Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
296/13.8GCAGD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR DE OLIVEIRA
Descritores: APREENSÃO DE VEÍCULO
FALTA
SEGURO
CESSAÇÃO
DESOBEDIÊNCIA
Data do Acordão: 10/08/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA (JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL DE ÁGUEDA - JUIZ 2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 150.º E 162.º, N.ºS 1, AL. F), E 6, DO CE; ARTIGO 348.º, N.º 1, AL. B), DO CP
Sumário: I - À luz do disposto no artigo 162.º, n.ºs 1 e 6, do Código da Estrada, a apreensão nele referida, fundada em falta de seguro, apenas cessa quando for efectuada, perante a administração, prova da efectivação da transferência da responsabilidade civil decorrente da utilização do veículo;

II - Até esse momento a ordem de não circulação dada ao condutor e depositário constituído do veículo continua legalmente válida, sendo a sua violação adequada ao preenchimento do crime de desobediência p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, al. b), do CP, se verificados os demais elementos do tipo.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório
No processo sumário 296/13.8GCAGD da Comarca do Baixo Vouga, Águeda, Juízo de Instância Criminal, Juiz 2, após realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
Nestes termos o tribunal decide:
1. Absolver o arguido A..., um crime de desobediência, previsto e punido pela alínea b) do n.º 1 do artigo 348.º do Código Penal;
2. Condenar o arguido pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, nº 1 do Código Penal, na pena de 65 (sessenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de 5,00 euros (cinco euros), o que perfaz um total de 325 euros;
3. Condenar ainda o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no artigo 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, pelo período de 3 (três)  meses e 15 (quinze) dias.
4. Condenar o arguido a pagar as custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 U.C, que se reduz a metade por força da confissão (artigo 513º e 344.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Penal conjugado com artigos 8.º, n.º 5 do Regulamento das Custas Processuais, e legais encargos com o processo nos termos do art.º 514.º do C.P.P.

Inconformado com a parte absolutória desta decisão, dela recorreu o Ministério Público, rematando a correspondente motivação com as seguintes conclusões:
1.  Os  factos  dados  como  provados  na  sentença,  nomeadamente  os  numerados  como  1  a  5,  7,  8,  11,  12  e  16  são  suficientes  para  o  preenchimento  dos  elementos  objectivos  e  subjectivos  do  crime  de  desobediência  previsto  e  punido  pela  alínea  b)  do  n.º  1  do  artigo  348.  º  do  Código  Penal.
2.  O  arguido  A...  sabia  que  o  veículo  automóvel  de  matrícula  (...)EB  lhe  havia  sido  apreendido  a  13  de  Setembro  de  2012  por  falta  de  seguro  de  responsabilidade  civil  e  que  tinha  sido  designado  fiel  depositário  do  mesmo,  tendo  sido  advertido  por  militar  da  Guarda  Nacional  Republicana  que  a  utilização  do  veículo,  enquanto  estivesse  apreendido,  o  faria  incorrer  no  crime  de  desobediência.
3.  Em  18  de  Dezembro  de  2013,  o  arguido,  ao  conduzir  o  veículo  apreendido,  agiu  com  o  propósito  de  faltar  à  obediência  devida  à  ordem  que  lhe  fora  regularmente  comunicada  por  autoridade  competente  e  cuja  observância  lhe  era  imposta.
4.  A  celebração  do  contrato  de  seguro  de  responsabilidade  civil  em  1  de  Outubro  de  2013  não  levantou  imediatamente  a  apreensão  do  veículo  automóvel.
5.  Ao  absolver  o  arguido  o  Tribunal  a  quo  violou  a  alínea  b)  do  n.º  1  do  artigo  348.º  do  Código  Penal.
Face  ao  exposto,  deve  a  sentença  proferida  ser  parcialmente  revogada,  condenando-se  o  arguido  A...,  para  além  da  condenação  já  sofrida,  pela  prática  de  um  crime  de  desobediência,  previsto  e  punido  a  alínea  b)  do  n.º  1  do  artigo  348.º  do  Código  Penal.

Admitido o recurso e notificado o arguido este respondeu, reafirmando os argumentos da decisão recorrida e pugnando pela sua manutenção.
Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso deve proceder do seguinte teor:
Devemos  antes  de  mais  salientar  o  empenhamento  do  Exm.º  Magistrado  do  Ministério  Público,  junto  da  1.ª  instância,  a  qual,  de  forma  concretizada  e  minuciosa  apresenta  a  sua  discordância  em  relação  à  aplicação  do  direito  aos  factos  dados  como  provados.
Concordamos,  assim,  em  absoluto  com  a  bem  elaborada  motivação  do  recurso,  na  qual,  de  forma  objectiva,  delimita  a  questão  (única)  da  subsunção  legal  dos  factos  ao  crime  pelo  qual  o  arguido  estava  acusado,  apoiando-se  em  jurisprudência  que  cita  a  propósito.
Quanto  a  esta  matéria  de  direito,  que  surge  impugnada  pelo  Ministério  Público,  sem  necessidade  de  qualquer  repetição  quanto  à  argumentação  já  apresentada  no  sentido  de  que  merecia,  na  perspectiva  do  Ministério  Público,  diferente  conclusão  no  recurso  apresentado,  com  o  que  por  se  concordar  em  absoluto,  damo-la  por  reproduzida.
Mais  se  dirá,  em  reforço  da  posição  do  Ministério  Público,  que  o  seguinte:
-  Efectivamente  na  sequência  do  já  alegado  nos  parece  verificar-se  o  vício  de  contradição  insanável  da  fundamentação  e  entre  a  fundamentação  e  a  decisão  que  atinge  pontos  da  matéria  provada,  previsto  no  art.º  410º,  n.º  1  e  2  al.  b)  do  CPP,  quando  a  partir  dos  pontos  indicados  pelo  Ministério  Público  que  se  afiguram  suficientes  para  a  condenação  do  arguido,  na  motivação  de  direito  o  tribunal  recorrido  extrai  uma  conclusão  oposta,  isto  é,  de  que  se  não  verifica  o  elemento  objectivo  da  prática  do  crime.
Por  outro  lado,  importa  sublinhar  que,  para  além  da  pertinente  argumentação  do  Ministério  Público  quanto  ao  bem  jurídico  que  está  em  causa  salvaguardar,  com  a  norma  legal,  que,  conforme  se  dá  como  provado  no  ponto  3,  transcrevendo,  aliás,  o  documento  de  fls.  15  e  16  dos  autos  -  assinado  pelo  arguido  -  que  constitui  o  auto  de  apreensão,  este  tinha  perfeito  conhecimento  que,  depois  da  regularização  da  situação  que  motivou  a  apreensão,  poderia  pedir  o  levantamento  dos  documentos  apreendidos  no  IMTT  de  Aveiro,  o  que  ainda  não  tinha  feito.
Não  o  tinha  feito  ainda,  tendo  perfeita  noção  de  que  a  apreensão  se  mantinha,  tal  como  aliás  confessou  integralmente  em  audiência.
A  ser  assim,  também  nos  parece  que  apesar  de  ter  já  pago  o  seguro,  importava  que  essa  situação  fosse  verificada  pela  entidade  com  competência  para  tal,  a  pedido  do  interessado  e,  desse  modo,  fosse  autorizado  (  ou  não  consoante  a  análise  a  fazer)  o  levantamento  da  apreensão  do  veículo  com  a  devolução  dos  documentos  do  veículo  que,  afinal,  nem  estavam  na  posse  do  arguido.
Para  concluir,  afirmando  que  nos  parece  que  com  a  factualidade  provada  se  mostra  violado  o  bem  jurídico  que  a  norma  penal  pretende  proteger,  "a  autoridade  pública,  a  autoridade  do  Estado";  ou,  mais  em  concreto,  "a  ordem  de  não  poder  circular,  legítima  porque  ancorada  em  lei  expressa",  parafraseando  a  jurisprudência  citada  pelo  Ministério  Publico  na  sua  motivação.
Deverá  nos  termos  expostos  e  por  tudo  o  mais  doutamente  alegado  na  motivação  pelo  recorrente  na  1  ª  instância,  ser  o  arguido  condenado  pela  prática  do  crime  de  desobediência,  tal  como  pugna  o  Ministério  Público.
Face  ao  exposto,  sem  necessidade  de  outros  considerandos,  somos  de  parecer  que  o  recurso  do  Ministério  Público  deverá  proceder  nos  apontados  termos,  alterando-se  a  douta  sentença  recorrida  em  conformidade.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não ocorreu resposta.
Corridos os vistos legais e realizada conferência, cumpre apreciar e decidir.
***
II. Fundamentos da Decisão Recorrida
Da sentença recorrida constam os seguintes fundamentos de facto:
1. FACTOS PROVADOS

Da audiência de discussão e julgamento resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 14 de Setembro de 2012, cerca das 16h15, na Estrada Nacional 1, Km 242, localidade de Serém, foi apreendido ao arguido o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula (...)EB, de que é proprietário, pelo facto de se encontrar a circular sem que tivesse sido efectuado seguro de responsabilidade civil.
2. O arguido foi designado fiel depositário de veículo apreendido e, na altura, foi devidamente advertido por militar da Guarda Nacional Republicana de que a utilização do veículo, enquanto estivesse apreendido, o faria incorrer no crime de desobediência.
3. Do auto de apreensão constava, além do mais, o seguinte: “ O veículo actualmente esta com 193230 Kms vai ficar depositado em sua morada, na posse do proprietário, acima identificado, com a obrigação de o entregar quando lhe foi exigido, não o podendo remover, alterar o estado, utilizar, alienar, destruir, danificar ou inutilizar, total ou parcialmente, ou, por qualquer forma, subtrair ao poder público a que esta sujeito, sob pena de incorrer na pratica de um crime de desobediência e/ou descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder publico, previstos e puníveis nos termos dos artigos 348.º e 355.º do Código Penal.
Juntamente com o veículo procedido à apreensão do Livrete do Veiculo como o n.º (...)EB (art. 161.º, n.º 1 alínea a) do CE). O arguido poderá levantar o(s) documento(s) apreendido(s) no serviço desconcentrado do IMTT de Aveiro, após regularização da situação que motivou a apreensão”.
4. No dia 1 de Outubro de 2013 o arguido celebrou com a companhia de Seguros Ocidental Seguros um contrato de seguro de obrigatório de responsabilidade civil automóvel relativo ao veículo ligeiro de passageiros com a matrícula (...)EB, com valido ate 21.04.2014.  
5. Apesar de tal advertência e estando convencido que desrespeitava a ordem que lhe havia sido regularmente comunicada, no dia 18 de Dezembro de 2013, pelas 15h23, na Estrada Nacional 1-11, localidade de Sernada do Vouga, concelho de Águeda, o arguido conduziu o veículo acima referido.
6. O arguido conduziu o referido veículo nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidas, após ter ingerido bebidas alcoólicas e apresentando taxa de álcool no sangue de 1,44g/l.
7. Em 18 de Dezembro de 2013 o odómetro do veículo apresentava mais 259 km percorridos do que os que apresentava à data da apreensão.
8. No dia 18 de Dezembro de 2013, o arguido agiu estando convicto de estar a faltar à obediência devida à ordem que lhe fora regularmente comunicada por autoridade competente e cuja observância lhe fora imposta por normas legais em vigor, por ainda não se ter dirigido ao IMT.
9. O arguido conhecia o seu estado e sabia que o mesmo não lhe permitia efectuar uma condução cuidada e prudente e lhe diminuía a capacidade de atenção, reacção e destreza, mas, ainda assim, quis conduzir o veículo automóvel, o que efectivamente fez.
10. O arguido, ao conduzir o referido veículo com a TAS de 1,44 g/l agiu de modo livre, consciente e voluntário, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei.
11. O arguido, ao conduzir o referido veículo que tinha sido apreendido no dia 14 de Setembro de 2012, agiu de modo livre e voluntário, estando convencido que a sua conduta era proibida e punível por lei.
12. O processo de contra-ordenação n.º 909713146, instaurado por falta de seguro obrigatório encontra-se com a coima liquidada.
13. O arguido não tem averbado no certificado de registo criminal qualquer condenação.
14. O arguido esta desempregado há cerca de 1 ano, mas faz pequenos biscates na agricultura, auferindo cerca de 50 euros por mês.
15. O arguido vive com a mulher e um filho de 15 anos, em casa da sogra. A companheira do arguido esta desempregada, mas faz trabalhos de limpeza, auferindo mensalmente cerca de 100 euros. A sogra do arguido é viúva e tem um rendimento mensal de pouco mais de 300 euros mensais.
16. O arguido admitiu os factos de que vem acusado.


II – FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram quaisquer outros factos, designadamente, os que estejam em contradição com os factos provados.
III – MOTIVAÇÃO 
Para dar como provados os factos descritos na acusação o Tribunal teve em consideração as declarações confessórias do arguido. Assim, o arguido admitiu que conduziu o veículo nas circunstâncias de tempo e lugar supra descritas, após ter ingerido bebidas alcoólicas, apesar de saber que não o podia fazer e que incorria em responsabilidade criminal.
O arguido admitiu ainda que, o veículo que conduziu naquele dia e hora, lhe havia sido apreendido no dia 14 de Setembro de 2012, pelo facto de, à data, o conduzir por se encontrar a circular sem que tivesse sido efectuado seguro de responsabilidade civil, e que estava convicto de que não o poderia conduzir, pois ainda não tinha ido ao IMT levantar os documentos apreendidos, muito embora já tivesse feito o seguro de responsabilidade civil e pago a coima relativo ao facto de ter andado a conduzir sem seguro obrigatório. Também quando questionado sobre a diferença de quilometragem aquando da data da apreensão do veículo e o 18 de Dezembro de 2013, pelo arguido foi dito que efectivamente “andava por lá” (sic), “dei umas voltinhas por lá”(sic). Instado a explicar porque é que não foi ao IMT regularizar a situação, pelo arguido foi dito que se tratou de um “desmazelo” (sic) seu.
Para prova da data e das circunstâncias de apreensão do veículo e das suas razões, da advertência e do teor das condições para o levantamento dos documentos, o tribunal teve ainda em consideração o teor do auto de apreensão de fls. 15 a 16, da pesquisa ao site do IMT, do auto de contra-ordenação de fls. 18 a 19, cópia do seguro, auto de contra-ordenação fls. 21, fls. 22  e ainda a informação da ANSR de 5.2.2014 e pesquisa efectuada ao Instituto de Seguros de Portugal no dia 7 de Fevereiro de 2014 e fls. 35.
 Quanto à concreta taxa de álcool no sangue que o arguido apresentava o Tribunal teve em consideração o talão de teste ao ar expirado que se encontra a fls. 7.
No que respeita à condução de veículo com uma taxa de álcool superior a 1,2 g/l no sangue (mais concretamente com 1,44 g/l) em via pública e ao conhecimento dos elementos do tipo objectivo e vontade de agir em conformidade com essa representação (o arguido conhecia o seu estado e sabia que o mesmo não lhe permitia efectuar uma condução cuidada e prudente e lhe diminuía a capacidade de atenção, reacção e destreza, mas, ainda assim, quis conduzir o veículo automóvel, o que efectivamente fez), bem como ao conhecimento da ilicitude, estamos perante uma confissão, livre, integral e sem reservas, por parte do arguido (sendo que, quanto á concreta taxa se atendeu ao talão do resultado do teste ao ar expirado), pelo que não se nos oferece dúvidas quanto à prova dos factos.
Já no que respeita à condução do referido veículo em desobediência a uma ordem emanada de uma autoridade competente, o arguido efectivamente confessou que conduziu o referido veículo nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na acusação, despois de aquele veículo ter sido apreendido por não ter seguro de responsabilidade civil obrigatório, tendo o arguido sido constituído fiel depositário e advertido de que estava proibido de o utilizar, sob pena de incorrer num crime de desobediência. Admitiu ainda que, apesar de já ter efectuado o seguro de responsabilidade civil e de ter pago a coima resultante da condução nessas circunstâncias, quando conduziu a viatura no dia 18 de Dezembro de 2013, estava convicto de que o não podia fazer sob pena de incorrer em responsabilidade criminal, face à advertência que lhe tinha sido feita de que incorria num crime de desobediência se o fizesse, como fez. Trata-se, apenas, de uma convicção pessoal por parte do arguido, que não dispensa, naturalmente o preenchimento dos elementos do tipo subjectivo. Aliás, o arguido, quando confrontado com a diferença de quilometragem que o veículo apresentava aquando da apreensão do veículo e no dia 18 de Dezembro de 2013, admitiu ter dado umas voltinhas por lá, sendo que a diferença ultrapassa as duas centenas de quilómetros. Mas o arguido não referiu quando deu essas voltinhas, não tendo sido possível apurar no tempo quando isso ocorreu: foi depois da apreensão do veículo mas antes da celebração do contrato de seguro ou foi já depois da celebração deste contrato? Não sabemos, porque o arguido não esclareceu datas e nenhuma prova foi feita nesse sentido; aliás, também não é disso que o arguido vem acusado: o arguido vem acusado de, no dia 18 de Dezembro de 2013, ter conduzido um veículo que lhe fora apreendido e de que fora constituído fiel depositário, depois de ter sido advertido que não o poderia utilizar fazer sob pena de incorrer num crime de desobediência.
Quanto às condições económicas e pessoais do arguido o tribunal teve em consideração as suas declarações.
A convicção do tribunal fundou-se ainda no certificado de registo criminal junto aos autos a fls.36.

            A sentença recorrida contém os seguintes fundamentos de direito no que respeita à parte impugnada:
Vem o arguido acusado da prática de um crime de desobediência simples, p. e p. 348º nºs 1 a) do C.Penal e um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo n.º 1 do artigo 292.º do Código Penal, e pela alínea a) do n.º 1 do artigo 69.º do Código Penal.

a) Do crime de crime de desobediência simples
Nos termos do preceituado nas alíneas a) e b) do nº 1 do art. 348º do C.Penal, comete um crime de desobediência “quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente (..) a)se, uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples ou; b) na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação”.
Inserido no capítulo dos crimes contra a autoridade pública, a incriminação em apreço visa tutelar a autonomia intencional do Estado, no sentido de não serem colocados entraves à actividade administrativa por parte dos destinatários dos seus actos ([1]).
São, assim, elementos constitutivos do tipo: a) a existência de uma ordem ou mandado; b) a legalidade formal e substancial de tal ordem ou mandado; c) a competência da autoridade ou funcionário para a sua emissão; d) a regularidade da sua transmissão ao destinatário; e) o desrespeito pela ordem ou mandado; f) e a intenção do destinatário em desobedecer.
Entende-se por ordem ou mandado o comando que, dirigido a um cidadão individualmente considerado, lhe impõe uma determinada conduta, de índole positiva ou negativa.
Para ser legítima, a ordem ou mandado tem, antes de mais, de revestir legalidade substancial, o que equivale a dizer que tem de se fundar numa disposição legal que autorize a sua emissão.
Por outro lado, tal ordem ou mandado deve ser emitida por autoridade ou funcionário com competência para o efeito (devendo, assim, caber dentro das atribuições funcionais ou delegadas da autoridade ou agente que a profere) e de acordo com as formalidades que a lei estipula para a sua emissão, designadamente a sua regular comunicação, de modo a que seja garantido o seu conhecimento pelo respectivo destinatário.
Finalmente, é ainda necessário que se verifique o desrespeito pela ordem dirigida ao agente e a violação do dever de obediência que lhe é subjacente, quer este dever resulte directamente da lei – designadamente de legislação penal extravagante – ou de uma cominação expressa efectuada nesse sentido por autoridade ou funcionário (esta cominação deve traduzir-se na notificação ao agente, pela autoridade ou funcionário, com a expressa advertência de que o incumprimento da ordem ou mandado o fará incorrer na prática de um crime de desobediência), impondo-se, de todo o modo, que tal cominação esteja previamente estabelecida.
No que concerne ao elemento subjectivo do tipo, refira-se que o ilícito em análise se configura como um crime necessariamente doloso, pressupondo a consciência da anti-jurisdicidade da desobediência por parte do agente.
Exige-se, portanto, que o agente conheça e queira todas as circunstâncias fácticas que o tipo descreve, incumprindo voluntária e conscientemente a ordem ou mandado legitimamente emanado da autoridade ou funcionário competente.
Reportando-nos ao caso dos autos, resultou provado que no dia 14 de Setembro de 2012, cerca das 16h15, na Estrada Nacional 1, Km 242, localidade de Serém, foi apreendido ao arguido o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula (...)EB, de que é proprietário, pelo facto de se encontrar a circular sem que tivesse sido efectuado seguro de responsabilidade civil.
O arguido foi designado fiel depositário de veículo apreendido e, na altura, foi devidamente advertido por militar da Guarda Nacional Republicana de que a utilização do veículo, enquanto estivesse apreendido, o faria incorrer no crime de desobediência.
Do auto de apreensão constava, além do mais, o seguinte: “ O veículo actualmente esta com 193230 Kms vai ficar depositado em sua morada, na posse do proprietário, acima identificado, com a obrigação de o entregar quando lhe foi exigido, não o podendo remover, alterar o estado, utilizar, alinear, destruir, danificar ou inutilizar, total ou parcialmente, ou, por qualquer forma, subtrair ao poder público a que esta sujeito, sob pena de incorrer na pratica de um crime de desobediência e/ou descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder publico, previstos e puníveis nos termos dos artigos 348.º e 355.º do Código Penal.
Juntamente com o veículo procedido à apreensão do Livrete do Veiculo como o n.º (...)EB (art. 161.º, n.º 1 alínea a) do CE). O arguido poderá levantar o(s) documento(s) apreendido(s) no serviço desconcentrado do IMTT de Aveiro, após regularização da situação que motivou a apreensão”.
No dia 1 de Outubro de 2013 o arguido celebrou com a companhia de Seguros Ocidental Seguros um contrato de seguro de obrigatório de responsabilidade civil automóvel relativo ao veículo ligeiro de passageiros com a matrícula (...)EB, com valido ate 21.04.2014.  
Apesar de tal advertência e estando convencido que desrespeitava a ordem que lhe havia sido regularmente comunicada, no dia 18 de Dezembro de 2013, pelas 15h23, na Estrada Nacional 1-11, localidade de Sernada do Vouga, concelho de Águeda, o arguido conduziu o veículo acima referido.
O arguido, ao conduzir o referido veículo que tinha sido apreendido no dia 14 de Setembro de 2012, agiu de modo livre e voluntário, estando convencido que a sua conduta era proibida e punível por lei, por ainda não se ter dirigido ao IMT.
Ou seja, o veículo automóvel com a matrícula (...)EB, foi apreendido pela GNR, pelo facto de o arguido o conduzir sem o seguro obrigatório de responsabilidade civil. Mais se apurou que, muito embora o arguido tenha sido constituído fiel depositário do veículo e advertido de que a sua circulação com o mesmo (enquanto a situação não estivesse regularizada, caso em que o poderia levantar) o faria incorrer na prática de um crime de desobediência, conduzi-o no dia 18 de Dezembro de 2013, conduziu tal veículo, convencido que o não poderia fazer, por (apesar de já ter feito o seguro automóvel e ter pago a coima) ainda não se ter dirigido ao IMT.
Do ponto de vista do tribunal, o que falha é o preenchimento do elemento objectivo do tipo de crime de que o arguido vem acusado. Na verdade a apreensão do veículo foi feita pelo facto de se encontrar a circular sem que tivesse sido efectuado seguro de responsabilidade civil (e só por isto). Como resultou do ofício enviado pelo ANRS a apreensão efectuada não tinha carácter sancionatório, mas apenas preventivo (já que o mesmo se encontra apreendido por não preencher os requisitos de admissão à circulação da via pública e não à ordem de qualquer processo de contraordenação rodoviária).
Como resulta da factualidade provada e constava do auto de apreensão o arguido poderia levantar o(s) documento(s) apreendido(s) no serviço desconcentrado do IMTT de Aveiro, após regularização da situação que motivou a apreensão.
Não há, do nosso ponto de vista, o arguido, ao conduzir o veículo no dia 18 de Dezembro de 2013 não desobedeceu à ordem que lhe havia sido dada pelo GNR de não utilizar o veículo que lhe foi aprendido no dia 14 de Setembro de 2012 e de que aquele foi constituído fiel depositário, já que a apreensão tinha natureza preventiva (o veículo foi aprendido apenas por não preencher os requisitos de admissão à circulação da via pública) e os documentos (em que se traduzia essa mesma apreensão) poderiam ser levantar no serviço desconcentrado do IMTT de Aveiro, após regularização da situação que motivou a apreensão.
Ora, no 18 de Dezembro de 2013 já a situação que motivou a apreensão (falta de seguro obrigatório) já havia sido regularizada (o seguro já havia sido celebrado e, inclusivamente, a coima já está paga).
O facto de o veículo ter mais de duas centenas de quilómetros no dia 18 de Dezembro de 2013 quando comparado com o número de quilómetros há data da apreensão não permite sequer extrair qualquer ilação quanto ao momento em que a viatura foi utilizada: foi antes da realização do seguro obrigatório ou já depois? Se foi depois, não existe qualquer desobediência à ordem emanada (porque esta visava obstar a que o veículo circulasse sem seguro, por todos os inconvenientes que isso implica para os utentes da via publica quando ocorrem acidentes, os quais se vêm ante a possibilidade de não serem ressarcidos dos danos que venham a sofrer ou ter que ser accionado o Fundo de Garantia Automóvel, com todos os inconvenientes que daí também derivam). Se foi antes, aí sim poderia estar preenchido o tipo de crime, mas isso não se logrou apurar e, em bom rigor, não constitui o objecto do processo e, como tal, nada obsta a que seja instaurado novo processo crime sobre esses mesmos factos que possam ter sido praticados.
Em face do exposto, não poderá deixar de concluir-se que arguido não preencheu com a sua conduta os elementos objectivos do tipo de crime de que vinha acusado (porque a apreensão só tinha razão de ser até à regularização e na data que consta da acusação, já a situação estava regularizada e nada obstava a que aquele levantasse os documentos), não existindo qualquer violação do bem jurídico que o crime de desobediência visa acautelar: não há qualquer violação efectiva da autoridade do Estado ou da autonomia intencional do Estado, no sentido de não serem colocados entraves à actividade administrativa por parte dos destinatários dos seus actos (porque esse desiderato já havia sido alcançado com a regularização da situação).
Assim, não pode o arguido deixar de ser absolvido por tal crime.
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III. Apreciação do Recurso
A documentação em acta das declarações e depoimentos prestados oralmente na audiência de julgamento determina que este Tribunal, em princípio, conheça de facto e de direito (artigos 363° e 428° nº 1 do Código de Processo Penal).
Não obstante, o concreto objecto do recurso é sempre delimitado pelas conclusões extraídas da correspondente motivação (artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal) sem embargo das questões do conhecimento oficioso.
E vistas as conclusões do recurso interposto, a questão que reclama solução é a seguinte:
Se a circulação com veículo apreendido por falta de seguro obrigatório constitui o seu autor na prática de crime de desobediência depois de realizado o seguro mas antes de ter comprovado esse facto junto da administração. 

Apreciando:
Na sentença recorrida considerou-se que a provada actuação do arguido de conduzir veículo na via pública apreendido por falta de seguro obrigatório não constituía crime porque tal ocorreu depois de o arguido ter realizado o seguro, embora antes de o comprovar perante a ANSR.
Consignou-se na sentença recorrida para fundamentar tal conclusão que “o que falha é o preenchimento do elemento objectivo do tipo de crime de que o arguido vem acusado. Na verdade a apreensão do veículo foi feita pelo facto de se encontrar a circular sem que tivesse sido efectuado seguro de responsabilidade civil (e só por isto). Como resultou do ofício enviado pelo ANRS a apreensão efectuada não tinha caracter sancionatório, mas apenas preventivo (já que o mesmo se encontra apreendido por não preencher os requisitos de admissão à circulação da via pública e não à ordem de qualquer processo de contraordenação rodoviária).
Como resulta da factualidade provada e constava do auto de apreensão o arguido poderia levantar o(s) documento(s) apreendido(s) no serviço desconcentrado do IMTT de Aveiro, após regularização da situação que motivou a apreensão.
Não há, do nosso ponto de vista, o arguido, ao conduzir o veículo no dia 18 de Dezembro de 2013 não desobedeceu à ordem que lhe havia sido dada pelo GNR de não utilizar o veículo que lhe foi aprendido no dia 14 de Setembro de 2012 e de que aquele foi constituído fiel depositário, já que a apreensão tinha natureza preventiva (o veículo foi aprendido apenas por não preencher os requisitos de admissão à circulação da via pública) e os documentos (em que se traduzia essa mesma apreensão) poderiam ser levantar no serviço desconcentrado do IMTT de Aveiro, após regularização da situação que motivou a apreensão.
Ora, no 18 de Dezembro de 2013 já a situação que motivou a apreensão (falta de seguro obrigatório) já havia sido regularizada (o seguro já havia sido celebrado e, inclusivamente, a coima já está paga).”
O recorrente, por seu turno, entende que os factos consignados como provados integram todos os elementos do crime de desobediência e que o arguido deve ser condenado pela prática do crime imputado.
Vejamos o que se consignou como provado, relevante para o caso, transcrevendo novamente o texto da decisão recorrida neste passo por facilidade de análise:
1.         No dia 14 de Setembro de 2012, cerca das 16h15, na Estrada Nacional 1, Km 242, localidade de Serém, foi apreendido ao arguido o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula (...)EB, de que é proprietário, pelo facto de se encontrar a circular sem que tivesse sido efectuado seguro de responsabilidade civil.
2.         O arguido foi designado fiel depositário de veículo apreendido e, na altura, foi devidamente advertido por militar da Guarda Nacional Republicana de que a utilização do veículo, enquanto estivesse apreendido, o faria incorrer no crime de desobediência.
3.         Do auto de apreensão constava, além do mais, o seguinte: “ O veículo actualmente esta com 193230 Kms vai ficar depositado em sua morada, na posse do proprietário, acima identificado, com a obrigação de o entregar quando lhe foi exigido, não o podendo remover, alterar o estado, utilizar, alinear, destruir, danificar ou inutilizar, total ou parcialmente, ou, por qualquer forma, subtrair ao poder público a que esta sujeito, sob pena de incorrer na pratica de um crime de desobediência e/ou descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder publico, previstos e puníveis nos termos dos artigos 348.º e 355.º do Código Penal.
Juntamente com o veículo procedido à apreensão do Livrete do Veiculo como o n.º (...)EB (art. 161.º, n.º 1 alínea a) do CE). O arguido poderá levantar o(s) documento(s) apreendido(s) no serviço desconcentrado do IMTT de Aveiro, após regularização da situação que motivou a apreensão”.
4.         No dia 1 de Outubro de 2013 o arguido celebrou com a companhia de Seguros Ocidental Seguros um contrato de seguro de obrigatório de responsabilidade civil automóvel relativo ao veículo ligeiro de passageiros com a matrícula (...)EB, com valido ate 21.04.2014.  
5.         Apesar de tal advertência e estando convencido que desrespeitava a ordem que lhe havia sido regularmente comunicada, no dia 18 de Dezembro de 2013, pelas 15h23, na Estrada Nacional 1-11, localidade de Sernada do Vouga, concelho de Águeda, o arguido conduziu o veículo acima referido.
11.        O arguido, ao conduzir o referido veículo que tinha sido apreendido no dia 14 de Setembro de 2012, agiu de modo livre e voluntário, estando convencido que a sua conduta era proibida e punível por lei.

O crime de desobediência vem previsto no artigo 348º do Código Penal nos seguintes termos:
"1- Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se:
a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou
b) Na ausência de disposição, a autoridade ou o funcionário fizeram a correspondente cominação.".
Assim, constituem elementos objectivos deste tipo de ilícito (alínea b) em questão):
- Falta à obediência devida a ordem ou mandado;
- Legalidade formal e substancial dessa ordem ou mandado;
- Competência da autoridade ou funcionário para a sua emissão;
- Regularidade da sua comunicação ao destinatário;
- Cominação expressa da autoridade ou funcionário emitente da ordem ou mandado, a conferir à conduta infractora o carácter de desobediência.
Vejamos o que preceitua o Código da Estrada sobre o tema, considerando a redacção em vigor à data.
Dispõe o artigo 150º, nº 1 do Código da Estrada:
«1. Os veículos a motor e seus reboques só podem transitar na via pública desde que seja efectuado, nos termos de legislação especial, seguro de responsabilidade civil que possa resultar da sua utilização.»
A violação de tal comando constitui contra-ordenação, sancionada com coima, nos termos do nº 2 do mesmo artigo.
Por sua vez, estabelece o artigo 162º do Código da Estrada, sob a epígrafe «Apreensão de veículos»:
1 - O veículo deve ser apreendido pelas autoridades de investigação criminal ou de fiscalização ou seus agentes quando:
a) Transite com números de matrícula que não lhe correspondam ou não tenham sido legalmente atribuídos;
b) Transite sem chapas de matrícula ou não se encontre matriculado, salvo nos casos previstos por lei;
c) Transite com números de matrícula que não sejam válidos para o trânsito em território nacional;
d) Transite estando o respectivo documento de identificação apreendido, salvo se este tiver sido substituído por guia passada nos termos do artigo anterior;
e) O respectivo registo de propriedade ou a titularidade do documento de identificação não tenham sido regularizados no prazo legal;
f) Não tenha sido efectuado seguro de responsabilidade civil nos termos da lei;
g) Não compareça à inspecção prevista no n.º 2 do artigo 116.º, sem que a falta seja devidamente justificada;
h) Transite sem ter sido submetido a inspecção para confirmar a correcção de anomalias verificadas em anterior inspecção, em que reprovou, no prazo que lhe for fixado;
i) A apreensão seja determinada ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 147.º;
j) A apreensão seja determinada ao abrigo do disposto no n.º 6 do artigo 114.º ou no n.º 3 do artigo 115.º;
l) A apreensão seja determinada ao abrigo do disposto nos n.os 5 e 6 do artigo 174.º
2 - Nos casos previstos no número anterior, o veículo não pode manter-se apreendido por mais de 90 dias devido a negligência do titular do respectivo documento de identificação em promover a regularização da sua situação, sob pena de perda do mesmo a favor do Estado.
3 - Quando o veículo for apreendido é lavrado auto de apreensão, notificando-se o titular do documento de identificação do veículo da cominação prevista no número anterior.
4 - Nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1, o veículo é colocado à disposição da autoridade judicial competente, sempre que tiver sido instaurado procedimento criminal.
5 - Nos casos previstos nas alíneas c) a j) do n.º 1, o titular do documento de identificação pode ser designado fiel depositário do respectivo veículo.
6 - No caso de acidente, a apreensão referida na alínea f) do n.º 1 mantém-se até que se mostrem satisfeitas as indemnizações dele derivadas ou, se o respectivo montante não tiver sido determinado, até que seja prestada caução por quantia equivalente ao valor mínimo do seguro obrigatório, sem prejuízo da prova da efectivação de seguro.
7 - Exceptuam-se do disposto na primeira parte do número anterior os casos em que as indemnizações tenham sido satisfeitas pelo Fundo de Garantia Automóvel nos termos de legislação própria.
8 - Quem for titular do documento de identificação do veículo responde pelo pagamento das despesas causadas pela sua apreensão.«1. O veículo deve ser apreendido pelas autoridades de investigação criminal ou de fiscalização ou seus agentes quando:
Verificado o condicionalismo do nº 1 alínea f) do artigo 162º devem ser os documentos do veículo (de identificação e respeitantes à circulação) igualmente, apreendidos (cf. artigo 161.º, n.º 1, al. e) e 2, do Código da Estrada).
O crime de desobediência imputado consubstancia-se no facto de o arguido ter conduzido uma viatura apreendida por falta de seguro e de que era fiel depositário, tendo sido previamente advertido pela autoridade policial que se o fizesse incorreria na prática de um crime de desobediência.
A fonte de legitimidade da competente autoridade de trânsito para, ao apreender o veículo por falta de seguro «proibir» o depositário de o fazer transitar, assenta claramente no disposto no artigo 150º, nº 1 do Código da Estrada, não se colocando dúvidas quanto à regularidade da comunicação efectuada.
A este propósito, importa mencionar o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2009, publicado no Diário da República, 1.ª série, nº 55 de 19 de Março de 2009, que uniformizou jurisprudência nos seguintes termos:
«O depositário que faça transitar na via pública um veículo automóvel apreendido por falta de seguro obrigatório comete, verificados os respectivos elementos constitutivos, o crime de desobediência simples do artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal e não o crime de desobediência qualificada do artigo 22.º, n.º 1 e 2, do Decreto -Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro».
Em face do consignado verificamos que se encontram inquestionavelmente preenchidos os elementos objectivos do tipo de crime acima elencados e consistentes na legalidade formal e substancial da ordem/apreensão, na competência da autoridade que a determinou, na regularidade da sua comunicação ao destinatário e na cominação expressa da autoridade ou funcionário emitente da ordem ou mandado, a conferir à conduta infractora o carácter de desobediência.
Resta equacionar se nas circunstâncias descritas se verifica ainda a falta de obediência devida a ordem ou mandado, ou seja, se se deve ou não considerar-se que a apreensão se mantinha e que lhe era devida por isso obediência, quando se encontra provado que o arguido já havia realizado o seguro cuja falta tinha determinado a apreensão.
As citadas normas do Código da Estrada não referem expressamente quando cessa a apreensão. Mas propositadamente assinalou-se a negrito a parte (artigo162º, nº 6) em  que se prevê que a apreensão no caso de acidente, se mantém até que se mostrem satisfeitas as indemnizações dele derivadas ou, se o respectivo montante não tiver sido determinado, até que seja prestada caução por quantia equivalente ao valor mínimo do seguro obrigatório, sem prejuízo da prova da efectivação de seguro.
Desde normativo resulta inequivocamente que a apreensão fundada em falta de seguro apenas cessa quando for efectuada perante a administração prova da efectivação do seguro, o que significará que até esse momento a ordem de não circulação continua válida e legitima porque com cobertura legal. Mal se compreenderia aliás que a apreensão se pudesse considerar cessada à revelia da administração, sem o que o infractor da falta de seguro tivesse que comprovar oficialmente a sua realização. Do mesmo modo só através dessa comprovação poderá reaver os documentos do veículo igualmente apreendidos.
É certo que só podem ser objecto de incriminação as condutas que violem bens jurídicos carecidos de tutela jurídico-penal, como decorre dos artigos 29º da CRP e 1º do Código Penal. O Direito Penal só deve, pois, intervir quando a sua protecção se revele imprescindível à salvaguarda dos bens jurídicos que sejam fundamentais à defesa do Estado de Direito. E só intervém se e quando os outros ramos do Ordenamento Jurídico se revelem incapazes de os defender eficazmente, o que vale por dizer que o Direito Penal constitui a ultima ratio.
No caso dos autos, a apreensão visou coagir o proprietário a celebrar contrato de seguro, que é obrigatório e sem o qual não pode circular com o veículo;
Para alcançar tal desiderato, o legislador, nos termos dos artigos 150º, nº 1 e 162º, nº 1, alínea f), ambos do Código da Estrada, conferiu competência aos agentes de autoridade para apreenderem o veículo e poderes para o efeito, podendo ordenar tudo quanto seja necessário ao cumprimento das funções que lhe estão cometidas.
Efectuada a apreensão, esta só pode ser levantada se e quando a lei o permitir.
Porque a ordem de apreensão e de manutenção da apreensão é legítima e provém da entidade a quem a lei conferiu poderes para a dar, é óbvio que o desrespeito tem de ser punido e, como se consignou como provado, tinha o arguido plena consciência de que desobedecia à ordem em causa. Em face do exposto conclui-se que o arguido preencheu com a sua conduta, os elementos objectivos e subjectivos do tipo de ilícito do crime de desobediência do artigo 348º, nº 1, alínea b) do Código Penal, não podendo deixar de ser condenado pela sua prática.

O crime cometido pelo arguido é punível com pena de prisão até um ano ou de multa até 120 dias.
Sendo o arguido delinquente primário, deve optar-se pela aplicação da pena de multa cominada porque adequada e suficiente a realizar as finalidades da punição, cujas exigências não atingem claramente um grau de defesa incompatível com pena pecuniária (cfr. artigo 70º do Código Penal).
Importa por consequência proceder ao doseamento da pena de multa que deve ser fixada entre 10 e 120 dias.
Sendo as finalidades da punição consignadas no artigo 40º do Código Penal a trave mestra que determina o doseamento da pena, dir-se-á de forma resumida, reproduzindo Figueiredo Dias, em Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, pag. 84, que «a pena concreta é limitada no seu máximo inultrapassável pela medida da culpa; dentro desse limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função das exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais».
Postas estas considerações gerais, que devem estar presentes no juízo conducente à pena concreta e adequada, o artigo 71º, nº 1 do Código Penal preceitua, na senda do citado artigo 40º que a determinação concreta da pena, dentro dos limites legalmente definidos, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e o nº 2 do mesmo artigo determina que o tribunal atenda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, enumerando algumas a título exemplificativo, circunstâncias estas que nos darão a medida das exigências de prevenção em concreto a realizar porque indicadoras do grau de violação do valor em causa e da prognose de no futuro o agente se poder determinar com o respeito pelo valor penalmente protegido.
Ao nível da ilicitude é de considerar desvalor da acção e do resultado médios, sendo de idêntica dimensão o grau de culpa. Com valor atenuante há que ponderar que o arguido já fizera cessar a situação de ilegalidade que determinara a apreensão, a que acresce a inexistência de antecedentes e a sua integração social.
Analisadas as citadas circunstâncias, elas apontam para um limite mínimo ditado pela prevenção geral de integração próximo do limite mínimo previsto na norma incriminadora, o mesmo se devendo concluir em face das exigências de prevenção especial.
Ponderando o exposto entende-se como adequada e proporcional a pena de 30 dias de multa à taxa diária que foi fixada na sentença recorrida no que concerne ao restante crime cometido.
Esta pena deve ser objecto de cúmulo jurídico com a pena em que o arguido foi condenado na sentença recorrida de 65 dias de multa. Ponderando o disposto no artigo 77º do Código Penal que dita que a pena única se situe entre 30 e 95 dias e que se ponderem os factos no seu conjunto e a personalidade do arguido evidenciada nos factos, entende-se como ajustada a pena única de 80 dias de multa. 
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IV. Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência:
- Revogar a decisão recorrida na parte em que absolveu o arguido da comissão de um crime de desobediência;
- Condenar o arguido como autor de um crime de desobediência p. e p. pelo artigo 348º, nº 1, alínea b) do Código Penal na pena de trinta dias de multa à taxa diária de cinco euros;
- Em cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena única de oitenta dias de multa à referida taxa diária no montante de quatrocentos euros.
Não há lugar a tributação em razão do recurso interposto.
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Coimbra, 8 de Outubro de 2014


 (Maria Pilar de Oliveira - relatora)

 (José Eduardo Martins - adjunto)



([1]) Nesse sentido, vide a anotação ao art. 348º in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, parte especial, tomo III, pág. 350.