Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
229/11.6TBFVN.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: UNIÃO DE FACTO
MORTE
FACTO IMPEDITIVO
BENEFICIÁRIO
PRESTAÇÃO SOCIAL
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 06/24/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE FIGUEIRÓ DOS VINHOS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 2º DA LEI Nº 7/2001, DE 11/05.
Sumário: I – A situação da união de facto mantém diferenças óbvias com o casamento, sendo por esse motivo que resulta da al. c) do art. 2º da Lei 7/2001, de 11 de Maio, que são impeditivos dos efeitos jurídicos da presente lei - ou seja os efeitos decorrentes da situação de união de facto - o casamento não dissolvido, salvo se tiver sido decretada separação judicial de pessoas e bens, enquanto, em relação ao casamento, a lei é mais exigente ao estabelecer como impedimento a existência de casamento anterior não dissolvido.

II - Da circunstância de o falecido F… ser casado com V… à data do respectivo óbito ressuma a impossibilidade do reconhecimento à autora M… do estatuto de unida de facto, tendo em vista a aplicação do regime geral da segurança social, com o objectivo de obter a qualidade de titular das prestações por morte do beneficiário falecido.

III - De harmonia com o que a Lei nº 7/2001, de 11/05 (actualizada pela Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto, sobre o regime de prestações sociais em caso de óbito de um dos elementos da união de facto beneficiário de sistema de Segurança Social), consigna na alínea c) do seu artº 2º, impede a atribuição de direitos ou benefícios, em vida ou por morte, fundados na união de facto, o “casamento não dissolvido, salvo se tiver sido decretada a separação de pessoas e bens”.

IV - A norma da alínea c) do artº 2º da Lei nº 7/2001 não enferma de inconstitucionalidade material, designadamente por violação do direito à segurança social e dos princípios constitucionais de igualdade e proporcionalidade.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A) - 1) – M…, nascida em 1 de Maio de 1948, solteira, residente em …, intentou, em 22/06/2011, no Tribunal Judicial de Figueiró dos Vinhos, acção, sob a forma de processo ordinário, contra o Instituto da Segurança Social, IP - Centro Nacional de Pensões, com sede em Lisboa, pedindo que declare que é titular das prestações por morte, no âmbito dos regimes de Segurança Social previstos no DL 322/90, de 18 de Outubro, DR 1/94, de 18 de Janeiro, e na Lei 7/2001, de 11 de Maio, decorrentes da morte, em 16 de Fevereiro de 2007, do beneficiário da Segurança Social de nome F…, com quem viveu em união de facto desde 1967 e até à data do referido óbito.

2) - O Réu, contestando, além de impugnar, por desconhecimento, os factos articulados na petição inicial, alegou que o referido beneficiário faleceu no estado civil de casado com V…, circunstância esta impeditiva da obtenção, por parte da A., do efeito jurídico que a mesma pretende com a presente acção (artº 2º, al. c), da Lei nº 7/2001), defendendo ele, por isso, a sua absolvição do pedido.

3) - A Autora não apresentou réplica.

4) - Tendo-se proferido decisão a absolver o réu da instância, por se ter julgado verificada a excepção inominada de falta de interesse em agir da autora, veio essa decisão a ser revogada por esta Relação, que determinou o prosseguimento dos autos (Acórdão de 11 de Julho de 2012).

B) - Elaborou-se o despacho saneador, procedeu-se à selecção dos factos assentes e à organização da base instrutória.

C) - Prosseguindo os autos os seus ulteriores termos, veio a ter lugar a audiência de discussão e julgamento, com registo da prova, após o que foi proferida sentença (em 28 de Janeiro de 2014), que, na procedência da excepção deduzida pelo réu, absolveu o mesmo dos pedidos contra si deduzidos pela autora.

II - Inconformada com o decidido, apelou a Autora para este Tribunal da Relação, terminando a sua alegação recursiva com as seguintes conclusões:

III - A) - As questões:
Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, e 639º, nº 1, ambos do novo Código de Processo Civil (NCPC), aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, Código este que é o aqui aplicável uma vez que a sentença recorrida foi proferida já após a sua entrada em vigor, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos, que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586 [1]).
No presente recurso importa apurar se, em face da factualidade dada como provada, foi acertada a decisão de julgar a acção improcedente, o que passa por saber se a norma aplicada pelo Tribunal “a quo” que determinou que assim se julgasse enferma da inconstitucionalidade que a Autora, apenas em sede do presente recurso, invocou.
Diga-se, preliminarmente, que a circunstância de a autora não ter suscitado, na fase dos articulados, a referida questão de inconstitucionalidade normativa, sendo impeditiva, quanto a nós, da admissibilidade de um eventual futuro recurso para o Tribunal Constitucional,[2] parece não obstar, por ser de conhecimento oficioso, que esta Relação a aprecie (cfr. Acórdão do TC de 14 de Maio de 1997, Processo nº 607/96, 2ª Secção, consultável em “http://www.pgdlisboa.pt/jurel/cst_busca_palavras.php?buscajur =constitucionalidade&ficha=8909&pagina=356&exacta=&nid=2293”).

B) - Os factos:

Na sentença recorrida foi considerada como provada a seguinte factualidade:

«1) F… casou em 18 de Maio de 1960 com V...

2) F… faleceu em 16 de Fevereiro de 2007, no estado de casado com V...

3) A A. é reformada, por invalidez, tendo-lhe sido fixada uma pensão mensal no valor de €303,23 € (trezentos e três euros e vinte e três cêntimos).

4) A autora nasceu no dia 1 de Maio de 1948, sendo filha de ...

5) F… era reformado e beneficiário do R.

6) F… tinha como última residência habitual o domicílio da A., em ...

7) F… viveu com a autora pelo menos durante quarenta anos, e até à data da sua morte, na mesma habitação.

8) A A. partilhou com aquele a mesma cama, relacionando-se com ele afectiva e sexualmente.

9) Tomando as refeições em conjunto.

10) Passeando e saindo juntos.

11) Cada um contribuía com o que auferia para a aquisição de todos os bens alimentares, electrodomésticos, vestuário e tudo o necessário a uma economia familiar.

12) A A. cuidava do falecido F… quando este se encontrava doente.

13) E o mesmo fazia o falecido F… em relação à A.

14) A A. e o seu companheiro viviam como se mulher e marido fossem.

15) E assim eram reconhecidos e tratados por todas as pessoas com quem se relacionavam.

16) A A. foi viver para … ainda jovem.

17) A autora e o falecido F… são os pais de ...

18) Os filhos da autora vivem no concelho.

19) Os filhos da A. e do falecido F… trabalham e os seus rendimentos apenas servem para suportar as despesas com os seus agregados familiares, designadamente habitação, alimentação, vestuário e medicamentos.

20) A A. tem oito irmãos, quatro deles já falecidos

21) A quantia referida em 3) é insuficiente para suportar as despesas da autora com alimentação, medicamentos, electricidade, gás e todas as demais indispensáveis para a sua subsistência.

C) - O direito:

Não tendo sido impugnada a decisão sobre a matéria de facto, nem se vendo motivo que leve este Tribunal a modificá-la oficiosamente, as razões da improcedência da acção são, no essencial, transmitidas nos trechos da sentença que se transcrevem: «(…) a actual al. c) do art. 2º da Lei 7/2001, de 11 de Maio, com a alteração introduzida pela Lei 23/2010, de 30 de Agosto, estatui que impedem a atribuição de direitos ou benefícios, em vida ou por morte, fundados em união de facto “Casamento não dissolvido, salvo se tiver sido decretada a separação de pessoas e bens”.

Isto é, a única alteração introduzida à citada alínea foi a supressão da palavra “anterior”, sendo certo que de tal alteração nada decorre com relevo para a hipótese dos antes em que se verifica que, no momento da morte, um dos companheiros era casado com uma terceira pessoa.

A razão de ser do impedimento dirimente da lei civil é garantir o princípio da natureza monogâmica da instituição matrimonial.

Todavia, a situação da união de facto mantém diferenças óbvias com o casamento, sendo por esse motivo que resulta da al. c) do art. 2º da Lei 7/2001, de 11 de Maio, que são impeditivos dos efeitos jurídicos da presente lei - ou seja os efeitos decorrentes da situação de união de facto - o casamento não dissolvido, salvo se tiver sido decretada separação judicial de pessoas e bens, enquanto, em relação ao casamento, a lei é mais exigente ao estabelecer como impedimento a existência de casamento anterior não dissolvido.

Na hipótese dos autos a autora alega que viveu, desde 1967, com F… até ao momento do decesso deste.

Aliás, acrescenta e demonstra que de tal relacionamento nasceram três filhos.

Todavia, o falecido F… casou em 18 de Maio de 1960 com V… - casamento que se mantinha válido à data do óbito daquele.

(…)

Ora, sendo assim, é patente que da circunstância de o falecido F… ser casado com V… à data do respectivo óbito ressuma a impossibilidade do reconhecimento à autora do estatuto de unida de facto, tendo em vista a aplicação do regime geral da segurança social com o objectivo de obter a qualidade de titular das prestações por morte do beneficiário falecido - cfr. no sentido do texto Acs. do STJ de 26/06/2007 e de 03/02/2009 in www.dgsi,pt.».

Vejamos.

De harmonia com o Acórdão Uniformizador n.º 3/2013 do STJ[3], "A alteração que a Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto, introduziu na Lei nº 7/2001, de 11 de Maio, sobre o regime de prestações sociais em caso de óbito de um dos elementos da união de facto beneficiário de sistema de Segurança Social, é aplicável também às situações em que o óbito do beneficiário ocorreu antes da entrada em vigor do novo regime".

Não suscita dúvida, pois, que, não obstante o beneficiário em causa ter falecido em 16 de Fevereiro de 2007, antes, pois, da publicação e consequente entrada em vigor da Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto, são aplicáveis, à situação “sub judice” as alterações que esta lei introduziu na Lei nº 7/2001, de 11 de Maio.

Ora, de harmonia com o que essa Lei nº 7/2001, actualizada nos preditos termos, consigna na alínea c) do seu artº 2º, impede a atribuição de direitos ou benefícios, em vida ou por morte, fundados na união de facto, o “casamento não dissolvido, salvo se tiver sido decretada a separação de pessoas e bens”.

Embora versando a Lei n° 7/2001, de 11 de Maio, na sua versão original, sem, portanto, as alterações introduzidas pela Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto, escreveu-se no Acórdão da Relação de Lisboa, de 26/06/2008 (Apelação nº 6600/2007-6)[4]: «…o legislador da Lei nº 7/2001 entendeu restringir aos unidos de facto os direitos que lhes concede, em determinadas situações que enunciou - designadamente nas situações de existência de casamento anterior não dissolvido por parte de qualquer dos membros da união de facto - resultando dos factos provados que a autora era casada, integrando-se portanto na dita excepção, não pode ser-lhe reconhecido o direito às prestações pretendidas.

E percebe-se que tenha sido esta a opção do legislador. Este não podia querer que, por via de uma norma genérica de salvaguarda, fossem abrangidas situações que claramente quis alterar, sobretudo atento ao cada vez maior número de uniões de facto e à aceitação e generalização do divórcio. Perante esta nova realidade, o legislador só pode ter querido forçar à regularização das situações, de modo a evitar desconformidade entre situações legalmente constituídas mas sem correspondência na vida real e as situações reais mas sem correspondência no mundo jurídico.».

No presente caso, embora o referido beneficiário tenha vivido em união de facto com a ora Apelante, durante 40 anos, pelo menos, o certo é que esteve também casado, desde 18 de Maio de 1960 e até à data do respectivo óbito, com V…, pelo que, inexistindo prova de que entre estes cônjuges haja sido decretada a separação de pessoas e bens, tem de se concluir que se verifica o facto impeditivo previsto na alínea c) do mencionado artº 2º.

Entende a Apelante, porém, que:

 - “existindo uma união de facto devidamente comprovada, que é o caso dos autos, e revelando-se, como se revela, que o casamento anterior do falecido companheiro é meramente formal, não deve avultar-se esta situação meramente formal do ponto de vista jurídico…”;

- “não pode conceber-se tratamento diferente entre a companheira sobreviva do falecido, em união de facto estável e duradoura, como é o dos autos, e viúva do falecido, pois este tratamento diferenciado revela-se destituído de fundamento razoável e não respeita o princípio constitucional da proporcionalidade.”;

- “a norma constante da al. c) do artigo 2º da Lei 7/2001, de 11 de Maio, é inconstitucional, sendo que esta decorre da violação do direito fundamental à segurança social, pois restringe, a quem partilhou uma vida, como se marido e mulher fossem, como era o seu caso, tal direito, de forma desproporcional”.

Ora, sendo certo que, por um lado, a provada solidez da união de facto em causa não permite afirmar, sem outra prova, que o casamento do falecido companheiro da Autora era “meramente formal”, por outro lado, a colocação da questão da inconstitucionalidade da al. c) do artigo 2º da Lei 7/2001, pondo o acento tónico nas características particulares da vivência da ora Apelante com o referido beneficiário (v.g., a longevidade dessa relação), não auxilia na delimitação precisa dos termos em que se deve ter como suscitada a referida inconstitucionalidade normativa. 

Dir-se-á, no entanto, que não se considera que a al. c) do artigo 2º da Lei 7/2001 viole qualquer norma ou princípio constitucional.

Como se diz, embora versando matéria distinta, no Acórdão do Tribunal Constitucional (TC) nº 3/2010, de 06 de Janeiro de 2010 (Processo nº 176/09)[5] “…o direito à segurança social, previsto no artigo 63.º, n.º 1, da Constituição, “como um todo”, é um direito de natureza essencialmente económica e social, sendo portanto passível de uma maior margem de livre conformação, por parte do legislador, do que a generalidade dos direitos, liberdades e garantias, uma vez que a sua aplicabilidade directa (não estando excluída), é necessariamente mais limitada como se infere do artigo 18.º, n.º 1, da Constituição.

Não há dúvida de que «os direitos sociais contêm também − ou podem conter − um conteúdo mínimo, nuclear ou, porventura essencial directamente aplicável» (Rui Medeiros, in Constituição da República Portuguesa Anotada, org. Jorge Miranda/Rui Medeiros, Tomo I, p. 634, da Coimbra Editora). Mas é certo, também, que esse conteúdo mínimo ou nuclear directamente aplicável tem um âmbito relativamente mais restrito do que nos direitos, liberdades e garantias e que, portanto, o legislador sempre manterá, em matéria de direitos económicos e sociais, uma mais ampla margem de livre conformação.

(…)

O direito à segurança social não é, de modo algum, um direito imune à possibilidade de conformação legislativa. As condições de acesso ao direito à aposentação e a concreta forma de cálculo das respectivas pensões não são intocáveis pelo legislador, podendo este legislar de modo a definir tais condições e tal valor.

Assim, a protecção dos direitos a prestações sociais já instituídos opera, no essencial, através dos princípios fundamentais do Estado de direito democrático, tais como a igualdade ou a confiança legítima, e não através do apelo ao direito à segurança social.».

Ora, aplicando, com as devidas adaptações, o entendimento acima expresso à questão de que aqui tratamos, afigura-se-nos que, tendo o direito à segurança social sido assegurado, na vertente de acesso às prestações sociais em causa, pelo regime delineado pelo legislador e que culminou, para o que aqui interessa, com o estatuído na Lei n.° 7/2001, de 11 de Maio, com as alterações introduzidas pela Lei nº 23/2010, as condições que se estabeleceram para que tal direito às ditas prestações se pudesse ter como incluído na esfera jurídica do Requerente, não se afigurando desproporcionadas ou excessivas, revelam-se como uma opção absolutamente lícita do legislador que em nada contende com as normas ou princípios constitucionais e, designadamente, com direito à segurança social.

Em particular e para o que aqui releva, não vemos como considerar desproporcionada ou excessiva, a exigência de o beneficiário - com quem o Requerente das prestações haja vivido em união de facto -, não ser casado, ou, sendo, ter sido decretada a separação de pessoas e bens.

Lembre-se que a exclusão do direito às referidas prestações, derivada da circunstância de o beneficiário unido de facto ter falecido no estado de casado, existia já na legislação pretérita (artº 8º do Dec. Lei n° 322/90, de 18/10, artº 2º do Decreto Regulamentar n° 1/94, de 18/01 e artigo 2020º do Código Civil).

Recorde-se que artigo 2020º, na redacção do Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, dispunha: “Aquele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, tem direito a exigir alimentos da herança do falecido, se os não puder obter nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009º.”.

Ora, sem colocar em causa a constitucionalidade da necessidade da observância destes requisitos, foi afirmado pelo STJ, no seu acórdão de 10-01-2006 (Revista n.º 3512/05 - 6.ª Secção), que:

«(…)Para ter o direito à obtenção da pensão de sobrevivência, a autora terá de alegar e provar: que vivia com o titular do direito à pensão, há mais de dois anos, na altura da morte do mesmo, em condições análogas às do cônjuge; que essa pessoa, na altura, não era casada ou, sendo-o, se encontrava então separada judicialmente de pessoas e bens; que carece de alimentos; que não é possível obter tais alimentos de nenhuma das pessoas referidas nas als. a) a d) do art.º 2009 do CC, nem da herança do

seu falecido companheiro, por falta ou insuficiência desta.

(….)

IV - O diferente tratamento do casamento e da união de facto não viola o princípio da igualdade (art.º 13 da CRP), pois este princípio apenas proíbe discriminações arbitrárias ou desprovidas de fundamento. Ora, o casamento e a união de facto são situações materialmente diferentes, assumindo os casados o compromisso de vida em comum, mediante a sujeição a um vínculo jurídico, enquanto os unidos de facto não o assumem, por não quererem ou por não poderem.»[6].

Por outro lado, no seu Acórdão de 23-05-2006 (Revista n.º 1118/06 - 6.ª Secção), afirmou o STJ:

«I - Decorre do disposto nos arts. 2022.º do CC, 8.º do DL n.º 322/90, de 18-10, e 2.º do DReg n.º 1/94, de 18-01 que não pode ser reconhecido o direito à pensão de sobrevivência e ao subsídio por morte a quem convivia, em união de facto, com o beneficiário da segurança social se este último, à data da sua morte, era casado.

II - Estas normas não violam os princípios da igualdade e da proporcionalidade constitucionalmente consagrados nos arts. 2.º, 13.º, 36.º, 63.º e 67.º da CRP.»[7].

Também esta Relação afirmou já a constitucionalidade material do artigo 2º, al. c), da Lei nº 7/2001, de 11/5, no Acórdão de 05/04/2010 (Apelação nº 150/08.5TBIDN.C1)[8].

Particularizando, diremos que, quanto à questão da diferença de tratamento, no que concerne ao acesso a prestações por morte, entre pessoas casadas e pessoas que, à data da morte do beneficiário viviam com este em união de facto, revemo-nos no entendimento expresso no agora citado Acórdão desta Relação, bem como, quanto a isso e quanto ao princípio da proporcionalidade, naquilo que foi afirmado no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 651/2009, de 15 de Dezembro de 2009 (Processo n.º 1019/2008)[9], do qual se transcrevem os trechos que, “mutatis mutandis” aqui relevam:

«Assim, na óptica do princípio da igualdade, a situação de duas pessoas que declaram a intenção de conceder relevância jurídica à sua união e a submeter a um determinado regime (um especial vínculo jurídico, com direitos e deveres e um processo especial de dissolução) não tem de ser equiparada à de quem, intencionalmente, opta por não o fazer.

 O legislador constitucional não pode ter pretendido retirar todo o espaço à prossecução, pelo legislador infraconstitucional, cujo programa é sufragado democraticamente, de objectivos políticos de incentivo ao matrimónio enquanto instituição social, mediante a formulação de um regime jurídico próprio - por exemplo, distinguindo entre a posição sucessória do convivente em união de facto (reduzida ao referido direito a exigir alimentos da herança) e a do cônjuge.

 A diferenciação de tratamento em causa na presente norma não pode, assim, ser considerada como destituída de fundamento razoável, verificando-se, por outro lado, um indiscutível paralelo entre ela e o tratamento sucessório de ambas as situações …”.

(…)

 “Com efeito, o que está em causa no confronto de uma solução normativa com o princípio da proporcionalidade não é simplesmente a gravidade ou a dimensão das desvantagens ou inconvenientes que pode acarretar para os visados (como, por exemplo, a necessidade da prova da carência de alimentos, ou mesmo a exclusão total de certos direitos). O recorte de um regime jurídico - como o da destruição do vínculo matrimonial ou o dos seus efeitos sucessórios - pela hipótese do casamento, deixando de fora situações que as partes não pretenderam intencionalmente submeter a ele, tem necessariamente como consequência a exclusão dos respectivos efeitos jurídicos. O que importa apurar é se tal recorte é aceitável - se segue um critério constitucionalmente aceitável - tendo em conta o fim prosseguido e as alternativas disponíveis - sem deixar de considerar a ampla margem de avaliação de custos e benefícios e como de escolha dessas alternativas, que, á luz dos objectivos de política legislativa que ele próprio define dentro do quadro constitucional, tem de ser reconhecida ao legislador (e que este Tribunal reconheceu, por exemplo, no acórdão nº 187/01, publicado no Diário da República, II série, de 26 de Junho de 2001). Ora, como revela o paralelo da solução normativa em causa com a posição sucessória do cônjuge sobrevivo e da união de facto - não equiparada, aliás, pelas Leis nºs 135/99 e 7/2001 -, o tratamento post mortem do cônjuge é, justamente, um daqueles pontos do regime jurídico em que o legislador optou por disciplinar mais favoravelmente o casamento.

 Esta distinção entre a posição post mortem do cônjuge e a do companheiro em união de facto - que, aliás, podem concorrer entre si depois da morte do beneficiário - é adequada à prossecução do fim do incentivo à família fundada no casamento, que não é constitucionalmente censurável - e antes recebe até (pelo menos numa certa leitura) particular acolhimento no texto constitucional. A conveniência de tal distinção de tratamento post mortem, com os concomitantes reflexos patrimoniais, pode ser, e será com certeza, diversamente apreciada a partir de certas perspectivas, no debate político-legislatívo - em que poderão vir a encontrar acolhimento argumentos como o da distinção entre o direito a alimentos e a pensão de sobrevivência, a existência e o sentido dos descontos efectuados pelo companheiro falecido, à luz do regime então vigente e da sua situação pessoal, ou a maior ou menor conveniência em aprofundar consequências económicas específicas de uma relação familiar como o casamento. Mas a Constituição não proscreve esta distinção, ainda quando ela tem como consequência deixar de fora do regime estabelecido para a posição sucessória do cônjuge o companheiro em união de facto.».

Concluindo, diremos, pois, que a norma da alínea c) do artº 2º da Lei nº 7/2001, não enferma de inconstitucionalidade material, designadamente, por violação do direito à segurança social e dos princípios constitucionais de igualdade e proporcionalidade.

Consequentemente, improcede a Apelação, mais não restando a este Tribunal do que confirmar a decisão recorrida.

IV - Decisão:

Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a Apelação improcedente e confirmar a sentença da 1.ª Instância.

Custas pela Apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

Coimbra, 24/06/2014


(Luís José Falcão de Magalhães - Relator)

(Sílvia Maria Pereira Pires)

(Henrique Ataíde Rosa Antunes)



[1] Consultáveis na Internet, em “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”, tal como todos os Acórdãos do STJ que adiante forem citados sem referência de publicação.
[2] É pressuposto específico de admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da al. b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82) que a questão de inconstitucionalidade normativa haja sido suscitada, de modo processualmente adequado, durante o processo – ou seja, perante o Tribunal que proferiu a decisão em causa, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (al. b) do nº 1 do artº 70 e nº 2 do artº 72 da LCT.).
[3] Acórdão tirado nos autos de Revista nºs 772/10.4TVPRT.P1.S1 e publicado no Diário da República, 1.ª série - N.º 10, de 15 de Janeiro de 2013.
[4] Acórdão consultável em “http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf?OpenDatabase”.
[5] Consultável em “http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20100003.html”.
[6]Sumário do Acórdão, disponível em “http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/sumarios-civel-2006.pdf”.
[7]Sumário do Acórdão, disponível, também em “http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/sumarios-civel-2006.pdf”.
[8] Consultável em “http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase”.
[9] Consultável em “http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20090651.html”.