Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ALICE SANTOS | ||
Descritores: | CRIME E CONTRAORDENAÇÃO SANÇÃO ACESSÓRIA DE INIBIÇÃO DE CONDUZIR NE BIS IN IDEM | ||
Data do Acordão: | 01/10/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | CASTELO BRANCO (JL CRIMINAL – J1) | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ART. 134.º DO CE | ||
Sumário: | Um comportamento que configura contraordenação e, simultaneamente, é constitutivo do crime aqui em causa, esgotando a prática do crime o significado, efeito, ou ilicitude da contraordenação, por forma a que possa entender-se que a consome, a sanção acessória de inibição de conduzir a aplicar deve ser decretada com base no artigo 69.º do CP, sob pena de violação do princípio ne bis in idem, dado que a aplicação concomitante da pena acessória de proibição de conduzir prevista na legislação penal e da sanção acessória de inibição de conduzir prevista no CE se traduziria em dupla sanção pela mesma conduta. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal
No processo acima identificado, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que decidiu: * Ordenou-se o arguido a entregar a respectiva carta de condução, no prazo de 10 dias, após o trânsito em julgado da sentença, na secretaria deste tribunal ou em qualquer posto policial, sob pena de, não o fazendo, ser determinada a apreensão da carta/licença – art. 500.º n.º 2 e 3 do Código de Processo Penal, com a cominação de que a não entrega no prazo fixado fará o arguido incorrer na prática de crime de desobediência do art. 348.º n.º 1 b) do Código Penal – cfr. Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 2/2013. Desta sentença interpôs recurso o arguido, A... , sendo do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso: 1.ª A douta sentença não poderá manter-se, dado que subsumiu incorretamente os factos ao direito, fazendo, neste ponto em concreto, uso de má hermenêutica, no que respeita à condenação do arguido/recorrente na pena acessória de proibição de conduzir veículo com motor, p. p. pelo artigo 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, bem como, na sanção acessória p. p. pelo artigo 147.º, do Código da Estrada. Com efeito, 2.ª Dispõe o artigo 134.º, n.º 1 do Código da Estrada, sob a epígrafe “concurso de infracções” que, se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contra-ordenação, o agente é punido sempre a título de crime, sem prejuízo da aplicação da sanção acessória prevista para a contra-ordenação. Todavia, 3.ª Tal disposição não pode interpretar-se no sentido de permitir uma dupla sanção como ocorreu in casu. É que, 4.º Estabelece o princípio ne bis in idem - artigo 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa - que “Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”, razão pela qual o supra citado artigo 134.º do Código da Estrada tenha necessariamente de ser interpretado atento o núcleo fundamental daquele direito, ou seja, o de que ninguém poder ser duplamente incriminado e punido pelos mesmos factos sob o império do mesmo ordenamento jurídico. 5.ª É precisamente o entendimento defendido no Ac. do TRC de 07-11-2012, P. 30/11.7GAMIR.C1, Relator CORREIA PINTO, confirmado mais recentemente no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 08-03-2017, P. 232/13.1GBTCS.C1, Relator JOSÉ EDUARDO MARTINS: Perante um comportamento que configura uma contraordenação e, simultaneamente, é constitutivo de qualquer um dos crimes referidos no já citado artigo 69.º do Código Penal, terá de concluir-se que a prática do crime esgota o significado, efeito, ou ilicitude da contraordenação, pelo que a sanção acessória de inibição de conduzir a aplicar deve ser decretada exclusivamente com base no artigo 69.º, sob pena de violação do princípio ne bis in idem, dado que a aplicação concomitante da pena acessória de proibição de conduzir prevista na legislação penal e da sanção acessória de inibição de conduzir prevista no Código da Estrada resultaria numa dupla sanção pela mesma conduta. – ambos disponíveis in www.dgsi.pt; Razão pela qual, 6.ª A douta sentença terá de ser revogada na parte em que condenou o ora arguido/recorrente na sanção acessória pela prática de contraordenação grave. Sem conceder, 7.ª Negou o tribunal a quo a possibilidade ao arguido de que tal sanção acessória fosse suspensa, em virtude de, alegadamente, não estarem verificados os pressupostos do disposto no n.º 1 do art. 141.º do Código da Estrada. 8.ª Cumpre, ainda assim, ressalvar que, o recorrente nunca foi interpelado, quer por autoridade administrativa, quer pelo douto Tribunal a quo, para liquidar qualquer coima, pelo que o não pagamento da mesma, até à presente data, não lhe pode ser imputado. 9.ª Atendendo a que o recorrente foi condenado à pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 4 (quatro) meses, uma suspensão da execução da sanção acessória, salvo melhor opinião, realiza de forma adequada e suficiente os objetivos de prevenção geral e especial, bastando ao apelante a ameaça da revogação da suspensão se, durante o período da mesma, praticar qualquer outra contra ordenação grave ou muito grave. Por outro lado, 10.ª O condicionamento da suspensão à frequência de ações de formação e/ou a cooperação em campanhas de prevenção rodoviária, e/ou, à prestação de caução de boa conduta, nos termos previstos no art. 141.º do Código da Estrada, seria o suficiente para assegurar a realização das finalidades da punição. Nestes termos e nos melhores de direito, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida conforme supra exposto, pois só assim será feita a tão curial JUSTIÇA! O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.
Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso.
Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela procedência do recurso.
Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre agora decidir.
O recurso abrange matéria de direito sem prejuízo do conhecimento dos vícios constantes do art 410º, nº 2 do CPP.
Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida:
Da acusação pública: Mais se apurou que: * II.2. – Factos não provados: Não existem. * Motivação: O Tribunal fundou a sua convicção, desde logo, na confissão integral e sem reservas do arguido, bem como nos documentos constantes dos autos, designadamente nas perícias médico-legais de fl.s 54 a 58 e 92. Para prova da ausência de antecedentes criminais e contra-ordenacionais do arguido foi tido em consideração o certificado de registo criminal junto a fls. 281 e o RIC junto a fl.s que antecedem. As condições pessoais do arguido foram pelo próprio relatadas, de forma precisa, clara e espontânea, que logrou convencer o tribunal, tendo o mesmo demonstrado arrependimento, *** Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. Portanto, são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar.
Questões a decidir: - Concurso de infracções. O arguido A... , foi condenado pela prática de um crime de Homicídio Negligente, previsto e punido pelo artigo 137.º n.º 1 do Código Penal, na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa à taxa diária de €7,00 (sete) euros. Mais foi condenado pela prática da contra-ordenação, previsto e punido pelo artigo 103.º n.º 2 e 4 do Código da Estrada na coima de €200,00 (duzentos euros.) Foi, ainda, condenado na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 4 (quatro) meses, nos termos do disposto no art.69.º, n.º1 a) do Código Penal e, também, foi condenado na sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de dois meses nos termos dos art.s 145.º i) do Código da Estrada. Sustenta, o recorrente que a sentença não pode manter-se dado que subsumiu incorrectamente os factos ao direito ao condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículo com motor, p. e p. pelo artº 69º, nº 1, al. a) do CodPenal, bem como na sanção acessória p. e p. pelo artº 147º do Cod. Estrada, porque o artº 134º do mesmo diploma não pode interpretar-se no sentido de permitir uma dupla sanção, além de que tal decisão viola o princípio do ne bis in idem, previsto no artº 29º, nº 5 da CRP. Dispõe o artº 69º nº1 al a) do CodPenal que é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido por crimes de homicídio ou de ofensa à integridade física cometidos no exercício da condução de veículo motorizado com violação das regras de trânsito rodoviário e por crimes previstos nos artigos 291.º e 292.º. Sem custas. Coimbra, 10 de janeiro de 2018
Alice Santos (relatora)
Abílio Ramalho (adjunto) |