Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
532/17.1T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE GRUPO
DEVER DE INFORMAÇÃO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
CLÁUSULA DE EXCLUSÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 11/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JC CÍVEL 
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 76, 78 RJCS ( DL Nº 72/2008 DE 16/4)
Sumário: 1. - O art.º 78.º do RJCS é claro, em matéria de contrato de seguro de grupo, no sentido de ser o tomador do seguro – e não o segurador – o vinculado, salvo convenção em contrário, ao dever de informar os segurados/aderentes sobre as coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como sobre as alterações ao contrato, tratando-se, assim, de regime legal especial deste tipo de seguro, afastando, neste âmbito de prestação informativa, o regime geral diverso resultante da LCCG.

2. - Tais alterações ao contrato podem ser livremente promovidas pelo segurador (no quadro da sua relação com o tomador) sem assentimento dos segurados, que apenas têm de ser informados e esclarecidos acerca do seu conteúdo.

3. - Compete também ao tomador do seguro provar que forneceu as informações a que está obrigado.

4. - O incumprimento desse dever de informar faz incorrer o tomador em responsabilidade civil (art.º 79.º do RJCS).

5. - Neste âmbito, pode o segurador opor aos segurados e aos beneficiários uma cláusula de exclusão da cobertura do seguro, mesmo que objeto de alteração por aquele, no caso de a omissão do dever de informação e esclarecimento junto dos segurados ser exclusivamente imputável ao tomador de seguro.

6. - Porém, exigindo essa cláusula, para exclusão da cobertura, que se trate de “ações ou omissões praticadas pela pessoa segura”, cuja morte violenta foi devida a intoxicação medicamentosa por sertralina, o não apuramento da concreta causa do sinistro (homicídio, acidente ou suicídio) determina a operância da garantia do seguro.

Decisão Texto Integral:






I – Relatório

1.º - J (…) e

2.º - D (…), ambos com os sinais dos autos,

intentaram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra

1.ª - “F (…) -, S. A.e

2.ª - “C (…), S. A.”, ambas também com os sinais dos autos,

pedindo, na procedência da ação:

«A) Se[ja] declarada excluída ou inexistente a cláusula referida em 23º, das Condições Gerais da Apólice, atentos os motivos expostos, e referidos em 48 e 51.

B) Caso assim não se entenda ser declarada nula por abusiva e contrária à boa-fé, nos termos do art.º 57 e ss.

E consequentemente, atentas as restantes cláusulas da apólice:

C) Seja a 1.ª Ré condenada a pagar à 2.ª Ré o montante em dívida correspondente ao capital seguro a 1 de Janeiro de 2015,

D) Seja a 2.ª Ré condenada a devolver ao 2.º A. ½ das prestações do contrato de mútuo pagas desde 01/01/2015 até à data do óbito da sua mãe, também ela segurada.

E) Seja a 2.ª Ré condenada a devolver ao 1.º A. ½ das prestações do contrato de mútuo pagas desde 01/01/2015 até à data do óbito.

F) Seja a 2.ª Ré condenada a devolver ao 1.º A. o total das prestações do contrato de mútuo liquidadas desde a data do óbito até à extinção do mesmo, que se requer com a presente, acrescido de quaisquer responsabilidades contingentes ao mesmo mútuo também pagas (taxas, impostos, juros, etc.), em montante a liquidar a final,

G) Bem como, consequentemente, a declarar o contrato de mútuo extinto, e

H) Declarar extinto o contrato de seguro da mãe do 2º Autor e relativo ao 1 º Autor.

I) E consequentemente, seja a 1.ª Ré condenada a restituir aos AA os prémios do seguro de vida pagos desde a data do óbito da segurada, até à extinção do contrato de seguro, por procedência desta ação, respetivamente ao 1.º A. os prémios a ele referentes e ao 2.º A. os prémios referentes à mãe, que nesta data ainda se continuam a cobrar e até ao seu efetivo cancelamento;

J) Condenar-se a 1.ª Ré a entregar ao 2.º A. como herdeiro da pessoa segura, o eventual remanescente do capital seguro,

K) Ser a 1.ª Ré condenada a pagar aos AA. os juros moratórios devidos sobre as quantias ilíquidas pedidas nas alíneas supra.».

Para tanto, alegaram, em síntese, que:

R (…) (ex-mulher do 1.º A. e mãe do 2.º A.) faleceu no dia 10/08/2015 – por considerado suicídio e com uma TAS ([1]) de 1,54 g/l –, sendo que nenhuma das RR. teve por saldado o crédito de habitação celebrado junto da 2.ª R., “C (…) S. A.”, não obstante a existência de um contrato de seguro de vida associado;

- a cláusula de exclusão invocada pela R. “F (…)” para declinar a respetiva responsabilidade nunca foi comunicada ou explicada às pessoas seguras (1.º A. e ex-mulher), pelo que deve ser considerada excluída do contrato de seguro, sendo ainda abusiva e nula por violação do princípio de boa-fé, à luz do regime da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (LCCG);

- aquela TAS em nada foi determinante da morte, sendo que a responsabilidade da seguradora só pode ser declinada mediante prova, por aquela, de que o excesso de álcool foi causa da morte ocorrida (ónus da prova do nexo de causalidade).

Contestaram ambas as RR.:

a) A 1.ª R. (seguradora), alegando, para concluir pela improcedência da ação quanto a si:

- ter sido garantido, no caso, o capital seguro, inexistindo qualquer eventual remanescente a entregar a qualquer um dos AA., acrescentando que não omitiu qualquer dever de informação e que apenas não procedeu ao pagamento do capital em dívida na medida em que a garantia se encontra excluída do âmbito da referida apólice, pois que se apurou que R (…) tinha à data da sua morte um grau de alcoolemia no sangue de 1,54+-0,20 g/l;

- estar, por isso, excluída a sua responsabilidade face ao teor da cláusula da al.ª b) do ponto 5.1 das condições gerais da apólice, a qual era do conhecimento do 1.ª A. e da sua ex-mulher;

- caso se entendesse que aqueles não foram devidamente informados e esclarecidos quanto à aludida cláusula, a responsabilidade deve recair diretamente sobre a 2.ª R., “C (…), S. A.”, enquanto tomadora do seguro e a quem, na sua perspetiva, competia o dever de informação e esclarecimento, atentas as obrigações previstas na legislação do contrato de seguro para os contratos de seguro de grupo;

b) A 2.ª R. (“C (…), S. A.”), impugnando diversa factualidade invocada pelos AA. e alegando, também para concluir pela improcedência da ação:

- ter explicado todas as condições associadas ao crédito que cedeu ao 1.º A. e à sua ex-mulher, designadamente as associadas ao contrato de seguro de vida (de grupo) do empréstimo, rejeitando ainda, e no seguimento da posição da 1.ª R., que lhe competisse a si a entrega e explicação das condições particulares;

- ter procedido à explicação genérica das condições e funcionamento do seguro de vida e ter entregue aos mutuários fotocópia das condições gerais.

Os AA. responderam, reiterando que em momento algum o 1.º A. e a sua ex-mulher receberam ou assinaram qualquer documento com o teor do que foi junto pela 1.ª R. como documento n.º 1, o qual não lhes foi exibido ou explicado por nenhuma das RR..

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador e foram enunciados o objeto do litígio e os temas da prova.

Procedeu-se à realização da audiência final, com produção de provas, após o que foi proferida sentença, a qual, considerando parcialmente procedente a ação, apresenta o seguinte dispositivo:

1. - Condenatório:

«a) A ré F (…) a pagar à ré C (…), SA o montante em dívida correspondente ao capital seguro a 1 de Janeiro de 2015;

b) A ré C (…), SA a devolver ao 1.º A. metade das prestações do contrato de mútuo pagas desde 01/01/2015 até à data do óbito de R (…);

c) A ré C (…) SA a devolver ao 2.º A. metade das prestações do contrato de mútuo pagas desde 01/01/2015 até à data do óbito;

d) A ré C (…), SA a devolver ao 1.º A. todas as prestações do contrato de mútuo liquidadas por este a partir da data do óbito, acrescidas de todos os outros valores pagos a título de taxas, impostos, juros e comissões relacionados com esse mesmo mútuo.

e) A ré F (…) a restituir aos AA os prémios do seguro de vida por estes pagos desde a data do óbito da segurada até à presente data e que não tenha já procedido à sua devolução.

f) Juros vencidos e vincendos sobre todos os valores referidos nos pontos anteriores, à taxa legal civil, a contar da citação até integral e efetivo pagamento.».

2. - Absolutório:

«g) No mais, julga-se a ação improcedente.».

Inconformada com a sentença, veio a 1.ª R. (seguradora) interpor o presente recurso, apresentando alegação e as seguintes

(…)


***

A R./Recorrida “C (…), S. A.” respondeu, concluindo (…)

Os AA./Apelados contra-alegaram, pronunciando-se sobre as questões suscitadas em sede de recurso, e pugnando pela improcedência do recurso interposto, com a confirmação da decisão recorrida, ou, caso assim não se decida, “recai sobre a Ré C (…) responsabilidade pelos prejuízos decorrentes da cláusula de exclusão que a Ré Recorrente invoca, desde logo pelo montante em dívida correspondente ao capital seguro a 01 de Janeiro de 2015, condenando-se esta a considerar-se paga da quantia mutuada, desde logo nos termos peticionados no requerimento dos AA de 03/04/2017, e nos demais pedidos, contra a mesma apresentados e procedentes na sentença de 1.ª Instância.”.


***

O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime e efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.


***

II – Âmbito do Recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (exceptuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, importa saber:

a) Se deve proceder a impugnação da decisão de facto, implicando a alteração da factualidade julgada não provada (respostas aos pontos 1.º, 3.º e 4.º do elenco dado como não provado, a deverem ser julgados provados);

b) Se ocorre ausência de adesão quanto a cláusula de exclusão da garantia do seguro;

c) Se houve incumprimento, e por quem, do dever de informação aos aderentes quanto ao teor dessa cláusula ou relativamente a alterações ao conteúdo contratual;

d) Se a seguradora pode opor aos segurados/aderentes esse clausulado de exclusão;

e) Quais as consequências daí advenientes para as partes;

f) Se houve erro na fixação condenatória quanto a custas.


***

III – Fundamentação

          A) Matéria de facto

Na 1.ª instância foi considerada a seguinte factualidade como provada:

«1) O 1º Autor contraiu casamento católico com R (…), em 27 de Março de 1992.

2) Dessa união resultou um filho, D (…), aqui 2.º Autor.

3) Ainda enquanto casados, o 1.º Autor e a então esposa, celebraram, a 02 de Dezembro de 1999, um contrato de mútuo de Crédito à Habitação Jovem Bonificado DL 349/98 – BONIF DEC (...) , associado à conta (…) no valor total de 98.761,98 (noventa e oito mil setecentos e sessenta e um euros e noventa e oito cêntimos), com o B (…), S.A., entretanto adquirido pela ora 2ª Ré.

4) Tal crédito teve como finalidade a aquisição, pelo então casal, do prédio destinado à casa de morada de família, sito em x... , correspondente à fração autónoma designada pela ’V’, correspondente ao 4.º andar direito do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 001....º da freguesia de x... e y...., concelho de z.... e descrito na Conservatória do registo Predial sob o n.º 11 da anterior freguesia de x... .

5) Por força de tal contrato de mútuo foi subscrito um contrato de seguro obrigatório de grupo, do ramo seguro de vida, contrato pré-elaborado.

6) Este seguro de vida foi celebrado com a seguradora F (…)S.A., aqui 1ª Ré, identificado pelo n.º de processo (...) 1, com a Apólice n.º (...) 2, com início a 01/2/2000 e fim a 01/01/2029, mais 10 meses e 1 dia, cujo tomador é a 2.ª Ré e a pessoa segura a ex-mulher do autor, R (…), e o próprio 1.º Autor.

7) O capital assegurado foi o equivalente ao mutuado para o crédito à habitação, €98.761,98 (noventa e oito mil setecentos e sessenta e um euros e noventa e oito cêntimos).

8) Em 01.01.2015 encontrava-se em dívida € 61.409,04.

9) Em 10.03.2017, encontrava-se em dívida o valor total de € 52.570,91.

10) O contrato de seguro celebrado com a ré F (…) cobria os riscos de morte e invalidez ligados a contratos de mútuo de crédito à habitação, garantindo o pagamento ao beneficiário designado, neste caso, a 2.ª ré, do capital seguro em caso de morte ou invalidez total e permanente. Porque apenas foi subscrita a opção 1 não ficou estipulado o pagamento de qualquer valor remanescente (uma vez que o capital seguro era objeto de atualização em função da evolução do capital em dívida à instituição de crédito), correspondendo assim o capital seguro ao capital em dívida.

11) O seguro de vida garantia o pagamento do capital que se encontrasse em dívida a 1 de janeiro do ano da data do óbito, por um período de 30 anos à beneficiária, aqui 2.ª Ré.

12) Por divórcio e partilha do património conjugal, transitado a 1 de Julho de 2015, o 1º Autor divorciou-se da sua esposa, e partilhou o prédio identificado em 3, tendo o mesmo sido adjudicado ao 1º Autor.

13) O contrato de mútuo com hipoteca celebrado entre o 1º Autor e então esposa com a 2ª Ré, bem como os contratos de seguro a ele associados e celebrados com a 1º Ré não sofreram qualquer alteração em razão do divórcio.

14) R (…) ex-mulher do 1º Autor e mãe do 2º Autor, faleceu no dia 10.08.2015, devido a intoxicação medicamentosa por sertralina.

15) As análises toxicológicas efetuadas R (…) revelaram a presença de álcool etílico, que reportada à hora da morte era de 1,54 +/- 0,20g/l.

16) O 2.º A. comunicou o óbito e pediu que fosse acionado o seguro de vida existente junto da 1.ª Ré, prestando-lhe todas as informações solicitadas.

17) A 1.ª Ré recusou aceitar tal sinistro, invocando uma cláusula de exclusão com o seguinte teor: que “5.1. Estão sempre excluídas do âmbito de todas as coberturas do seguro as seguintes situações: a) (…) b) Ações ou omissões praticadas pela pessoa segura quando acuse consumo de produtos tóxicos, estupefacientes, ou outra droga fora da prescrição médica, bem como quando lhe for detetado um grau de alcoolémia no sangue superior a 0,5 gramas por litro”.

18) Os autores continuaram a pagar as prestações relativas ao crédito segurado: €4.645,24 no ano de 2015 (€4.286,32 relativo ao contrato de mútuo+ 358,92€ relativo aos contratos de seguro), €4.654,87 no ano de 2016 (€ 4.317.66 relativo ao contrato de mútuo + €337,21 relativo aos contratos de seguro) e €383,08 no ano de 2017 e até à entrada da presente ação (€355,15 relativo ao contrato de mútuo + €27,93 relativo ao contrato de seguro).

19) Além disso o 2.º autor continuou a pagar os prémios de seguro da mãe, desde a data do seu óbito até à data da propositura da ação.».

E foi julgado como não provado:

«1) R (…) se tenha suicidado.

2) O grau de alcoolemia que apresentava no sangue tivesse sido a causa de morte e/ou com esta estivesse direta ou indiretamente relacionada.

3) As rés tenham entregado ao primeiro autor e à sua ex-mulher cópia das condições da apólice de seguro.

4) As rés tenham comunicado e explicado ao autor e à sua ex-mulher as referidas condições, designadamente a cláusula das exclusões inserta no contrato.».


***

B) Da impugnação da decisão da matéria fáctica

A Apelante vem discordar, desde logo, da decisão da matéria de facto, impugnando as respostas aos pontos 1.º, 3.º e 4.º do elenco dado como não provado, a deverem ser agora julgados, inversamente, como provados.

(…)

Em suma, improcedendo a impugnação da decisão de facto, definitivo se torna o quadro fáctico – o julgado provado e o não provado – fixado na sentença.

C) O direito

1. - Da ausência de adesão, ou do incumprimento de obrigação informativa aos segurados/aderentes em seguro de vida de grupo, quanto a modificação de cláusula de exclusão da garantia do seguro

A 1.ª instância qualificou, sem controvérsia, o contrato em discussão como um contrato de seguro de grupo, previsto no art.º 76.º do RJCS ([2]), assim cobrindo “riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo que não seja o de segurar” (cfr. artigo mencionado).

Pressupõe uma tal relação de seguro uma “estrutura triangular” ([3]), em que se (inter)conexionam segurador (no caso, a R. “F (…)”), tomador do seguro (o banco também R.) e pessoas seguras (no caso, o A. J (…) e a sua então esposa, R (…) enquanto segurados).

Ocorre, pois, neste âmbito uma construção jurídica formada por “uma relação entre os participantes no grupo (os segurados) e o tomador”, ao lado de uma “relação de seguro, entre o tomador e o segurador” ([4]).

No caso dos autos, trata-se de um seguro de grupo funcionando como seguro de pessoas, em que os ditos segurados, clientes do banco tomador (mutuários deste), se encontram na posição de meros aderentes e consumidores.

Sendo, como dito, a relação de seguro especificamente confinada aos sujeitos tomador (banco) e segurador (empresa de seguros), a estes cabe a negociação e conclusão do respetivo contrato de seguro de grupo, fixando o seu clausulado e, como in casu, introduzindo-lhe posteriores alterações, sem que os participantes no grupo (os segurados, ligados ao banco, de que são clientes) sejam chamados à conformação do contrato de seguro e à modelação do seu conteúdo.

Mas, como sujeitos interessados no contrato, na posição de segurados, ligados ao tomador, aderentes ao clausulado do contrato já celebrado entre segurador e banco, cabe-lhes, obviamente, conhecer todo o clausulado contratual, de que devem ser adequadamente informados e esclarecidos, para que a sua vinculação seja livre e firme, o que obriga também à comunicação e esclarecimento sobre posteriores alterações – efetuadas por acordo entre segurador e tomador do seguro – àquele clausulado do contrato de seguro, mormente se estão em causa alterações a cláusulas (denominadas “condições”, tratando-se de cláusulas contratuais gerais) de exclusão da garantia do seguro.

Como refere Menezes Cordeiro ([5]), o “dever de informar é reequacionado no art.º 78.º. No fundamental, cabe, ao tomador do seguro, informar os segurados sobre as coberturas contratadas, as exclusões e os direitos e obrigações no caso de sinistro, bem como sobre as alterações, em conformidade com um espécimen elaborado pelo segurador (78.º/1). O ónus de provar que as informações devidas foram fornecidas cabe ao tomador (38.º/3), com prejuízo para as próprias normas da LCCG, que atribuem esse papel ao utilizador de cgs (o segurador)”.

Em atenção à estrutura, natureza e modo de formação da dita relação triangular, não deixa, pois, dúvidas o art.º 78.º do RJCS – aplicável ao caso, posto que a alteração de clausulado contratual em discussão é já do ano de 2009, como enfatizado na sentença (na senda da prova documental junta), embora o contrato seja de celebração anterior – de que é o tomador do seguro (banco) que “deve informar os segurados sobre as coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como sobre as alterações ao contrato”, tratando-se, assim, de inequívoco regime especial do contrato de seguro de grupo, afastando, neste âmbito de prestação informativa (“dever de informar”), o regime geral diverso resultante da LCCG.

E como também salienta Menezes Cordeiro ([6]), “O incumprimento do dever de informar faz incorrer o responsável em responsabilidade civil (79.º). Aparentemente, visa-se evitar a invalidade, que poderia desorganizar o grupo. Caso a caso haverá que ponderar as normas em causa e o seu escopo, assim se construindo a solução aplicável”.

Cabendo-lhe, salvo regime convencional diverso, o dever de informação e esclarecimento aos segurados/aderentes (seus clientes), compete também ao tomador do seguro (banco) provar que forneceu as informações a que está obrigado (cfr. n.ºs 3 e 5 do art.º 78.º do RJCS).

Já ao segurador, por seu lado, caberá, em segunda linha, “facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efetiva compreensão do contrato” (art.º 78.º, n.º 4).

Quanto às alterações ao contrato de seguro de grupo, é certo poderem elas, sem unilateralismo, “ser livremente promovidas pelo segurador sem assentimento dos segurados” ([7]), cabendo, como visto, ao tomador do seguro informar e esclarecer adequadamente os segurados, que não poderão ficar na ignorância dessas alterações, e correndo o ónus da prova do cumprimento do dever de prestação informativa contra o mesmo tomador.

Também a jurisprudência dos Tribunais Superiores vem elaborando sobre esta matéria, sendo dominante o entendimento no sentido de que:

«I. No caso de seguro de grupo, e salvo acordo em contrário estabelecido no contrato, compete ao tomador do seguro, e não ao segurador, a obrigação de informação ao aderente (segurado) das cláusulas contratuais gerais (coberturas, exclusões, obrigações e direitos em caso de sinistro) e suas alterações.

II. O incumprimento desta obrigação por parte do tomador do seguro não é oponível ao segurador, pelo que a cláusula geral não comunicada não se pode ter por excluída do âmbito da adesão ao seguro» ([8]).

Em suma, não podendo falar-se, in casu, quanto à cláusula de exclusão da cobertura em discussão – a objeto de alteração –, ou quanto ao demais conteúdo contratual de seguro de grupo estabelecido, da ausência de adesão, é certo haver incumprimento, nesse âmbito, de obrigação informativa aos aderentes, mas apenas por parte do R. banco tomador, fundamento para a responsabilização deste nos termos gerais, e não pelo R. segurador, ao qual o incumprimento pelo tomador não é oponível, pelo que o clausulado geral não comunicado não resulta excluído do âmbito da adesão ao seguro.

2. - Das consequências advenientes para as partes

Visto, então, que a obrigação de prestação informativa cabia ao tomador do seguro de grupo, o banco R. (C(…)), e não se mostrando que tenha sido cumprida, é tal R. banco responsável pelo incumprimento respetivo.

Já a R. seguradora, que não estava sujeita a esse dever, não pode ser penalizada pelo incumprimento de outrem (aquele banco tomador).

Assim, a seguradora, diversamente da situação do banco tomador, pode opor aos AA. (parte segurada/aderente) a cláusula de exclusão em causa, que – como vem sendo entendido pela jurisprudência ([9]) – deve ser interpretada como prescindindo do nexo de causalidade entre a TAS e o resultado (morte): define o seu âmbito de exclusão não por referência a um qualquer nexo de causalidade mas sim por referência ao volume de alcoolemia detetado à pessoa segura aquando do sinistro.

Acontece, porém, que mesmo a R. seguradora, que pode prevalecer-se da cláusula, não logra demonstrar, como se impunha, todos os elementos da respetiva previsão.

É que a discutida cláusula exige, desde logo, para exclusão da cobertura, que se trate de “ações ou omissões praticadas pela pessoa segura…”.

Ora, no caso não logra provar-se que a morte tenha resultado de ação ou omissão da própria pessoa segura, a pessoa falecida (R (…)).

Efetivamente, não logrou provar-se qual a concreta e real etiologia do evento (morte), mormente se decorrente de suicídio, acidente ou homicídio ([10]).

Não afastada a hipótese de ato de terceiro (homicídio ou mesmo acidente causado por outrem), em vez de ato imputável à própria pessoa segura, não está demonstrada a hipótese/previsão da cláusula de exclusão da cobertura, ainda que se tenha demonstrado que a falecida era portadora da TAS apurada (cfr. pontos 14. e 15. do quadro fáctico provado).

Assim, não pode operar, por não preenchimento da sua previsão, a dita cláusula de exclusão da cobertura do seguro, pelo que não logra desonerar-se, por essa via, a R. seguradora.

Com o que improcede nesta parte a apelação.

3. - Do erro na fixação condenatória quanto a custas da ação

Resta a questão colocada quanto a custas, pretendendo a recorrente que a condenação em custas da ação se conforme integralmente (quanto a todas as partes na contenda) com a regra da proporção do decaimento das partes (tendo em conta a medida em que existe “vencimento parcial”) – cfr. conclusão 40.ª.

Na sentença estatui-se, em matéria de custas da ação: “Custas pela ré Fidelidade – pois apesar do pedido dos autores não ter procedido na totalidade, designadamente na parte que respeita ao pedido formulado em j) (e onde pedem que a 1.ª ré entregue ao 2.º autor o eventual remanescente do capital seguro), certo é que este pedido não se mostra refletido no valor que os autores atribuíram à ação, o qual corresponde à soma dos valores indicados em 7. (61.088,61€) e 38. e 39. (9.683,19€) da petição inicial.”.

Ora, como resulta do dispositivo da sentença, a ação foi julgada apenas parcialmente procedente, condenando-se separadamente cada uma das RR. em determinados montantes pecuniários, e no mais julgando-se tal ação improcedente.

Por isso, ocorre decaimento parcial dos AA. e de cada uma das RR., razão pela qual todos deverão ser condenados em custas na proporção de tal (respetivo) decaimento, em conformidade com o disposto no art.º 527.º, n.º 2, do NCPCiv., decaimento esse dependente de mero cálculo aritmético, termos em que apenas nesta parte a apelação procederá.


***

IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - O art.º 78.º do RJCS é claro, em matéria de contrato de seguro de grupo, no sentido de ser o tomador do seguro – e não o segurador – o vinculado, salvo convenção em contrário, ao dever de informar os segurados/aderentes sobre as coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como sobre as alterações ao contrato, tratando-se, assim, de regime legal especial deste tipo de seguro, afastando, neste âmbito de prestação informativa, o regime geral diverso resultante da LCCG.

2. - Tais alterações ao contrato podem ser livremente promovidas pelo segurador (no quadro da sua relação com o tomador) sem assentimento dos segurados, que apenas têm de ser informados e esclarecidos acerca do seu conteúdo.

3. - Compete também ao tomador do seguro provar que forneceu as informações a que está obrigado.

4. - O incumprimento desse dever de informar faz incorrer o tomador em responsabilidade civil (art.º 79.º do RJCS).

5. - Neste âmbito, pode o segurador opor aos segurados e aos beneficiários uma cláusula de exclusão da cobertura do seguro, mesmo que objeto de alteração por aquele, no caso de a omissão do dever de informação e esclarecimento junto dos segurados ser exclusivamente imputável ao tomador de seguro.

6. - Porém, exigindo essa cláusula, para exclusão da cobertura, que se trate de “ações ou omissões praticadas pela pessoa segura”, cuja morte violenta foi devida a intoxicação medicamentosa por sertralina, o não apuramento da concreta causa do sinistro (homicídio, acidente ou suicídio) determina a operância da garantia do seguro.

***
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em:
a) Julgar apenas parcialmente procedente a apelação e, em consequência, alterar a decisão recorrida, quanto a custas da ação, condenando, por isso, os AA. e as RR. em custas na proporção do respetivo decaimento, em conformidade com o disposto no art.º 527.º, n.º 2, do NCPCiv., decaimento esse dependente de mero cálculo aritmético;
b) No mais, julgar improcedente a apelação e, nessa parte, manter a sentença recorrida.

Custas da apelação pela R./Apelante e pelos Apelados (AA. e R. CGD), na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 5/6 para aquela e o remanescente para estes.

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Coimbra, 13/11/2018

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Vítor Amaral (Relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro


([1]) Taxa de álcool no sangue.
([2]) Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo DLei n.º 72/2008, de 16-04, com entrada em vigor em 01/01/2009 (cfr. art.º 7.º desse DLei). 
([3]) Cfr. Pedro Romano Martinez e outros, Lei do Contrato de Seguro, Anotada, Almedina, Coimbra, 2009, p. 262.
([4]) Assim, Menezes Cordeiro, Direito dos Seguros, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2017, p. 785.
([5]) Op. e loc. cits., reportando-se à disciplina do RJCS.
([6]) Op. cit., p. 786.
([7]) Cfr. Pedro Romano Martinez e outros, op. cit., p. 264.
([8]) Assim o Ac. STJ de 05/04/2016, Proc. 36/12.9TBALD.C1-A.S1 (Cons. José Rainho), em www.dgsi.pt. Cfr. também o Ac. STJ de 10/03/2016, Proc. 137/11.0TBALD.C1.S1 (Cons. Tavares de Paiva), ainda em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se que, “Num seguro de grupo, não está vedado à seguradora opor ao segurado e aos beneficiários uma cláusula de exclusão do risco, no caso de a omissão do dever de informação e esclarecimento junto dos segurados ser exclusivamente imputável ao tomador de seguro”. O que bem se compreende, posto que “carece de fundamento normativo a pretensão de responsabilização objectiva da seguradora por um comportamento negligente exclusivamente imputável ao outro contraente” (o tomador do seguro), como já destacado no Ac. STJ de 25/06/2013, Proc. 24/10.0TBVNG.P1.S1 (Cons. Lopes do Rego), www.dgsi.pt.
No mesmo sentido se têm pronunciado diversos outros arestos do STJ, ao ponto de ser sumariado no Ac. STJ de 15/04/2015, Proc. 385/12.6TBBRG.G1.S1 (Cons. Maria dos Prazeres Beleza), www.dgsi.pt, que:
«(…) IV- O STJ já teve ocasião de se pronunciar diversas vezes sobre a questão de saber sobre quem recai a obrigação de informação das cláusulas de exclusão de riscos ao segurado que adere a um contrato de seguro de grupo contributivo, decidindo, no sentido que resulta do art. 4.º do DL n.º 176/95, 26-07, que incumbe ao tomador do seguro o dever de informação dos segurados, quanto às “coberturas e exclusões contratadas”, cabendo-lhe igualmente o ónus da prova “de ter fornecido estas informações”; e que à seguradora competia elaborar “um espécimen” de acordo com o qual o tomador do seguro deveria cumprir a obrigação de informar, bem como “facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efectiva compreensão do contrato”. // V- A imposição do dever de informação ao tomador do seguro está de acordo com a configuração do contrato de seguro de grupo e impede o tratamento do banco-tomador do seguro como um representante ou intermediário da seguradora; // VI- Não criando a lei nenhuma responsabilidade objectiva da seguradora, o incumprimento pelo banco-tomador do seguro dos seus deveres de informação, não é oponível à seguradora, não implicando, portanto, a eliminação das cláusulas de exclusão de riscos. // VII- Tal não significa que esse incumprimento seja desprovido de sanção – o banco é responsável pelos prejuízos que causar ao segurado – nem que o segurado não possa demandar o banco para o responsabilizar, ou para discutir a violação de qualquer outra regra. A circunstância de se não afirmar expressamente a responsabilidade civil do banco não significa que não sejam aplicáveis as regras respectivas. // VIII- O regime especificamente previsto pelo do DL n.º 176/95, 26-07, para o contrato de seguro de grupo afasta a aplicabilidade do regime das cláusulas contratuais gerais, definido genericamente pelo DL n.º 446/85, de 25-10, no que é incompatível com aquele. Assim sucede quanto à definição dos sujeitos do dever de informação.». Ainda no mesmo sentido, mas sem esquecer os deveres do segurador para com o tomador do seguro, cfr. o Ac. STJ de 20/05/2015, Proc. 17/13.5TCGMR.G1.S1           (Cons. Tomé Gomes), também em www.dgsi.pt.
Já em perspetiva diversa, no sentido – claramente minoritário – da não oneração exclusiva do banco com estes deveres informativos e da não exoneração, assim, da seguradora, perante o aderente, dos deveres que já decorriam dos arts. 5.º e 6.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, veja-se o Ac. STJ de 14/04/2015, Proc. 294/2002.E1.S1 (Cons. Maria Clara Sottomayor), www.dgsi.pt.
([9]) Cfr., inter alia, o aludido Ac. STJ de 10/03/2016, Proc. 137/11.0TBALD.C1.S1, bem como o Ac. TRC de 27/05/2015, Proc. 36/12.9TBALD.C1 (Rel. Moreira do Carmo), em www.dgsi.pt.
([10]) Persiste julgado como não provado que tenha ocorrido suicídio (ponto 1. do factualismo não provado).