Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
242/08.0TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: RECURSO
OBJECTO
QUESTÃO NOVA
SUBSÍDIO DE NATAL
CLÁUSULA
CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
PRÉMIO
Data do Acordão: 03/02/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 684º DO CPC; CL.ª 74ª/7 DA CCT CELEBRADA ENTRE A ANTRAM E A FESTRU
Sumário: I – Além da prescrição ter que ser invocada (ou seja, nunca poder ser apreciada oficiosamente) o tribunal de recurso, como é entendimento conforme à natureza dos recursos (artº 684º CPC) e tem sido afirmado pela doutrina e pela jurisprudência, não pode conhecer questões novas, questões não suscitadas anteriormente.

II – Mesmo depois de 1/12/2003 e para os contratos de trabalho estão vigentes, independentemente de se considerar ou não que a retribuição da cláusula 74ª/7 da CCT celebrada entre a Antram e a Festru é componente da retribuição base – nos termos previstos pelo artº 250º, nº 2, al. a) e para os efeitos previstos no artº 254º, ambos do CT/2003 – sempre ela, bem como o chamado “prémio TIR”, são devidos no cálculo do subsídio de natal, quer pela conjugação interpretativa das cláusulas 36ª e 44ª do CCT com o artº 82º da LCT e o Dec. Lei nº 88/96, quer pela salvaguarda imposta pelo nº 1 do artº 11º da Lei nº 99/2003, que aprovou o CT/2003.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório

1.1 O processo na 1.ª instância

A... instaurou a presente acção declarativa comum contra a ré B..., Lda. e pediu a condenação desta a pagar-lhe: A – A importância de 818,24€, a título de diuturnidades, conforme o sumariado no art.º 14.º; B – A importância de 2.679,02€, a título de diferenças referentes à retribuição prevista na cláusula 74.ª, n.º 7 do CCT, consoante o discriminado no art.º 26.º; C – A importância de 392,40€, a título de diferença do subsídio de Natal de 2000; D - A importância de 406,81€, a título de diferença do subsídio de Natal de 2001; E - A importância de 415,05€, a título de diferença do subsídio de Natal de 2002; F - A importância de 422,85€, a título de diferença do subsídio de Natal de 2003; G - A importância de 451,05€, a título de diferença do subsídio de Natal de 2004; H - A importância de 451,05€, a título de diferença do subsídio de Natal de 2005; I - A importância de 462,35€, a título de diferença do subsídio de Natal de 2006; J – A importância de 461,12€, referente à diferença do subsídio das férias vencidas em 1/1/2001; L - A importância de 417,05€, referente à diferença do subsídio das férias vencidas em 1/1/2002; M - A importância de 430,00€, referente à diferença do subsídio das férias vencidas em 1/1/2003; N - A importância de 476,43€, referente à diferença do subsídio das férias vencidas em 1/1/2004; O - A importância de 476,43€, referente à diferença do subsídio das férias vencidas em 1/1/2005; P - A importância de 476,43€, referente à diferença do subsídio das férias vencidas em 1/1/2006; Q – A importância de 374,13€, a título de diferenças referentes às ajudas de custo TIR/”Subsídio TIR”, conforme o sumariado no art.º 118.º; R – A importância de 31.894,75€, referente às diferenças de retribuição pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal obrigatório, descanso semanal complementar e feriados, consoante o sumariado no art.º 807.º; S – A importância de 924,32€, referente às diferenças do subsídio das férias vencidas em 1/1/2007 e da parte proporcional do subsídio das férias pelo trabalho prestado em 2007; T – A importância de 323,73€, à conta de parte proporcional das férias devidas pelo trabalho prestado em 2007; U – A importância de 180,39€, respeitante à diferença da parte proporcional do subsídio de Natal de 2007; V – A importância de 190,85€, a título de crédito de horas de formação e, igualmente, a pagar-lhe os juros de mora, à taxa legal, a calcular do seguinte modo: A – Sobre as importâncias mencionadas em A, B, Q e R de I, desde o último dia de cada um dos meses a que se reportam e até integral pagamento; B – Sobre a importância referida em C de I, desde 15 de Dezembro de 2000 e até integral pagamento; C – Sobre a importância referida em D de I, desde 15 de Dezembro de 2001 e até integral pagamento; D - Sobre a importância referida em E de I, desde 15 de Dezembro de 2002 e até integral pagamento; E - Sobre a importância referida em F de I, desde 15 de Dezembro de 2003 e até integral pagamento; F - Sobre a importância referida em G de I, desde 15 de Dezembro de 2004 e até integral pagamento; G - Sobre a importância referida em H de I, desde 15 de Dezembro de 2005 e até integral pagamento; H - Sobre a importância referida em I de I, desde 15 de Dezembro de 2006 e até integral pagamento; I – Sobre a importância referida em J de I, desde 1 de Agosto de 2001 e até integral pagamento; J - Sobre a importância referida em L de I, desde 1 de Agosto de 2002 e até integral pagamento; L - Sobre a importância referida em M de I, desde 1 de Agosto de 2003 e até integral pagamento; M - Sobre a importância referida em N de I, desde 1 de Agosto de 2004 e até integral pagamento; N - Sobre a importância referida em O de I, desde 1 de Agosto de 2005 e até integral pagamento; O - Sobre a importância referida em P de I, desde 1 de Agosto de 2006 e até integral pagamento; P – Sobre as importâncias referidas em S, T e U de I desde 20 de Abril de 2007 e até integral pagamento; Q – Sobre a importância referida em V de I, desde a citação e até integral pagamento.

O autor, fundamentando as suas pretensões, veio dizer, ora em síntese:

[…]

O processo foi saneado, realizou-se a audiência de julgamento e, sem qualquer reclamação, foi fixada a matéria de facto. Conclusos os autos foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré nestes termos:

I – A pagar ao A:

A – A importância de 818,24€, a título de diuturnidades, conforme o sumariado no art.º 14.º;

B – A importância de 2.679,02€, a título de diferenças referentes à retribuição prevista na cláusula 74.ª, n.º 7 do CCT, consoante o discriminado no art.º 26.º;

C – A importância de 371,62 €, a título de diferença do subsídio de Natal de 2000;

D - A importância de 406,81€, a título de diferença do subsídio de Natal de 2001;

E - A importância de 415,05€, a título de diferença do subsídio de Natal de 2002;

F - A importância de 422,85€, a título de diferença do subsídio de Natal de 2003;

G - A importância de 451,05€, a título de diferença do subsídio de Natal de 2004;

H - A importância de 451,05€, a título de diferença do subsídio de Natal de 2005;

I - A importância de 462,35€, a título de diferença do subsídio de Natal de 2006;

J – A importância de 461,12€, referente à diferença do subsídio das férias vencidas em 1/1/2001;

L - A importância de 417,05€, referente à diferença do subsídio das férias vencidas em 1/1/2002;

M - A importância de 430,00€, referente à diferença do subsídio das férias vencidas em 1/1/2003;

N - A importância de 476,43€, referente à diferença do subsídio das férias vencidas em 1/1/2004;

O - A importância de 476,43€, referente à diferença do subsídio das férias vencidas em 1/1/2005;

P - A importância de 476,43€, referente à diferença do subsídio das férias vencidas em 1/1/2006;

Q – A importância de 374,13€, a título de diferenças referentes às ajudas de custo TIR/”Subsídio TIR”, conforme o sumariado no art.º 118.º;

R – A importância de 924,32€, referente às diferenças do subsídio das férias vencidas em 1/1/2007 e da parte proporcional do subsídio das férias pelo trabalho prestado em 2007;

S – A importância de 323,73€, à conta de proporcionais de férias devidas pelo trabalho prestado em 2007;

T – A importância de 180,39€, respeitante à diferença da parte proporcional do subsídio de Natal de 2007;

U – A importância de 190,85€, a título de crédito de horas de formação.

II – A pagar ao A. os juros de mora, à taxa legal, a calcular do seguinte modo:

A – Sobre as importâncias mencionadas em A, B e Q de I, desde o último dia de cada um dos meses a que se reportam e até integral pagamento;

B – Sobre a importância referida em C de I, desde 15 de Dezembro de 2000 e até integral pagamento;

C – Sobre a importância referida em D de I, desde 15 de Dezembro de 2001 e até integral pagamento;

D - Sobre a importância referida em E de I, desde 15 de Dezembro de 2002 e até integral pagamento;

E - Sobre a importância referida em F de I, desde 15 de Dezembro de 2003 e até integral pagamento;

F - Sobre a importância referida em G de I, desde 15 de Dezembro de 2004 e até integral pagamento;

G - Sobre a importância referida em H de I, desde 15 de Dezembro de 2005 e até integral pagamento;

H - Sobre a importância referida em I de I, desde 15 de Dezembro de 2006 e até integral pagamento;

I – Sobre a importância referida em J de I, desde 1 de Agosto de 2001 e até integral pagamento;

J - Sobre a importância referida em L de I, desde 1 de Agosto de 2002 e até integral pagamento;

L - Sobre a importância referida em M de I, desde 1 de Agosto de 2003 e até integral pagamento;

M - Sobre a importância referida em N de I, desde 1 de Agosto de 2004 e até integral pagamento;

N - Sobre a importância referida em O de I, desde 1 de Agosto de 2005 e até integral pagamento;

O - Sobre a importância referida em P de I, desde 1 de Agosto de 2006 e até integral pagamento;

P – Sobre as importâncias referidas em R, S e T de I desde 20 de Abril de 2007 e até integral pagamento;

R – Sobre a importância referida em U de I, desde a citação e até integral pagamento;

III – Pagar ao autor a quantia que resultar da eventual diferença (a favor do autor) entre os créditos a que o autor tem direito, a título de diferenças remuneratórias referentes ao trabalho prestado em dias feriados e de descanso semanal obrigatório e complementar no valor de 31.894,75 €, por um lado, como eventual diminuendo, e o já determinado valor de 70.839,39€ pagos a título de “ajudas de custo” (processado como “ajudas de custo”), depois de deduzido dos montantes a que o autor se mostre com direito a título de pagamento das refeições que efectuou em viagens de trabalho no estrangeiro, por outro lado, como eventual diminuidor – quantia diferencial essa a determinar em liquidação de sentença.

1.2 Do recurso

A ré, inconformada com o decidido interpôs a presente apelação, começando por restringi-lo às seguintes questões:

1. Não consideração da nulidade do acordo e compensação das ajudas de custo no pagamento das quantias discriminadas em I na sentença (e que identifica);

2. Condenação no pagamento de juros de mora sobre as importâncias vencidas do ano de 2000 a Março de 2003, quando os mesmos estão prescritos, nos termos do artigo 310.º, alínea d) do Código Civil e

3. Condenação de diferenças de subsídio de natal de 2000 a 2006 e da diferença da parte proporcional do subsídio de Natal de 2007, por não integrar cláusula 74/7 e prémio TIR. A terminar as suas alegações, conclui o seguinte:

[…]

O recurso foi recebido nos termos próprios, o que, nesta instância, se declarou. O Ministério Público emitiu Parecer onde analisa as diversas questões suscitadas e conclui pela completa correcção da sentença. Os autos foram a vistos. Nada vemos que obste ao seu conhecimento.

1.3 Objecto do recurso

Definido pelas conclusões do recorrente, o objecto desta apelação é o seguinte:

1.3.1 – O não se ter considerado a nulidade do acordo retributivo e a compensação das ajudas de custo de custo no pagamento das quantias discriminadas nas alíneas A) a S) do ponto de I da decisão da sentença.

1.3.2 – A condenação em juros de mora sobre os montantes vencidos antes de 2003 (ou seja entre 2000 e 2003).

1.3.2 – A condenação de diferenças salariais nos subsídios de Natal, de 2000 a 2006 e proporcionais de 2007, correspondentes à imputação da cláusula 74/7 e prémio TIR.

2. Fundamentação

2.1 Fundamentação de facto

São os seguintes os factos que, não impugnados nem justificando alteração, se consideraram na decisão da 1.ª instância (por não haver divergência das partes e não revestirem interesse para a apreciação do direito que se analisa nesta apelação, também ao abrigo do disposto no artigo 713.º, n.º 6 do CPC, suprimimos aqui – expressamente remetendo para a sentença da 1.ª instância – os factos respeitantes a viagens, descansos, trabalho prestado a sábados, domingos e feriados e respectivo pagamento em “fins de semana”, que constituíam os pontos n.º s 62 a 571):

[…]

2.2 Aplicação do direito

Para melhor simplificação e inteligibilidade, não seguiremos a ordem enumerada em 1.3. (Objecto da apelação). Deixando para final a questão do acordo, seus efeitos e compensação, começaremos por apreciar o problema dos juros e depois a do valor dos subsídios de Natal. Por outro lado, em toda a abordagem, deixaremos de lado os temas que não importa conhecer, porque resolvidos de modo aceite pelas partes ou sem interesse ao objecto do recurso: a natureza do contrato, a categoria profissional, a contratação colectiva aplicável e a cessação do vínculo laboral, operada por denúncia do recorrido.

1.3.2 Dos juros

A questão suscitada prende-se com a aplicação do prazo prescricional previsto na lei civil ao crédito de juros (artigo 310.º, alínea d) do CC). Ora, independentemente das razões que a recorrente possa invocar, verificamos que a 1.ª instância não se pronunciou sobre a questão; no entanto, ainda assim, não cometeu qualquer irregularidade ou omissão de pronúncia: a questão da prescrição não lhe foi colocada, ou melhor, só veio a ser colocada em sede de recurso.

Além da prescrição ter que ser invocada (ou seja, nunca poder ser apreciada oficiosamente) o tribunal de recurso não pode conhecer questões novas, questões não suscitas na 1.ª instância. Este entendimento, conforme com a natureza dos recursos (e subjacente às regras que dimanam do artigo 684.º do CPC), tem sido afirmado pela doutrina[1] e pela jurisprudência[2], com a clareza e a unanimidade que nos dispensam mais considerandos.

Assim, quanto à questão referida em 1.3.2 (prescrição dos juros) o recurso é improcedente.

1.3.3 – Da ponderação nos subsídios de Natal da retribuição da cláusula 74/7 e do prémio TIR 

A propósito desta questão, foi dito o seguinte na sentença: (…) O subsídio de férias e o subsídio de Natal correspondiam, pelo menos no domínio da legislação vigente até 30/11/2003 (hoje, face ao disposto nos artigos 250º e 254º do Código do Trabalho e quanto à legislação publicada após a sua entrada em vigor, o subsídio de Natal não é aferido por este conteúdo lato da retribuição, mas apenas pelo vencimento base e pelas diuturnidades) – artigo 6º nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 874/76, de 28/12, e artigo 2º do Decreto-Lei 88/96, de 3/7 – à retribuição em sentido lato. A mais significativa jurisprudência publicada com atinência ao domínio de vigência da L.F.F.F. e da L.C.T. tem vindo a considerar o acréscimo remuneratório da cláusula 74ª nº 7 do C.C.T. em causa como retribuição e a incluí-lo, a par do chamado “prémio TIR”, como parte integrante dos subsídios de férias e de Natal. Quanto ao subsídio de Natal, este está previsto no âmbito da cláusula 44.ª do C.C.T. aplicável – cuja referência, ao nível da lei geral e do conceito de retribuição aí plasmado era, à data da sua última alteração/revisão, a L.C.T.

Assim, repensando posição que já anteriormente tomei e levando agora em consideração que a última versão do C.C.T. é anterior ao Código do Trabalho, entendo que representaria uma interpretação assistemática a que resultaria numa aplicação fragmentária e retroactiva das disposições dos artigos 250.º e 254.º deste diploma, limitando o subsídio de Natal da cláusula 44.ª do C.C.T. à retribuição base e diuturnidades. Deve, assim, manter-se o entendimento de que o subsídio de Natal no âmbito do C.C.T. em causa continua a ser aferido pela retribuição em sentido abrangente.

A questão (como também decorre da sentença, mas aqui sequer se questiona) só tem pertinência no que ao subsídio de Natal respeita e, embora a recorrente abranja na sua discordância todo o período temporal de vigência do contrato, importará distinguir um antes e um depois do Código de Trabalho de 2003 (CT/2003). Com efeito, a questão recoloca-se com a entrada em vigor deste último diploma, por força do disposto no n.º 1 do seu artigo 250.º.

Relativamente ao período contratual que vigorou até 1.12.2003 (data de início de vigência da Lei 99/2003, o CT/2003) o entendimento, quer doutrinário quer jurisprudencial que nos parece de seguir faz incluir no subsídio de Natal (mesmo que calculadas proporcionalmente) as prestações retributivas que constituem a cláusula 74/7 e o “prémio TIR”; esta conclusão decorre directamente do Decreto-Lei n.º 88/96, de 3 de Julho e do artigo 82.º da LCT, pois estamos perante prestações auferidas regular e periodicamente e que, por isso, se presumem retribuição. Com a vigência do CT/2003, a questão necessita de uma reanálise.

O CT/2003 veio determinar, no n.º 1 do seu artigo 250.º, que “quando as disposições legais, convencionais ou contratuais não disponham em contrário, entende-se que a base de cálculo das prestações complementares e acessórias nelas estabelecidas é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades”[3] e não deixa de considerar o subsídio de Natal como prestação complementar, a qual, nos termos do artigo 254.º, n.º 1 corresponderá a um mês de retribuição, ou seja, da retribuição definida nos moldes do anterior artigo 250.º.

E a questão relevante é esta: se até ao CT/2003 as prestações como a cláusula 74/7 e “prémio TIR” deviam ser consideradas no cálculo do montante do subsídio de Natal, é adequado continuar a considerar-se do mesmo modo, atenta a redacção dos citados artigos 250.º e 254.º do novo diploma?

Relativamente à cláusula 74/7 não nos parece que sejam relevantes quaisquer dúvidas. Com efeito, dizendo essa cláusula que “os trabalhadores têm direito a uma retribuição mensal que não pode ser inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia”, está-se a fixar, não um valor pelo trabalho extraordinário, mas uma remuneração sempre devida, que corresponde ao exercício normal e pelo tempo normal de actividade; dito de outro modo, o motorista TIR tem direito ao correspondente valor, independentemente do horário que execute, ou seja, tem direito, mesmo executando apenas o horário normal convencionado. Por isso, e neste sentido, deve entender-se que a cláusula 74/7 está abrangida, quer na letra, quer no espírito do artigo 250.º, n.º 2, alínea a) do CT/2003, ou seja, faz parte da retribuição base.

Mas se assim pensamos para a cláusula 74/7, outros argumentos valem, quer para ela, quer para o chamado “prémio TIR”; dito diferentemente, mesmo que se não siga a interpretação defendida no parágrafo anterior, há razões para considerar que a cláusula e o prémio TIR são devidos no subsídio de Natal, mesmo depois de 1.12.2003. Dois argumentos nos parecem claros: o primeiro tem a ver com a própria previsão do artigo 250.º, n.º 1 do CT/2003, excluindo a sua aplicação aos casos em que as disposições convencionais ou contratuais disponham de maneira diferente. E dispõem: não apenas por força da cláusula 44.ª do CCT aplicável, definidora do subsídio de Natal, mas em especial pela cláusula 36.ª que inequivocamente usa um conceito amplo de retribuição, coadunável com o entendimento decorrente da conjugação do artigo 82.º da LCT (então em vigor) com o Decreto-Lei n.º 88/96, e diverso do que decorreria da aplicação directa do artigo 250.º, n.º 2 do CT/2003. O segundo argumento prende-se com a aplicabilidade do CT/2003 aos contratos de trabalho já existentes no momento em que o diploma começou a vigorar e com a clausula de garantia que se encontra prevista no n.º 1 do artigo 11.º da Lei 99/2003; aí se diz: “A retribuição auferida pelo trabalhador não pode ser reduzida por mero efeito da entrada em vigor do Código do Trabalho”. Esta norma tutela a retribuição e só admite a eventual diminuição do valor das prestações de natureza não retributiva (Luís Miguel Monteiro, Código do trabalho Anotado - Pedro Romano Martinez…, 6.ª edição, Almedina, 2008, págs. 23)[4].

Em suma, concordando com o decidido na sentença sob censura, acrescentamos que, mesmo depois de 1.12.2003, e para os contratos de trabalho então vigentes, independentemente de se considerar ou não que a retribuição da cláusula 74/7 é componente da retribuição base – nos termos previstos pelo artigo 250.º, n.º 2, alínea a) e para os efeitos previstos no artigo 254.º, ambos do CT/2003 -  sempre ela, tal como o chamado “prémio TIR” são devidos no cálculo do subsídio de Natal, quer pela conjugação interpretativa das clausulas 36.ª e 44.ª do CCT com o artigo 82.º da LCT e o Decreto-lei 88/96, quer pela salvaguarda imposta pelo n.º 1 do artigo 11.º da Lei 99/2003, que aprovou o CT/2003.

Pelas razões ditas, entendemos que o recurso, nesta parte, é igualmente improcedente.

1.3.1Do acordo retributivo, sua nulidade e efeitos desta, no quadro da compensação invocada e do alegado enriquecimento ilegítimo do recorrido.         

A este propósito, convém relembrar o que se escreveu na sentença. Aí começa-se por dizer que foi “dado como provado sob o n.º 593 da fundamentação que, alternativamente ao acordo escrito, a ré propôs ao autor um esquema remuneratório diverso do previsto no C.C.T. aplicável (a que este, então, não se opôs), segundo o qual aquela pagaria – além do ordenado base, acrescido das remunerações previstas no n.º 7 da cláusula 74ª do C.C.T., do vulgarmente designado “prémio (ou subsídio) TIR” e de um montante a título de “Fim de semana” – uma quantia variável de acordo com as viagens realizadas ao estrangeiro, que era processada, nos recibos de vencimento, sob a rubrica ajudas de custo, e que se destinava a compensar o demandante pelas suas despesas com alimentação (em substituição da apresentação de facturas) e pela omissão das demais compensações previstas no referido C.C.T. para o trabalho em fins de semana e feriados, violação de descansos após (e antes de) viagens ao estrangeiro e descansos compensatórios por trabalho prestado ao fim de semana[5]. A ré pagou ao autor durante a vigência da relação laboral, sob tal rubrica “ajudas de custo”, o montante total de 70.873,39 euros. Note-se que, no âmbito do acordo extra C.C.T., apenas estavam incluídos os montantes com despesas de alimentação e compensações devidas pelos fins de semana e feriados passados no estrangeiro e descansos compensatórios não gozados, restando intocados, nos termos do próprio acordo, os montantes devidos segundo as restantes disposições convencionais. Deste modo, desde logo, não podem ser afectadas por tal acordo as diferenças salariais invocadas a estes títulos”.

A primeira questão, claramente elucidada na sentença sob censura, é aquilo que o acordo substituía e, necessariamente, aquilo que não substituía. Por isso, é manifesta a falta de razão da recorrente (independentemente, por agora, da validade ou nulidade do acordo e seus efeitos), quando pretende que os direitos retributivos não previstos no acordo (e levados a I na decisão final) sejam incluídos numa compensação que necessariamente pressupõe o acordo e o seu âmbito. Como se diz na sentença, não podem ser afectados pelo acordo as restantes disposições convencionais e as diferenças fixadas que delas (as não incluídas no acordo) resultaram.

Aqui e nessa parte não há obviamente qualquer enriquecimento do recorrido e também não pode haver compensação; não porque, em abstracto a não pudesse haver (processualmente), mas porque, como se determinará em III, na sentença, a compensação surge claramente como efeito da declaração de nulidade e por isso, entre o deve e o haver, só pode compensar-se o compensável. Esquematizemos: a recorrente pagou 70.000 em substituição das quantias devidas a título de Y e Z (incluídas no acordo); nada pagou (com os “fins de semana” do acordo) em substituição das quantias devidas a título X e W; a condenação em I refere-se a X e W. A título de Y e Z (do acordo) o recorrido recebeu 70.000 e, já certo, é-lhe devido 31.000, além do incerto, as refeições em viagem. Com os “fins de semana”, o recorrido nada recebeu a título de X e W. Se agora compensasse, então o acordo teria servido também para pagar X e W, ao contrário do provado em sede de fundamentação de facto.

Feito o esclarecimento pretérito, vejamos o que mais se decidiu, a propósito da nulidade do acordo remuneratório e seus efeitos. Escreveu-se o seguinte: “o trabalhador, nos dias em que laborou fora do país, teve de se alimentar e de efectuar as correspondentes despesas, e não há nos autos elementos suficientes que permitam quantificá-las. Considerando este desconhecimento, a ré não logrou demonstrar – como lhe incumbia, face ao disposto no n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil – que o regime remuneratório que instituiu fosse mais favorável ao autor do que o estipulado pelo normativo convencional, razão pela qual, tratando-se de negócio celebrado contra disposição legal de carácter imperativo (artigo 531º do Código do Trabalho), há que declarar, neste actual impasse, a nulidade do mesmo (artigos 281.º n.º 1 e 294.º do Código Civil). Na verdade, a nulidade pode e deve ser declarada (até oficiosamente) pelo tribunal, nos termos do artigo 286.º do Código Civil, dando lugar à restituição integral das verbas pagas sob a rubrica ajudas de custo, nos termos do artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil, cabendo ao trabalhador o direito a receber as prestações previstas no C.C.T. abrangidas pelo referido acordo (e não pagas como tal) que, adicionadas às despesas com alimentação eventualmente sobrelevem os 70.873,39 €.

Não havendo nos autos elementos que permitam quantificar as importâncias eventualmente em dívida a título de reembolso de despesas com alimentação, deve ser, nesta parte, proferida, ao abrigo do disposto no artigo 661.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, condenação no que vier a ser, posteriormente, liquidado. Caso se não verifique, após liquidação, que o montante que o autor tinha direito a receber pelo C.C.T. – a quantia de 31.894,75 € [acima calculada sob IV – A) 7] adicionada da verba desconhecida (a de despesas com alimentação) não se sobrepõe aos 70.839,39€ pagos a título de “ajudas de custo”, nem por isso a ré terá direito a haver para si o que pagou a mais, visto que a compensação, enquanto excepção, não permite ultrapassar o montante do pedido”.

A questão da nulidade do acordo retributivo apresenta-se equacionada e solucionada na 1.ª instância em moldes que verdadeiramente não são objecto do recurso; com efeito, a recorrente insurge-se, isso sim, quanto aos efeitos decorrentes dessa declaração. Sobre esse ponto, no entanto, já algo se avançou, supra, a propósito do conteúdo do (efectivo) acordo celebrado entre recorrente e recorrido e da consequência necessária (e natural, permita-se a expressão) de só poder comparar-se (e compensar-se) o comparável (e compensável).

Os recursos, como é sabido, não servem para dirimir argumentos, mas para apreciar questões (J.O. Cardona Ferreira, Guia dos…, cit., págs. 142/143) e, nesse sentido, não cabe apreciar – aceite a nulidade, pois extravasa o objecto da apelação – se a melhor dogmática conduz a uma nulidade absoluta cujos efeitos, num contrato de execução continuada, têm de ser liquidados, se estamos perante um negócio jurídico condicional (valido apenas e na medida em que o acordo equivale, pelo menos, ao direito convencionalmente estipulado) e ao qual, mesmo perante a nulidade, há que lançar mão da conversão prevista no artigo 293.º do CC[6]. Siga-se um ou outro caminho (e, repete-se, o seguido em primeira instância não está impugnado) sempre será idêntico o resultado: as partes fizeram um acordo nulo por violação da norma proibitiva da menor favorabilidade do contrato em relação ao IRCT ou as partes fizeram um acordo condicionado – para que válido – à favorabilidade superior ao previsto no IRCT. Num caso ou noutro é preciso liquidar o pago e o devido (aos mesmos títulos, repete-se e vinca-se) para se apurar o sobrante, condição de validade ou efeito da nulidade.

As considerações anteriores levam à certeza que bem andou a 1.ª instância e que não há qualquer enriquecimento (se for devido ao recorrido, convencionalmente, menos que o já pago, a recorrente nada mais tem a pagar – repete-se novamente: ao mesmo título).

Dirá o recorrente (como decorre da sua insatisfação jurídica) que, apurado o valor das refeições e somado ao valor já apurado (31.000) pode ficar-se aquém dos 70.000, pagos de acordo com o acordo retributivo.

Por esta objecção[7], preferiríamos a construção dogmática do acordo condicional à favorabilidade ou a conversão do negócio, mas continuamos a dizer que isso (que não é questão, mas fundamento) não é objecto do recurso. Acresce que – e repetimos - a solução seria idêntica, porque o contrato ou o negócio jurídico inválido (num contrato de trabalho) produz efeitos como válido enquanto o contrato é executado – artigo 115.º do CT/2003. Em suma, vigente enquanto vigorou o contrato, o acordo retributivo (mesmo que nulo) impõe que o trabalhador aufira pelo menos o acordado (pois nada proíbe que, por acordo receba mais que o resultado da aplicação do IRCT), e que tenha, só tenha, direito a mais, se, pelo IRCT, efectivamente teria esse direito superior.

E, para terminar, apenas se acrescenta que, ainda que assim não fosse (mas é) o recorrente nunca poderia receber o excesso: na nossa maneira de ver a nulidade (ou a condição, ou a conversão), ele – o excesso - nunca existiria (por definição: valia o acordado, se superior, no tempo de execução do contrato); mas, mesmo que se aceitasse a aplicação pura das regras do direito civil e houvesse excesso, também não haveria devolução, porque o recorrente invocou a compensação, mas não formulou nenhum pedido reconvencional. Daí o acerto da expressão final contida na parte da sentença que acima citámos: “nem por isso a ré terá direito a haver para si o que pagou a mais, visto que a compensação, enquanto excepção, não permite ultrapassar o montante do pedido”.

Por tudo, também a questão enunciada em 1.3.1 se mostra adequadamente resolvida na 1.ª instância e consentânea com os factos (desde logo o conteúdo do acordo retributivo) que aí se apuraram e que não suscitaram impugnação.

Julgamos, pelo que se deixou dito, totalmente improcedente a presente apelação.

3. Sumário[8]

- Além da prescrição ter que ser invocada (ou seja, nunca poder ser apreciada oficiosamente) o tribunal de recurso, como é entendimento conforme à natureza dos recursos (subjacente às regras que dimanam do artigo 684.º do CPC) e tem sido afirmado pela doutrina e pela jurisprudência, não pode conhecer questões novas, questões não suscitas anteriormente.

- Mesmo depois de 1.12.2003, e para os contratos de trabalho então vigentes, independentemente de se considerar ou não que a retribuição da cláusula 74/7 é componente da retribuição base – nos termos previstos pelo artigo 250.º, n.º 2, alínea a) e para os efeitos previstos no artigo 254.º, ambos do CT/2003 -  sempre ela, bem como o chamado “prémio TIR” são devidos no cálculo do subsídio de Natal, quer pela conjugação interpretativa das clausulas 36.ª e 44.ª do CCT com o artigo 82.º da LCT e o Decreto-lei 88/96, quer pela salvaguarda imposta pelo n.º 1 do artigo 11.º da Lei 99/2003, que aprovou o CT/2003.

- Siga-se o caminho de considerar que as partes fizeram um acordo nulo por violação da norma proibitiva da menor favorabilidade do contrato em relação ao IRCT ou o que consideraria que as partes fizeram um acordo condicionado – para que válido – à favorabilidade superior ao previsto no IRCT, num caso ou no outro é preciso liquidar o pago e o devido (aos mesmos títulos) para se apurar o sobrante, condição de validade ou efeito da nulidade.

4. Decisão

Pelas razões que foram sendo ditos, acorda-se na Secção Social deste Tribunal da Relação de Coimbra em julgar totalmente improcedente a presente apelação, instaurada pela B...., Lda. contra o recorrido A.... e, em conformidade, confirma-se a sentença proferida em 1.ª instância.

Custas pela recorrente.


José Eusébio Almeida (Relator)
Manuela Fialho
Azevedo Mendes


[1] J. O. Cardona Ferreira, Guia dos Recursos em Processo Civil, Coimbra Editora, 5.ª edição, 2010, pág. 142.
[2] STJ, 8.06.2006 (dgsi); RP, 22.03.2004 (CJ, 2004, TI, pág. 230).
[3] Definindo-se depois no n.º 2 do mesmo preceito o que se entende por retribuição base e por diuturnidades: a primeira é a que, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, corresponde ao exercício da actividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha definido; a diuturnidade, por sua vez, é a prestação pecuniária, de natureza retributiva e com vencimento periódico, devida ao trabalhador, nos termos do contrato ou do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, com fundamento na antiguidade.
[4] Neste sentido, acórdão da Relação do Porto de 5.05.2008 (dgsi).
[5] Sublinhado nosso.
[6] Parece indubitável, com efeito, que ambas as partes quiseram que o autor recebesse, pelo menos, o convencionalmente estipulado para pagamento dos direitos abrangidos no acordo retributivo.
[7] Numa construção puramente civilista (e esquecendo momentaneamente o que se refere no texto a propósito do artigo 115.º do CT/2003) podia chegar-se à conclusão (juridicamente inaceitável) de, relegando para execução de sentença a determinação das consequências precisas da obrigação de restituição, vir a concluir-se que não há obrigação de restituir, ou melhor, vir a verificar-se que a nulidade que justificou a liquidação… não está provada (porque o trabalhador ficou favorecido). A questão haveria de resolver-se pela teoria das normas, recolocando o ónus de prova (da nulidade) no autor.
[8] Nos termos legais, da responsabilidade do relator.