Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
270/12.1TBFIG-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: ACTOS PROCESSUAIS
ACTOS DAS PARTES
CITIUS
CORREIO ELETRÓNICO
JUSTO IMPEDIMENTO
Data do Acordão: 09/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SECÇÃO DE EXECUÇÃO - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 140, 144 CPC, PORTARIA Nº280/2013, DE 26.8
Sumário: 1. Em regra, para os profissionais forenses, a apresentação a juízo dos atos processuais através do sistema Citius tornou-se obrigatória. (art.144º do Código de Processo Civil e arts.1º a 3º da Portaria nº280/2013, de 26.8).

2.- A salvaguarda a esta obrigação destes profissionais encontra-se apenas no justo impedimento (o nº8 do citado art.144º), permitindo ele a prática dos atos pelas vias previstas no nº7 da mesma norma.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

M (…), patrocinada pela Dra. C (…), deduziu embargos de executado, fazendo-o através de e-mail.

Considerando a prática do ato por e-mail como legalmente inadmissível, o tribunal recorrido não admitiu aquele articulado.


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Inconformada, a embargante recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

- A ora recorrente remeteu para o Tribunal da Figueira da Foz, através da sua patrona, por correio electrónico da ordem dos advogados a oposição à execução e à penhora em virtude de estar com problemas técnicos em aceder ao sistema citius e em virtude de se estar a aproximar as 24h, sendo certo porém, que não invocou justo impedimento.

- Todavia, a secretaria do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, não verificou a regularidade do envio da peça processual, e ao invés de a ter recusado, aceitou-a.

- Por outro, a Meritíssima Juíza, proferiu, aliás Douto Despacho de não admissão do requerimento por violação das disposições legais que impõem o envio das peças processuais via citius.

- Todavia, no entendimento da ora recorrente, o despacho recorrido viola o dever de gestão processual, que é um verdadeiro poder/dever, dever de determinar a realização de todos os actos necessários à regularização da instância, previsto no arts. 6º do CPC,

- Bem como viola o direito de acesso à Justiça, previsto no art. 20 º da CRP, inviabilizando a justa composição do litígio e a que o Tribunal a quo profira uma decisão justa previsto no art. 205º da CRP.

- Ao invés do Despacho de inadmissibilidade do requerimento, deveria a Meritíssima Juíza do tribunal a quo, ter proferido despacho no sentido da ora recorrente ser notificada, na pessoa da sua patrona, para remeter a peça processual via citius, de forma a regularizar a instância, considerando-se a mesma remetida na mesma data da peça enviada através do e-mail da ordem dos advogados da patrona da ora recorrente.

- Nestes termos deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado, e em consequência ser o despacho recorrido, ser substituído por um que notifique a ora recorrente, na pessoa da sua patrona para remeter a oposição à execução e à penhora, considerando-se a mesma proposta na mesma data do requerimento enviado via e-mail da ordem dos advogados.


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            Não foram apresentadas contra-alegações.

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            A questão a decidir é a de saber da obrigatoriedade da tramitação eletrónica dos atos processuais e da sanção para a violação desta obrigação.

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            Os factos a considerar são os relatados supra.

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O art.144º do Código de Processo Civil dispõe sobre a apresentação a juízo dos atos processuais:

“1- Os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por transmissão electrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132º, valendo como data da prática do ato processual a da respectiva expedição.

(…)

7 – Sempre que se trate de causa que não importe a constituição de mandatário, e a parte não esteja patrocinada, os atos processuais referidos no n.º 1 podem ser apresentados a juízo por uma das seguintes formas:

a) Entrega na secretaria judicial, (…);

b) Remessa pelo correio, (…);

c) Envio através de telecópia, (…).

8 – Quando a parte esteja patrocinada por mandatário, havendo justo impedimento para a prática dos actos processuais nos termos indicados no n.º 1, estes podem ser praticados nos termos do disposto no número anterior”.

A Portaria referida naquele nº1 tem o nº280/2013, de 26 de Agosto, abrangendo as ações executivas cíveis e todos os incidentes que corram por apenso à execução – arts. 1º e 2º deste regulamento.

            Também o art.712º, nº1, do Código de Processo Civil assim o determina.

            Com a reforma deste código em 2013, segundo aquela primeira norma, a apresentação a juízo por transmissão eletrónica de dados passou a via regra.

Para os profissionais forenses, a apresentação a juízo dos atos processuais através do sistema Citius tornou-se obrigatória. (cfr. a conjugação daquele art.144º do C.P.C. com o art.3º da referida portaria.)

A salvaguarda a esta obrigação destes profissionais encontra-se apenas no justo impedimento (cfr. o nº8 do citado art.144º), permitindo ele a prática dos atos pelas vias previstas no nº7 da mesma norma. (Neste sentido, Rui Pinto, Manual da Execução, 2013, CE, página 351.)

Ora, no caso, não foi invocado qualquer justo impedimento.

Assim, estando a requerente patrocinada e não ocorrendo justo impedimento, a prática do ato via email não é legalmente válida e não pode ser admitida.

Mas vejamos ainda os argumentos apresentados pela recorrente:

1)O facto da secretaria não ter recusado a peça processual.

Este facto não impede que o juiz controle a legalidade.

2)O dever de convite à sanação da irregularidade.

Este convite permitiria o contorno indevido da regra e da salvaguarda prevista na lei. Só o justo impedimento é a via prevista para salvaguardar situações limite de incumprimento da regra.

“Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto.”

O artigo 140º, nº1, do Código de Processo Civil define assim o conceito.

Ajustando a previsão ao caso, tratar-se-á do evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática do ato pela via legalmente admissível.

A redacção do preceito, originariamente pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, eliminou o requisito de evento “normalmente imprevisível”, como constava anteriormente.

Como se salienta no Código de Processo Civil Anotado de L. de Freitas, J. Redinha e R. Pinto, em anotação ao artigo, passou-se “o núcleo do conceito de justo impedimento da normal imprevisibilidade para a sua não imputabilidade à parte ou ao seu mandatário”, pretendendo-se, como consta do preâmbulo do Decreto-Lei nº 329-A/95, flexibilizar “a definição conceitual de «justo impedimento», em termos de permitir a uma jurisprudência criativa uma elaboração, densificação e concretização, centradas essencialmente na ideia de culpa, que se afastem da excessiva rigidificação que muitas decisões, proferidas com base na definição constante da lei em vigor, inquestionavelmente revelam.”

Este justo impedimento não foi invocado.

Mais, ao referir a Sra. Mandatária que teve dificuldades técnicas ao aceder ao Citius, a mesma revela ter conhecimento da obrigatoriedade de tramitação eletrónica e, no entanto, não invocou qualquer justo impedimento para recorrer à via alternativa prevista para este obstáculo.

Assim, pode então fazer-se uma imputação culposa à Sra.Mandatária pela opção feita.

3)O dever de gestão processual pelo juiz.

Este dever só é compreensível no respeito pelas regras básicas da forma.

Vimos já qual é a regra e qual é a salvaguarda para a sua violação em certos casos. Desrespeitada a regra e não invocada a salvaguarda, não vemos como o juiz podia reconduzir a forma à legalmente imposta, sem violar os limites referidos, desconsiderando completamente que não foi invocado qualquer justo impedimento.

4)Violação do direito de acesso à Justiça.

Este acesso faz-se pelas formas previstas na lei, desde que esta não imponha limitações excessivas e absurdas.

Ora, no art.144º do Código de Processo Civil, para os profissionais forenses, a salvaguarda legal para a possível desconsideração da forma regra, pela via do justo impedimento, é suficiente garantia daquele acesso à Justiça.

Não tendo a Sra. Mandatária recorrido à referida salvaguarda, tendo noção da obrigatoriedade legal, que violou, não pode a mesma queixar-se de acesso excessivamente oneroso à Justiça.

Por fim,

A situação em causa é reportada a 30.5.2014, total e completamente dentro do âmbito da nova lei, nos termos supra citados.

Não existe qualquer regime transitório aplicável, quer na consideração do Código de Processo Civil, quer na leitura da Portaria referida.

Não ocorre qualquer erro sobre o regime aplicável, que é um só.

Por tudo isto, não merece censura a decisão recorrida.


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            Decisão.

            Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

            Custas pela recorrente.

Coimbra, 2015-09-15


Fernando Monteiro ( Relator )

Carvalho Martins

Carlos Moreira