Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
216/11.4GAILH.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
PRAZO
Data do Acordão: 02/15/2012
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - JUÍZO DE PEQUENA INSTÂNCIA CRIMINAL DE ÍLHAVO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REJEIÇÃO DO RECURSO
Legislação Nacional: ART.º 411º, N.ºS 1, 3 E 4, DO C. PROC. PENAL
Sumário: Para o recorrente poder beneficiar do prazo de 30 dias para a interposição do recurso não basta dizer na motivação que no recurso se impugna a decisão sobre a matéria de facto.
Se o recurso não tem por objecto a reapreciação da prova gravada, deve ser intentado no prazo normal dos recursos em matéria penal que é de 20 dias.
Decisão Texto Integral:             DECISÃO SUMÁRIA
                                   (artigo 417º/6, alíneas a) e b) do CPP)

Efectuado o devido exame preliminar dos autos, temos como certo que este recurso é extemporâneo, por força das disposições conjugadas dos artigos 411º/1 e 4 e 414º/2, sendo, assim, de rejeitar, nos termos dos artigos 417º/6 a) e b) e 420º/1 b), todos do CPP.
Segue-se, assim, a pertinente DECISÃO SUMÁRIA.


            I - RELATÓRIO
           
1. No processo comum singular n.º 216/11.4GAILH do Juízo de Pequena Instância Criminal de Ílhavo, por sentença datada de 2 de Novembro de 2011, foi deliberado o seguinte:
- condenar o arguido A..., pela prática de um crime de desobediência p.p pelo art. 348º/1 a) do CP, por referência ao artigo 152º/3 do CE,
· na pena principal de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano;
· na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 8 meses, ao abrigo do artigo 69º/1 c) do CP.
                                    
2. Inconformado, o arguido recorreu da sentença, tendo finalizado a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
«1. Impugna-se a decisão sobre a matéria de facto, nos termos dos artigos 412°, n°s.3 e 4, do Código de Processo Penal, na medida em que se considera, como se justificou na motivação, que o 2° do ponto dos factos dados como provados pela
Sentença recorrida está incorrectamente julgado nas partes assinaladas na Motivação do presente Recurso.

2. Consequentemente, deve ser modificada a decisão sobre a matéria de facto nos parágrafos assinalados (vide artigo 431° do Código de Processo Penal) e proceder-se a decisão jurídica em conformidade.
3. A Sentença recorrida violou o artigo 25° do Decreto-Lei 15/93, na medida em que deveria ter procedido à convolação do típico - ilícito do artigo 21° n°1 para o artigo 25º do referido D.L., suspendendo a pena na sua execução, uma vez levadas em linha de conta todas as circunstâncias que levaram à prática do crime, a forma como este foi praticado e as necessidades de prevenção que se verificam concretamente no caso sub judice.
4. A Sentença recorrida violou os artigos 40°; 71°; 72° e 73°, todos do Código de Processo Penal, já que deveria ter atenuado especialmente a pena ao arguido. A pena que lhe aplicou é, por força do disposto nos artigos 72° e 73°, ambos do Código de Processo Penal, claramente desajustada do grau de culpa e do grau de ilicitude da situação concreta sub judice.
Ajustada seria uma sanção acessória não superior a três meses.
5. Ao não decidir desta forma, violou a Sentença recorrida o disposto no artigo 71°, do Código Penal.
Termos em que deve o presente Recurso ser considerado provido nos termos enunciados nas conclusões».

           
3. O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, defendendo a improcedência do mesmo.

            4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, a fls. 141-143, no sentido de que o recurso não merece provimento, remetendo, no essencial, para a resposta da Colega de 1ª instância.

            5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do Código de Processo Penal, cumpre proferir decisão sumária.

                                              
            II – FUNDAMENTAÇÃO
           
1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
            Assim, balizados pelos termos das conclusões[1] formuladas em sede de recurso, as questões a decidir consistiriam em saber:
             - se há erro de julgamento quanto ao rol de factos provados;
- se foi excessiva a medida da pena acessória.
            Contudo, veremos que se terá de abordar a questão da extemporaneidade do recurso, como questão prévia a todas as outras.

2. DA SENTENÇA RECORRIDA
            2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, com interesse para a decisão deste recurso (transcrição):
«1 – No dia 9 de Abril de 2011, pelas 02h30, o arguido conduzia o motociclo da marca “Piaggio”, modelo “M44”, de cor cinzenta e matrícula … , sua propriedade, e circulava pela Avenida Nossa Senhora do Pranto, em Ílhavo, em sentido oposto ao legalmente estabelecido, quando foi avistado por militares da G.N.R. de Ílhavo que então circulavam junto da rotunda existente naquela via, numa viatura caracterizada com os sinais distintivos da G.N.R.;
2. Ao aperceber-se da presença destes militares e no intuito de evitar ser fiscalizado pelos mesmos, o arguido imprimiu velocidade ao DZ e seguiu no sentido da Rua Cimo de Vila, sendo de imediato seguido pelos sobreditos militares da G.N.R.;
3. Quando já se encontrava na Rua Cimo da Vila, em Ílhavo, o arguido imobilizou o DZ junto do café/bar “QB” ali existente e, acto contínuo, foi abordado pelo militar Pedro Santos, o qual lhe solicitou os documentos do DZ, os seus documentos pessoais e o instou a submeter-se a um exame de pesquisa de álcool no ar expirado, advertindo-o de que caso recusasse submeter-se a este exame incorria na prática de um crime de desobediência, por recusa em submeter-se à realização das provas legalmente estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool;
4 – O arguido, no intuito de ludibriar a actuação do militar Pedro Santos, disse-lhe que se prontificava a efectuar tal exame, mas quando este militar se deslocou para junto da viatura da G.N.R. a fim de diligenciar pela realização do mesmo, o arguido entrou no café/bar “QB”, seguiu para as traseiras deste estabelecimento e introduziu-se numa propriedade privada, onde permaneceu até os sobreditos militares abandonarem aquele local, assim recusando submeter-se à realização do exame de pesquisa de álcool no ar expirado e evitando ser detido por tal conduta;
5 – O arguido sabia que, sob quem conduzir motociclos na via pública incumbe a obrigação legal de se submeter às provas legalmente estabelecidas para a detecção de álcool no sangue, bem como que os militares da G.N.R. se encontravam em exercício de funções e que tinham competência legal para lhe exigir a realização dos referidos testes;
6. Ao actuar do modo supra descrito, o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, visando e logrando furtar-se à realização do teste de pesquisa de álcool no ar expirado mediante a recusa em soprar no aparelho destinado a tal pesquisa, bem sabendo que estava a desobedecer a uma ordem legítima, imposta por disposição legal e emanada de entidade competente;
7 – O arguido conhecia o carácter ilícito da sua conduta;
8 – O arguido é comerciante de automóveis, auferindo entre €: 500,00/600,00 mensais;
9 – Despende mensalmente a quantia de €: 272,00 a título de prestação para aquisição de veículo automóvel;
10 – Reside com os seus pais;
11 – Possui como habilitações literárias o 6º ano de escolaridade;
12 – O arguido possui os seguintes antecedentes criminais:
· processo comum singular nº 372/03.5GAILH, do extinto 2º juízo do Tribunal Judicial de Ílhavo, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de €: 6,00, pela prática, em 27/08/2003, de um crime de desobediência, tendo tal pena sido declarada extinta pelo seu cumprimento em 21/03/2006;
· processo sumário nº 315/08.0GAILH, do extinto 2º juízo do Tribunal Judicial de Ílhavo, na pena de 100 dias de multa e na proibição de conduzir pelo período de 5 meses, pela prática, em 01/06/2008, de um crime de desobediência, p.p. pelos 348º, nº1, al. a) e 69º, nº1, al. c) ambos do Código Penal e arts. 152º, nºs 1, al. a) e 3 do Código da Estrada, penas estas declaradas extintas em 26/04/2010;
· processo comum singular nº 58/07.1GBILH, do Juízo de Média Instância Criminal de Ílhavo, na pena única de 4 meses de prisão suspensa por 1 ano, pela prática, em 02/06/2005, de um crime de burla simples em concurso real com um crime de falsificação de notação técnica, pena esta declara extinta em 07/02/2011».

2.2. Não houve factos NÃO PROVADOS.

2.3. Para formar a sua convicção, argumentou assim o tribunal «a quo»:
«Os factos dados como provados assentam numa apreciação crítica e global de toda a prova produzida no seu conjunto.
O arguido confirmou o dia, hora e local por onde conduzia o seu motociclo, declarando tê-lo estacionado junto do café/bar “QB”. Contudo, negou de forma peremptória ter sido abordado por qualquer autoridade policial e que esta lhe tenha pedido os seus documentos pessoais e da viatura que conduzia bem como sujeitá-lo a submeter-se ao teste de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado.
As testemunhas…. , todos militares da G.N.R. de Ílhavo, descreveram de forma credível e sem contradições as circunstâncias em que abordaram o arguido, a reacção do mesmo quando lhe foi solicitada a realização de exame de pesquisa de álcool no sangue, tendo-o advertido das consequências do seu comportamento. Que após se ter disponibilizado a efectuar o dito teste, quando os agentes se encontravam a dirigir-se para a viatura policial a fim de diligenciar pela realização do mesmo, o arguido aproveitou para se refugiar nas traseiras do referido estabelecimento, inviabilizando a realização do dito exame.
O tribunal teve também em conta o certificado de registo criminal de fls. 58 a 63.
No que concerne às condições económicas e sociais do arguido, aceitaram-se as declarações deste».


            3. QUESTÃO PRÉVIA
           
3.1. Vem o arguido verbalizar querer recorrer de FACTO e de Direito.
Com esse desiderato, o recorrente aproveita os 30 dias de prazo de recurso previsto no artigo 411º/4 do CPP.
A sentença recorrida foi datada de 2 de NOVEMBRO de 2011, tendo sido depositada nesse mesmo dia (cfr. fls 81).
Acaba o arguido por recorrer em 7 de DEZEMBRO DE 2011 (cfr. fls 89 e 103).
Nesse recurso, o assistente é claro - quer atacar a dureza da pena acessória, aproveitando para dizer, de forma absolutamente imprecisa e genérica, que quer impugnar a matéria de facto, ou seja, «o ponto 2 da fundamentação factos dados como provados pela sentença recorrida» (é o ponto II da sentença ou o facto 2 do rol de factos provados?).
Aproveita-se para referir que é despropositada e errónea a menção aposta no ponto C) da motivação de recurso (artigos 9 a 13, em tudo estranhos à dinâmica e fisionomia deste processo), ficando-nos a ideia que se estava a cuidar de um outro recurso sobre tráfico de estupefacientes, mal enxertado e colado neste recurso pela condenação por um crime de desobediência.
A 3ª conclusão também é desajustada à matéria dos presentes autos.
Ora, o recorrente, ao impugnar a matéria de facto, apenas diz, e em mau português:
«Com efeito, e no que a este parágrafo, dos factos dados como provados pela sentença recorrida, nenhuma prova foi produzida em sede de audiência de discussão e julgamento que permitisse se julgassem os mesmos no sentido em que o Tribunal a quo o fez» (sic).
 
3.2 Sabemo-lo bem - o Tribunal da Relação deve conhecer da questão de facto pela seguinte ordem:
- primeiro da impugnação alargada, se tiver sido suscitada;
- e, depois e se for o caso, dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do C.P.Penal.
Não há que confundir estas duas formas de impugnação da matéria factual – por um lado, a invocação dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, alíneas a). b) e c), e por outro, os requisitos da impugnação – mais ampla - da matéria de facto a que se refere o artigo 412º, n.º 3, alíneas a), b) e c), todos do CPP.

3.3. Estabelece o art. 410.º, n.º 2 do CPP que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
            Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
No fundo, por aqui não se pode recorrer à prova documentada.
A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.
A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes).
Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).
Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).
Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
Existe tal erro quando, usando um processo racional ou lógico, se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
Tal erro traduz-se basicamente em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando certo facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo (cf. Acórdão do STJ de 9/7/1998, Processo n.º 1509/97).
Em matéria de vícios previstos no art. 410.º n.º 2 do CPP, cumprirá desde já dizer que, apesar de tudo o que tem sido dito e redito pacificamente na jurisprudência e na doutrina, continua a ignorar-se o melhor desses ensinamentos e a trazer aos recursos sempre o mesmo tipo de argumentação quanto à tipificação desses vícios. Confunde-se sistematicamente o da al. a) (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada) com problemas de insuficiência de prova; confunde-se o da al. b) - (contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão) - com o da errada convicção do tribunal ou com a insuficiente convicção ou mesmo com a insuficiente fundamentação; e o da al. c) - (erro notório da apreciação da prova) - com o problema da livre convicção do tribunal na apreciação das provas a tal sujeitas ou com o da errada ou insuficiente apreciação do valor delas.
E, para cúmulo dos cúmulos, só raramente se não faz tábua rasa da invocação de vícios fora do quadro resultante do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência.

3.4. Já o erro de julgamento – ínsito no artigo 412º/3 - ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Aqui, nesta situação de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.
Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do CPP.
Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
Como bem acentua Jorge Gonçalves nos seus acórdãos desta Relação, «o recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, os Acordãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, a consultar em www. dgsi.pt)».
E é exactamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, é que se impõe a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º, n.º3, do C.P.Penal:
3.Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a)- Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)-As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c)-As provas que devem ser renovadas».
A dita especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo tal especificação com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Diga-se ainda que a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do CPP e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430.º do CPP) - relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 4 e 6 do artigo 412.º do CPP).
E é nessa exigência que se justifica, materialmente, o alargamento do prazo de recurso de 20 para 30 dias, nos termos do artigo 411.º, n.º 4 do CPP.

3.5. E daí que haja, em sede de motivação de recurso, a necessidade inelutável de haver uma separação de águas – não pode, pois, haver confusão entre a invocação destes dois tipos de erros, ambos relacionados com a matéria de facto.
E SOBRETUDO, não basta a infundamentada alegação de que o recurso tem por objecto a impugnação da matéria de facto.
Já se disse que não se pode confundir recurso da matéria de facto com reapreciação da prova gravada.
Para o recorrente poder beneficiar do prazo de 30 dias não basta dizer na motivação que no recurso se impugna a decisão sobre a matéria de facto, como faz neste caso.
O recorrente NUNCA indica que factos pretende sejam alterados (por entender terem sido mal julgados), e porquê.
Desta forma, este recurso não tem por objecto (nem total nem parcial) a reapreciação da prova gravada, não tendo sido minimamente cumpridos os ditames do artigo 412º/3 e 4 do CPP.
Tem-se entendido que aquelas imposições ou condicionamentos não constituem restrição do direito ao recurso mas mera regulação do mesmo - «tais condicionamentos têm em vista uma precisa e expedita actividade decisória do tribunal superior, para além de concretizarem o dever de colaboração do recorrente e a sua responsabilização por forma a que as impugnações judiciais não constituam mais uma forma de entorpecimento e de protelamento da administração da justiça».
Assim, não indica o recorrente os pontos de facto que considera incorrectamente julgados – ora, não indicando tais concretos pontos, só há que concluir estarmos perante uma clara inexistência de recurso da matéria de facto.

3.6. Em conclusão:
· nos termos do art. 411º do CPP, o prazo normal de recurso é de 20 dias;
· excepcionalmente, o prazo pode ser elevado para 30 dias, se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada[2];
· não se pode confundir recurso da matéria de facto com reapreciação da prova gravada – por conseguinte, para que o recorrente pudesse beneficiar do prazo de 30 dias, teria de deixar bem claro que queria a reapreciação da prova gravada, o que não fez, e em que moldes;
· como tal, este recurso não tem por objecto a reapreciação da prova gravada, devendo ter sido intentado no prazo normal dos recursos em matéria penal que é de 20 dias.

3.7. Contemos, então, tais 20 dias sobre a data de 2/11/2011, data do depósito da sentença [artigo 411º/1 b) do CPP].
Considerando a data da prolação e depósito da sentença, o prazo de interposição do respectivo recurso era o previsto no artº 411º nºs 1 ou 4 do C.P.Penal, na redacção introduzida pela Lei nº 48/2007 de 29.08.
Em conformidade com a al. b) do nº 1 da citada disposição legal, o recurso em processo penal teria de ser interposto no prazo de 20 dias, contados do depósito da sentença na secretaria (sendo este prazo elevado para 30 dias se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada - nº 4 do mesmo preceito), só podendo o acto ser praticado fora dos aludidos prazos se houver despacho da autoridade judiciária competente – no caso o juiz do processo – a deferir requerimento do interessado nesse sentido, após ouvir os demais sujeitos processuais e desde que se prove justo impedimento (art. 107.º, n.º 2, do CPP) tendo aquele requerimento de ser apresentado até três dias após o termo do prazo legalmente fixado (n.º 3 do mesmo normativo).
No presente caso, não houve qualquer requerimento do recorrente a invocar justo impedimento da prática do acto no prazo legal, como não houve qualquer decisão da autoridade judiciária a prorrogar o respectivo prazo. O justo impedimento não pode presumir-se, tem de ser alegado e demonstrado.
Assim sendo, considerando que a sentença recorrida foi depositada no dia 2/11/2011, não pretendendo, com o que expressamente invoca, o recorrente a reapreciação da prova gravada, o termo do prazo de vinte dias para interposição do recurso ocorreu no dia 22 de NOVEMBRO de 2011.
Atendendo, porém, que o recorrente sempre beneficiaria da possibilidade de praticar o acto num dos três dias úteis seguintes ao termo do prazo, desde que procedesse ao pagamento da multa a que alude o nº 5 do artº 145º do C.P.Civil, o termo final para a interposição do recurso ocorreu no dia 25 de NOVEMBRO de 2011.
Ora, dos autos resulta que o requerimento de interposição de recurso e as respectivas motivações foram enviadas ao tribunal recorrido em 7.12.2011, ou seja, depois do termo do prazo previsto no artº 145º nº 5 do C.P.P.
A CONCLUSÃO É SÓ UMA: o recurso foi apresentado fora do prazo.

3.8. Nos termos do artigo 420º do CPP, o recurso deve ser rejeitado se se verificar causa que devia determinar a sua não admissão, nos termos do art. 414º, n.º 2 do mesmo Código.
 Ora, o art. 414º, n.º 2 estipula que o recurso não é admitido quando interposto fora de prazo, não obstando à sua rejeição, nos termos do disposto nos artigos 414.º, n.º 2 e 420.º, n.º 1, al. b) do CPP, o despacho de admissão que no tribunal a quo foi proferido, uma vez que o tribunal superior – este - a ele não está vinculado (cfr. o art. 414.º, n.º 3 do mesmo diploma).

            III – DISPOSITIVO

            Em face do exposto, decide-se, sumariamente, REJEITAR o recurso intentado pelo arguido A..., por manifesta intempestividade [artigos 417º, n.º 6, alíneas a) e b) e 420º, n.º 1, alínea b) – que remete para o 414º, n.º 2 – do CPP].

            Custas pelo ARGUIDO, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs, a que acresce condenação no pagamento de 3 Ucs (artigo 420º, n.º 3 do CPP).
Notifique.

Paulo Guerra


[1] Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões»).
[2]A ratio material subjacente ao maior prazo concedido para o recurso incidente sobre matéria de facto radica na maior dificuldade que se depara ao recorrente, quando pretende impugnar a matéria de facto, por virtude do dever legal de especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, das provas que devem ser renovadas, com a indicação das concretas passagens em que funda a impugnação (cfr. artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP).