na referida conformidade com alteração correspondente do mapa de partilha, com a anulação, se disso for caso, da venda do imóvel a que corresponde a verba n.º 4 da primeira relação de bens apresentada[3], (…).” Esta ação, por  despacho de 25 de novembro de 2020,  foi remetida para apensação ao processo de inventário.

Nessa ação, como fundamento das pretensões por si formuladas, a Autora alegou, de acordo com o referido na sentença recorrida,  os mesmos factos que constituem a causa de pedir invocada na petição inicial por si apresentada nos presentes autos. E requereu, nomeadamente, que fosse ordenada  a restituição do referido bem imóvel à esfera jurídica da herança, livre de pessoas, bens e quaisquer ónus e declarada a nulidade do contrato de compra e venda outorgado pela escritura celebrada no dia 30 de Maio de 2018, lavrada a fls. 86 a 87 do Livro de Escrituras Diversas nº ...20 do Cartório Notarial da Dra. NN.

Sendo os sujeitos e as causas de pedir coincidentes e embora, não totalmente coincidentes todos os pedidos formulados, poder-se-ia colocar a questão da litispendência ou do caso julgado (conforme a ação remetida ainda não tenha sido ou já tenha sido decidida por sentença transitada em julgado), como se refere na sentença recorrida,  exceção que só não foi conhecida por se ter julgado procedente a exceção da inadmissibilidade do meio.

            E relativamente à falta de remessa prévia para os meios comuns?

Estabelece o artº 3º, nºs 1 e 4, do regime jurídico do processo de inventário, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5/3, que  compete aos cartórios notariais sediados no município do lugar da abertura da sucessão, efetuar o processamento dos atos e termos do processo de inventário e da habilitação de uma pessoa como sucessora por morte de outra, competindo ao notário  dirigir todas as diligências do processo de inventário e da habilitação de uma pessoa como sucessora por morte de outra, sem prejuízo dos casos em que os interessados são remetidos para os meios judiciais comuns.

De acordo com os nºs  1 e 3 do artº 16º da mesma lei, os interessados são remetidos para os meios comuns, a seu requerimento ou por iniciativa do notário,  sempre que, na pendência do inventário, se suscitem questões que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto e de direito, não devam ser decididas no processo de inventário e no caso de estar pendente causa prejudicial em que se debata alguma das referida questões e o notário pode ainda ordenar suspensão do processo de inventário (16º, nº 2).

            E, por fim, dispõe o artº 17º, nº 2, do RJCI:

“Só é admissível a resolução provisória, ou a remessa dos interessados para os meios judiciais comuns, quando a complexidade da matéria de facto subjacente à questão a dirimir torne inconveniente a decisão incidental no inventário, por implicar a redução das garantias das partes”.

Da decisão do notário que indeferir o pedido de remessa das partes para os meios judiciais comuns, cabe recurso para o tribunal, assim como também cabe recurso do despacho do notário que remeta as partes para os meios judiciais comuns, relativamente a determinada questão.

Ora, no caso as partes não foram remetidas para os meios comuns e suscitaram a questão no processo de inventário, a qual não foi atendida.

O apelante alicerça-se no artigo artº 1092º do CPC, para defender a admissibilidade da presente ação. No domínio do DL 23/2013, a suspensão está regulada no artº 16º, sendo que quando a presente ação foi intentada o processo de inventário ainda estava pendente e era-lhe aplicado o regime do DL 23/2013, por força do disposto no artº 11º nº 2 da L 117/2019.

Mas ainda que se aplicasse o disposto no CPC,  não se vislumbra, nem a apelante o explica, limitando-se a fazer alusão ao preceito legal, que o artº 1092º, nº 1, alínea a) do CPC impeça esta interpretação. Em princípio, o inventário tem potencialidades para apreciar todas as questões de facto e de direito pertinentes que surjam durante a sua pendência, como é o caso das suscitadas pela A.. No recurso que interpôs no processo de inventário, contraditoriamente com o que aqui defende, a A. defendia que as questões em causa,  apenas no processo de inventário podiam ser suscitadas. Apesar disso, não está afastada a possibilidade de se determinar a suspensão da instância nos casos em que a natureza das questões a decidir ou a complexidade da matéria de facto revelem ser inconveniente que a decisão se produza no âmbito de um regime processual menos solene ou menos apto a tratar tais questões, tornando aconselhável o recurso aos meios comuns. Nestes casos, poderá ser decretada a suspensão da instância até que seja proferida a decisão prejudicial (cfr defendem Abrantes Geraldes e outros, CPC anotado, volume II, 2020, pág. 544, a propósito do novo regime, mas que tem aplicação ao revogado).

            Consequentemente, pelas razões expostas, vedado está à apelante, o recurso a esta ação (cfr se entendeu nos Acs. do TRE de 8/2/2018, proc. 90/17.7T8PTG.E1 e de 04.02.2020, proc. 852/19.0T8TNV.E1, onde se consignou “(…) não poderá o tribunal de 1.ª instância pronunciar-se sobre a questão em causa, uma vez que compete ao notário dirimir todas as questões que importem à partilha. Tal impedimento configura uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância (artigos 576.º, n.º 2 e 578.º do CPC)”

            Mantém-se, pelo exposto, a bem fundamentada sentença recorrida.

            Sumário:

(…).

           

            IV – Decisão

            Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e em confirmar a sentença recorrida.

            Custas pela apelante, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

            Notifique.

            Coimbra, 13 de dezembro de 2023





[1] Como defende Rui Pinto, Revista JULGAR, “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias” .
[2] Na sequência de decisão proferida pelo TRC.
[3] Sublinhado nosso.