Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
202/08.1TBACN-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GONÇALVES FERREIRA
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CRÉDITO FISCAL
PLANO MATEUS
Data do Acordão: 07/22/2010
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: ALCANENA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.824, 865, 868 CC, 463, 466, 490, 505, 660, 668 Nº1 D) CPC, DL Nº 124/96 DE 10/8
Sumário: 1. É nula, por omissão de pronúncia, a sentença que não conhece de excepção arguida pelo executado em processo de reclamação de créditos.

2. A falta de resposta do reclamante à alegação do executado, constante do articulado de impugnação dos créditos, de ter celebrado acordos de pagamento em prestações relativamente a parte dos créditos, que estão a ser cumpridos, implica a confissão dos factos, nos termos dos artigos 463.º, n.º 1, 466.º, n.º 1, 490.º, n.ºs 1 e 2, e 505.º do Código de Processo Civil.

3. A celebração de acordos de pagamento relativamente a créditos fiscais ou da segurança social no âmbito do decreto-lei n.º 124/96, de 10 de Agosto (Plano Mateus), torna tais créditos inexigíveis em processo executivo comum.

4. O mero pedido de pagamento em prestações dos mesmos créditos não obsta à sua reclamação no tribunal comum, enquanto o pedido não for deferido.

Decisão Texto Integral: I. Relatório:

            Por apenso aos autos de execução comum n.º 202/08.1TBACN, que correm seus termos no Tribunal Judicial de Alcanena, em que é exequente A (…), S.A., com sede no lugar do (…), Alcanena, e executada C (…), S.A., com sede na Rua (…), na qual se encontra penhorado o prédio urbano sito na Rua (...), inscrito na matriz sob o artigo 2985 da freguesia de Nossa Senhora das Misericórdias, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém sob o n.º ... apresentaram-se a reclamar créditos os seguintes credores:

            1) Instituto de Segurança Social, I. P.: crédito no montante de € 815.716,03, relativo a contribuições, acrescido de juros de mora vencidos até Janeiro de 2009, no valor de € 122.624,64, e de juros vincendos até integral pagamento.

            2) Fazenda Nacional: crédito de € 638.098,46, referente a IRS dos anos de 2007 e de 2008 (€ 287.958,71) e a IRC dos anos de 2004, 2005 e 2006 (€ 291.461.88), já com juros de mora vencidos (€ 58.677,87).

            A executada impugnou os créditos reclamados, alegando, em resumo, o pagamento parcial de uns e a existência de acordo de pagamento relativamente aos demais.

            Os reclamantes não responderam.

            Foi, então, proferida sentença que julgou os créditos parcialmente reconhecidos e os graduou pela forma seguinte:

            Em primeiro lugar, parte do crédito da Fazenda Pública;

            Em segundo lugar, o crédito da Segurança Social;

            Em terceiro lugar, o crédito exequendo;

            Em quarto lugar, o crédito restante da Fazenda Pública.

            Inconformada, a executada interpôs recurso e apresentou a sua alegação, que concluiu assim:

            1) Na impugnação da reclamação de créditos deduzida pela Fazenda Pública, invocou a celebração, o cumprimento e a vigência de acordos de pagamento dos créditos ora reclamados e defendeu que isso teria como efeito a inexigibilidade dos mesmos; no entanto,

            2) O tribunal não se pronunciou sobre a questão de saber se a celebração e vigência dos acordos obstava ao reconhecimento e exigibilidade dos créditos reclamados, pelo que a sentença é nula, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil;

            3) A celebração de acordos de pagamento entre si e a credora reclamante, relativos aos créditos reclamados, e a sua vigência tornam a obrigação inexigível, o que conduz à impossibilidade de verificação e graduação dos créditos reclamados;

            4) A sentença enferma de erro de julgamento, ao não ter dado por provado que cumpriu os acordos de pagamento em prestações, devendo tal matéria ser aditada aos factos assentes, por se encontrarem preenchidos os pressupostos a que alude o artigo 712.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil;

            5) Consubstanciando a adesão aos acordos de pagamento em prestações e, bem assim, o seu cumprimento excepções, invocadas na impugnação da reclamação, a que não foi dada resposta, os factos que lhe estão subjacentes deverão ser considerados confessados e aditados à matéria de facto;

            6) A entender-se por não confessado o cumprimento dos acordos, deveria o tribunal ter levado tal factualidade à base instrutória, a fim de sobre ele ser produzida prova;

            7) A sentença, ao ter julgado verificados todos os créditos reclamados pela Fazenda Pública (com excepção dos já liquidados) e procedido à graduação dos mesmos pela forma como o fez, violou, por errada e interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 111.º do CIRS e 108.º do CIRC, atendendo a que desconsiderou que as quantias de imposto em dívida, relativas aos anos de 2004 e 2005, não gozam de privilégio creditório, não devendo ser reconhecidas e graduadas;

            8) Apenas gozam de privilégio imobiliário sobre o bem penhorado os créditos reclamados pela Fazenda Pública, relativos a IRS e IRC dos últimos três anos, já não gozando de tal privilégio os créditos reclamados que sejam anteriores a esse lapso de tempo, contrariamente ao que resulta da decisão recorrida;

            9) Resultando provado que os créditos reclamados constantes dos pontos 14 e 16 da matéria de facto dizem respeito a imposto referente aos anos de 2004 e 2005 (ou seja, há mais de três anos desde a data da penhora), não gozam eles de qualquer privilégio creditório, pelo que a reclamação quanto a estes valores deveria ter sido julgada improcedente, não podendo o respectivo crédito ser reconhecido e graduado.

            Os recorridos não responderam à alegação da recorrente.

            A ex.ma juiz do tribunal recorrido indeferiu a arguição da nulidade da sentença de forma meramente tabelar.

            Entendendo-se, nesta Relação, que a decisão recorrida era nula, pelo facto de o tribunal recorrido se não ter pronunciado sobre questão que devia conhecer, que nada obstava à sua apreciação e que a apelação tinha condições para proceder, ordenou-se a audição das partes, nos termos do artigo 715.º do Código de Processo Civil.

            Só a recorrente respondeu, remetendo para as respectivas alegações de recurso.

            São questões a resolver:

            a) A nulidade da sentença;

            b) A inexigibilidade dos créditos, decorrente da celebração de acordos de pagamento;

            c) A alteração da matéria de facto;

            d) A elaboração da base instrutória;

            e) O reconhecimento e graduação dos créditos.

            II. A matéria de facto:

            Na decisão recorrida foram dados por assentes os seguintes factos:

            1) Nos autos de execução a que estes se encontram apensos, para cobrança da quantia de € 509.479,24 acrescida das despesas da execução no valor provável de € 25.473,96, foi penhorado à executada o prédio urbano designado por lote n.º 21, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º ..., freguesia e concelho de Portimão, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ....

            2) Essa penhora foi registada a favor da Exequente, em 16-12-2008, pela apresentação de registo n.º 35/20081216.

3) A Executada está inscrita na Reclamante Instituto da Segurança Social, I.P. sob o regime dos contribuintes do regime geral.

4) A Executada procedeu ao pagamento das quantias inscrita para cobrança em:

a. 02-2004, acrescida de juros, em 31-05-2004;

b. 10-2004, acrescida de juros, em 11-01-2005;

c. 03-2005, 05-2005, 06-2005, 07-2005, 08-2005, acrescidas de juros, em 21-09-2005;

d. 10-2005, acrescida de juros, em 15-11-2005;

5) Executada e Reclamante Instituto da Segurança Social, I.P. celebraram em 17-08-2007 acordo de pagamento em prestações das quantias inscritas para cobrança em 05-2006 a 12-2006.

6) Em 19-05-2008 Executada procedeu ao pagamento das quantias inscritas para cobrança em 06-2006 (contribuições) e 09 a 12-2006 (cotizações);

7) Executada e Reclamante Instituto da Segurança Social, I.P. celebraram em 24-05-2008 acordo de pagamento em prestações das quantias em dívida no montante de € 201.886,32.

8) A Executada não procedeu ao pagamento das quantias inscritas para cobrança em 01, 04, 05, 07 a 12-2007 e 01 a 11-2008.

9) A Executada é contribuinte para a Reclamante Fazenda Pública sob o regime das pessoas colectivas.

10) Em 28-11-2008 a Reclamante Fazenda Pública acordou com a Executada no pagamento em prestações das quantias relativas a IRS respeitantes ao ano de 2007, e juros de mora, que perfaziam o montante global de € 43.966,28:

e. inscritas para cobrança em 20-04-2007;

f. inscritas para cobrança em 20-06-2007;

g. inscritas para cobrança em 21-05-2007;

11) Em 29-11-2007 a Reclamante Fazenda Pública acordou com a Executada no pagamento em prestações das quantias relativas a IRC respeitantes ao ano de 2006, inscritas para cobrança em 17-09-2007.

12) Em 27-02-2009 a Executada procedeu ao pagamento da quantia relativas a IRS respeitantes ao ano de 2007, e respectivos juros, inscrita para cobrança em 20-12-2007.

13) Em 30-05-2008 a Reclamante Fazenda Pública acordou com a Executada no pagamento em prestações das quantias relativas a IRS respeitantes ao ano de 2008, inscritas para cobrança em 20-02-2008.

14) A Reclamante Fazenda Pública acordou com a Executada no pagamento em prestações das quantias relativas a IRC respeitantes ao ano de 2004, inscritas para cobrança em 02-04-2008.

15) A Reclamante Fazenda Pública acordou com a Executada no pagamento em prestações das quantias relativas a IRS respeitantes ao ano de 2007 e 2008, e juros de mora, que perfaziam o montante global de € 34.489,28:

h. inscritas para cobrança em 19-03-2008;

i. inscritas para cobrança em 20-03-2008;

16) A Reclamante Fazenda Pública acordou com a Executada no pagamento em prestações das quantias relativas a IRC respeitantes ao ano de 2005, inscritas para cobrança em 13-08-2008.

17) A Reclamante Fazenda Pública acordou com a Executada no pagamento em prestações das quantias relativas a IRS respeitantes ao ano de 2007 e 2008, e juros de mora, que perfaziam o montante global de € 110.867,61:

j. inscritas para cobrança em 11-06-2008;

k. inscritas para cobrança em 20-04-2008;

l. inscritas para cobrança em 20-08-2008;

m. inscritas para cobrança em 22-09-2008;

n. inscritas para cobrança em 20-07-2008;

o. inscritas para cobrança em 20-05-2008;

18) Em 25-02-2009 a Executada procedeu ao pagamento da quantia relativas a IRS respeitantes ao ano de 2008, e respectivos juros, inscrita para cobrança em 20-06-2008.

19) Em 19-03-2009 a Executada solicitou à Reclamante Fazenda Público o pagamento em prestações da quantia relativas a IRS respeitantes ao ano de 2008, inscrita para cobrança em 20-10-2008.

20) A Executada não entregou as quantias relativas a IRS do ano de 2008, inscritas para cobrança em 20-11-2008, no montante de € 21.001,56 e respectivos juros de mora no valor de € 840,08.

21) A Executada não entregou as quantias relativas a IRS do ano de 2008, inscritas para cobrança em 22-12-2008, no montante de € 17.646,23 e respectivos juros de mora no valor de € 529,38.

III. O direito:

a) A nulidade da sentença

           

A recorrente discorre deste modo para chegar à nulidade da sentença:

Em sede de impugnação da reclamação deduzida pela Fazenda Pública, invocou o pagamento de alguns dos créditos reclamados e a celebração de acordos de pagamento relativamente a outros. No que respeita aos acordos, alegou que os mesmos estavam a ser cumpridos e que as quantias reclamadas eram, nessa parte, inexigíveis, o que deveria conduzir à impossibilidade de se considerarem os respectivos montantes na reclamação e graduação de créditos. No domínio da matéria de facto, foram dados por provados todos os acordos celebrados entre si e a Fazenda Pública. No entanto, o tribunal considerou verificados todos os créditos reclamados, excepção feita aos já liquidados, e procedeu à sua graduação, sem se pronunciar sobre os efeitos dos acordos e sem decidir se eles obstariam ao reconhecimento e exigibilidade dos créditos. Tratando-se, como se trata, de matéria de excepção, estava o tribunal obrigado a apreciá-la, nos termos do artigo 660.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Não o tendo feito, a sentença é nula, por força do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do mesmo diploma.

A ex.ma juiz que lavrou a decisão disse, pura e simplesmente, que não ocorria o apontado vício e por aí se quedou.

Mas a sentença é, de facto, nula, como se procurará demonstrar.

De acordo com o disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte, do referido diploma, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

            Esta nulidade, a que o Prof. Alberto dos Reis chama omissão de pronúncia, está em correlação com a primeira parte do n.º 2 do artigo 660.º: “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação”. E dá, logo, um exemplo, retirado da prática judiciária: deduzidos embargos a posse judicial com fundamento na posse baseada em usufruto, se o embargado alegar que o usufruto não podia produzir efeitos em relação a ele, por não se encontrar registado à data em que adquiriu o prédio, é nula a sentença se deixar de conhecer desta questão (Código de Processo Civil Anotado, volume V, pág. 142/143).

            O problema está, no fundo, em definir o alcance da palavra questões.

            Como esclarece aquele mestre, para se orientar sobre os limites da sua actividade de conhecimento, o juiz deve, entes de tudo, tomar em consideração as conclusões expressas nos articulados, já que a função específica destes é a de fornecer a delimitação nítida da controvérsia. Mas não só; é necessário atender, também, aos fundamentos em que essas conclusões assentam, ou, dito de outro modo, às razões e causas de pedir invocadas. Causas de pedir que se não confundem com os argumentos ou meios de que a parte se socorre para fazer valer a sua pretensão, com o facto abstracto configurado ou rubricado na lei, mas sim com o facto concreto ou o complexo de factos idóneos para produzir efeitos jurídicos (obra citada, págs. 52/58).

            Em última análise, questão será, pois, tudo o que respeite ao litígio existente entre as partes, no quadro, tanto do pedido e da causa de pedir, como no da defesa por excepção.

            É nesse sentido, aliás, que se pronuncia o Prof. Anselmo de Castro: “a palavra questões (…) envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem” (Direito Processual Civil Declaratório, volume III, pág. 142).

            Ora, não são precisos grandes considerandos para se perceber que toda a defesa da recorrente relativamente à reclamação de créditos deduzida pela Fazenda Pública, única que aqui está em causa, é feita por via de excepção. Não negou a sua qualidade de sujeito passivo de impostos nem o valor dos mesmos. Disse ter pago parte das quantias reclamadas e efectuado acordo de pagamento em prestações quanto à parte restante, do que decorria não serem os créditos devidos. Ou seja, alegou matéria de facto que, na sua perspectiva, extinguia ou impedia o direito arrogado pela reclamante e, nessa medida, determinava a improcedência da reclamação.

            A defesa por excepção, prevista no artigo 487.º do Código de Processo Civil, contrapõe-se à defesa por impugnação e supõe, exactamente, que o réu não contradiz os factos alegados pelo autor, antes lhe opõe factos novos, visando afastar a pretensão formulada (Prof. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, edição de 1979, pág. 128; Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, págs. 24 e seguintes; Prof. Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, págs. 290 e seguintes).

            Alegados factos novos e pedida, por via deles, a procedência da oposição, cabia ao tribunal decidir em que medida os mesmos relevavam juridicamente para a sorte da reclamação; poderia, é evidente, relegar o conhecimento para momento ulterior, se, porventura, se tornasse necessário produzir prova; como poderia concluir que os factos não tinham a virtualidade que a reclamada lhes atribuiu. O que não podia era ignorá-los, como se esta nada tivesse alegado.

            Deixando de se pronunciar sobre a relevância dos factos alegados, é a sentença nula, o que não impede, contudo, que a Relação conheça do objecto da apelação (artigo 715.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), o que nos reconduz à segunda questão colocada pela recorrente, que se passará a apreciar.

            b) A inexigibilidade dos créditos, decorrente da celebração de acordos de pagamento

           

            A Fazenda Nacional reclamou 20 créditos, acrescidos de juros de mora, 17 respeitantes a IRS e 3 a IRC, a saber:

            A. Referentes a IRS:   

Crédito
Ano a que respeita
Inscrição para cobrança
Juros

1)      € 19.169,22
2007
20.04.2007
€ 1.341,85
2)      €   4.481,69
2007
20.06.2007
€ 224,10
3)      € 17.521,11
2007
21.05.2007
€ 1.226,48
4)      € 15.653,70
2007
20.12.2007
€ 2.362,29
5)      € 13.912,98
2008
20.02.2008
€ 1.808,72
6)      €   9.863,03
2008
20.03.2008
€ 1.183,50
7)      € 20.280,92
2007
19.03.2008
€ 2.433,58
8)      € 17.660,55
2008
20.04.2008
€ 1.942,71
9)      € 23.422,97
2008
20.08.2008
€ 1.639,61
10)    € 23.373,32
2008
22.09.2008
€ 1.402,38
11)    € 18.120,83
2008
20.07.2008
€ 1.448,68
12)    € 18.580,14
2008
20.05.2008
€ 1.858,00
13)    €      220,98
2007
11.06.1008
€ 19,89
14)    € 24.841,53
2008
20.06.2008
€ 2.235,78
15)    € 22.207,95
2008
20.10.2008
€ 1.110,40
16)    € 21.001,56
2008
20.11.2008
€ 840,08
17)    € 17.646,23
2008
22.12.2008
€ 529,38

B. Referentes a IRC:

Crédito
Ano a que respeita
Inscrição para cobrança
Juros

1)      € 57.760,07
2006
17.09.2007
€ 10.350,39
2)      € 215.053,96
2004
02.04.2008
€ 23.439,66
3)      € 18.647,85
2005
13.08.2008
€ 1.279,39

A reclamada/recorrente alegou, no seu articulado de impugnação, ter liquidado os créditos de IRS referenciados sob os números 4) e 14), ter celebrado acordo de pagamento em prestações de todos os créditos de IRC e dos créditos de IRS indicados sob os números 1) a 3) e 5) a 13), os quais estão a ser cumpridos, e ter formulado pedido de pagamento em prestações do crédito de IRS mencionado sob o n.º 15), o qual aguarda decisão.

Toda esta matéria, excepção feita ao cumprimento dos acordos de pagamento em prestações, foi dada por assente na sentença (pontos 12 e 18 em relação ao pagamento dos créditos, pontos 10, 11, 13, 14, 15, 16 e 17, quanto à celebração de acordo de pagamento em prestações e 19, no que toca ao pedido de pagamento em prestações).

Relativamente aos créditos sobrantes – identificados sob os números 16) e 17) – foi dado por provado que não foram pagos pela reclamada.

Em sede de direito, julgaram-se reconhecidos todos os créditos reclamados, com excepção dos já liquidados (sem discutir as incidências da celebração dos acordos de pagamento em prestações nem do pedido de pagamento da mesma forma) e procedeu-se à sua graduação no lugar julgado pertinente.

No entender da recorrente, os créditos não podiam ter sido reconhecidos, porque a realização de acordos de pagamento diferido suspende os processos de cobrança coerciva, não sendo as prestações estabelecidas exigíveis em momento anterior à data acordada entre as partes.

E, na realidade, assim é. Sabe-se que, pelo regime geral do Código de Processo Civil, o credor é admitido à execução, ainda que o crédito não esteja vencido (artigo 865.º, n.º 7). Mas o facto de a falta de vencimento não impedir a exigibilidade da obrigação – cuja razão de ser entronca na caducidade dos direitos reais de garantia com a venda executiva, nos termos do n.º 2 do artigo 824.º do Código Civil, a justificar que todos os credores com garantia real reclamem os seus créditos no respectivo concurso (José João Baptista, Acção Executiva, 9.ª edição, pág. 149, nota 70) – não significa que o regime se aplique a outras situações de inexigibilidade.

Quando o devedor tenha aderido a planos de pagamento em prestações, como é o caso do previsto no decreto-lei n.º 124/96, de 10 de Agosto (Plano Mateus), têm a doutrina e a jurisprudência vindo a entender que, enquanto se mantiver o cumprimento não é possível a reclamação desses créditos no âmbito do processo executivo comum.

Di-lo claramente o conselheiro Fernando Amâncio Ferreira: “Assim, não pode o Estado (administração fiscal) reclamar o seu crédito de impostos quando firmou um acordo com o devedor (executado) para pagamento das dívidas fiscais deste em prestações mensais, enquanto tal acordo estiver a ser pontualmente cumprido, nos termos do DL n.º 124/96, de 10 de Agosto” (Curso de Processo de Execução, 11.ª edição, pág. 333).

E confirma-o, do mesmo modo, o nosso mais alto Tribunal, mormente nos seus acórdãos de 01.06.1999 (BMJ 488, pág. 293), de 29.06.1999 (processo n.º 98A1002, em www.dgsi.pt), de 11.11.1999 (BMJ 491, pág. 214), de 04.04.2000 (BMJ 496, pág. 199), de 08.02.2001 (processo n.º 00A3937, em www.dgsi.pt) e de 27.03.2001 (CJ/STJ, Ano IX, Tomo I, pág. 184).

Os argumentos são conhecidos, podendo sintetizar-se na ideia de que o DL 124/96 instituiu um regime especial relativamente ao regime geral de reclamação de créditos, do qual decorre a não exigibilidade dos créditos que foram objecto de acordo entre o Estado e os contribuintes enquanto tal acordo estiver a ser cumprido. Ao aceitar o pagamento dos impostos em prestações, o Estado obriga-se a não exigir a dívida inicial, pelo que a viabilidade da reclamação violaria o princípio da boa fé que nenhum contratante pode deixar de respeitar, nos termos do artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil. A circunstância de ser admissível a reclamação, ainda que o crédito não esteja vencido (n.º 7 do artigo 865.º do CPC, acima citado) é irrelevante, visto que, no caso, não é a falta de vencimento que está em questão, mas uma causa específica de inexigibilidade, ajustada entre o credor e o devedor. Deste modo, e a menos que se verifique uma das situações a que alude o n.º 2 do artigo 3.º do falado DL – a) deixar de ser efectuado o pagamento integral e pontual das prestações; b) serem revogadas as autorizações ou deixarem de ser renovadas as declarações decorrentes da lei; c) incumprir o devedor qualquer obrigação tributária principal ou de contribuição para instituições de previdência ou de segurança social, não abrangida pelo diploma –, os créditos são inexigíveis, não podendo, por isso, ser reclamados no processo executivo comum.

Assentaremos, portanto, em que os créditos sobre os quais incidirem acordos de pagamento em prestações, ao abrigo do Plano Mateus, não podem ser reclamados em execução pendente no tribunal comum enquanto se verificar o cumprimento do acordado.

Ora, todos os créditos por impostos que a sentença impugnada reconheceu e graduou, à excepção dos créditos de IRS acima referido sob os n.ºs 15), 16) e 17), foram objecto de acordo de pagamento em prestações.

O que importa, agora, é saber se há elementos para considerar que o acordo tem estado a ser cumprido. A recorrente sustenta que sim e que isso deve ser levado à matéria de facto, uma vez que a alegação da adesão ao acordo prestacional e o respectivo cumprimento não foram contrariados pela reclamante, através de adequada resposta, nos termos do preceituado no artigo 867.º do Código de Processo Civil.

Eis que somos, pois, chegados à terceira questão.

c) A alteração da matéria de facto

A decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão – alínea a) do n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil.

Dispõe, por seu lado, o n.º 3 do artigo 659.º do mesmo diploma, que, na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo.

O processo de reclamação de créditos admite até três articulados: a petição da reclamação, a impugnação e a resposta, mas, neste caso, só se o reclamado se defender por via de excepção (artigos 865.º, 866.º, n.º 2, e 867.º do Código de Processo Civil).

A falta de impugnação da reclamação tem as consequências referidas no n.º 4 do artigo 868.º do mesmo diploma.

No tocante à resposta, deve o respondente tomar posição definida sobre os factos invocados na impugnação a título de excepção, sob pena de se considerarem admitidos por acordo, salvo se estiverem em oposição com o conjunto da resposta, não for admitida confissão sobre eles, só puderem ser provados por documento escrito ou se funcionar alguma excepção ao efeito cominatório da revelia, tudo nos termos dos artigos 463.º, n.º 1, 466.º, n.º 1, 490.º, n.ºs 1 e 2, e 505.º do citado Código (Conselheiros Salvador da Costa, O concurso de Credores, edição de 2009, pág. 253/254, e Fernando Amâncio Ferreira, obra citada, pág. 340).

A recorrente defendeu-se, como já se deixou expresso, através de excepção, invocando o acordo de pagamento em prestações, no âmbito do Plano Mateus (já dado por assente na sentença, com base nos documentos juntos), e o cumprimento desse mesmo acordo (a que a sentença não fez a menor alusão).

A reclamante não respondeu à excepção, pelo que os factos que a suportam não podem estar em oposição com a resposta no seu conjunto; também não estão em oposição com a reclamação, porque a petição não passa da afirmação (conclusiva, em boa verdade) da existência dos créditos; e a existência dos créditos até é condição sine qua non do acordo de pagamento em prestações.

Por outro lado, a matéria em causa não respeita a direitos indisponíveis – admite, por conseguinte, confissão – e não há disposição legal que exija documento escrito para a respectiva prova.

Assim sendo, tem de se considerar confessado pela reclamante o cumprimento dos acordos de pagamento em prestações.

Procede, deste modo, a questão suscitada, em razão do que se adita à matéria de facto que os acordos de pagamento em prestações referentes aos créditos de IRC e aos créditos de IRS identificados acima sob os números 1) a 3) e 5) a 13) se encontram a ser cumpridos pela reclamada/recorrente.

d) A elaboração da base instrutória

Esta questão foi colocada, tão-somente, para a hipótese de improceder a questão anterior.

Decidido, que ficou, o aditamento à matéria de facto do cumprimento dos acordos de pagamento em prestações, a questão perdeu utilidade.

e) O reconhecimento e graduação dos créditos

Do que antes se expôs, resulta ser legalmente inadmissível a reclamação dos créditos sobre os quais recaíram acordos de pagamento em prestações.

Subsistem, assim, o crédito de IRS indicado no número 15), que a recorrente tratou da mesma forma que os anteriormente referidos, quando só foi objecto de um pedido de pagamento em prestações, bem como os identificados nos números 16) e 17), que ficaram por pagar.

Quanto a estes dois, nenhum problema se coloca, na medida em que o recurso os não abrangeu. Foram reconhecidos e graduados no lugar que se entendeu ser o próprio (o primeiro na posição cimeira, à frente dos créditos da Segurança Social e do crédito exequendo, e o segundo em último lugar) e aí se haverão de manter.

Quanto àquele, o pedido de adesão ao Plano Mateus não tem o mesmo efeito que o seu deferimento. Conforme o disposto no n.º 9 do artigo 14.º do DL 124/96, a apresentação de requerimento não suspende o curso dos processos de execução fiscal já instaurados nem a instauração de novos processos, dando origem, apenas, à suspensão da venda de bens até decisão sobre o pedido.

É evidente que se o requerimento for indeferido, terá de ser levantada a suspensão da venda, com o consequente prosseguimento da execução; no caso contrário, suspendem-se, então, os processos em curso, bem como aqueles que venham a ser instaurados, enquanto se mantiver o cumprimento (n.º 10 do mesmo artigo).

Transposta a disciplina daquele n.º 9 para a reclamação de créditos em processo executivo comum, parece inevitável a conclusão de que a mera formulação do pedido de adesão não tem quaisquer consequências de ordem substancial ou, sequer, processual, uma vez que a suspensão da venda dos bens (única que lhe cabe em processo de execução fiscal), é aqui de rejeitar, por haver outros interessados na execução e, naturalmente, na venda (o exequente e o Instituto de Segurança Social), para os quais a eventual adesão da apelante ao plano de pagamento diferido é res inter alios acta.

Não tendo o crédito sido impugnado, haverá de ser reconhecido (artigo 868.º, n.º 4, do Código de Processo Civil), ao contrário do pretendido pela recorrente, e graduado no lugar que lhe competir.

A sentença graduou-o no primeiro lugar, a par do acima referido sob o n.º 16) e a recorrente não atacou, nesta parte, a decisão (impugnou o reconhecimento, com base em pressupostos incorrectos, como se disse, mas não a graduação), que, de resto, se mostra conforme com o regime legal aplicável, designadamente o disposto no artigo 111.º do CIRS.

No estrito capítulo da graduação, relativamente aos créditos agora julgados reconhecidos, será a sentença confirmada.

Refira-se, a terminar, que é inútil a discussão sobre se os créditos referentes aos anos de 2004 e 2005 gozam, ou não, de privilégio creditório – conclusões 7), 8) e 9) –, dado que os créditos nessa situação, que são os indicados sob os números 1) e 2) em IRC, não foram reconhecidos, por terem entrado nos acordos de pagamento em prestações.

IV. Em síntese:

1) É nula, por omissão de pronúncia, a sentença que não conhece de excepção arguida pelo executado em processo de reclamação de créditos.

2) A falta de resposta do reclamante à alegação do executado, constante do articulado de impugnação dos créditos, de ter celebrado acordos de pagamento em prestações relativamente a parte dos créditos, que estão a ser cumpridos, implica a confissão dos factos, nos termos dos artigos 463.º, n.º 1, 466.º, n.º 1, 490.º, n.ºs 1 e 2, e 505.º do Código de Processo Civil.

3) A celebração de acordos de pagamento relativamente a créditos fiscais ou da segurança social no âmbito do decreto-lei n.º 124/96, de 10 de Agosto (Plano Mateus), torna tais créditos inexigíveis em processo executivo comum.

4) O mero pedido de pagamento em prestações dos mesmos créditos não obsta à sua reclamação no tribunal comum, enquanto o pedido não for deferido.

V. Decisão:

Pelo exposto, decide-se julgar a apelação parcialmente procedente, em razão do que se revoga a sentença apelada, no segmento em que declarou reconhecidos e graduou os créditos (com inclusão dos juros de mora) da Fazenda Nacional relativos a IRC, bem como os créditos referentes a IRS inscritos para cobrança em 20.04.2007, 20.06.2007, 21.05.2007, 20.02.2008, 20.03.2008, 19.03.2008, 20.04.2008, 20.08.2008, 22.09.2008. 20.07.2008, 20.05.2008 e 11.06.2008.

Mantém-se, no mais, a sentença, mormente no que se refere ao reconhecimento dos créditos de IRS (incluindo os juros), inscritos para cobrança em 20.10.2008, 20.11.2008 e 22.12.2008, e à respectiva graduação.

Custas por recorrente e recorrida, na proporção do respectivo decaimento.


Relator: Gonçalves Ferreira
Adjuntos: Virgílio Mateus
Carvalho Martins