Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
9/15.0GAAGN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: REINCIDÊNCIA
Data do Acordão: 12/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - INSTÂNCIA LOCAL DE ARGANIL - SECÇÃO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA, PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ART. 75.º DO CP
Sumário: I - A reincidência não se deve concluir dos factos, mas deve incidir sobre factos próprios que a integrem, isto é, devem ser alegados factos que a evidenciem e que preencham os seus pressupostos, atenta a natureza do princípio do acusatório do processo penal, que deve ser submetido ao contraditório.

II - Por isso a não aplicação de forma automática do instituto da reincidência, isto é, não basta que um arguido pratique novo crime doloso, da natureza e circunstâncias definidas no art. 75.º, depois de condenado por sentença transitada em julgado.

III - O elemento material deve ser provado de acordo com as regras gerais do processo, não havendo qualquer presunção, mesmo ilidível, de que a anterior condenação não serviu ao delinquente de prevenção contra o crime.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

No processo supra identificado foi julgado o arguido A... , solteiro, pasteleiro, filho de (...) e de (...) , nascida a 10/2/1985, natural de Santa Comba Dão, titular do cartão de cidadão n.º (...) , residente em (...) – Santa Comba Dão, tendo sido condenado:

1. Pela prática do crime de condução sem habilitação legal, p. p. pelo art. 3.º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro, com referência ao artigo 121.º, do Código da Estrada, e como reincidente, nos termos do disposto nos art. 75.º e 76.º, ambos do Código Penal, na pena de 13 (treze) meses de prisão;

2. Pela prática do crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, por referência ao disposto nos art. 161.º, n.º 1, al. e), e 162.º, n.ºs 1, al. f), 2 e 3, ambos do Código da Estrada, e como reincidente, nos termos do disposto nos art. 75.º e 76.º, ambos do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco) euros, o que perfaz o montante global de € 300,0 (trezentos) euros.

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Inconformado recorreu o arguido, formulando as seguintes conclusões:

«3 -Dir-se-á que aplicação do disposto no artigo 75.° Do CP haveria que ter em conta o n.º 2 de tal artigo, posto que haviam decorrido mais de 5 anos desde a prática do último crime doloso e o ora trazido a julgamento, pelo que se lhe não deveria ter aplicado o regime da reincidência tendo por referência que a sentença de cumulo jurídico foi proferida em 10/3/2010 reportada a processos de 2005 e 2006.

4- Isto porque se é certo que o arguido não compareceu em audiência de julgamento em ordem a explicar das razões da sua conduta ou a poder defender-se da imputação que resultou na acusação, tão pouco se poderia sem mais concluir, salvo o devido respeito para além do dado objetivo de que no dia e hora referido foi visto pelos senhores agentes a conduzir a viatura que estava apreendida, não estando o arguido impedido, mesmo comparecendo em audiência de julgamento, de não prestar declarações sem que o seu silêncio o prejudicasse

5-Já quanto aos motivos, ou razões de tal conduta teria o tribunal, à falta de prova, de não poder dar como provado o elemento subjetivo da conduta delituosa do arguido quanto ao grau de ilicitude e culpa sob pena de violação do princípio in dúbio pro reo.

6- Até porque as testemunhas inquiridas apenas confirmaram que o avistaram a conduzir sem que tenham logrado sequer chegar à fala com o arguido.

7-Nomeadamente desconhecendo se o arguido eventualmente já era ou não portador de habilitação legal para conduzir, independentemente dos antecedentes criminais ou da ausência de prova que por este pudesse ter sido carreada ou se aquele agiu num quadro de necessidade que lhe diminuísse consideravelmente a culpa.

8-Se é certo, como se diz na sentença, não se ter provado qualquer circunstância extraordinária ou excecional para levar o arguido a agir como agiu poder-se-á daí concluir que também se não provou o seu contrário.

9-Ora a medida da pena haveria que estar ajustada ao grau de culpa pelo que se mostra no mínimo controvertido por não provado se o arguido agiu com dolo ou ao invés lhe poderia ver aplicado o in dúbio pro reo.

10-O efeito ressocializador da pena foi neutralizado com a aplicação do regime da reincidência o que, como se alega, atento o decurso do tempo poderia ter sido afastado, até porque o tribunal a quo deu como provada a existência de uma situação laboral que permitiria deixar antever a real possibilidade de reinserção social fora do espaço prisional ainda mais tratando-se de pena de curta duração (13 meses).

11-As exigências de prevenção especial focalizadas na douta sentença numa intenção de pendor claramente punitivo deixam por garantir a aludida necessidade de o arguido poder assegurar o afastamento da ilicitude nomeadamente obtendo habilitação legal para conduzir.

12- E sempre se dirá que o arguido só terá sido condenado anteriormente em prisão efetiva por via do cúmulo jurídico e não pela natureza do crime em si mesmo.

13-Derrogar-se como possível outro tipo de pena é denegar-se ao arguido que em face de um cumprimento de pena efetiva possa agora beneficiar de uma regime punitivo menos gravoso que lhe permita ainda alcançar as necessárias noções de conformidade com as regras jurídicas, podendo ainda infletir o seu percurso de vida sem privação da liberdade, nomeadamente suspendendo a execução da pena mediante injunções como obter habilitação legal para conduzir ou mesmo cumulando tal injunção com pena de multa.

14- Tal petitório é pressuposto de que se entende ter a douta sentença violado os princípios da adequação e proporcionalidade cedendo a um pré juízo de valor da conduta do arguido apenas por referência ao CRC daquele.

15-E por assim ser se entende dever a medida da pena ser alterada e substituída por outra que satisfazendo os propósitos de prevenção geral e especial, afastado que se considere o regime do artigo 75.° por inaplicável, reconduza a punição a um critério ressocializador e não privativo de liberdade por ser de Justiça».

*

Respondeu o Ministério Público na 1.ª instância ao recurso interposto, nos termos do art. 413.º, n.º 1, do CPP, pugnando pela sua improcedência, devendo manter-se as penas aplicadas, por se mostrarem justas e adequadas e se verificar a reincidência relativamente a ambos os crimes.

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Nesta instância, os autos tiveram vista do Ex.mo Senhor Procurador-geral Adjunto, para os feitos do art. 416.º, n.º 1, do CPP, o qual emitiu douto parecer no sentido de que se deve manter a decisão recorrida, designadamente a prisão efectiva aplicada pelo crime de condução sem habilitação legal como reincidente e deve ser revogada na parte em que considera o arguido reincidente pelo crime de desobediência, pois não estão reunidos os pressupostos legais, uma vez que foi condenado em pena de multa.

Porém, entende que a improcedência do recurso, devendo manter-se integralmente a sentença recorrida.

*

Cumprido que foi o disposto no art. 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, foram colhidos os vistos legais, pelo que cumpre decidir.

Vejamos pois a factualidade que consta dos autos:

Factos provados:

«1.º- No dia 03 de Fevereiro de 2015, pelas 22 horas e 20 minutos, o arguido A... conduzia o veículo ligeiro de passageiros de marca Fiat, modelo Uno Van DS, com a matrícula (...) AF, na Rua Comandante Henrique Bebiano Baeta Neves, em Góis, na área desta Instância Local, sem que fosse titular de carta de condução nem de qualquer outro título que o habilitasse para esse efeito.

2.º- O referido veículo automóvel encontrava-se apreendido desde o dia 26 de Dezembro de 2014, uma vez que, nessa data, o arguido havia sido interceptado, a conduzi-lo, pelas autoridades policiais, sem que fosse titular de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.

3.º -Assim, nessa ocasião, a Guarda Nacional Republicana de Góis, além de ter procedido à referida apreensão, entregou aquele veículo ao arguido na qualidade de fiel depositário e mediante a obrigação expressa de não o utilizar, sob pena de incorrer num crime de desobediência.

4.º-Apesar de conhecer essa obrigação, o arguido veio a utilizar o referido veículo, pelo menos, na ocasião supramencionada.

5.º -O arguido bem sabia que não possuía carta de condução e tinha plena consciência de que, para conduzir um automóvel na via pública, tinha de estar habilitado com a respectiva carta.

6.º- O arguido tinha conhecimento dos factos descritos e quis faltar à obediência devida a ordem emanada de autoridade policial competente e que lhe fora regularmente comunicada, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

7.º -O arguido actuou sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram censuradas, proibidas e punidas por lei penal.

8.º -O arguido A... tem antecedentes criminais pela prática de crimes de condução sem habilitação legal e de furto qualificado.

9.º -O arguido A... foi condenado na pena de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão efectiva por sentença de cúmulo jurídico, no âmbito do processo comum singular 97/05.7GBSCD, que correu seus termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, datado de 10 de Março de 2010, referente à prática de crimes de condução sem habilitação legal praticados no âmbito desse processo e no âmbito do processo sumário 813/06.0PTPRT, que correu seus termos no Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, o qual englobou ainda a pena por si sofrida no âmbito do processo comum singular 347/05.0GBSCD, que correu seus termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, referente à prática de um crime de furto qualificado.

10.º -Esteve preso, em cumprimento da mesma até à data em que lhe foi concedida liberdade definitiva, no dia 22 de Janeiro de 2014.

11.º- Estas condenações e o período de tempo que permaneceu preso, manifestamente, não constituíram para o arguido A... suficiente advertência para que não volte/voltasse a cometer crimes.

12.º - O arguido é pasteleiro.

13.º- O arguido tem antecedentes criminais, sendo que do certificado de registo criminal junto aos autos de fls. 92 a 100, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, constata-se a existência de várias condenações pela prática do crime de condução sem habilitação legal, com aplicação e cumprimento de pena de prisão efectiva».

*

II- O Direito

As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o âmbito do recurso.

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, as quais deve conhecer e decidir sempre que os autos reúnam os elementos necessários para tal.

Questões a decidir:

a) Apreciar se estão reunidos os requisitos da reincidência.

b) Apreciar se se justifica a pena de prisão efectiva pelo crime de condução sem habilitação legal e medida concreta das penas aplicadas.

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Apreciando:

a) Da reincidência.

O Ministério Público acusou, nos termos do art. 75.º, do CP, o arguido como reincidente pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. p. pelo art. 3.º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 3/1, com referência ao artigo 121.º, do CE, e de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348.º, n.º 1, al. b) do CP, por referência aos art. 161.º, n.º 1, al. e), e 162.º, n.ºs 1, al. f), 2 e 3, ambos do CE.

A reincidência não se deve concluir dos factos, mas deve incidir sobre factos próprios que a integrem, isto é, devem ser alegados factos que a evidenciem e que preencham os seus pressupostos, dada a elevação de 1/3 do limite mínimo da moldura penal abstracta que advém da sua verificação e atenta a natureza do princípio do acusatório do processo penal, que deve ser submetido ao contraditório.

Neste aspecto a acusação cumpriu aquela exigência legal, independentemente se depois em concreto ela se verificou ou não.

Os pressupostos da reincidência estão consagrados no art. 75.º do CP que dispõe o seguinte:

«1. É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

2. O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de cinco anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas de liberdade. (…)».

Como já referimos as consequências da aplicação da reincidência para o condenado são graves, pois o limite mínimo aplicável ao crime eleva-se de 1/3, permanecendo inalterado o limite máximo, sendo que a agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores, conforme dispõe o art. 76.º, n.º 1, do CP.

Por isso a não aplicação de forma automática do instituto da reincidência, isto é, não basta que um arguido pratique novo crime doloso, da natureza e circunstâncias definidas no art. 75.º, depois de condenado por sentença transitada em julgado.

De facto assim é.

 Se assim não fosse não fariam sentido a reinserção social do arguido e o fim que se pretende atingir com a aplicação das penas.

Então passemos a ver se estão verificados ou não os pressupostos da reincidência.

São pressupostos formais da reincidência a prática de crimes reiterados dolosos, a condenação em penas de prisão efectiva superiores a seis meses, por ambos os crimes, o trânsito em julgado da condenação prévia e o não decurso de mais de cinco anos entre a prática do crime anterior e a prática do novo crime.

Neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha estado em cumprimento de medida processual, pena ou medida de segurança privativa da liberdade (art. 75.º, n.º 1, 1.ª parte e n.º 2).

É pressuposto material da reincidência a culpa agravada do agente, apreciada atentas as circunstâncias concretas do caso, sendo de censurar a sua actuação por a anterior condenação não ter servido de suficiente advertência contra o crime.

Quando a reiteração se deva a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas não deve funcionar a agravação (art. 75.º, n.º 1, 2.ª parte).

É pacífico, quer na doutrina, quer na jurisprudência que a reincidência não opera de forma automática, uma vez verificados os requisitos formais.

O elemento material deve ser provado de acordo com as regras gerais do processo, não havendo qualquer presunção, mesmo ilidível, de que a anterior condenação não serviu ao delinquente de prevenção contra o crime, conforme sustenta Eduardo Correia, citado por Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, 2.ª Ed., UCE, anotação 11 ao art. 75.º, pág. 281.

É este o entendimento que também vem sendo seguido pelo STJ, conforme a título de exemplo Ac. de 1/4/2004 – Proc. 04B483, relatado pelo Conselheiro Santos Carvalho, disponível, in www.dgsi.pt/jstj.  

E nesse sentido se vêm pronunciando os Tribunais de Relação, conforme, entre outros: Ac. do TRC de 30/5/2012 – Proc. 68/10.1GAVGS.C1 e Ac. do TRC de 16/7/2008 – Proc. 480/07.3GAMLD.C, ambos disponíveis in www.dgsi.pt/jtrc e Ac. R.P de 21/2/2007, disponível in www.dgsi.pt/jtrp.

Importa assim que para a verificação do requisito material da reincidência é essencial que se averigúe o modo de ser do arguido, a sua personalidade, bem como a sua postura relativamente aos crimes anteriormente praticados, de modo a poder decidir-se se a condenação ou condenações anteriores lhe serviram de suficiente advertência contra o crime.

Porém, entendemos que o requisito de ordem material da reincidência deve ser de maior exigência quando o arguido se encontre em liberdade, onde as solicitações e as circunstâncias exógenas a que atrás se faz referência são mais diversas para voltar a delinquir.

É para estas situações que normalmente apontam as situações de casos de reincidência e sobre as quais incidiram os arestos dos tribunais superiores atrás mencionados.

Aqui, quando ao arguido se encontra muitas vezes em fase de adaptação à vivência em liberdade, impõem-se um maior rigor em apurar a personalidade do arguido e se de acordo com as circunstâncias concretas do caso, o agente for de censurar por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente advertência contra o crime.

A personalidade do arguido e vontade ou falta de vontade de se pautar por princípios de responsabilidade e de deixar de delinquir, está patente em não ter surtido efeito a pena sofrida, pois persiste na prática do mesmo crime, sendo considerado reincidente se “de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação anterior ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime”, conforme art. 75.º, n.º 1, in fine.

Ora, como consta da factualidade dada como demonstrada:

«(…)    

10.º -Esteve preso, em cumprimento da mesma até à data em que lhe foi concedida liberdade definitiva, no dia 22 de Janeiro de 2014.

11.º- Estas condenações e o período de tempo que permaneceu preso, manifestamente, não constituíram para o arguido A... suficiente advertência para que não volte/voltasse a cometer crimes».

O tribunal a quo considerou verificarem-se os pressupostos formais e materiais.

Numa análise mais atenta entendemos bem que não se mostram verificados os pressupostos formais para ambos os crimes.

Vejamos em concreto a situação do arguido recorrente.

Consta dos factos provados o seguinte:    

«(…)

8.º -O arguido A... tem antecedentes criminais pela prática de crimes de condução sem habilitação legal e de furto qualificado.

     9.º -O arguido A... foi condenado na pena de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão efectiva por sentença de cúmulo jurídico, no âmbito do processo comum singular 97/05.7GBSCD, que correu seus termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, datado de 10 de Março de 2010, referente à prática de crimes de condução sem habilitação legal praticados no âmbito desse processo e no âmbito do processo sumário 813/06.0PTPRT, que correu seus termos no Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, o qual englobou ainda a pena por si sofrida no âmbito do processo comum singular 347/05.0GBSCD, que correu seus termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, referente à prática de um crime de furto qualificado.

     10.º -Esteve preso, em cumprimento da mesma até à data em que lhe foi concedida liberdade definitiva, no dia 22 de Janeiro de 2014».

O arguido sofreu as seguintes condenações:

1. Processo sumaríssimo 21/04.4GBSCD

- Crime: condenação sem habilitação legal.

- Data do crime: 31/1/2004.

- Decisão: 23/4/2004.

- Pena: 60 dias de Multa.

- Trânsito: 23/4/2004.

2. Processo sumário 321/04.3GBSCD

- Crime: condenação sem habilitação legal.

- Data do crime: 1/10/2004.

- Decisão: 26/10/2004.

- Pena: 3 meses de prisão suspensa.

- Trânsito: 10/11/2004.

3. Processo sumário 813/06.0PTPRT

- Crime: condenação sem habilitação legal.

- Data do crime: 26/7/2006.

- Decisão: 24/1/2007.

- Pena: 220 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade.

- Trânsito: 8/2/2007.

4. Processo comum colectivo 347/05.0GBSCD

- Crimes: Furto qualificado e roubo.

- Data dos crimes: 4/11/2005.

- Decisão: 18/1/2008.

- Pena: Em cúmulo jurídico 3 anos e 10 meses, suspensa com regime de prova.

- Trânsito: 9/2/2008.

5. Processo comum singular 257/07.6GBSCD

- Crime: condenação sem habilitação legal.

- Data do crime: 26/11/2007.

- Decisão: 9/7/2008.

- Pena: 11 meses de prisão suspensa.

- Trânsito: 17/10/2008.

6. Processo comum singular 97/05.7GBSCD

- Crime: condenação sem habilitação legal.

- Data do crime: 13/3/2005.

- Decisão: 27/11/2008.

- Pena: Em cúmulo jurídico 2 anos e 2 meses de prisão suspensa.

- Trânsito: 9/1/2009.

- Decisão: 10/3/2010.

- Pena: Em novo cúmulo jurídico 4 anos e 4 meses de prisão (inclui penas do processos sumário 813/06.0PTPRT e comum colectivo 347/05.0GBSCD).

- Trânsito: 8/4/2010.

Como vimos, a reincidência só funciona se o arguido cometer crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses, por anterior crime doloso, não relevando para a reincidência se entre a prática do último crime e a prática do crime pelo qual está a ser julgado tiverem de corrido mais de 5 anos, não sendo computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade. 

Ora os factos da última condenação por crime doloso, punidos com prisão efectiva ocorreram em 4/11/2005, no processo comum colectivo 347/05.0GBSCD, em que foi condenado por crimes de furto e roubo.

O crime de condução sem habilitação legal, praticado nestes autos ocorreu em 3/2/2015.

O arguido só em 10/3/2010 veio a ser condenado no processo comum singular 97/05.7GBSCD em pena efectiva de 4 anos e 4 meses de prisão, em cúmulo jurídico que revogou, segundo de depreende dos autos, pois dos mesmos deviam constar as decisões respectivas, a pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade (sumário 813/06.0PTPRT), a pena suspensa com regime de prova (comum colectivo 347/05.0GBSCD) e a pena suspensa (comum singular 97/05.7GBSCD).

Para efeitos de reincidência releva também a prisão por revogação da suspensão da execução da pena, desde que seja superior a 6 meses, cfr. Leal Henriques e Simas Santos, in Código Penal Anotado, vol. 1.º, Ed. Rei dos Livros, 1997, pág. 598.

Para efeitos de reincidência, não conta a data da conversão da pena em prisão efectiva, mas sim a data dos factos a que se reporta.

O arguido não cumpriu a totalidade da pena de 4 anos e 4 meses de prisão, tendo liberdade definitiva em 22/1//2014.

Resulta daqui, que entre a prática do último crime (4/11/2005) e a prática do crime destes autos (3/2/2015), descontando o tempo durante o qual o arguido cumpriu a pena, decorreram mais de 5 anos, pelo que, nos termos do art. 75.º, n.º 2, do CP, aquele crime não releva para a reincidência, relativamente ao crime de condução sem habilitação legal, p. p. pelo art. 3.º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 3/1, com referência ao artigo 121.º, do Código da Estrada, no qual veio a ser condenado como reincidente, na pena de 13 (treze) meses de prisão.

Relativamente ao crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348.º, n.º 1, al. b) do CP, por referência ao disposto nos art. 161.º, n.º 1, al. e), e 162.º, n.ºs 1, al. f), 2 e 3, ambos do CE é manifesto o lapso, que também não podia ter sido condenado como reincidente, pois foi condenado na pena de 60 (sessenta) dias de multa, quando nos termos do art. 75.º, n.º 1, do CP, é pressuposto que devesse ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses.

Nesta conformidade não podia o arguido ter sido condenado como reincidente por qualquer dos dois crimes.

*

b) Da pena de prisão pelo crime de condução sem habilitação legal e medida concreta das penas

A medida concreta das penas para cada um dos crimes abordar-se-á no item seguinte, por não faz parte do âmbito do recurso a natureza da pena de multa aplicada para o crime de desobediência, uma vez que caiu a agravação da reincidência.

O recorrente apenas questiona a natureza da pena de prisão relativamente ao crime de condução sem habilitação legal.

O crime de condução sem habilitação legal, p. p. pelo art. 3.º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 3/1, com referência ao artigo 121.º, do CE é punível com pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias.

Ora, como primeiro princípio na escolha da pena, o art. 70.º, do CP, dispõe que sendo aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deve dar sempre preferência à segunda sempre que esta se mostre de forma adequada e suficiente a realizar as finalidades da punição, o que no caso dos presentes autos sendo o crime de falso testemunho punível com pena de prisão ou pena de multa, o tribunal deve optar por esta, desde que não se justifique o afastamento da aplicação daquele princípio.

“O tribunal deve optar pela pena alternativa ou de substituição mais conforme com as necessidades de prevenção especial de socialização, salvo se as necessidades de prevenção geral impuserem a aplicação da pena de prisão”, conforme anota ao art. 70.º, Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, 2.ª ED., UCE, pág. 266.

Vejamos a situação concreta dos autos.

O arguido tem 30 anos de idade.

Como verificámos atrás quando tratámos da reincidência o arguido já respondeu por diversos crimes de natureza dolosa, designadamente por furto, roubo e 5 vezes por condução sem habilitação legal.

A intensa actividade delituosa, segundo registo daquelas condenações, tendo sofrido penas de multa, prisão suspensa na sua execução, prisão substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, prisão suspensa na sua execução subordinada a regime de prova, prisão suspensa na sua execução, prisão suspensa na sua execução e depois e cúmulo jurídico efectuado no processo comum singular 97/05.7GBSCD em 4 anos e 4 meses de prisão, no qual foram incluídas as penas suspensas designadamente as aplicadas nos processos sumário 813/06.0PTPRT e comum colectivo 347/05.0GBSCD).

Quer isto dizer que ao arguido já foram dadas todas as oportunidades.

Já lhe foi concedida faculdade de se lhe aplicar todas as modalidades de cumprimento de pena, sempre na procura daquela que melhor se adaptava à sua situação.

O arguido foi absolutamente indiferente e deitou fora as oportunidades concedidas

Há pois razões sérias em termos de prevenção geral e sobretudo de prevenção especial para o tribunal a quo ter optado pela aplicação da pena de prisão, como sinal que o arguido deve entender, de que eventualmente se esgotaram as oportunidades de aplicação de pena não privativa da liberdade.

É pois inquestionável a opção feita pela pena de prisão.

Importa agora aferir da medida concreta da pena de prisão aplicada.

A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40.º, n.º 1 e 2 do CP).

A prevenção e a culpa são pois instrumentos jurídicos obrigatoriamente atendíveis e necessariamente determinantes para balizar a medida da pena concreta a aplicar.

A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração) é a finalidade primeira que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.

Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal. - Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, pág. 55 e seguintes e Ac. STJ 29.4.98 CJ, T. II, pág. 194.

Uma vez escolhida a natureza da pena há que determinar a sua medida concreta, tendo em conta os limites mínimo e máximo apontados pela moldura penal abstracta, devendo o tribunal ter em conta a culpa do agente e as exigências de prevenção, conforme os trilhos apontados pelo art. 71.º, n.º 1, do CP.

E a concretização desse critério para determinar a pena concreta que se pretende justa e adequada a cada caso concreto tem desenvolvimento, na ponderação que o tribunal deve ter, de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, deponham a favor e/ou contra o agente do crime, conforme art. 71.º, n.º 2, do CP.

E aquele preceito prevê, “nomeadamente”, nas al. a) a f), que o julgador deve ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita.

A lei ao referir que se deve atender nomeadamente àquelas circunstâncias, por serem as mais comuns, mais não diz que o tribunal deve atender a outras ali não especificadas, isto é, a todas as circunstâncias susceptíveis de influenciarem a determinação da pena concreta.

No caso dos autos há que atender ao elevado grau de violação dos deveres impostos ao arguido, com total desprezo pela ordem jurídica; a intensidade do dolo; os sentimentos manifestados após o crime, por não adoptar uma conduta de acordo de acordo com as expectativas criadas, violando de forma sistemática os deveres impostos, ao serem-lhe aplicadas penas substitutivas da prisão; A intensidade do dolo é elevada, por se tratar de dolo directo: o arguido representou os factos e actuou com intenção de os realizar.

O passado criminal e as diversas condenações, insistindo o arguido na prática de crime de condução sem habilitação legal, com aplicação de diferentes apenas, a que atrás fizemos referência a propósito da escolha da pena de prisão, são circunstâncias agravantes com forte influência na determinação da medida da pena, revelando acentuada necessidade de prevenção especial.

O arguido, como se constata da acta de audiência de julgamento, nem tão pouco se dignou comparecer ao julgamento, pois limitou-se a telefonar dizendo que não tinha forma de comparecer no julgamento, pois não tinha transporte (fls. 110), sendo certo que estava previamente notificado para o acto.

Resulta dos autos que o arguido é pasteleiro.

As circunstâncias agravantes sobrepõem-se de forma notória às circunstâncias atenuantes.

O tribunal a quo movimentou-se nas seguintes molduras penais abstractas:

Condução sem habilitação legal, p. p. pelo art. 3.º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro, com referência ao artigo 121.º, do CE – prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.

Desobediência, p. e p. pelo art. 348.º, n.º 1, al. b) do CP, por referência ao disposto nos art. 161.º, n.º 1, al. e), e 162.º, n.ºs 1, al. f), 2 e 3, ambos do CE - prisão até 1 ano ou multa até 120 dias.

Mantendo-se a natureza das penas aplicadas para cada um dos crimes: prisão para o crime de condução sem habilitação legal e multa para o crime desobediência, importa ponderar na fixação das mesmas que foi afastada a reincidência para ambos os crimes, o que terá reflexos na redução das mesmas.

Face ao exposto, ponderadas todas as circunstâncias a favor e desfavor do arguido, de acordo com os critérios apontados pelos art. 40.º e 71.º, do CP, mostram-se justas e adequadas as seguintes penas:

Crime de condução sem habilitação legal: 10 (dez) meses de prisão.

Crime de desobediência: 45 (quarenta e cinco) dias de multa, à taxa diária fixada de 5,00€, o que perfaz o montante de 225,00€ (duzentos e vinte e cinco euros).

Relativamente à pena de prisão aplicada pelo crime de condução sem habilitação legal, pelas razões que apontámos na escolha, desde já se afasta a hipótese de deitar mão novamente a qualquer forma de suspensão da execução, cumprimento em qualquer das modalidades de permanência na habitação, por dias livres ou regime de semidetenção ou substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade, por não verificados os pressupostos dos art. 50.º, 44.º, 45.º, 46.º e 58.º, do CP, acompanhando na fundamentação a decisão recorrida a fls. 120.

Nos termos do art. 43.º, n.º 1, do CP, a pena de prisão apesar de ser inferior a um ano, não deve ser substituída por multa ou outra não privativa da liberdade, porque excepcionalmente a execução da prisão é exigida por necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.

E a justificação é clara, impõe-se o cumprimento efectivo da pena de prisão, pois o arguido já experimentou penas de multa, três vezes prisão suspensa na sua execução, prisão substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, prisão suspensa na sua execução subordinada a regime de prova e prisão efectiva tendo-se sempre frustrado os fins de ressocialização que se pretendia com os fins da punição.

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III- Decisão:

Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido, afastando a reincidência, por não verificada para ambos os crimes, e, em consequência, mantendo-se a natureza das penas, as mesmas são reduzidas, face à alteração da qualificação jurídica dos factos, condenando o arguido A... :

1. Por um crime de condução sem habilitação legal, p. p. pelo art. 3.º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 3/1, com referência ao artigo 121.º, do CE, na pena de 10 (dez) meses de prisão;

2. Por um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348.º, n.º 1, al. b) do CP, por referência ao disposto nos art. 161.º, n.º 1, al. e), e 162.º, n.ºs 1, al. f), 2 e 3, ambos do CE, na pena de 45 (quarenta e cinco) dias de multa, à taxa diária fixada de 5,00€ (cinco euros), o que perfaz o montante de 225,00€ (duzentos e vinte e cinco euros).

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Sem custas, nos termos do art. 513.º, n.º 1, do CPP.

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NB: Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do CPP. 

Coimbra, 16 de Dezembro de 2015

(Inácio Monteiro - relator)

 (Alice Santos -adjunta)