Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2724/09.8.TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO AMIGÁVEL
EXPROPRIAÇÃO JUDICIAL
INDEMNIZAÇÃO
ABUSO DE DIREITO
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 11/26/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2.º JUÍZO CÍVEL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 334, DO CÓDIGO CIVIL, 23.º, N.º 1 E 55.º N.º 1 DO CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES, 2.º, 13.º, 62.º E 266.º, N.º 2 DA CRP
Sumário: 1. Os critérios de fixação da indemnização por expropriação em sede extra-judicial distinguem-se dos aplicáveis em sede judicial.
2. Enquanto na expropriação amigável ou extra-judicial a entidade expropriante pode propor ou fixar um preço/valor não enquadrado/delimitado pelos critérios legais aplicáveis, na expropriação litigiosa o valor da justa indemnização é calculado em conformidade com os critérios legais estabelecidos.

3. Assim, frustrada a expropriação extra-judicial e seguindo-se os termos da expropriação litigiosa, o valor oferecido/proposto na fase amigável não vincula nem as partes nem o Tribunal em sede de expropriação litigiosa, sendo a indemnização fixada de acordo com as normas legais aplicáveis.

4. Em caso de expropriação parcial litigiosa, após a notificação a que se alude no artigo 51º n.º 5 do Código das Expropriações, o expropriado pode: a) recorrer da decisão arbitral, em caso de desacordo com o montante indemnizatório, no que se refere à parcela abrangida pela DUP; b) recorrer da decisão arbitral, por tais fundamentos e requerer a expropriação total, por se verificarem os respectivos fundamentos ou; c) limitar-se a pedir a expropriação total, em caso de acordo com o montante proposto, relativamente aos limites definidos na DUP, mas se pretende abranger na expropriação a totalidade do prédio.

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

 No âmbito dos presentes autos de expropriação por utilidade pública é expropriante “A..., S.A.” e expropriados B... e mulher C, e ainda D... e mulher E....

Por sentença de 21.07.2009, foi adjudicada à expropriante a propriedade de uma parcela de terreno – parcela nº. 3 – destinada à construção da via de acesso à unidade de TBM de RSU de Coimbra, com a área de 1.459 m2, cuja publicação da Declaração de Utilidade Pública ocorreu no dia 8 de Janeiro de 2009, no DR II Série, nº. 5, p. 786- (2).

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A decisão arbitral, junta a fls. 75 a 83, dos autos, fixou a indemnização, a pagar aos proprietários, em € 57.250,00 euros.

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Os expropriados, a fls. 95 e ss., do processo em papel, vieram interpor recurso da decisão arbitral, alegando, para o efeito, que:

- O prédio em causa situa-se em área do núcleo urbano de Rios Frios, na denominada “Zona Residencial Núcleo”; com a expropriação da parcela nº. 3 e consequente destaque, a parte sobrante do prédio fica distribuída em duas parcelas;

- Nenhuma dessas 2 parcelas sobrantes confina com a estrada municipal e têm apenas a largura de aproximadamente 7/8 metros;

- Atendendo às suas exíguas dimensões, as duas parcelas sobrantes não permitem que nelas se implante qualquer construção, nem qualquer outra utilização de natureza agrícola ou silvícola;

- Uma vez que essas 2 parcelas sobrantes não dispõem nem de capacidade construtiva, nem de capacidade rústica ou florestal, por força da sua reduzida área, requerem a expropriação total do prédio rústico;

- Considerando o imóvel, na sua totalidade, como objecto de expropriação, deve também ser avaliado, na sua globalidade, como solo apto para a construção;

- Como resulta do mapa de expropriações anexo ao Despacho nº. 644- C/2009, de 3/11/2008, a entidade expropriante atribuiu o valor de 70 euros por m2, com vista à expropriação das 2 parcelas sobrantes;

- É esse o valor que os expropriados aceitam como justo;

- O valor real e corrente de mercado do imóvel dos expropriados é de € 177.450,00 euros;

- Não aceitam o laudo dos Srs. Peritos, nem os critérios por eles utilizados na formação da decisão arbitral de que se recorre, devendo fixar-se o valor indemnizatório à totalidade do imóvel no montante de € 177.450,00 euros.

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A entidade expropriante veio, a fls. 192 e ss., do processo em papel, alegar que as duas parcelas sobrantes situam-se em Zona Florestal, sendo susceptíveis de exploração florestal ou agrícola, pelo que deve soçobrar o pedido de expropriação total.

Quanto à indemnização fixada no acórdão arbitral, a avaliação deve ser feita de acordo com o laudo dos Srs. Peritos, tendo sido fixado o valor de € 57.128,00 ou de 56.028,00 euros, a título de indemnização, sem incluir benfeitorias, caso a expropriação fosse total ou parcial.

É falso que todo o prédio tenha capacidade construtiva, como alega o expropriado, pois nunca a entidade expropriante pretendeu adquirir ou expropriar as parcelas sobrantes, nem pagar o preço de 70,00 m2 das suas áreas.

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Por decisão proferida a fls. 194-197, do processo em papel, foi deferido o pedido de expropriação total do prédio, sito em Borregão, freguesia de Vil de Matos, concelho de Coimbra, a confrontar do norte com Joaquim dos Santos Ferreira, do sul com José da Costa Seco e outros, do nascente com José dos Santos Gilberto, e do poente com Estrada, inscrito na matriz predial rústica sob o artº. 1958 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o nº. 1994/20030527, adjudicando-se à entidade expropriante “ERSUC – Resíduos Sólidos do Centro, S.A.” a propriedade e posse das duas parcelas sobrantes com as áreas respectivas de 493 m2 e 500 m2.

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Interposto recurso da decisão anterior, que subiu imediatamente e em separado, veio a ser decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, sendo-lhe negado provimento.

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Realizada a avaliação, os Srs. Peritos nomeados pelo Tribunal e pelas partes propuseram, a título de indemnização a pagar aos expropriados, o valor total de € 65.830,00 euros.

Ao abrigo do disposto no artº. 64, do Código das Expropriações, os recorrentes e a recorrida apresentaram as suas alegações, pugnando aqueles pela fixação de uma indemnização no montante de 177.450,00 €, fundamentando-se, para tal, em que no mapa de expropriações anexo ao despacho que determinou a expropriação em causa, se fixou o valor do metro quadrado em 70,00 €.

Ao invés, o expropriante, defende que a expropriação não deve ser fixada em valor superior ao fixado na decisão arbitral, apontando a quantia de 25.368,50 €.

Após o que foi proferida a sentença de fl.s 495 a 508, na qual se decidiu o seguinte:

“Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelos expropriados, fixando o montante indemnizatório, pelo prédio expropriado, no valor global de € 65.830,00 euros.

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Custas a suportar pelos expropriados e expropriante, na proporção do respectivo vencimento/decaimento.

Valor da acção: € 120.200,00 (art. 6º, nº 1, al. s), do C.C.J.).”.

            Inconformados com a mesma, interpuseram recurso os expropriados, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo (cf. despacho de fl.s 594), finalizando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1ª Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos de expropriação em epígrafe que fixou a indemnização a pagar pela entidade expropriante, a A..., SA, na quantia de 65.830€ pela expropriação da totalidade do imóvel expropriado – imóvel sito em Borregão, freguesia de Vil de Matos, concelho de Coimbra, inscrito na matriz rústica sob o artº 1958 e descrito na C.R.P. de Coimbra sob o nº 1994/20030527, com a área total de 2.535m2.

2ª A sentença recorrida concluiu a sua decisão fixando o valor indemnizatório pelo prédio expropriado de acordo com o relatório pericial de avaliação apresentado nos presentes autos de expropriação litigiosa pelo sem ter fundamentado a opção que fez; a sentença recorrida não se pronunciou sobre a questão de direito trazida à sua apreciação e qual seja, a da justiça de se atribuir um valor indemnizatório à totalidade do imóvel expropriado substancialmente inferior ao valor proposto pela entidade expropriante para uma só parcela do mesmo imóvel, por terem os expropriados exercido um direito consagrado na legislação.

3ª Com efeito, a decisão recorrida não ponderou, não valorou, não teve em conta todas as questões de facto e de direito que lhe foram colocadas pelos expropriados em sede de recurso da decisão arbitral; é omissa (apenas nela é feita uma breve referência, ao facto dado por assente no item 2) do título Matéria de Facto) no tratamento da questão de direito trazida ao tribunal pelos expropriados quer na petição de recurso nos artigos 15., 26. a 43 e quer nas alegações finais na conclusão X; da sentença recorrida não se alcançam os motivos que levaram o Tribunal a optar pela avaliação dos Senhores Peritos em detrimento do valor atribuído pelo Estado ao imóvel expropriado na totalidade, valor esse que foi publicado no jornal oficial do Estado (cf. facto dado por assente no item 2) do título da sentença Matéria de Facto).

4ª Os expropriados nas suas alegações finais insurgiram-se contra o critério de avaliação utilizado pelos Senhores Peritos em considerar o imóvel expropriado como duas unidades prediais distintas, uma apta para construção (1000m2) e avaliada em 63,53€/m2 e outra (1535m2) como solo para outros fins avaliada em 1,5€/m2; e quanto a esta questão a sentença apenas diz:

“Porém, tal assunção, meramente conclusiva, não assenta na fundamentação efectuada pelos Srs. Peritos e acima mencionada, sendo certo que a materialidade dada como assente não foi sequer posta em crise. Donde, tais conclusões não podem ter acolhimento, mantendo-se todo o que consta do relatório dos 5 peritos”.

5ª A sentença recorrida é censurável por não ter o julgador atendido na aplicação do direito à particularidade do caso concreto; a sentença para ser justa e aplicar o direito de acordo com a Constituição deveria ter desatendido ao resultado do relatório pericial elaborado pelos Senhores Peritos e deveria ter fixado como valor justo e respeitador dos princípios constitucionais da segurança e da certeza jurídicas, da igualdade e da proporcionalidade, o valor proposto pelo Estado/entidade expropriante e pago aos restantes expropriados e aceite também pelos ora apelantes, enquanto expropriados; do recurso às instâncias judiciais para protecção e defesa dos direitos reconhecidos aos cidadãos pelo legislador ordinário e pela Constituição não podem resultar prejuízos desproporcionais, como resultam da sentença em apreço.

6ª Da insuficiência da matéria de facto: faltou no elenco dos factos dados como provados factos incontroversos, alegados pelos expropriados e que são relevantes para a boa decisão da causa, devendo completar-se a matéria de facto dada como provada na sentença, que peca por omissão, com os factos retirados da petição inicial de recurso, nela se incluindo os seguintes factos:

- A entidade expropriante atribuiu o valor de 70€ por m2, com vista à expropriação das duas parcelas sobrantes, como consta do mapa de expropriações anexo ao Despacho nº 644-C/2009, de 3 de Novembro de 2008 (artº 39º)

- O mapa de expropriações, publicado no Diário da República, 2ª série, nº 5, de 08.01.2009, em anexo ao despacho nº 644-C/2009 do Senhor Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, atribuiu a toda a área do imóvel neste identificado supra em 1º, e propriedade dos recorrentes, o valor de 70€/m2, valor este que os expropriados aceitaram como justo a título de indemnização para a totalidade do prédio, tal como o declararam no auto de posse administrativa (artº 40º e doc. fls 57 dos autos);

- A entidade expropriante atribuiu à parcela expropriada e contígua à dos recorrentes, à parcela nº 2, o valor de 70€/m2, por ser uma parcela da mesma natureza, não obstante a sua reduzida área (17m2) ( artº 43º)

- A área real do prédio na sua totalidade é de 2.535m2 – doc. 1( artº 44º).

- Os expropriados requereram a expropriação total do prédio inscrito sob o artº 1958 matricial rústico da freguesia de Vil de Matos, concelho de Coimbra, pelo valor indemnizatório a fixar á totalidade do imóvel no montante fixado no mapa de expropriações anexo ao Despacho nº 644-c/2005, publicado no DR nº 5, 2ª série de 8 de Janeiro de 2009, valor esse que é de 177.450,00€ (cento e setenta e sete mil quatrocentos e cinquenta euros).

7ª E quanto à questão de direito trazida ao Tribunal pelos expropriados do abuso de direito (venire contra factum proprium) a sentença apenas disse:

“Quanto ao facto dos expropriados se insurgirem contra o valor fixado na indemnização, dizem os mesmos que o valor do m2, já antes fixado no mapa de expropriações publicado em D.R., deveria ter sido de 70,00m2 e não aquele que foi avançado. Ora, apesar do valor de 70,00m2 relativamente ao prédio em causa ter sido alvo de publicação em Diário da República, entendemos que tal promulgação não possui carácter vinculativo, mas meramente indicativo, tendo sido totalmente afastado pelos 5 peritos, incluindo o perito dos expropriados. Donde, naufragam também as conclusões dos expropriados neste conspecto.”

Ora, como está demonstrado, através dos factos dados como assentes, mesmo na insuficiência da sentença, a posição assumida pela entidade expropriante ao não aceitar indemnizar os expropriados pelo imóvel na totalidade e pelo valor fixado no Despacho expropriativo, ficou-se a dever apenas ao facto de a expropriante não aceitar a expropriação da totalidade do imóvel, tal como os expropriados requereram; a posição assumida pela entidade expropriante pôs em causa o instituto Venire contra factum proprium, instrumento jurídico que a jurisprudência acolhe sempre que a situação atípica, por força da aplicação do direito, viole os princípios da confiança e da segurança jurídica.

Com efeito, o mapa de expropriações, publicado no Diário da República, 2ª série, nº 5, de 08.01.2009, em anexo ao despacho nº 644-C/2009 do Senhor Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, atribuiu a toda a área do imóvel neste identificado supra e propriedade dos recorrentes, o valor de 70€/m2, valor este que os expropriados aceitaram também como justo a título de indemnização quer para a parcela inicialmente expropriada quer para a totalidade do prédio, tal como o declararam no auto de posse administrativa; tendo a entidade expropriante proposto o valor de 70€/m2 para todas as parcelas integrantes do prédio, não pode agora defender como justo outro valor inferior, muito menos o valor de apenas 1,5 € e para 1535 m2 de terreno.

10ª É certo que o julgador deverá ter em consideração o relatório dos peritos nomeados pelo tribunal, no entanto, se tal relatório se afastar de outros elementos de prova ou se encontrar em sentido contrário à lei ou CRP, o julgador deverá afastar-se dele. Porém,

11ª O conceito de justa indemnização implica a observância do princípio da igualdade, na sua manifestação de igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos; uma indemnização justa será aquela que, repondo a observância do princípio da igualdade violado com a expropriação, compense plenamente o sacrifício especial suportado pelo expropriado, de tal modo que a perda patrimonial que foi imposta seja equitativamente repartida entre todos os cidadãos; o princípio da igualdade, como elemento normativo inderrogável que deve presidir à definição dos critérios de indemnização por expropriação, desdobra-se em duas dimensões ou em dois níveis fundamentais de comparação: o princípio da igualdade no âmbito da relação interna e o princípio da igualdade no domínio da relação externa da expropriação; no domínio da relação externa há que fazer a análise comparativa da situação jurídico-patrimonial dos proprietários expropriados litigiosamente e dos não expropriados amigáveis para se saber se os critérios de indemnização alcançaram ou não um tratamento igual entre estes dois grupos de cidadãos.

12ª Este juízo apreciativo não foi feito na sentença recorrida; a sentença não ponderou, não valorou, ao optar pelo relatório dos Peritos, os valores indemnizatórios fixados pelo Estado/entidade expropriante aos expropriados que aceitaram receber as indemnizações por via do acordo; e ao ter omitido esse juízo apreciativo a sentença não ponderou nem valorou todas as circunstâncias do caso concreto que deveria ter tomado em conta para alcançar uma decisão justa.

13ª Os ora recorrentes encontram-se fortemente prejudicados quando comparados com os demais expropriados no âmbito do mesmo processo de expropriação, apenas pelo facto de terem recorrido a tribunal para exercer um direito legalmente previsto – o direito à expropriação total do prédio; e se tivessem aceite receber a indemnização fixada pela entidade expropriante para a parcela receberiam valor superior ao valor total do imóvel atribuído judicialmente.

14ª Caso a entidade expropriante tivesse, desde início, – como deveria ter feito – expropriado a totalidade do prédio, o valor do prédio teria sido o valor publicado em DRE avaliado em função de € 70,00 (setenta euros) por cada metro quadrado; no entanto, pelo facto de os ora recorrentes terem sido forçados a recorrerem ao tribunal para reconhecimento do direito que já deveria então ter tido efeito – expropriação total – o valor total do prédio passa a ser cerca de metade do valor que tinha apenas uma pequena parcela do mesmo prédio; em contrapartida, os demais expropriados – veja-se a título de exemplo a parcela 2 de Fernando Lopes Coelho – no âmbito do mesmo procedimento de expropriação foram indemnizados pelo valor previamente fixado em DRE.

15ª Desta forma, a sentença tratou de forma desigual o que era igual e o resultado que se alcança com a sentença constitui uma verdadeira violação do princípio da igualdade, constitucionalmente garantido no artigo 13.º da CRP.

16ªA sentença optou pelo valor que é inferior em mais de metade do valor fixado em sede administrativa, e a sentença ao optar por aquele valor referiu que o fazia apenas por ser valor atribuído no relatório pericial elaborado pelos Peritos com mérito científico e profissional e não por ter apreciado e valorado, comparativamente, os argumentos de um e de outros autores.

17ª A sentença viola ainda o princípio da equivalência dos valores; a justa indemnização deve respeitar o princípio da equivalência de valores, especulativos ou ficcionados, decisivamente perturbadores da justa medida que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua indemnização; no presente caso não há qualquer equivalência de valores entre todas as parcelas objecto de expropriação; no caso concreto é o próprio despacho publicado em DRE que atribui o valor de € 70/m2 para todas as parcelas dos ora recorrentes/expropriados bem como para a parcela 2 outro proprietário (Fernando Lopes Coelho).

18ª Ignorar os elementos de prova constantes nos autos – nomeadamente o valor constante na declaração de utilidade pública – para apenas aplicar cegamente o juízo dos peritos sem atender aos princípios fundamentais do estado de direito democrático, permitindo-se dessa forma que os recorrentes, pelo facto de virem exercer um direito a tribunal, vejam o valor total do seu terreno ser metade do que parte desse mesmo terreno, viola naturalmente o princípio da equivalência dos valores.

19ª O princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no art.º 2º da CRP postula “uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas”, razão pela qual “a normação que, por sua natureza, obvie deforma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático terá de ser entendida como não consentida pela lei básica” (cfr. entre outros nesse sentido, o Acórdão nº 303/90, in “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 17º v, pág. 65); em cada caso, haverá que “proceder a um justo balanciamento entre a protecção das expectativas dos cidadãos de correntes do princípio do Estado de direito democrático e a liberdade constitutiva e conformadora do legislador, também ele democraticamente legitimado, legislador ao qual, inequivocamente, há que reconhecer a legitimidade (se não mesmo o dever) de tentar adequar as soluções jurídicas às realidades existentes, consagrando as soluções mais acertadas e razoáveis, ainda que elas impliquem que sejam “tocadas” relações ou situações que, até então, eram regidas de outra sorte”.

20ª Em tais casos, a lei, quando aplicada e interpretada como no caso presente, viola aquele mínimo de certeza e de segurança que as pessoas devem poder depositar na ordem jurídica de um Estado de direito, impondo-se, nestes casos, a intervenção do princípio da protecção da confiança e segurança jurídica que está implicado pelo princípio do Estado de direito democrático, por forma que a lei assim interpretada e aplicada não vá, de forma acentuada arbitrária ou intolerável, desrespeitar os mínimos de certeza e segurança que todos têm de respeitar.

21ª Não pode, assim, admitir-se que o recurso judicial ao pedido de expropriação total do prédio venha a atribuir ao expropriado um valor indemnizatório inferior àquele que obteria caso tivesse aceite o valor indemnizatório que o Estado fez publicar em Diário da República para efeitos indemnizatórios de uma só parcela do imóvel expropriado; e não pode admitir-se esta solução porque o legislador do Código das Expropriações ao consagrar o direito à expropriação total do imóvel, nos casos previstos no art.º 3º no2 do CE teve em vista a protecção dos interesses dos expropriados em serem indemnizados pelo justo valor do imóvel, entendendo o legislador que o valor do imóvel na sua totalidade seria um valor superior à sua expropriação parcial; foi por assim entender o legislador que consagrou a normas especiais dos nºs 2 e 3 do artº 55º do CE.

22ª A norma constante no artigo 55.º, n.º 1 conjugada com a norma constante no artigo 3.º, n.º 2, ambos da Lei n.º 168/99, de 19 de Setembro, que aprovou o Código das Expropriações, quando interpretada e aplicada no sentido de permitir que o expropriado venha a ser indemnizado, em virtude do requerimento por si apresentado de expropriação total, em valor inferior ao acordado por via da expropriação amigável e/ou em valor inferior ao valor constante no despacho de utilidade pública é inconstitucional, por atentar contra os princípios fundamentais de um Estado do Direito Democrático, nomeadamente contra o princípio da segurança jurídica e da confiança dos cidadãos (artigo 2.º da C.R.P.), da Igualdade (artigo 13.º da C.R.P.) e da Proporcionalidade.

23ª Numa interpretação inversa ao princípio da segurança jurídica e da protecção dos cidadãos a decisão recorrida altera o sentido das normas constantes dos artºs 55º nºs 3 e 4 e 3º nº2 ambos do Código das Expropriações, ao admitir como possível que venha a ser fixado como valor indemnizatório para o prédio na sua totalidade um valor inferior no valor proposto pela entidade expropriante para uma só parcela do mesmo prédio.

24ª As normas em apreço com as interpretações referidas violam o disposto no art.º 2º da CRP, o que permite seja suscitada a questão da inconstitucionalidade no que reporta às normas conjugadas do art.º 55º nº 1 e 3º nº 2 do Código das Expropriações.

25ª Entendem os recorrentes que as referidas normas, com a interpretação e aplicação acolhidas na decisão recorrida, violam os princípios constitucionais da segurança e protecção jurídica e da igualdade; cabia ao Tribunal a quo, considerando o resultado a que chegou a sentença ao aplicar ao caso concreto o relatório pericial de avaliação, por força da norma do nº 1 do art.º 55º do CE que estipula que só através do recurso judicial da decisão arbitral pode o interessado requerer a expropriação total, nos termos do nºs 2 do art.º 3º do CE, aplicar a norma no sentido conforme à constituição, qual seja, o sentido que respeite os princípios constitucionais da segurança e protecção jurídica.

26ª Como decorre da interpretação conforme à constituição, designadamente das normas dos nºs 4 e 5 do CE e em respeito pelos princípios constitucionais da segurança e protecção jurídica, o pedido de expropriação total, só pode ser apresentado pelo expropriado no prazo do recurso da decisão arbitral, não pode conduzir a um valor indemnizatório inferior àquele que foi aceite por ambas as partes, expropriante e expropriado, para a parcela do mesmo prédio; o legislador do CE ao estipular o regime adjectivo (art.º 55º do CE) para exercício do direito substantivo (art.º 3º nº 2 do CE) não teve em mente que da aplicação destas normas viessem a resultar decisões de injustiça tão arbitrária como a presente decisão recorrida.

27ªA norma aplicada no caso em apreço, a contida no nº 1 do art.º 55º do Código das Expropriações aprovada pelo Decreto-Lei, é a norma cuja inconstitucionalidade material se suscita, porquanto ao impor-se ao expropriado que só através do recurso judicial da decisão arbitral é possível requerer a expropriação total do imóvel expropriado, seguindo-se a tramitação processual que se acha disciplinada no Capítulo II – “Expropriação Litigiosa”, impede que o expropriado pela via judicial só questione o pedido de expropriação total, tendo que se submeter ao processualismo regulado nas normas dos artºs 38º e seguintes a 54º do CE).

28ªAs normas jurídicas violadas são:

- Artºs 55º nºs 1, 4 e 5 e artº 3º nº 2 do Código das Expropriações aprovado pela Lei nº 168/99 de 18 de Setembro

- Artº 2º da C.R.P.

- Os princípios jurídicos violados são:

Princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade, da equivalência de valores, da segurança jurídica e da protecção dos cidadãos.

29ª O sentido em que o Tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que as aplicou e o sentido em que elas deviam ter sido interpretadas ou com que deviam ter sido aplicadas cfr. conclusões 23ª a 27ª.

- As provas que impõem decisão diversa da recorrida quanto à matéria de facto – cfr. conclusão 6ª e documentos de fls. 57 dos autos).

30ª Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida, substituindo-se por outra que em conformidade com o exposto reconheça a insuficiência da matéria de facto para a boa decisão da causa e, por imperativo constitucional, julgue o presente recurso procedente por provado e, em sua consequência, fixe o valor indemnizatório à totalidade do imóvel no montante fixado de 177.450€ (cento e setenta e sete mil quatrocentos e cinquenta euros).

Assim se fazendo justiça!

            Contra-alegando, a expropriante pugna pela manutenção da decisão recorrida.

            Dispensados os vistos legais, há que decidir.  

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir são as seguintes:

            A. Se a sentença recorrida enferma de insuficiência da matéria de facto que deve ser considerada como provada, designadamente da elencada na conclusão 6.ª;

            B. Se a conduta da expropriante configura abuso do direito, na modalidade de “venire contra factum proprio”;

            C. Se a sentença recorrida padece de inconstitucionalidade por violação dos princípios da igualdade; da equivalência dos valores; da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos; da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade;

B. Se o artigo 55.º, n.º 1 do Código das Expropriações é inconstitucional, por impor ao expropriado que só através do recurso judicial da decisão arbitral é possível requerer a expropriação total do imóvel expropriado e, assim, impedindo que o expropriado pela via judicial só questione o pedido de expropriação total.

            É a seguinte a factualidade dada como provada na decisão recorrida:

1) O prédio/parcela expropriada, identificada como parcela nº. 3, com a área de 1.459 m2, a destacar do prédio rústico, composto por vinha, sito em Borregão, freguesia de Vil de Matos, concelho de Coimbra, com a área registada de 2.410 m2, que confronta do norte com Joaquim dos Santos Ferreira, do sul com José da Costa Seco e outros, do nascente com José dos Santos Gilberto e do poente com estrada, inscrito na matriz predial rústica sob o artº. 1958 e descrito na 1ª. CRPredial de Coimbra sob o nº. 1994/20030527, foi objecto de uma declaração de utilidade pública, com carácter de urgência, instituída pelo despacho nº. 644-C/2009, publicada no Diário da República, 2ª. Série, nº. 5, de 8 de Janeiro de 2009.

2) No mapa de expropriações anexo ao Despacho nº. 644-c/2005, publicado no D.R. nº. 5, 2ª. Série, de 8.01.2009, foi atribuído o valor de 70,00 m2 relativamente ao prédio antes descrito.

3) Os recorrentes são, em comum e partes iguais, comproprietários do citado prédio rústico sito no Borregão, freguesia de Vil de Matos, concelho de Coimbra.

4) Por decisão judicial, proferida nestes autos, foi deferido o pedido de expropriação total do prédio, sito em Borregão, freguesia de Vil de Matos, concelho de Coimbra, a confrontar do norte com Joaquim dos Santos Ferreira, do sul com José da Costa Seco e outros, do nascente com José dos Santos Gilberto, e do poente com Estrada inscrito na matriz predial rústica sob o artº. 1958, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o nº. 1994/20030527, adjudicando-se à entidade expropriante ERSUC a propriedade e posse das parcelas sobrantes, com as áreas respectivamente de 493m2 e 500 m2.

5) O prédio possui a área total de 2.535 m2.

6) Situa-se no início do aglomerado urbano de Rios Frios, estando à margem da estrada pavimentada.

7) Encontra-se a pequena distância do centro da freguesia, sendo servido, nas proximidades, por muito boas infra-estruturas rodoviárias, eu passam nas imediações.

8) Esse pequeno núcleo habitacional, constituído por moradias, de um modo geral, de construção recente.

9) Dispõe de boa acessibilidade aos grandes centros urbanos, integrando-se em zona de aglomerado urbano disperso, existindo, na sua envolvente imediata, algum casario, com predominância de habitações de dois pisos, com amplos quintais.

10) O imóvel está em zona integrada em núcleo urbano, considerando-se bem exposta em termos de aquecimento e luminosidade.

11) E está próximo de diversos equipamentos e serviços, face à facilidade de deslocações para os centros de maior dimensão, sem focos poluentes conhecidos nas proximidades, a não ser os provenientes, pela proximidade da estrada IP3, que provoca poluição sonora e de gás.

12) Possui facilidade de acesso à cidade de Coimbra, por via de auto-estrada, de onde dista cerca de 7/8 quilómetros.

13) O prédio era servido por via pública revestida a tapete betuminoso, sendo dotado de redes pluviais de abastecimento de água, energia eléctrica, telefones e de saneamento, não dispondo ainda em ETAR (em construção).

14) Esse mesmo prédio situa-se, de acordo com o P.D.M., dentro do perímetro urbano definido pela Planta de Ordenamento, em zona residencial da área exterior à cidade classificada, na sua maior parte, como Zona Residencial Núcleo, sendo a parte restante Zona Florestal e Zona agrícola.

15) De acordo ainda com o P.D.M., as zonas residenciais exteriores à cidade são destinadas, predominantemente, à habitação, equipamento complementar, comércio e serviços, sendo necessário elaborar planos de pormenor ou outros estudos para cada uma das zonas residenciais.

16) Na ausência de estudos, as edificações deverão respeitar as características urbanísticas da zona, implantar-se com frente para a rua, e integrar-se dentro do volume delimitado pelo alinhamento, profundidade, cércea dominante e afastamento aos limites laterais de acordo com o Regulamento Geral das Edificações Urbanas.

17) A Administração Tributária e Aduaneira veio informar nos autos que não dispõe de “ferramenta informática” que permita identificar os imóveis alienados em certa zona (v. fls. 336).

A. Se a sentença recorrida enferma de insuficiência da matéria de facto que deve ser dada como provada, designadamente da elencada na conclusão 6.ª.

No que a esta questão concerne, alegam os recorrentes que se devia considerar como assente a factualidade que descrevem na sua conclusão 6.ª. que se resume em a expropriante ter atribuído o valor de 70,00 € por m2 com vista à expropriação das parcelas sobrantes; valor que é o que consta do despacho que determinou a expropriação do terreno em causa; que tal valor foi, também, atribuído a uma parcela contígua; que a área total do prédio é de 2.535 m2 e que requereram a expropriação total do prédio de que são donos.

Ora, compulsando a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, verifica-se que a referência ao valor oferecido para a pretendida expropriação se encontra expressa no respectivo item 2.º.

A área consta do item 5.º.

A questão da expropriação total, está descrita no item 4.º

Quanto aos demais indicados (valor atribuído à parcela contígua e das parcelas sobrantes) em nada importam à decisão da questão do cálculo da justa indemnização devida aos expropriados.

Efectivamente, como ao diante melhor explicitaremos, a fixação da justa indemnização depende da verificação de certos critérios, legalmente tipificados e não do facto de a uma parcela ser dado um valor e a uma outra, ainda que contígua, um diverso, bem como do facto de que os expropriados estavam de acordo com o preço oferecido em sede de negociações referentes à expropriação amigável, que pretendiam ver estendido a toda a área do prédio e não apenas à expropriada.

Expropriação amigável e litigiosa são completamente diferentes e, por via disso, regidas por parâmetros que, a cada uma delas, são próprios.

Em suma, quanto à matéria de facto a dar como provada na decisão recorrida, não comungamos da visão dos recorrentes, entendendo-se que a mesma se encontra ali descrita de forma cabal e suficiente para a decisão de todas as questões que no presente recurso nos são colocadas.

Pelo que, quanto a esta questão improcede o presente recurso.

B. Se a conduta da expropriante configura abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprio.

Os expropriados assentam toda a sua argumentação recursiva no facto de a entidade expropriante ter proposto o preço de 70,00 €, por metro quadrado, no mapa anexo ao despacho determinativo da expropriação, que aceitaram, apenas se insurgindo contra o facto de não se ter determinado a expropriação total do prédio e a final, não ter sido fixada a indemnização que lhes é devida, tendo por referência aquele preço por metro quadrado, mas um muito inferior.

Nesta senda, consideram que tendo o Estado oferecido ab initio tal preço, que aceitaram, quanto à parcela expropriada e que pretendiam estender às parcelas sobrantes, sob pena de abuso do direito, não se pode fixar valor inferior, sob pena de se cometerem as inconstitucionalidades acima descritas e se agir em abuso do direito.

De tais inconstitucionalidades nos ocuparemos de seguida.

Relativamente ao abuso do direito, importa reter o seguinte:

De acordo com o disposto no artigo 334, do Código Civil:

            “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

            Como o refere A. Menezes Cordeiro, in Litigância de Má Fé Abuso do Direito de Acção e Culpa “In Agendo”, Almedina, 2006, a pág.s 33 e 49, o abuso do direito constitui uma forma tradicional para exprimir a ideia do exercício disfuncional de posições jurídicas, isto é, do exercício concreto de posições jurídicas que, embora correcto em si, acabe por contundir com o sistema jurídico na sua globalidade, ou seja, como um princípio que entende deter uma actuação que, em primeira linha, se apresentaria legítima.

            Tanto a nível doutrinário como jurisprudencial o abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprio, tem vindo a ser encarado à luz da tutela das doutrinas da confiança ou das doutrinas negociais, consoante a situação em apreço, surgindo o princípio da confiança “… como uma mediação entre a boa fé e o caso concreto. Ele exige que as pessoas sejam protegidas quando, em termos justificados, tenham sido levadas a acreditar na manutenção de um certo estado de coisas.” – autor e ob cit., a pág. 51.

            No entanto, como não podia deixar de ser, a tutela da confiança, apoiada na boa fé, e seguindo, ainda o mesmo autor e obra, agora, a pág. 52, só pode ser tutelada desde que se verifiquem as seguintes proposições:

            1.ª Uma situação de confiança conforme com o sistema e traduzida na boa fé subjectiva e ética, própria da pessoa que, sem violar os deveres de cuidado que ao caso caibam, ignore estar a lesar posições alheias;

            2.ª Uma justificação para essa confiança, expressa na presença de elementos objectivos capazes de, em abstracto, provocar uma crença plausível;

            3.ª Um investimento de confiança consistente em, da parte do sujeito, ter havido um assentar efectivo de actividades jurídicas sobre a crença consubstanciada;

            4.ª A imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela protecção dada ao confiante; tal pessoa por acto ou omissão, terá dado lugar à entrega do confiante em causa ou ao factor objectivo que a tanto conduziu.

            Em idêntico sentido se expressou J. Batista Machado, in Obra Dispersa, vol. I, Scientia Iuridica, Braga, 1991, a pág. 407, quando ali refere que a proibição do venire contra factum proprio, se caracteriza pela conformidade à ideia de justiça distributiva que os riscos originados na credibilidade da conduta anterior do agente não devam ser suportados por quem, dentro da normalidade da vida de relação acreditou na mensagem irradiada pelo significado objectivo da conduta do mesmo agente e que, por outro lado, seja possível alcançar esse resultado sem sujeitar tal agente a uma obrigação, sem lhe impor a constituição de um vínculo, mas pelo simples desencadear de um efeito inibitório ou inabilitante, que carece de fundamento bem mais ténue que aquele que exigiria a constituição de uma obrigação.

            De igual forma, e seguindo, ainda, o mesmo Estudo, pág.s 415 a 419, exige tal Autor que se verifique uma situação objectiva de confiança, no sentido de que a confiança digna de tutela tem de radicar numa conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a uma dada situação futura e que, directa ou indirectamente, revele a intenção do agente de se considerar vinculado a uma determinada atitude no futuro.

            Em segundo lugar, que o conflito de interesses e a necessidade de tutela jurídica apenas surjam quando uma contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposições ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos, se a sua confiança legítima vier a ser frustrada e que tal dano não seja removível através de outro meio jurídico capaz de conduzir a uma situação satisfatória, no sentido de que o recurso a esta proibição é sempre um último recurso e, por último, que exista boa fé da contraparte que confiou e tenha agido com o cuidado e as precauções usuais no tráfico jurídico.

Também no mesmo sentido, opina M. J. Almeida Costa, in RLJ, ano 129, pág. 62, que ali refere exigir a proibição do venire, para além da situação objectiva de confiança e a boa fé do sujeito que confiou, o investimento na confiança que corresponde às mudanças na vida do destinatário do factum proprio que evidenciam tanto a expectativa nele criada como revelam os danos que resultarão da falta de tutela eficaz para aquele, bem como que, subjectivamente, se encontre numa posição de boa fé, no sentido de que tenha agido na suposição de que o autor do factum proprio estava vinculado a adoptar a conduta prevista e que, ao formar tal convicção tenha tomado todos os cuidados e precauções usuais no tráfico jurídico, os quais deverão ser tanto maiores quanto mais vultuosos forem os investimentos inspirados na confiança.

             Ora, tendo por referência a factualidade sub judice parece-nos que a entidade expropriante não agiu em abuso do direito.

            Efectivamente, há que distinguir entre a expropriação amigável, a qual tem como pressuposto que as partes estão de acordo em relação à questão da concreta expropriação e, a litigiosa que, ao invés, pressupõe a falta de entendimento entre as partes envolvidas.

            Assim, é lícito que, em sede de expropriação amigável, a título de proposta ou mesmo de fixação de um preço por parte da entidade expropriante, esta, ofereça um preço/valor que não está enquadrado/delimitado pelos critérios legais aplicáveis.

            Melhor dizendo, ao passo que na expropriação amigável as partes estão “libertas” dos critérios legais que fixam o modo como se calcula a indemnização, para fixar o preço devido, na expropriação litigiosa, designadamente em sede de recurso da decisão arbitral, já terão de se submeter ao que se encontra legalmente fixado.

            Na primeira hipótese as partes poderão “negociar/acordar” os termos em que se fixa o quantitativo da indemnização, ao passo que na segunda se submetem ao que a lei estipula, para tal.

            Relativamente ao valor da indemnização proposta pela entidade expropriante, em sede de expropriação amigável, dada a inexistência de acordo das partes quanto à fixação da indemnização devida, a entidade expropriante não ficou vinculada à proposta que naquela fase apresentou.

            Desde logo porque inexiste no Código das Expropriações qualquer norma de onde se retire que a entidade expropriante fique vinculada, na fase litigiosa, pela proposta que fez aos expropriados na fase amigável, designadamente no que diz respeito ao valor da indemnização. Se alguma conclusão resulta do referido Código é a de que a entidade expropriante não está vinculada à proposta, uma vez que, nos critérios legais de fixação do valor da justa indemnização, não há a mais leve referência ao conteúdo da proposta oferecida na fase amigável do processo.

            Por outro lado, esta não vinculação àquela proposta resulta também das regras gerais sobre a declaração negocial, sendo que a proposta da entidade expropriante é uma verdadeira declaração negocial sujeita ao regime dos artigos 224.º e seg.s do Código Civil. E assim, a aceitação da proposta pelos expropriados, mas com a condição de a expropriação ser total significou a rejeição da proposta apresentada pela entidade expropriante, por parte dos expropriados, nos termos do artigo 233.º do Código Civil. E uma proposta rejeitada não vincula quem a fez.

            Daí que, em nossa opinião, o valor por metro quadrado oferecido na fase de expropriação amigável ou extra-judicial, no caso de esta se frustrar não vincula nem as partes nem o Tribunal que for chamado a dirimir a questão.

            De resto, no caso presente trata-se de preço superior oferecido pela expropriante, mas a solução seria a mesma na hipótese inversa, ou seja, se o preço oferecido inicialmente, pela entidade expropriante, fosse inferior ao resultante da aplicação dos critérios legais.

            Em suma, o preço oferecido/proposto em sede de expropriação extra-judicial não tem relevância no caso de as partes não estarem de acordo quanto ao objecto do litígio, hipótese em que terão de prevalecer as normas legais que fixam a indemnização a arbitrar, sendo as partes livres na opção por qualquer destas modalidades, com todas as consequências que daí advêm.

            De resto, sempre se diga que, contrariamente ao referido pelos recorrentes a proposta efectuada pela expropriante apenas abrangia a parte que se visava expropriar e não a totalidade do prédio.

            Tanto assim que, como os expropriados expressamente referem e resulta do doc. de fl.s 57, estes só não aceitaram tal proposta porque a queriam estendida à totalidade do prédio, o que a expropriante não aceitou e motivou o pedido de expropriação total que aqueles vieram a formular.

De onde resulta inexistir qualquer abuso do direito por apresentação de diferentes preços quanto às partes sobrantes.

O que aconteceu, foi que a expropriante apenas pretendia expropriar a parte do prédio de que necessitava para a prossecução dos fins (trabalhos) tidos em vista e os expropriados queriam aproveitar-se do preço proposto, relativamente à totalidade do prédio, o que aquela não aceitou, nem se vislumbra que tenha tido qualquer conduta que o fizesse prever, antes pelo contrário, durante todo o processo negocial manteve e expressou o propósito de apenas pretender a expropriação parcial.

E, contrariamente, ao expendido pelos recorrentes (como à frente mais detalhadamente se abordará) estes, não estavam impedidos de aceitar o valor oferecido quanto à parcela a expropriar e, para além, disso, requerer a expropriação total, de onde se infere que a expropriante, pelos motivos expostos, não agiu em abuso do direito.

Inexistindo acordo para a expropriação amigável e seguindo-se os termos da expropriação litigiosa, teria de se lançar mão, como se fez, dos critérios legais que fixam a indemnização a atribuir em caso de expropriação.

Assim, conforme o artigo 23.º, n.º 1 do Cód. das Expropriações, a expropriação por utilidade pública confere ao expropriado o direito de receber o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização.

            Definindo-se no seu n.º 2 quais os conteúdos e limites do que deve ser a tal justa indemnização.

Estabelecendo-se no mesmo Código (artigos 26.º e 27.º) os critérios de cálculo dos valores dos terrenos expropriados, consoante se trate, respectivamente, de terrenos aptos para construção ou para outros fins.

Por outro lado, conforme o disposto no artigo 62.º, n.º 2 da CRP, “A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização”.

O que se garante neste preceito é o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte e que a expropriação por utilidade pública só pode ser efectuada com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.

Conforme referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição, Anotada, 2.ª edição revista e ampliada, 1.º volume, Coimbra Editora, 1984, a pág.s 336 e 337, o que em tal preceito se consagra é o direito de que ninguém pode ser arbitrariamente privado da propriedade e de ser indemnizado em caso de desapropriação, visando-se com a fixação da justa indemnização, por referência ao valor de mercado, a proibição da atribuição de indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda do bem expropriado.

Mas como do mesmo resulta, não fixa o legislador constitucional o que se deva considerar, em concreto, como a justa indemnização, tarefa que relegou para o legislador ordinário.

Este, veio a consagrar os mecanismos de cálculo da justa indemnização através do denominado “Código das Expropriações”, à luz do qual se vieram a estabelecer as regras de cálculo da justa indemnização.

À “justa indemnização se referem, primordialmente, os artigos 1.º, in fine e 23.º, n.os 1 e 3, ambos do Código das Expropriações.

Este último delimita o conceito de justa indemnização afirmando por um lado que não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas sim ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, medido pelo valor do bem expropriado, fixada por acordo ou determinada objectivamente pelos árbitros ou decisão judicial, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes à data de declaração de utilidade pública.

Quanto aos limites e conteúdo do que se deva entender por justa indemnização, parece-nos ser de seguir o ensinamento de Alves Correia, in As Garantias Do Particular Na Expropriação Por Utilidade Pública, Separata do volume XXXIII do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, que a pág.s 128 e 129 ali refere:

“A obrigação de indemnização por expropriação não se confunde com o dever de indemnização correspondente à responsabilidade civil por factos ilícitos, pelo risco e pela violação de deveres contratuais. Ao passo que este abrange todas as perdas patrimoniais (…) do lesado e cobre não só o prejuízo causado, mas também os benefícios que aquele deixou de obter em consequência da lesão, tendo como objectivo colocá-lo na situação em que estaria se a intervenção não tivesse tido lugar, aquela engloba apenas a compensação pela perda patrimonial suportada e tem como finalidade a criação de uma nova situação patrimonial correspondente e de valor igual.

De uma maneira geral, entende-se que o dano patrimonial suportado pelo expropriado é ressarcido de uma forma integral e justa, se a indemnização corresponder ao valor comum do bem expropriado, ou, por outras palavras, ao respectivo valor de mercado ou ainda ao seu valor de compra e venda”.

Ali acrescentando a fl.s 130 que:

“Sendo concedida ao expropriado uma indemnização correspondente ao valor de mercado do bem, aquele é teoricamente colocado na situação de poder voltar a adquirir uma coisa de igual espécie e qualidade, um objecto de valor equivalente”.

Assim sendo, não podem entrar no cômputo da justa indemnização nem critérios especulativos nem factos de incerta concretização, apenas sendo de atender ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração da DUP e tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.

A decisão recorrida, apoiando-se no Laudo dos Peritos, que foi elaborado de forma unânime, descreve os factores tidos em conta para a atribuição da indemnização devida, sendo de referir que nenhum deles, a nível da factualidade dada ali dada como provada, foi posto em causa no presente recurso, designadamente, quanto à classificação e localização do prédio.

De igual modo, os expropriados não se insurgem quanto ao modo como a indemnização ali foi calculada, limitando-se a defender que devia ser atendido o preço de 70,00 € por metro quadrado proposto com o despacho que determinou a expropriação.

No entanto, como acima já referido, o mesmo não é vinculativo na fase de expropriação litigiosa.

Se os expropriados estavam de acordo com o mesmo, deviam tê-lo aceite e numa segunda fase, requerer a expropriação total.

No entanto, ao optarem, como optaram, pelo recurso da decisão arbitral, aquela proposta deixa de ter qualquer eficácia, passando a prevalecer os critérios legais referidos e seguidos no Relatório de Avaliação e que a sentença recorrida acolheu.

Assim, quanto a esta questão, tem de improceder o recurso interposto.

C. Se a sentença recorrida padece de inconstitucionalidade, por violação dos princípios da igualdade; da equivalência dos valores; da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos; da proporcionalidade; da justiça e da imparcialidade.

Os expropriados, ora recorrentes, defendem que assim sucede em virtude de na sentença recorrida não se ter acolhido o valor proposto pela entidade expropriante e que os expropriados que o aceitaram, por via de acordo, receberam, o que acarreta que se trate de forma desigual, o que é igual (princípio da igualdade), ao mesmo tempo que viola o princípio da equivalência dos valores que deve presidir como critério de fixação da justa indemnização, por quem acordou ter recebido 70,00 € por metro quadrado e os aqui recorrentes terem recebido significativamente menos.

De igual modo, por ter sido o próprio Estado a oferecer aquele preço e, a final, se ter fixado na sentença um valor inferior, tal origina a violação do princípio da protecção da confiança dos cidadãos, bem como os princípios da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.

Com o devido respeito, estamos em crer que a sentença recorrida não padece das invocadas inconstitucionalidades.

Como já acima se deixou subentendido, os recorrentes partem de uma premissa que não é sustentável.

Efectivamente, toda a sua actuação parte do pressuposto de que para requerer a expropriação total do seu prédio tinham de interpor recurso da decisão arbitral e de que a entidade expropriante, ao oferecer/propor o, por diversas vezes, já referido preço de 70,00 € por metro quadrado, se vinculou, irremediavelmente, a pagar este valor, fosse em que circunstâncias fossem.

Como já referimos, o preço inicialmente oferecido não releva nesta sede e, de igual modo, como na análise da próxima questão trataremos, poderiam os expropriados aceitar a indemnização proposta e, posteriormente, discutir a questão da expropriação total.

No entanto, no âmbito desta questão e decidido que o preço inicialmente proposto não fixou a indemnização devida, inexistem razões para as apontadas inconstitucionalidades.

O que se determina no artigo 266.º, n.º 2 da CRP é que:

“Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé.”.

Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, a pág. 798 e seg.s, com tal preceito visa-se estabelecer a subordinação da administração à lei, princípio da legalidade, que se expressa pela prevalência da lei.

Concretizando, de fl.s 801 a 803, que o princípio da proporcionalidade, visa obrigar a administração, na prossecução dos interesses públicos, de acordo com o princípio da justa medida, no sentido de que deve a administração adoptar dentre as medidas, necessárias e adequadas para atingir aqueles fins, as que impliquem menos gravames e sacrifícios para os administrados, ou seja, visa atacar a discricionaridade da administração.

O princípio da justiça visa obrigar a administração a pautar a sua actividade, de acordo com os princípios de direito fundamentais, designadamente que a administração obtenha uma solução justa, relativamente aos problemas concretos que lhe cabe decidir.

Por último, o princípio da imparcialidade traduz-se em que a administração deve proceder com isenção no conflito entre o interesse público e os interesses particulares, de modo a não sacrificar desnecessária e desproporcionadamente os interesses particulares e, por outra via, exigindo que a administração actue em face dos vários cidadãos, de igual forma, “exigindo-se igualdade de tratamento dos interesses dos cidadãos através de um critério uniforme de prossecução do interesse público.”.

Ora, a entidade expropriante ofereceu aos expropriados o mesmo preço por metro quadrado do que ofereceu aos proprietários das parcelas vizinhas.

A única diferença reside no facto de uns terem aceite a proposta efectuada e outros, designadamente os ora recorrentes, não a terem aceite.

Como acima já referimos, são diferentes os critérios de fixação da indemnização em sede judicial ou extra-judicial.

Aos aqui recorrentes foram dadas as mesmas possibilidades que aos demais, em matéria de fixação amigável da indemnização.

Estes não as aceitaram, pelos motivos expostos, mas tal não acarreta as invocadas inconstitucionalidades, não se vislumbrando em que é que os recorrentes foram tratados de forma desigual pela entidade expropriante, nem estes o concretizam, baseando-se apenas para tal no pretenso carácter vinculativo de tal proposta.

Pelo que, não se verifica a violação destes princípios constitucionais.

Relativamente ao princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, no que a o caso em apreço tange, visa a vinculação da administração a não adoptar medidas administrativas portadoras de incidências coactivas desiguais na esfera dos cidadãos e a sua autovinculação no âmbito dos seus poderes discricionários, no sentido de que deve usar critérios substancialmente idênticos para a resolução de casos idênticos, que se consubstancia, ainda, na igualdade de aplicação do direito aos cidadãos – cf. autores e ob. cit., mas agora, Vol. I,, Coimbra Editora, 2007, a pág.s 345 e 346.

O princípio da igualdade supõe que aquilo que é igual deve ser tratado de forma igual e o que é desigual deve ser tratado de forma desigual.

Ora, reitera-se, os ora recorrentes não foram tratados de forma desigual pela entidade expropriante, em relação aos demais,

O que aconteceu, como antes referimos, foi que, ao contrário de alguns, os aqui recorrentes não aceitaram a proposta que lhes foi feita, pelo que não se verifica a invocada inconstitucionalidade. Como já anteriormente referido, a expropriação amigável é diferente da expropriação litigiosa, daí que a indemnização, num caso e noutro, não tenha de ser necessariamente igual.

No que toca à alegada violação do princípio da equivalência de valores, mais uma vez o respectivo fundamento radica no desrespeito pela fixação da indemnização com base no valor de 70,00 € por metro quadrado.

O princípio em questão encontra-se consagrado no artigo 62.º da CRP, que garante o direito à propriedade privada e a forma como a ele se pode por termo através da expropriação por utilidade pública.

Dispondo-se no seu n.º 2 que lhe deve corresponder uma “justa indemnização”, sendo que, como já anteriormente referido, os respectivos critérios se acham estabelecidos no Código das Expropriações e que só pode ser efectuada com base na lei.

Ou seja, a expropriação é enformada, desde logo, pelo princípio da legalidade, no sentido de que carece sempre de uma base legal, desde a declaração de utilidade pública até aos critérios que fixam a justa indemnização.

Nesta, por aplicação do princípio da equivalência de valores, não devem tomar-se em conta valores especulativos ou ficcionados, perturbadores da justa medida entre as consequências da expropriação e a sua indemnização – cf. autores e ob. ora, por último, cit., pág.s 807 a 809.

Não é pelo facto de a sentença ter seguido os critérios legais estabelecidos para o cômputo da justa indemnização, que viola tal princípio. Muito pelo contrário.

Na mesma acolheu-se o laudo dos Peritos, sem que nenhum dos intervenientes o tenha posto em causa, com excepção da pretensão dos recorrentes mas, situando-se, esta, num outro plano – o da prevalência da quantia oferecida em sede de expropriação amigável ou extra-judicial.

Pelo que, não padece a sentença recorrida de inconstitucionalidade por violação de tal princípio.

Por último, a questão da violação do princípio da segurança jurídica e da protecção dos cidadãos.

Colhendo, mais uma vez, os ensinamentos dos autores que vimos seguindo, ob. ora cit., a pág. 206, deriva do conteúdo do artigo 2.º da CRP, a protecção dos cidadãos contra a prepotência, o arbítrio e a injustiça (especialmente por parte do Estado).

É também mais ou menos pacífico que se devem proteger as expectativas dos cidadãos que lhe são criadas pela actuação da administração.

Só que, no caso em apreço, não vislumbramos onde assenta a violação de tais expectativas ou sequer, quais as expectativas a salvaguardar.

Como já referimos, a entidade expropriante ofereceu aos expropriados a mesma cifra por metro quadrado que propôs aos demais, mas estes não a aceitaram, tendo em vista que lhes fosse pago o mesmo preço por todo o prédio, o que, em momento algum, a expropriante assegurou (tanto que o pedido de expropriação total do prédio só foi decidido em juízo).

Por outro lado, a partir do momento em que se interpôs recurso da decisão arbitral, devem as partes saber que o litígio passou a ser regulado pelas leis em vigor – é a principal decorrência do princípio da legalidade, acima citado, em conformidade com o disposto no artigo 62.º, n.º 2 da CRP, com igual dignidade.

Efectivamente, em caso de expropriação litigiosa, aquilo com que os expropriados devem contar, em matéria de indemnização, não é que a mesma seja calculada de acordo com a proposta feita em sede amigável, mas sim que o seja em conformidade com os critérios legais estabelecidos, pelo que só nisto tinham expectativas de confiar e esperar que assim fosse.

Mais nos parecendo, que violado o princípio da legalidade, não se pode o interessado prevalecer dos demais,

Efectivamente, os particulares (assim como o Estado ou seus Agentes) não se poderão arrogar a colher benefícios de uma “acto ilegal”. Se se trata de um acto contrário à lei, impõe-se restabelecer a legalidade, com prevalência sobre as “expectativas criadas”.

Assim, como já dissemos, a partir do momento em que é interposto recurso da decisão arbitral, os únicos critérios a seguir para o cálculo da justa indemnização são os legalmente fixados, como se procedeu no caso em apreço.

Consequentemente, também este princípio constitucional não se mostra violado.

Assim, igualmente, quanto a esta questão, improcede o presente recurso.

D. Se o artigo 55.º, n.º 1, do Código das Expropriações é inconstitucional, por impor ao expropriado que só através do recurso judicial da decisão arbitral é possível requerer a expropriação total do imóvel expropriado e, assim, impedindo que o expropriado pela via judicial só questione o pedido de expropriação total.

Quanto a tal aduzem os expropriados que o artigo 55.º, n.º 1 do Código das Expropriações, impõe ao expropriado que só através do recurso judicial da decisão arbitral é possível requerer a expropriação total do imóvel expropriado, o que equivale à prática de acto não adequado com vista à defesa do interesse que pretende ver tutelado em juízo.

Se assim fosse, era de sufragar a tese dos recorrentes.

Mas, somos de opinião, que o preceito em causa, não postula tal exigência.

Como decorre do disposto no artigo 58.º do Cód. das Expropriações, o recurso da decisão arbitral visa atacar esta no que se refere ao montante da indemnização, pretendendo-se obter outra em sua substituição.

Ao invés, o pedido de expropriação total, visa apurar se para além da área de terreno necessária para a prossecução do fim tido em vista com a expropriação, se deve estender a mesma à área restante, nos casos referidos no artigo 3.º, n.º 2, do mesmo Código.

Ou seja, se no recurso da arbitragem se discute o modo de cálculo e/ou montante da indemnização fixada, no pedido de expropriação total visa-se determinar se a expropriação deve ser superior à área referida na declaração de utilidade pública.

Daí que se refira no seu artigo 55.º, n.º 1, que dentro do prazo do recurso da decisão arbitral podem os interessados requerer a expropriação total.

Desde logo o elemento literal indica que não existe qualquer conexão com o recurso da decisão arbitral, que não o do seu limite temporal: tal direito tem de ser exercido no mesmo prazo do recurso da decisão arbitral, mas nada indicando que um tenha de ser dependência do outro.

Pelo contrário, dada a diferente finalidade, são os mesmos completamente independentes e autónomos, como se retira do n.º 3 deste preceito.

Em face do que, como se decidiu no Acórdão da Relação do Porto, de 20/10/2009, Processo 3770/06.9TBVCD-A.P1, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrp., citado pela expropriante, pode-se concluir que após a notificação a que se alude no artigo 51.º, n.º 5, o expropriado, em caso de expropriação parcial litigiosa, pode:

- recorrer da decisão arbitral, em caso de desacordo com o montante indemnizatório, no que se refere à parcela abrangida pela DUP,

- recorrer da decisão arbitral, por tais fundamentos e requerer a expropriação total, por se verificarem os respectivos fundamentos ou;

- limitar-se a pedir a expropriação total, em caso de acordo com o montante proposto, relativamente aos limites definidos na DUP, mas se pretende abranger na expropriação a totalidade do prédio.

Como no mesmo recurso se refere, só no caso de os árbitros não terem avaliado a parte não abrangida pela DUP, em consonância com o disposto no artigo 29.º do Código das Expropriações, é que poderão existir dúvidas se se faz depender o pedido de expropriação total da simultânea interposição do recurso da decisão arbitral e mesmo, em tal caso (com o que se concorda) permanece a independência de ambas as, possíveis, pretensões.

No caso em apreço, como resulta de fl.s 83, os Árbitros procederam ao cálculo, em separado, das partes abrangidas e não abrangidas pela DUP, entrando em linha de conta no cálculo da indemnização com a depreciação das partes sobrantes, pelo que não tinham os expropriados que interpor em simultâneo recurso da decisão arbitral, para poder ser apreciado o pedido de expropriação total – neste sentido, veja-se João Pedro de Melo Ferreira, in Código das Expropriações, Anotado, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2007, pág. 261, nota 8 (e demais doutrina, no mesmo sentido, ali referida).

A actuação dos expropriados ao lançarem mão, em simultâneo, do recurso de arbitragem e pedido de expropriação total, não decorre, pois, de imposição legal, mas sim de opção que escolheram com vista à defesa dos seus interesses.

O que mais se reforça se atentarmos no que se dispõe no artigo 34.º do CE, relativamente às matérias que podem ser objecto de acordo, na fase de expropriação amigável e em que, entre outras, figuram o montante da indemnização e a expropriação total, de onde resulta que não está excluída a hipótese de os interessados chegarem acordo quanto a uma (ou várias) de tais questões e já não acordarem noutra(s).

Ora, não havendo proibição expressa de acordos parciais, também não se vislumbram razões para não os admitir, desde que, como é óbvio, sejam aceites por ambas as partes.

Pelo que, não se verifica a aludida inconstitucionalidade e, consequentemente, também, quanto a esta questão, improcede o recurso.

Nestes termos se decide:       

Julgar improcedente o presente recurso de apelação e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.

            Custas pelos apelantes.

            Coimbra, 26 de Novembro de 2013.

           

Arlindo Oliveira (Relator)

Emídio Francisco Santos

Catarina Gonçalves