Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3113/16.3T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DESPISTE DE VEÍCULO
DUPLA CAUSA DO ACIDENTE
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 06/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 24.º, 1, DO CÓDIGO DA ESTRADA
DECRETO REGULAMENTAR N.º 7/98, DE 6/5
ARTIGOS 1.º, 2; 3.º; 4.º E 6.º, 2 DA PORTARIA N.º 377/2008, DE 26/5
ARTIGOS 607.º, 3 A 5; 615.º, 1, C) E D) E 640.º, DO CPC
ARTIGOS 483.º; 494.º; 496.º, 1 E 4; 563.º; 564.º, 2 E 566.º, 3, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:
I -  A sentença apenas é nula por infundamentada se os fundamentos, factuais ou jurídicos, de todo inexistirem ou existirem em grau que  não permita a  sindicância da sua (i)legalidade; e apenas é nula por contradição entre os fundamentos  e a decisão se entre eles existir uma contradição lógico formal, e já não quando o juiz opera uma subsunção ou exegese  com a qual se não concorda, hipótese que insere no âmago substantivo da (i)legalidade.

II – Provados e não provados podem ser apenas os factos  materiais – ocorrências da vida real -  concretos precisos e concisos,   que tenham sido alegados e tenham interesse para a decisão, que não conceitos jurídicos ou factuais conclusivos e/ou que para ela sejam irrelevantes ou inócuos.

Ademais, considerando a imediação e oralidade, que permitem uma apreciação ética dos depoimentos, a convicção probatória do Juiz a quo, máxime se  alicerçada  em prova pessoal, apenas pode ser censurada se patentemente desconforme a tal prova e à demais produzida.

III - O artigo 563º do C.Civil consagrou a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa de Enneccerus-Lehman, nos termos da qual a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele.

IV – Se se prova que o despiste de veículo ocorreu num troço da  estrada que tinha água e gelo, e em que  ele circulava com pneu parcialmente com os sulcos abaixo do mínimo legal e em excesso  de velocidade, o sinistro emerge de duas causas,  uma natural e outra humana, cuja  contribuição para o mesmo pode ser fixada em metade para cada uma.

V -  Julga-se adequado para indemnizar lesado em acidente de viação por danos futuros que, nuclearmente, aos 58 anos, ficou totalmente incapacitado para a sua atividade profissional, na qual auferia cerca de 1.540,00 euros mensais, como comerciante, a quantia de 140.000 euros.

VI – Tem-se por razoável,  para ressarcir o dano biológico, para o mesmo lesado que, essencialmente: i)  ficou com uma incapacidade  permanente geral de 53 pontos; ii)  com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 31 pontos; iii) com  repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 5/7; iiii) ficou impossibilidade de permanência em pé por períodos superiores a 10 minutos; iiiii) e ficou com a perna esquerda mais curta em cerca de 2 cm, necessitando de auxiliares de marcha., a quantia de 75.000,00 euros.

VII –Julga-se admissível  arbitrar a titulo de danos não patrimoniais, para o mesmo lesado que, mais relevantemente: i) - foi submetido a  duas intervenções cirúrgicas; ii) esteve internado cerca de  dois meses e meio; iii) tem dificuldade em dormir sem medicação; iiii)  tem alterações neuro-psiquiátricas enquadráveis num contexto pós traumático; iiiii) foi-lhe fixado um  quantum doloris no grau 6/7;iiiiii) teve repercussão permanente na atividade sexual fixável no grau 4/7. – a compensação de 45.000 euros.

Decisão Texto Integral:

Relator: Carlos Moreira
1.º Adjunto: Rui Moura
2ª Adjunto: Moreira do Carmo

ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

AA, intentou contra G..., Sa. ação declarativa, de condenação, com processo comum.

Pediu:

A condenação da ré no pagamento do valor total de € 420.578,76, decorrente das seguintes parcelas:

- a título de danos patrimoniais, a quantia de € 40.200,93.

- a título de danos morais e do dano corporal, da quantia de € 377.847,80.

- a título de compensação pela adaptação de veículo automóvel, € 2.529,92.

Alegou:

No dia 30-12-2014 e enquanto conduzia o seu veículo com a matrícula OL-..-.., o mesmo foi embatido, na sua faixa de rodagem, pelo veículo de matrícula ..-..-TA, o qual circulava na faixa oposta da Estrada Nacional n.º ... – ... – ....

Em consequência do acidente, incorreu em diversos prejuízos materiais e despesas de diversa ordem, bem como vivenciou sofrimento e definitivas alterações das suas rotinas pessoal e laboral.

Por virtude do sinistro foi submetido a intervenções cirúrgicas, com subsequentes períodos de internamento hospitalar, e a diversos tratamentos, e sendo obrigado a tomar regularmente medicamentos.

A ré contestou, refutando  a dinâmica do acidente descrita pelo autor.

Disse que  a saída do veículo TA da sua faixa de rodagem se deveu a ter derrapado em gelo que se encontrava na estrada.

E pedindo a improcedência da ação.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido julgar a ação improcedente e absolver a ré do pedido.

3.

Inconformado recorreu o autor.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1- Vem o presente recurso interposto da douta decisão que considerou que “a causa primeira e determinante do acidente ocorrido no dia 30-12-2014 foi a existência de gelo na faixa em que circulava o veículo com a matrícula ..-..-TA, sendo que tal gelo levou a que o mesmo veículo entrasse em despiste” e que julgou “não pode ser assacado acto ou omissão, o qual, por sua vez, tivesse possibilitado a ocorrência do acidente em apreço”.

2- A douta sentença recorrida é nula por i) Os fundamentos estarem em oposição com a decisão (Artº 615º/1 al. c) do CPC) e por ii) Não especificar os fundamentos de direito que justificam a decisão e não indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes (Artºs 615º/1 al. c) e 607º/3/4 ambos do CPC).

3- O douto Tribunal a quo não podia dar como provados os factos nºs 8, 9, 12, 13, 14, 16 e 17 e depois, com base nessa factualidade, decidir que Ao condutor do veículo ..-..-TA não pode ser assacado acto ou omissão, o qual, por sua vez, tivesse possibilitado a ocorrência do acidente em apreço.

4- De toda a prova produzida e carreada aos autos (e não só da prova testemunhal produzida em sede de julgamento) resulta a incorrecção da Motivação e da fundamentação «de Direito» da douta sentença recorrida.

5- Dos esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito ENGº BB (Registos áudio da Sessão julg. 15-09-2022: [Depoimento prestado e registado entre os minutos 10:21:57 e 10:51:45 do suporte digital-CD de gravação da audiência]-transcritos supra em 20º) é notório o erro de motivação da douta sentença recorrida ao considerar que a principal causa do acidente em apreço foi a existência de gelo na faixa da estrada em que circulava o veículo ..-..-TA;

6- Isto porque o referido perito disse expressamente que “Se este carro circulasse a menos de 80Km/h e tivesse os pneus bons o acidente poderia não se dar”, mais tendo acrescentado que “é claro que os pneus tendo o desgaste que se verificou … aí a parte dos pneus e da velocidade tem uma relação quase directa”;

7- Tanto do relatório pericial como dos esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito em julgamento resulta demonstrado que:

- O veículo seguro na R. circulava a cerca de 86Km/h;

- Numa zona onde a velocidade máxima permitida eram 80Km/h;

- Os pneus do TA: a) Encontravam-se fora dos parâmetros preconizados de segurança; b) Encontravam-se ressequidos; c) Haviam sido instalados no TA na condição de usados; d) Tinham cerca de 15 anos; e) Apresentavam desgaste acentuado e não uniforme, com maior incidência no eixo traseiro do veículo; f) Apresentavam uma diferença considerável no relevo e na data de produção; g) Não estavam em condições de circulação em segurança, muito menos no inverno a uma deslocação a ... com a lotação do veículo preenchida; h) O Pneu traseiro esquerdo tinha 1,8mm de relevo mas com desgaste não uniforme (maior desgaste na zona interior) e parte interior lisa, Produção: 21 09, a parte interior tinha maior desgaste. (provavelmente tinha rodado à frente) e i) O Pneu traseiro direito estava em mau estado, com uma “batata”, com relevo de 3,2mm, Produção: 45 10

8- Ao contrário do que se alega na Motivação da douta sentença recorrida, das declarações prestadas pelo Sr. Militar da GNR CC (Registos áudio da Sessão julg. 23-09- 2022 - [Depoimento prestado e registado entre os minutos 10:12:34 e 10:33:04 do suporte digital-CD de gravação da audiência] – Transcritas supra em 31º) também não resulta que o gelo constituiu a derradeira causa do mesmo acidente; Aliás, esse mesmo militar da GNR não soube explicar por que razão não fez constar do Auto de Participação de acidente de viação (fls. 19 a 21) a existência de gelo na via, tendo apenas nele feito constar na al. g) a “Água no pavimento”;

9- O douto Tribunal a quo fez também fundamentar a sua decisão nas declarações do Sr. DD (que seguia atrás do TA) mas das declarações do mesmo (Registos áudio da Sessão de Julg. 23-09-2022 [Depoimento prestado e registado entre os minutos 09:34:51 e 09:55:05 do suporte digital-CD de gravação da audiência] – Transcrição supra em 40º) resulta que seguia atrás do TA mais ou menos à mesma velocidade, sendo certo que esta testemunha referiu que circulavam a 60-70Km/h, quando o relatório da Dekra refere inequivocamente que o TA circulava antes do acidente a uma velocidade de 86Km/h; Além disso, a mesma testemunha referiu também que o acidente ocorreu “ou por o gelo, ou por a estrada estar molhada ou por qualquer uma outra razão…”, e na declarações que prestou ao EE (Certidão do Proc. de Inquérito nº 254/14.... ... ... Secção (fls. … dos autos) referiu que “só viu depois o gelo na televisão” e que “não teve qualquer dificuldade em passar no local da existência da água na curva onde o condutor do TA entrou em despiste”;

10- Por tal razão, não podia o douto tribunal a quo ter fundamentado a decisão recorrida no depoimento desta testemunha para chegar à conclusão que o gelo constituiu a derradeira causa do mesmo acidente;

11- O Erro de fundamentação da douta sentença recorrida resulta também da restante prova carreada aos autos ao longo de todo o processo e que o douto Tribunal a quo desconsiderou, nomeadamente:

i) Relatório de Reconstituição de Acidente Rodoviário datado de 03-11-2020 e elaborado pelo Sr. Eng.º BB (Dekra Portugal) (fls. 738 verso a 778 verso) (v. supra em 44º);

ii) Certidão do Proc. de Inquérito nº 254/14.... ... ... Secção (fls. … dos autos) (v. supra em 46º);

iii) Ofício datado de 28-3-2017 assinado pelo Sr. Comandante do Destacamento de Trânsito de ... da GNR (fls. 374) (v. supra em 44º); e

iv) Ofício datado de 13-04-2017 da Infraestruturas de Portugal, Sa. (fls. 375 a 377) (v. supra em 44º).

12- Do Auto de Inquirição dos militares da GNR FF e GG que se deslocaram ao local do acidente ocorrido pelas 05:40 (fls. 10 e 14 da Certidão do Proc. de Inquérito nº 254/14.... ... ... Secção) resulta que:

- Nem o condutor HH nem os demais intervenientes no acidente lhes referiram que houvesse gelo no local

 - Embora a estrada estivesse húmida (como estava todo o traçado da via), na deslocação para o local não observaram gelo na via;

 - Após a remoção do veículo acidentado a via estava em condições de circularem veículos;

- Durante o tempo que estiveram no local do acidente, o trânsito nunca esteve interrompido, não presenciaram nenhum outro acidente ou qualquer situação que indiciasse perigo iminente no local.

13- Do Auto de Inquirição de testemunha Sr. DD (v.fls. 28 da Certidão do Proc. de Inquérito nº 254/14.... ... ... Secção) do qual resulta que:

- A testemunha assistiu a tudo o que aconteceu, uma vez que circulava à retaguarda do veículo acidentado e encontrava-se numa posição mais elevada;

- Que o local tinha água a correr para a via, foi depois possível ver o gelo no local mas pelas imagens da televisão.

- Não teve alguma dificuldade em passar no local da existência da agua;

- Não se recorda de ter sentido falta de aderência.

- Quando conduzia não viu gelo na estrada, só viu o gelo pelas imagens da televisão

14- Do Croquis do Auto de Participação de acidente de viação (fls. 19 a 21) consta na al. g) a existência de “Água no pavimento” mas dele não consta qualquer referência à existência e/ou localização de gelo.

16- Do Auto de Inquirição de testemunha Sra. II (v.fls. 33 da Certidão do Proc. de Inquérito nº 254/14.... ... ... Secção) qual resulta que:

- Declarou que tinha passado a conduzir o seu veículo no mesmo local, sensivelmente 10 minutos antes do acidente.

- A testemunha declarou que deveria circular a uns 70 Km/h, mas quando viu a água, abrandou, tendo passado no local a uns 50Km/h [a testemunha apenas referiu ter visto água, nunca referiu ter visto gelo].

17- Do Ofício datado de 13-04-2017 da Infraestruturas de Portugal, Sa. (fls. 375 a 377) e do Ofício datado de 28-3-2017 assinado pelo Sr. Comandante do Destacamento de Trânsito de ... da GNR (fls. 374) resulta que no momento do acidente o TA Circulava numa via onde o TMDA (tráfego médio diário anual) era de 17.940 veículos/dia (o que representa 747 veículos por hora) e, não obstante nas três horas antes tivessem passado no mesmo local 2.242 veículos, apenas ocorreram nesse mesmo local 2 acidentes de viação;

18- Com base em toda a prova carreada aos autos e melhor identificada em 49º, impõe-se acrescentar aos «FACTOS PROVADOS» os seguintes:

1-A velocidade máxima permitida no local do acidente era de 80Km/h

2- A velocidade de circulação determinada para o veículo TA antes do acidente era de 86,3 km/h ± 5 km/h;

3- Estava bom tempo, já era dia, havia sol e a visibilidade era boa

4- No local do acidente ficaram marcas e vestígios de derrapagem: Em plena via, marcas dos pneumáticos do veículo Ligeiro e passageiros e matrícula ..-..-TA antes da colisão: Tentativa do condutor em controlar o veículo quando este entrou em despiste

5- Entre as 00H00 e as 07H00 do dia 30-12-2014 na EN ... km 132,800-... foi registado pelo Comando do Destacamento de Trânsito de ... da GNR um único acidente de viação, que ocorreu às 05H40 com o número de registo ...4;

6- Entre os meses de Outubro de 2014 e Fevereiro de 2015, na EN ... km 132,800-... foram registados pelo Comando do Destacamento de Trânsito de ... da GNR os acidentes nºs 1154/14 e 1155/14.

7- O TMDA (tráfego médio diário anual) do ano de 2014 no sublanço compreendido entre ... e ... da EN ... ascendeu a 17.940 veículos

8-No momento do acidente, os pneus traseiros do ..-..-TA:

a) Encontravam-se fora dos parâmetros preconizados de segurança:

b) Encontravam-se ressequidos;

c) Haviam sido instalados no TA na condição de usados;

d) Tinham cerca de 15 anos

e) Apresentavam desgaste acentuado e não uniforme, com maior incidência no eixo traseiro do veículo;

f) Apresentavam uma diferença considerável no relevo e na data de produção.

g) Não estavam em condições de circulação em segurança, muito menos no inverno a uma deslocação a ... com a lotação do veículo preenchida

9- Em particular os pneus traseiros do TA apresentavam as seguintes características:

a) Pneu traseiro esquerdo: Com 1,8mm de relevo mas com desgaste não uniforme (maior desgaste na zona interior) e parte interior lisa, Produção: 21 09, a parte interior tinha maior desgaste. (provavelmente tinha rodado à frente

b) Pneu traseiro direito: Mau estado, com uma “batata”, com relevo de 3,2mm, Produção: 45 10

10- O condutor do Veículo TA, ao circular no sentido descendente de ...-..., não se terá apercebido da presença de uma zona de perigo por acumulação de água/gelo, não tendo sido realizada a devida adequação da velocidade às condições da via, acabando o veículo por entrar em trajetória de despiste (sobreviragem) sobre a via contrária

11- A velocidade do veículo TA e ao estado de conservação dos pneus, foram os fatores potenciadores para o desenrolar do acidente nos moldes verificados

12- - Os militares da GNR que se deslocaram ao local do acidente ocorrido pelas 05:40 (FF e GG) relataram que:

- Nem o condutor HH nem os demais intervenientes no acidente lhes referiram que houvesse gelo no local

- Embora a estrada estivesse húmida (como estava todo o traçado da via), na deslocação para o local não observaram gelo na via;

- Após a remoção do veículo acidentado a via estava em condições de circularem veículos;

- Durante o tempo que estiveram no local do acidente, o trânsito nunca esteve interrompido, não presenciaram nenhum outro acidente ou qualquer situação que indiciasse perigo iminente no local.

13- DD circulava à retaguarda do TA e quando passou no local a conduzir não viu o gelo, apenas tendo visto tal gelo pelas imagens da televisão.

14- DD circulava à retaguarda do TA e não teve qualquer dificuldade em passar no local da existência da água na curva onde o condutor do TA entrou em despiste

15- II tinha passado a conduzir o seu veículo no mesmo local sensivelmente 10 minutos antes do acidente e ao passar no local o seu veículo deslizou, saiu um pouco para a esquerda, mas conseguiu mantê-lo na via porque “por ser mulher conduz com mais precaução”

19- Tendo em conta a prova produzida no decurso do processo (testemunhal, documental e pericial) o douto Tribunal a quo errou ao dar como provados os seguintes factos (que deveria ter dado como «NÃO PROVADOS»):

15. No dia/hora do acidente o tempo estava bom mas na hemifaixa de rodagem em que circulava o TA existia gelo no piso.

17. Antes da colisão o veículo ..-..-TA circulava a velocidade superior a 80km/h.

20- in casu não ocorreu qualquer responsabilidade do próprio lesado (ora Recorrente) na produção do acidente, como aliás bem resulta dos factos dados como provados sob os nºs 8, 9, 12, 13 e 14;

21- Não existem dúvidas que do acidente sub iudice resultaram danos para o A., danos-esses demonstrados e dados como provados sob os nºs 19 a 45 da fundamentação da douta sentença recorrida;

22- Também não se discute o Nexo Causal entre o Facto e os danos porquanto o mesmo foi correctamente dado como provado pela douta sentença recorrida ao dar como provados os factos identificados sob os nºs 19 a 45.

23- Assim, com vista ao apuramento da responsabilidade civil do condutor do TA falta apenas indagar da verificação do elemento culpa.

24- O condutor do veículo seguro na R. i) Detinha a direcção efectiva do veículo, e ii) utilizava o referido veículo no seu próprio interesse.

25- Perante a factualidade material supra descrita e provada nos autos, o condutor do TA violou os Artºs 24º, 25º, 11º/2 e 18º/1 todos do C.E.;

26- in casu não se verifica nenhuma das causas de exclusão de ilicitude previstas no Artº 505º do C.C. que pudesse afastar a responsabilização do condutor do TA a título de risco;

27- Provado que está que o acidente não é imputável ao Lesado, que o mesmo sofreu danos, que esses danos são nexo causal do acidente, que o condutor do TA foi o único responsável pela produção do acidente e que e não se verifica qualquer causa de exclusão da ilicitude, provada fica também a culpa – efectiva e exclusiva – do condutor do TA na produção do acidente e subsequente obrigação de indemnizar (transferida para a R. por via do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...00);

28- O acidente sub iudice ficou assim a dever-se a culpa – efectiva e exclusiva – do condutor do veículo TA, seguro na R., na medida em que seguia de forma desatenta e imprudente, a velocidade superior à permitida no local e inadequada à via, despistando-se, ultrapassando a linha longitudinal contínua e invadindo a faixa de circulação de sentido contrário, indo embater no veículo conduzido pelo A. .

29- Mas mesmo que não se tivesse provado a culpa efectiva do condutor do TA, ainda assim essa culpa resultaria presumida por inobservância de leis e regulamentos, e em especial, a prova da violação de normas de perigo abstracto, tendentes a proteger determinados interesses, como são as regras do Cód. da Estrada, definidoras de infracções em matéria de trânsito rodoviário;

30- E mesmo que não se tivesse provado a culpa efectiva ou presumida do condutor do TA na produção do acidente, ainda assim o mesmo (rectius, a R. seguradora) sempre seria responsável, pelo risco, nos termos do Artº 505º do C.C. .

31- Ou seja, nos termos das disposições conjugadas dos Artºs 503º/1 e 505º ambos do C.C., mesmo que não existisse culpa (efectiva ou presumida) do condutor do veículo TA e não se tendo provado que o acidente se deveu a culpa do lesado ou de terceiro ou a causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo, sempre o acidente sub iudice haveria de ser enquadrado na responsabilidade pelo risco.

32- Foram violados os Artºs 607º/3/4, 615º/1 al. b) e c) CPC, 483º, 486º, 487º/2, 497º, 503º, 504º e 505º todos do C.C. e 24º, 25º, 11º/2 e 18º/1 todos do C.E.

Termos em que, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO e, em consequência:

1- Ser reconhecida e declarada a nulidade da douta sentença recorrida com base nos fundamentos supra expostos;

2- Ser a Impugnação da decisão relativa à matéria de facto julgada procedente e, em consequência:

2.1- Dados como provados os factos supra descritos em 49º;

2.2- Dados como não provados os factos nºs 15 e 17 da douta sentença recorrida em conformidade com o alegado supra nos Artºs 50º a 55º;

3- Ser a douta sentença recorrida revogada na parte em que considerou não poder ser assacada responsabilidade ao condutor do veículo ..-..-TA e face a tal inexistência de nexo entre o desempenho do veículo ..-..-TA e o evento danoso, absolveu a ré, substituindo-a por outra que:

3.1- Reconheça a culpa – efectiva e exclusiva – do condutor do veículo ..-..-TA na produção do acidente sub iudice;

3.2- Condene a R. Seguradora – por força da contratação da apólice de seguro n.º ...00 – a pagar ao A. as quantias peticionadas na P.i. .

Contra alegou a ré pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais:

1) Contrariamente ao que o Recorrente menciona, não se descortina que entre os factos dados como provados e a conclusão plasmada na douta Sentença recorrida de “…ao condutor do veículo ..-..-TA – JJ - não pode ser assacado acto ou omissão, o qual, por sua vez, tivesse possibilitado a ocorrência do acidente em apreço…Face a tal inexistência de nexo entre o desempenho do veículo ..-..-TA e o evento danoso, impõe-se absolver na íntegra a ré de tudo o que é peticionado pelo autor.”, exista qualquer contradição.

2) Consta da douta Sentença um outro segmento fundamental…“resultou provado que a causa primeira e determinante do acidente ocorrido no dia 30-12-2014 foi a existência de gelo na faixa da Estrada Nacional n.º ... em que circulava o veículo com a matrícula ..-..-TA; sendo que tal gelo levou a que o mesmo veículo entrasse em despiste.

3) A causa primeira, a que desencadeia todo o acidente, é um despiste do TA, despiste esse provocado pela existência de gelo na via, sem o qual o sinistro não teria ocorrido.

4) A argumentação do Recorrente, é perfeitamente tendenciosa e sem qualquer substracto factual.

5) Usando a mesma simplicidade analítica do Recorrente, poderíamos então, com base no que resultou provado, afirmar que sendo o TMDA (tráfego médio diário anual), no ano de 2014 e no que respeita ao sublanço compreendido entre ... e ..., da E.N. ..., de 17940 veículos, em cada um dos sentidos de trânsito, a média será de 8970 veículos, o que dará uma média de 374 carros por hora na zona da Estrada Nacional ... em que ocorreu o sinistro e no sentido de trânsito do mesmo e a impressionante média de 6 carros por minuto que por ali passam.

6) Constando do Relatório Técnico elaborado pela Dekra que a velocidade de circulação do TA seria de 86 km/hora com uma margem de variação de 5km hora…não se pode validar como boa a tese de que era realmente os 86 km/hora a velocidade do TA, já que podia ser mais ou menos…apenas esta conclusão é legitima.

 7) As conclusões a que o Tribunal chegou em nada estão em oposição com os factos dados como provados, antes têm nestes substracto fáctico

8) O gelo, a existência de gelo assume neste acidente uma importância extrema, ao ponto de ser efectivamente causal, ter uma influência directa, ser no fundo a ignição do sinistro.

9) Conforme consta aliás da Motivação da Sentença, “Com efeito, na esteira e em complemento do referido naquele relatório pericial, o Sr. Perito Eng.º BB, de forma isenta, clara e concreta, esclareceu em síntese que a principal causa do acidente em apreço foi a existência de gelo na faixa da estrada em que circulava o veículo ..-..-TA; acrescentou ainda que, face à existência do referido gelo, o atrito dos respectivos pneus pode ser inexistente (“zero”), independentemente do estado concreto dos mesmos pneus.”

10) E, igualmente do respectivo testemunho, que consta do sistema H@bilus Media Studio entre 10:22 e as 10:51, de dia 15 de setembro de 2022, quando afirma a minutos 14.15 do seu depoimento

“…no entanto é certo que a situação do gelo é efectivamente o primeiro indicio ou o primeiro motivo de despiste, a velocidade, não existindo aquele gelo é uma velocidade permitida para o local, apesar de poder estar a chover, mas está tudo dentro do limite de circulação. O estado dos pneus, numa situação…se tivéssemos uma velocidade excessiva os pneus podiam ter impacto tendo desgaste que se verificou…também ai na parte dos pneus e da velocidade, têm uma relação quase direita, sendo que na nossa opinião, ou na minha opinião, o inicio tem que ver com a questão do gelo, porque se passa de uma diferença de atrito de 0,7 quase para 0, com atrito quase nulo”

11) Inexiste, pois, qualquer nulidade da Sentença, conforme apontado pelo Recorrente, por violação da alínea c) do artº 615º do Cód. de Proc. Civil.

12) Como inexiste qualquer nulidade da Sentença por alegada falta de fundamentação jurídico-legal – alínea b) do artº 615º do Cód. de Proc. Civil.

13) Salvo o devido respeito, confunde o Recorrente falta de…com a extensão da mesma, isto é, para o Recorrente a fundamentação jurídica deverá ser vasta e repetitiva, não privilegiando, bem se vê, a síntese.

14) Ora, deveria o Recorrente nas suas doutas Alegações, mencionar como, no seu entendimento, deveria ou não, tal fundamentação ser realizada, o que não faz…

15) Quanto à prova produzida no tocante ao acidente foram inquiridos: - Eng. BB - depoimento dia 15 de setembro de 2022, sistema H@bilus Media Studio entre 10:22 e as 10:51. - DD - depoimento dia 23 de setembro de 2022, sistema H@bilus Media Studio entre 09.34.52 e as 09.55.05 - HH - depoimento dia 23 de setembro de 2022, sistema H@bilus Media Studio entre 09.55.57 e as 10.11.38 - KK - depoimento dia 23 de setembro de 2022, sistema H@bilus Media Studio entre 10.12.35 e as 10.33.04 Conforme depoimentos já reproduzidos.

16) Entende o Recorrente que é notório o erro de motivação da douta Sentença recorrida, porquanto não corresponderá à verdade, segundo o mesmo, que resulte do depoimento do Senhor Eng. BB a principal causa do acidente tenha sido a existência do gelo.

17) Consta a este propósito do Relatório de Reconstituição do Acidente junto aos Autos o seguinte:

“9. CONCLUSÕES FINAIS

Do estudo elaborado que envolveu diferentes fases e do qual se obteve as conclusões atrás mencionadas, permite fazer abordagem às causas do acidente. O condutor do Veículo TA, ao circular no sentido descendente de ...-..., não se terá apercebido da presença de uma zona de perigo por acumulação de água/gelo, não tendo sido realizada a devida adequação da velocidade às condições da via, acabando o veículo por entrar em trajetória de despiste (sobreviragem) sobre a via contrária. No decurso da referida manobra e ainda em situação de sobreviragem (despiste em arrastamento lateral) na via contrária, o veículo TA terá sido embatido na lateral esquerda pela frente do veículo OL, que seguia no sentido oposto ...-.... Assim, e com base nas diligências realizadas no presente estudo, em nosso parecer técnico, a formação/acumulação de gelo e água de forma localizada na via, sem a devida sinalização de perigo, aliado à velocidade do veículo TA e ao estado de conservação dos pneus, terão sido os fatores potenciadores para o desenrolar do acidente nos moldes verificados.

18) O vocábulo “aliado” é aplicável à expressão “velocidade do veículo TA e ao estado de conservação do pneus” e não o inverso (formação/acumulação de gelo e água).

19) A causa primeira, é bem identificada, e é a esta que se aliam as outras…e foi igualmente isto mesmo que resulta do depoimento do Eng. BB.

Minutos 14.15 do seu depoimento

“…no entanto é certo que a situação do gelo é efectivamente o primeiro indicio ou o primeiro motivo de despiste, a velocidade, não existindo aquele gelo é uma velocidade permitida para o local, apesar de poder estar a chover, mas está tudo dentro do limite de circulação. O estado dos pneus, numa situação…se tivéssemos uma velocidade excessiva os pneus podiam ter impacto tendo desgaste que se verificou…também aí na parte dos pneus e da velocidade, têm uma relação quase direita, sendo que na nossa opinião, ou na minha opinião, o início tem que ver com a questão do gelo, porque se passa de uma diferença de atrito de 0,7 quase para 0, com atrito quase nulo.”

 20) No artº 28º das suas Alegações o Recorrente, não inocentemente, alega “O Sr. Perito diz expressamente que se o TA circulasse a menos de 80 km/hora e tivesse os pneus bons, o acidente não se dava…”

21) Jamais o Senhor Eng. BB teve tal afirmação; o que este mencionou à questão colocada pelo Ilustre Mandatário do Recorrente foi vd. minutos 19.06 da respectiva gravação foi “o acidente poderia não se dar”, pelo que, partir desta expressão para um conveniente “o acidente não se dava” configura uma tentativa de alterar conscientemente o que o Senhor Eng. BB afirmou no seu depoimento.

22) Conforme e bem consta da Sentença “Não obstante o Sr. Perito Eng.º BB ter realçado que, caso o veículo ..-..-TA se encontrasse a circular a velocidade inferior a 80 quilómetros, o embate poderia não ter ocorrido, o Tribunal – atendendo ao acima e ao infra exposto - manteve a convicção de que o gelo constituiu a derradeira causa do mesmo acidente.”

23) Esta convicção do Tribunal, retirada dos depoimentos testemunhais e demais prova documental junta aos Autos, não significa, como o Recorrente parece entender que as testemunhas tenham nos respectivos depoimentos afirmado, que o gelo teria sido a derradeira causa…a conclusão do Tribunal é alicerçada isso sim nos depoimentos, os quais, todos eles mencionam a existência do gelo e a perigosidade do mesmo.

24) O depoimento do Senhor Agente da GNR que tomou conta da ocorrência é deste facto exemplo, como o é a própria pergunta que lhe foi feita pelo Ilustre Mandatário do Recorrente que se reproduz:

 “P – Se hoje, meia dúzia de anos não se lembrasse do gelo, acharia normal…que no dia do acidente fizesse constar do Auto, um elemento tão importante quanto este…fez constar a água, porque é que não fez constar o gelo.? R – Tem toda a razão. Minuto 11.00 “na descrição do acidente está” – alerta do mandatário da Ré Minuto 11.47 (leitura efectuada pelo Senhor Agente) …a presente participação de acidente de viação é elaborada com base nas declarações verbais das testemunhas, tendo em conta os vestígios existentes no local, características da via e posição dos veículos após o embate. O veículo nº 1 circulava na E.N. ..., no sentido SUL/Norte, e o veículo nº 2 em sentido oposto. Chegados ao local de embate, Km 132,809 da referida estrada, o veículo nº 1, que momentos antes, ao km 132,720 entrou em despiste, invadindo subitamente a via de sentido Norte/Sul, indo embater com a parte lateral do lado esquerdo na parte frontal do veículo nº 2. De referir que ao Km 132,720, onde se dá o inicio do despiste do veículo nº 1, à data/hora do acidente, existia água no pavimento, proveniente de um nascente existente nas imediações, e que, devido as baixas temperaturas, deu origem à formação de gelo no pavimento….afinal sempre estava escrito…”

25) Ou seja, do depoimento desta testemunha, o Tribunal apenas e só reforça a sua convicção de que o gelo é a causa a derradeira causa do acidente.

26) O que faz igualmente com o testemunho de HH do qual consta a propósito na Sentença “Além do exposto, a razão de ciência de HH adveio também do facto do mesmo ter a profissão de motorista de pesados. Com relevo e de forma isenta e credível, HH realçou que o troço da estrada em causa (a testemunha seguia marcha no sentido ... - ...) apresentava gelo e que, de forma repentina, o despiste do veículo que conduzia ocorreu. Acrescentou ainda a testemunha ter sentido que a situação em causa se apresentava perigosa; e que a água provinha da valeta contígua à referida estrada, tendo no pavimento da mesma estrada se transformado em gelo.”

27) Quanto ao depoimento da testemunha DD, o Recorrente falha o alvo já que a convicção do Tribunal não se alicerçou (na questão do sinistro) propriamente neste depoimento.

“Neste âmbito específico, DD, no momento do embate, conduzia um veículo todo-o-terreno, sendo que aquele seu veículo seguia alguns metros atrás do carro detentor da matrícula ..-..-TA. Quanto à dinâmica do acidente e às suas concretas causas, DD não apresentou suficientes conhecimentos. Não obstante e a título complementar no que atende à convicção do Tribunal, DD realçou que, dias depois à ocorrência do referido acidente, obras foram efectuadas na zona em causa, ou seja – nas palavras da testemunha – foi feita “uma valeta”, “um regozinho”.

28) Esta questão resulta igualmente do depoimento do Senhor Presidente da União de Freguesias ..., após estes sinistros, o local sofreu obras, por forma a permitir um melhor escoamento de águas.

Minuto 3.20

“no ano de 2014 houve algumas reuniões, uma, duas durante o ano de 2014 onde precisamente se alertou para o estado daquela via. Uma delas participou inclusive, quer as infraestruturas de Portugal, quer a Câmara Municipal, quer a GNR ..., quer a PSP e outros presidentes de junta…nessa mesma reunião, foi solicitado aos presidentes de junta que pudessem sinalizar os pontos negros que existiam naquela via e no troço por onde a ... passava na sua junta de freguesia. A junta alertou, tendo em consideração o péssimo estado em que estava essa via….e alertou em especial para aquilo que era a falta de manutenção junto de, digamos, à Nacional, a falta de limpeza e manutenção da rede de águas pluviais. Chamámos à atenção em especial para vários pontos. Neste ponto onde ocorre o acidente chamámos à atenção. Na altura aquela curva era designada por curva da morte porque 25 ou 30 anos antes, tinham morrido lá 2 jovens precisamente também com gelo nessa mesma curva, que entrou em despiste e acabou por cair da ponte…e inclusive à possibilidade de criar gelo nessa mesma curva”. Minuto 5.50 Fizemos um email com esse mesmo relatório, entre outros pontos, enviámos para todas as entidades, inclusivamente para as infraestruturas de Portugal Minuto 6.10 P – Esse email que menciona, foi feito por si? R – Foi feito por mim. P – Pergunto se é um email de novembro de 2014 enviado por si? R – exatamente. Minuto 6.50 P – Esse email tinha como destinatários a própria Infraestruturas de Portugal? R – Sim Minuto 9.50 P – Conhecendo o local onde ocorreu este acidente, não tem dúvidas de que era um dos pontos que constavam do email como sinalizados? R – exatamente Minuto 11.40 P – Senhor Presidente…tem alguma dúvida se o local onde aconteceu este acidente foi um dos locais assinalados pelo Sr. Presidente? R – Não tenho dúvidas, não tenho dúvidas… P – Esse email data de… R – 5 de novembro de 2014 45 Minuto 12.25 P – Depois, no âmbito das suas competências, conhece, ou soube, ou executou, ou mandou executar algum tipo de intervenção naquele local? R – Eu não mandei executar obviamente porque não é da minha competência, no entanto, as Infraestruturas de Portugal fizeram algum melhoramento, não tenho dúvidas… P – E quando? R – Durante o ano de 2015. Vd depoimento de LL - depoimento dia 23 de setembro de 2022, sistema H@bilus Media Studio entre 10.33.45 e as 10.56.16

29) Aliás, esta mesma questão é elucidativa de a quem deverá ser assacada responsabilidades.

30) Pese embora seja irrelevante consta dos Autos, cfr. fls 46 da Certidão do Proc. 254/14.... o depoimento de MM, Gestor regional dos distritos de ... e ... das Infraestruturas de Portugal que declarou “… que na tarde desse mesmo dia do acidente, foi aberta uma vala a fim de eliminar as águas que vinham de um terreno adjacente para a estrada...”

31) De acordo com o Recorrente o erro de fundamentação e de decisão ocorre também da restante prova produzida…

32) O problema é que o Recorrente insiste num erro crasso que é afirmar que o que consta deste Relatório é que a causa determinante do acidente não foi o gelo, mas o estado dos pneumáticos e a velocidade do TA.

33) Como já se supra se mencionou, não é isso que resulta do depoimento da testemunha, o Senhor Eng. BB, nem sequer obviamente, do seu Relatório, vejamos:

“Em qualquer acidente rodoviário as marcas e vestígios no local do acidente assim como os danos apresentados pelos veículos são fundamentais para a determinação das causas do acidente e para a verificação da forma como se desenrolou o mesmo. Neste caso, analisando os vestígios e marcas no local de acidente recolhidos pelas Autoridades concluímos que o veículo TA ao descrever a curva à esquerda, atendendo ao sentido ...-..., terá entrado em trajetória de despiste, acabando por invadir a faixa contrária, embatendo lateralmente na zona frontal do veículo OL que se circulava em sentido oposto. A presença de gelo na via de circulação do veículo TA, aliada ao desgaste acentuado dos pneumáticos do mesmo e respetiva velocidade de circulação, terão comprometido a aderência do veículo e consequentemente a trajetória seguinte de despiste.”- fls 28 46

34) A fls 34 e seguintes constam as conclusões do Relatório, das quais resulta como

“9. CONCLUSÕES FINAIS

Do estudo elaborado que envolveu diferentes fases e do qual se obteve as conclusões atrás mencionadas, permite fazer abordagem às causas do acidente. O condutor do Veículo TA, ao circular no sentido descendente de ...-..., não se terá apercebido da presença de uma zona de perigo por acumulação de água/gelo, não tendo sido realizada a devida adequação da velocidade às condições da via, acabando o veículo por entrar em trajetória de despiste (sobreviragem) sobre a via contrária. No decurso da referida manobra e ainda em situação de sobreviragem (despiste em arrastamento lateral) na via contrária, o veículo TA terá sido embatido na lateral esquerda pela frente do veículo OL, que seguia no sentido oposto ...-.... Assim, e com base nas diligências realizadas no presente estudo, em nosso parecer técnico, a formação/acumulação de gelo e água de forma localizada na via, sem a devida sinalização de perigo, aliado à velocidade do veículo TA e ao estado de conservação dos pneus, terão sido os fatores potenciadores para o desenrolar do acidente nos moldes verificados.”

35) A causa principal do sinistro, foi a existência de gelo na via, com as consequências que dai advém em termos de atrito dos pneumáticos do TA.

36) A relevância jurídica que o Recorrente pretende dar ao Proc. de Inquérito nº 254/14...., não tem apoio na lei.

37) Trata-se de uma Certidão emitida no âmbito do referido processo, da qual constam os Autos de Inquirição de diversas testemunhas, algumas que depuseram presencialmente, no âmbito deste nosso processo em Recurso, pretendendo o Recorrente validar como bons alguns dos depoimentos tomados em sede de inquérito para, posteriormente, deles fazer-se valer nos presentes Autos, nomeadamente, para efeito de alteração da matéria de facto dada como provada e não provada.

38) Nos termos do disposto no artº 623º do Cód. de Proc. Civil, “A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração.”

39) Um despacho de Arquivamento, para além de proferido por um Senhor Procurador da República, não é uma Sentença que tenha o condão de constituir em relação a terceiros uma presunção ilidível.

40) O Recorrente reproduz excertos das inquirições de testemunhas, pretendendo delas valer-se para dar como provados factos que estão em contradição direta com a prova produzida nestes Autos, o que configura uma verdadeira ilegalidade.

41) Se o Recorrente pretendia fazer valer-se de tais testemunhos, teria que os ter indicado em sede própria ou, como o fez posteriormente quanto a outras testemunhas, aditar as mesmas ao seu Requerimento de Prova, mas nunca o fez

42) Mas, quanto aos documentos que fazem parte desta mesma Certidão, resulta que o Recorrente entendeu por bem nas suas Alegações apenas e só fazer transcrições de algumas passagens, omitindo outras que são fundamentais para a dinâmica do sinistro. 43) Auto de exame direto ao local (fls 24 e seguintes da Certidão)

“Obs. Na curva que antecede o local do acidente, existia água no pavimento proveniente do terreno contíguo à Estrada Nacional nº ..., com o frio a água solidificou-se transformando-se numa placa de gelo” “Valetas: inexistentes na curva que antecede o local do acidente tomando o sentido de marcha do veículo de matrícula ..-..-TA que se despistou. A ausência de valeta, foi determinante para a água correr pela via face à inclinação favorável do terreno no local”.

44) Auto de exame direto a Veículo (fls 42 a 44 da Certidão)

*Pneumáticos:

Encontravam-se em conformidade com o estipulado por lei (D. Reg. 7/98 de 6 de maio): Artigo 6º

1 – Os automóveis ligeiros e os reboques de pesos bruto não superior a 3500 Kg não podem transitar da via publica sem que o piso de todos os seus pneus, incluindo o de reserva, quando obrigatório, apresente em toda a sua circunferência da zona de rolagem desenhos com uma altura de pelo menos, 1,6 mm nos relevos principais.”

45) O pneu frontal esquerdo foi produzido na semana 08 do ano de 2009, o pneu frontal direito na semana 03 do ano de 2009, o pneu traseiro esquerdo na semana 21 do ano 2009 e o pneu traseiro direito na semana 45 do ano de 2010.

46) Os pneus, não tinham mais de 6 anos…resulta deste documento que os pneus estavam em conformidade com a Lei.

47) Relatório Intercalar (fls 57 a 61 da Certidão)

“Relativamente ao assunto em epígrafe, serve o presente relatório para dar conhecimento ao Exmº Senhor Procurador Adjunto do Ministério Público (DIAP) da Comarca ..., dos seguintes factos: (…)

2. Ainda no dia do acidente, verificou-se que o gelo se formou pela solidificação de águas que corriam da berma directamente para a via em razão de ausência de valeta no local. (fls 257 a 262). (…)

4. Na madrugada de 30/12/2014, sensivelmente pelas 04h40 minutos, um automobilista que passou no local do acidente no sentido de ... para ..., ligou directamente para o CDOS de ... (Centro Distrital de Operações de Socorro – nº 117) a informa a existência de gelo na via, nomeadamente uma placa densa, que numa situação de perigo extremo poderia levar à ocorrência de um acidente. (…)

13. Em conclusão, o acidente objecto da presente investigação terá ocorrido por uma sucessão de falhas, sendo que algumas por erro de avaliação, entre as quais, o telefonista do CDOS, os elementos da GNR que ocorreram ao local aquando do primeiro despiste, sendo que a informação transmitida acerca do gelo e perigosidade do local não é coincidente na inquirição das diversas testemunhas intervenientes.

(…)

A CAUSA PRINCIPAL OU EFICIENTE, será aquela que de entre todas as intervenientes sem a qual o acidente não teria lugar. Neste caso em concreto, a formação de gelo por água a correr para a via.”

48) Quanto ao Despacho de Arquivamento o mesmo, inócuo para os Autos, ainda assim contem um conjunto de considerações dificilmente entendíveis, como seja as considerações que tece sobre a velocidade a que circularia o TA e aquelas outras sobre o facto de outros condutores terem passado pelo local e se terem apercebido do gelo.

49) Sabemos isso sim que a testemunha HH, teve um acidente no mesmo local horas antes e também ele não se apercebeu da presença de gelo…

50) A finalizar a conclusão de que é comumente sabido que o mau estado dos pneus é um fortíssimo factor para quando o automóvel passe por cima de água ou gelo entre em despiste é desmentido pelo teor do Relatório da Dekra da autoria do Senhor Eng. BB.

51) Os pneus, sejam novos ou velhos, estando em bom ou mau estado, ao passarem por gelo ficam sem qualquer atrito ao solo.

52) Quanto aos factos que o Recorrente pretende aditar aos factos dados como provados, 15 novos factos.,

53) Os factos que pretende ver aditados constam já dos elementos dados como provados, nomeadamente, o ponto 1, o ponto 4 (no que toca aos vestígios do sinistro – o demais pretendido são meras considerações), o ponto 5 a 7 já constam do elenco dos factos dados como provados.

54) A factualidade constante dos pontos 3, 8 a 15 que o Recorrente pretende ver inserida nos factos dados como provados não tem apoio na prova testemunhal e documental junta aos Autos e já supra devidamente indicada.

55) Constam os elementos referentes aos pneumáticos, com a relevante nuance de ser absolutamente falso que tivessem 15 anos (vd data de produção dos mesmos).

56) O Recorrente na ânsia de pretender dar como provada factualidade que não se verificou, vai ao ponto de pretender dar como provado um novo facto com o nº 10 – “O condutor do Veículo TA, ao circular no sentido descendente de ...-..., não se terá apercebido da presença de uma zona de perigo por acumulação de água/gelo, não tendo sido realizada a devida adequação da velocidade às condições da via, acabando o veículo por entrar em trajetória de despiste (sobreviragem) sobre a via contrária”

57) Mas pretende por outro lado, eliminar da factualidade dada como provada a própria existência de gelo na via…ao pretender eliminar o facto 15 da factualidade dada como provada que menciona “No dia/hora do acidente o tempo estava bom mas na hemifaixa de rodagem em que circulava o TA existia gelo no piso.”

58) O que pretende dar como provado no ponto 11 é infirmado pelo teor do relatório de reconstituição de acidente de viação e pelo próprio testemunho do Eng. BB, bem como pelo próprio Relatório intercalar elaborado pela GNR.

59) O ponto 12, sendo irrelevante face à ausência de prova atendível é ainda assim desmentido, mais uma vez pelo teor do Relatório intercalar elaborado pela GNR.

60) O pontos 13 a 15 são matéria inócua, para além de se basearem nas inquirições obtidas em sede de inquérito nas condições já mencionadas.

61) Pretende seguidamente o Recorrente que seja retirado do elenco dos factos provados os pontos 15 e 17.

62) Começando por este último ponto 17, que menciona “Antes da colisão o veículo ..-..-TA circulava a velocidade superior a 80km/h.”…, bem andou o Tribunal ao limitar-se a dizer que a velocidade seria superior a 80 Km/hora, nomeadamente porque, do Relatório da Dekra consta que a velocidade registada para o TA era de 86,3 Km/hora +/- 5 km/hora.

63) Ou seja, a margem de erro é de 5 km/hora, tanto podendo ser a mais ou a menos dos 86,3 Km/hora.

64) Dar-se como provado que circulava a mais de 80 Km/hora (limite para o local) não se descortina qualquer razoabilidade na pretensão.

65) Aliás o Tribunal não pode é dar como provado o que o Recorrente pretende sob o ponto 2, considerar que circulara à velocidade de 86,3 km/hora retira da equação a própria incerteza que preside ao apuramento desta velocidade.

66) Quanto ao ponto 15, No dia/hora do acidente o tempo estava bom mas na hemifaixa de rodagem em que circulava o TA existia gelo no piso”, entende o Recorrente que o Tribunal não poderia dar como provado a existência de gelo na via…

67) É por demais evidente que existia gelo no pavimento, bastando para tal, compulsar: - Depoimento testemunhal de HH, DD, KK, todos já identificados e com as suas declarações deviamente identificadas.

- Auto de Participação de Acidente de Viação junto aos Autos.

- Relatório intercalar e Despacho de Arquivamento juntos com a Certidão do processo de Inquérito nº 254/14.....

68) Deve, pois, ser mantida, na integra a factualidade dada como provada e não provada constante da douta Sentença recorrida.

69) No caso dos Autos sabemos quem é o responsável e é facilmente identificável – as Infraestruturas de Portugal.

70) O Recorrente optou, na sua Petição Inicial por demandar apenas aqui Recorrida – fê-lo não desconhecendo a questão do gelo (nomeadamente porque não desconhecia a existência de um processo de inquérito que havia corrido).

71) Ora, a manutenção da via em que ocorre o sinistro, é da responsabilidade das Infraestruturas de Portugal, entidade que, num claro assumo de responsabilidade, no mesmo dia do sinistro, da parte da tarde, procedeu a obras no local, por forma a que ali se viesse novamente a acumular água e gelo.

72) Por mais construções jurídicas que o Recorrente possa fazer, esbarra sempre na questão da responsabilidade ser assacada a terceiro.

73) Caso as Infraestruturas de Portugal estivesse no presente processo, estamos certos que a Sentença condenaria esta entidade.

74) Veja-se a este propósito, com as necessárias adaptações, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 15 de novembro de 2005, precisamente numa situação de gelo na via.

75) A responsabilidade está pois perfeitamente assente nos Autos e, por isso, a absolvição da aqui Recorrida constitui a manifestação plena da aplicação do direito aos factos.

76) Não violou por isso qualquer normativo legal, nomeadamente os mencionados pelo Recorrente.

77) Pelo que a douta Sentença deverá ser mantida na integra.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs  635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas  são  as seguintes:

1ª – Nulidade da sentença.

2ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

3ª – Procedência da ação.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

Clama o recorrente que a sentença é nula por i) Os fundamentos estarem em oposição com a decisão (Artº 615º/1 al. c) do CPC) e por ii) Não especificar os fundamentos de direito que justificam a decisão e não indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes (Artºs 615º/1 al. c) e 607º/3/4 ambos do CPC).

Como é consabido, as nulidades do  artº 615º do CPC são meros vícios formais, «handicaps» intrínsecos à própria sentença, em si mesma considerada, que afetam a sua validade/idoneidade/virtualidade na sua idiossincrasia, e enquanto, essencial e primeiro, instrumento jurídico comunicante do processo, o qual se pretende logicamente escorreito e conforme ao objeto do processo tal como delineado pelas partes.

E nada tendo a ver e/ou se confundindo com a maior ou menor curialidade, ou o erro, do, de direito e juridicamente, interpretado e decidido quanto a tal objeto.

Pois que, neste caso, não nos encontramos apenas no mero âmbito  formal da emissão/prolação/publicitação da sentença/acórdão, linear e formalmente adequado ao objeto dos autos, mas antes estamos no domínio do jurídico perspetivado ao quid substantivo/material,  campo este que apenas  admite censura  se ao mesmo puder ser  assacada ilegalidade.

Assim sendo, a nulidade da al. c) do nº1 apenas se verifica «quando os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente, não se verificando quando a solução jurídica decorreu de interpretação dos factos, diversa da pretendida pelo arguente.» - Ac. do STJ de 09.02.2017, p. 2913/14.3TTLSB.L1.S1 in dgsi.pt.

Por outras palavras: «a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento».

A contradição geradora de nulidade verifica-se apenas quando «a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente». - Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 9.ª edição, 56.

Ou seja, a contradição tem de situar-se somente no domínio do lógico formal: o juiz disse uma coisa, mas lógico formalmente, considerando os pressupostos, factuais ou jurídicos, que subjazem à decisão, esta deveria, obrigatória e inelutavelmente, ser oposta à prolatada; e não já existindo nulidade, vício formal, mas antes ilegalidade, vício substancial, quando ele profere decisão que é, considerada, na opinião do interessado, ilegal perante tais aludidos pressupostos.

Neste caso inexiste tal inelutabilidade lógico formal, antes apenas podendo existir a possibilidade de o irresignado ter razão, o que não é motivo para a emergência da contradição, pois que a posição do insurgente até pode  não ser acolhida.

Por outro lado, e no âmbito da al. d), urge ter presente o seguinte.

A necessidade da fundamentação prende-se com a garantia do direito ao recurso e tem a ver com a legitimação da decisão judicial.

Porque a decisão não é, nem pode ser, um ato arbitrário, mas a concretização da vontade abstrata da lei ao caso particular submetido à apreciação jurisdicional, as partes, maxime a vencida, necessitam de saber as razões das decisões que recaíram sobre as suas pretensões, designadamente para aquilatarem da viabilidade da sua impugnação -  cfr. Alberto dos Reis, Comentário, 2º, 172 e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, 1982, 3º vol., p.96.

Mas se assim é, dos textos legais e dos ensinamentos doutrinais se retira que apenas a total e absoluta falta de fundamentação pode acarretar a nulidade.

O que a lei pretende é evitar é a existência de uma decisão arbitrária e insindicável.

Tal só acontece com a total falta de fundamentação. Se esta existe, ainda que incompleta, errada ou insuficiente tal arbítrio ou impossibilidade de impugnação já não se verificam.

O que nestes casos apenas sucede é que a própria decisão pode convencer menos, dada a debilidade ou incompletude dos seus fundamentos. Mas pode ser sempre atacável e modificável.

Assim sendo, a grande maioria da nossa jurisprudência tem-se pronunciado no sentido de que só a carência absoluta de fundamentação e não já uma motivação escassa, deficiente, medíocre, incompleta ou errada, acarreta o vício da nulidade da decisão – cfr. Entre outros, Ac. do STA de 18.11.93, BMJ, 431º, 531 e Acs. do STJ de 26.04.95, CJ(stj), 2º, 57, de 17.04.2004 e de 16.12.2004, dgsi.pt.

In casu.

O recorrente fundamenta esta sua pretensão, aduzindo que:

«O douto Tribunal a quo não podia dar como provados os factos nºs 8, 9, 12, 13, 14, 16 e 17 e depois, com base nessa factualidade, decidir que Ao condutor do veículo ..-..-TA não pode ser assacado acto ou omissão, o qual, por sua vez, tivesse possibilitado a ocorrência do acidente em apreço.

Mas a assim ser facilmente se conclui, atento o supra exposto, que os vícios apontados inexistem.

Desde logo inexiste falta de fundamentação.

O julgador mencionou claramente as razões de facto e de direito que alicerçaram a decisão final.

E tanto assim foi/é que o recorrente claramente as intuiu e contra elas se insurgiu.

Logo, a sentença não se assume como infundamentada e, muito menos, insindicável.

 Depois, a contradição outrossim não se enxerga.

Perante os factos dados como provados e a interpretação que deles opera, o Sr. Juiz concluiu que ao condutor do veículo ..-..-TA não pode ser assacado ato ou omissão que impliquem culpa sua.

Em função do que proferiu decisão absolutória.

Destarte, e na exegese operada pelo Julgador, que é o que releva, inexiste qualquer contradição.

É que a sentença, enquanto instrumento comunicante, produziu os seus efeitos; e, lógico formalmente,  e  atenta a postura  e o entendimento do decisor, mostra-se coerente atentos os pressuposto factuais apurados, a interpretação efetivada e a decisão final.

Resta é apurar se tal postura interpretativa é a mais curial perante os factos apurados e o direito aplicável.

Mas tal, reitera-se, já não se coloca no campo lógico formal da nulidade da sentença em si mesma considerada, mas antes no âmago substantivo da (i)legalidade do decidido.

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente;  mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.. como os restantes infra citados.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009, p.09P0114.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.– Cfr. Ac, do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1.

Nesta conformidade  constitui jurisprudência sedimentada, que:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, p. 73/2002.S1.

Do mencionado decorre que  o recorrente não pode limitar-se a invocar, mais ou menos abstrata, genérica e indiferenciadamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

Antes ele devendo efetivar uma análise concreta, discriminada – por reporte de cada elemento probatório a cada facto probando -  objetiva, crítica, logica e racional, do acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

Se assim não for, e:

«Limitando-se o impugnante a discorrer sobre os meios de prova carreados aos autos, sem a indicação/separação dos concretos meios de prova que, relativamente a cada um desses factos, impunham uma resposta diferente da proferida pelo tribunal recorrido, numa análise crítica dessa prova, não dá cumprimento ao ónus referido na al. b) do nº 1 do artº 640º do CPC.

 Ou seja, o apelante deve fazer corresponder a cada uma das pretendidas alterações da matéria de facto o(s) segmento(s) dos depoimentos testemunhais e a parte concreta dos documentos que fundou as mesmas, sob pena de se tornar inviável o estabelecimento de uma concreta correlação entre estes e aquelas.» - Ac. do STJ de   14.06.2021, p. 65/18.9T8EPS.G1.S1.(sic).

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.– Cfr. Ac. do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1.

Porque, afinal, quem  tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz e não a parte, e atento o supra aludido em 5.2.1, a  lei  - artº 640º do CPC -  apenas permite a censura da convicção do julgador  se os meios probatórios invocados impuserem (não basta  apenas que sugiram) decisão diversa da recorrida.

Ora tal censura apenas pode advir desde logo com cumprimento dos ónus formais legais que não somente da apriorística e subjetiva irresignação do recorrente, não cabal, concreta, discriminada  e inequivocamente  substanciada, e pelo modo legal exigido.

5.2.2.

O caso vertente.

Pretende o recorrente a não prova dos seguintes factos dados como provados:

15. No dia/hora do acidente o tempo estava bom mas na hemifaixa de rodagem em que circulava o TA existia gelo no piso.

17. Antes da colisão o veículo ..-..-TA circulava a velocidade superior a 80km/h.

E mais pretende que se dê como provado o seguinte acervo que taxa de factual:

1-A velocidade máxima permitida no local do acidente era de 80Km/h

2- A velocidade de circulação determinada para o veículo TA antes do acidente era de 86,3 km/h ± 5 km/h;

3- Estava bom tempo, já era dia, havia sol e a visibilidade era boa

4- No local do acidente ficaram marcas e vestígios de derrapagem: Em plena via, marcas dos pneumáticos do veículo Ligeiro e passageiros e matrícula ..-..-TA antes da colisão: Tentativa do condutor em controlar o veículo quando este entrou em despiste

5- Entre as 00H00 e as 07H00 do dia 30-12-2014 na EN ... km 132,800-... foi registado pelo Comando do Destacamento de Trânsito de ... da GNR um único acidente de viação, que ocorreu às 05H40 com o número de registo ...4;

6- Entre os meses de Outubro de 2014 e Fevereiro de 2015, na EN ... km 132,800-... foram registados pelo Comando do Destacamento de Trânsito de ... da GNR os acidentes nºs 1154/14 e 1155/14.

7- O TMDA (tráfego médio diário anual) do ano de 2014 no sublanço compreendido entre ... e ... da EN ... ascendeu a 17.940 veículos

8-No momento do acidente, os pneus traseiros do ..-..-TA:

a) Encontravam-se fora dos parâmetros preconizados de segurança:

b) Encontravam-se ressequidos;

c) Haviam sido instalados no TA na condição de usados;

d) Tinham cerca de 15 anos

e) Apresentavam desgaste acentuado e não uniforme, com maior incidência no eixo traseiro do veículo;

f) Apresentavam uma diferença considerável no relevo e na data de produção.

g) Não estavam em condições de circulação em segurança, muito menos no inverno a uma deslocação a ... com a lotação do veículo preenchida

9- Em particular os pneus traseiros do TA apresentavam as seguintes características:

a) Pneu traseiro esquerdo: Com 1,8mm de relevo mas com desgaste não uniforme (maior desgaste na zona interior) e parte interior lisa, Produção: 21 09, a parte interior tinha maior desgaste. (provavelmente tinha rodado à frente

b) Pneu traseiro direito: Mau estado, com uma “batata”, com relevo de 3,2mm, Produção: 45 10

10- O condutor do Veículo TA, ao circular no sentido descendente de ...-..., não se terá apercebido da presença de uma zona de perigo por acumulação de água/gelo, não tendo sido realizada a devida adequação da velocidade às condições da via, acabando o veículo por entrar em trajetória de despiste (sobreviragem) sobre a via contrária

11- A velocidade do veículo TA e ao estado de conservação dos pneus, foram os fatores potenciadores para o desenrolar do acidente nos moldes verificados

12- - Os militares da GNR que se deslocaram ao local do acidente ocorrido pelas 05:40 (FF e GG) relataram que:

- Nem o condutor HH nem os demais intervenientes no acidente lhes referiram que houvesse gelo no local

- Embora a estrada estivesse húmida (como estava todo o traçado da via), na deslocação para o local não observaram gelo na via;

- Após a remoção do veículo acidentado a via estava em condições de circularem veículos;

- Durante o tempo que estiveram no local do acidente, o trânsito nunca esteve interrompido, não presenciaram nenhum outro acidente ou qualquer situação que indiciasse perigo iminente no local.

13- DD circulava à retaguarda do TA e quando passou no local a conduzir não viu o gelo, apenas tendo visto tal gelo pelas imagens da televisão.

14- DD circulava à retaguarda do TA e não teve qualquer dificuldade em passar no local da existência da água na curva onde o condutor do TA entrou em despiste

15- II tinha passado a conduzir o seu veículo no mesmo local sensivelmente 10 minutos antes do acidente e ao passar no local o seu veículo deslizou, saiu um pouco para a esquerda, mas conseguiu mantê-lo na via porque “por ser mulher conduz com mais precaução”

Foi apreciada a prova.

Atentemos.

Urge ter presente, para além do aludido em 5.2.1., que provados e não provados podem/devem ser apenas, desde logo e liminarmente, factos concretos, concisos e precisos, ou seja, ocorrências, normalmente materiais, da vida real.

 E não conceitos jurídicos ou asserções opinativas ou conclusivas; as conclusões retira-as o julgador em sede de subsunção dos factos às normas jurídicas pertinentes e  em função da exegese que ele destas opere.

Depois, apenas podem ser provados factos que sejam alegados pelas partes/interessados; assim o exigem, em sede de processos em que se dilucidam interesses privados, essencialmente de jaez material/patrimonial/monetário, os consabidos princípios do dispositivo, da substanciação e da auto responsabilidade das partes.

Finalmente, provados apenas podem ser os factos que tenham real interesse para a decisão da causa, que não factos/considerações meramente acessórios ou circunstanciais, irrelevantes, inócuos ou sem relevo bastante.

Assim orientados e no atinente aos factos provados que se pretendem não provados.

Tais factos correspondem, ipsis verbis, ao alegado pelo autor recorrente nos artºs 29º e 31º da pi.

Destarte, mal se compreende a incoerência e contradição do recorrente, de agora, em venire contra factum propium, dar o dito por não dito e pretender a sua não prova.

Ademais.

A existência de gelo na via está suficientemente provada.

Basta atentar que na perícia de fls. 738 e segs., consta, a fls. 751, uma certidão do IPMA na qual se atesta que no dia, hora e local do sinistro a temperatura era de  03 graus negativos, propiciante, pois, à formação de gelo.

Depois, provar-se que o condutor do TA circulava a mais de 80Km/h ou a 86Km/, com tolerância de mais ou menos 5/km/h, é totalmente indiferente/irrelevante considerando que a velocidade máxima no local era, como alega agora o insurgente, de 80KM/h.

E, bem vistas as coisas, a velocidade de cerca de 86Km/h já está plasmada no ponto 49 dos factos provados quando aqui a ela se faz referência por reporte à perícia de reconstituição do acidente.

No atinente aos factos não provados que se querem provasdos.

A velocidade máxima permitida no local é essencial para se apurar se a velocidade imprimida ao TA excedia, desde logo em termos absolutos – e não abordando agora se também o seria, mesmo que quedasse abaixo da máxima permitida, em termos relativos, ou seja,  mesmo assim fosse inapropriada para as concretas circunstancias daquele local da estrada -  a fixada para aquele troço da estrada.

Porém, o autor, mal, não invocou na pi este facto, violando aqueles princípios do dispositivo e da substanciação.

Mas este é um facto que resultou da  discussão da causa e que se mostra essencial para a boa  composição do litígio, ou seja, para a realização da justiça material deste caso concreto, fito  primeiro e último da atividade jurisdicional.

Assim, este tribunal ad quem, ao abrigo do artº 662º nº 1 do CPC pode suprir a deficiência alegatória da parte.

Resta saber se ele está provado.

E está.

Os elementos documentais invocados pelo recorrente assim o inculcam.

Importa, pois, dá-lo como provado e considerá-lo oportunamente.

Os restantes factos não podem ser dados como provados.

Quer porque não foram alegados, quer porque meramente circunstanciais sem relevância bastante – p. ex. os 6, 7, 14 e 15 -, quer porque se assumem como asserções não factuais mas conclusivas – vg. os dos pontos 10 e 11 - , quer porque não são factos mas antes prova tendente à (não) prova de certos factos, como seja o da inexistência de gelo na via – os dos pontos 12 e 13.

Aliás, alguns dos factos ora pretendidos provar até se revelariam contraproducentes para a pretensão do autor.

É o caso do vertido no ponto 5.

Efetivamente, se cerca de duas horas antes do acidente em causa ocorreu outro acidente no local do mesmo ou muito próximo, é  admissível o entendimento de que tal se verificou porque algo, alheio à vontade dos condutores, menos normal/adequado/perigoso para a circulação, existia ou se verificava na zona, parecendo ser a existência de gelo e até de lenções de agua.

Por conseguinte, e na parcial procedência desta questão, há apenas que aditar aos factos provados o atinente à velocidade máxima permitida no local.

5.2.3.

Nesta conformidade, os factos provados a considerar são os seguintes, indo a negrito o ora aditado:

1. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do procedimento cautelar n.º 1124/16...., cuja Decisão final foi proferida a 06-5-2016 pelo Mm.º Juiz de ..., a qual foi integralmente confirmada pelo Acórdão proferido a 13-9-2016 no Tribunal da Relação ...; sendo que tais autos cautelares consubstanciam o apenso do presente processo.

2. Reproduz-se parte do segmento decisório respeitante à aludida Decisão cautelar proferida a 06-5-2016:

“1. Julgo a presente providência cautelar parcialmente procedente e, em consequência,

2. Condeno a 1.ª Requerida G..., Sa, a pagar ao Requerente AA, com efeitos desde 01 de Maio de 2016, a renda mensal de €530,00 (quinhentos e trinta euros), a título de renda mensal, a título de reparação provisória, até ao trânsito em julgado da sentença que for proferida na acção principal de que é dependente este procedimento.

3. Absolvo a 1.ª Requerida G..., Sa, do restante pedido.”.

3. A 30-12-2014, pelas 07 horas e 40 minutos, ao Km 132.809 da E.N. ... – ... - ..., ocorreu um acidente de viação entre o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula OL-..-.. e o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-TA.

4. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor da denominada “Participação de Acidente de Viação” junto na PI como documento n.º 1 (fls. 19 a 21).

5. O veículo com a matrícula OL-..-.. era conduzido pelo autor.

6. O veículo com a matrícula ..-..-TA era conduzido por JJ, o qual faleceu no local.

7. No veículo com a matrícula ..-..-TA seguiam como ocupantes:

a. NN (Companheira do condutor JJ),

b. OO (filho do condutor JJ),

c. PP (filho do condutor JJ), e

d. QQ (filha do condutor JJ, falecida no local).

8. O acidente de viação ocorreu na chamada «RR», quando o OL-..- .. circulava no sentido .../... e o ..-..-TA Circulava no sentido contrário.

9. Tal embate ocorreu quando, ao fazer a ligeira curva à esquerda imediatamente antes da dita «RR», o ..-..-TA entrou em despiste, perdendo o seu condutor o controlo do mesmo, indo embater na frente esquerda do OL-..-.., na hemifaixa de rodagem em que circulava o OL-..-...

10. A responsabilidade por acidentes de viação inerente ao veículo ..-..-TA encontrava-se transferida para a 1.ª ré G..., Sa, nos termos do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...00, a qual declinou assumir a responsabilidade pelo acima referido acidente (documentos n.ºs 2 e 3 juntos com a PI, a fls. 22 verso e 23, cujo teor aqui se considere integralmente reproduzido).

11. Do aludido documento n.º 3 junto com a PI consta que:

“Reportando-nos ao processo em assunto, vimos pelo presente responder informando V/Exa, que no decorrer da instrução do evento em apreço, se verificou, que a produção do mesmo, se deveu à causa única e exclusiva, da presença de gelo na via.

A criação de gelo neste troço de via, resulta da acumulação nas bermas, das águas provenientes da elevada precipitação que se fazia sentir, tendo essa mesma água, devido a escoamento inexistente, galgar e atravessar a via no sentido de seguir o seu curso natural.

Ora, tal situação não foi excepcional, sendo a acumulação de gelo naquele troço comum, quando as condições meteorológicas assim o predispunham.

No mesmo dia, algum tempo antes, outro acidente havia ocorrido por despiste, devido igualmente à acumulação de gelo, tendo a GNR se deslocado ao local para tomar conta dessa ocorrência. Ora, a responsabilidade pelo troço de estrada onde ocorreu o acidente, é das Estradas de Portugal, que deveriam ter colocado sinalização vertical de informação da presença de gelo na estrada, e a criação de escoadouros adequados no sentido de desviar o curso de água que atravessa a via. Obras essas que foram realizadas após o acidente. En face do exposto e atendendo que o condutor do nosso veiculo seguro, nada fez que pudesse potenciar a ocorrência do acidente (nomeadamente circular em velocidade excessiva, realizar uma ultrapassagem ou qualquer outra manobra que pudesse colocar em perigo os demais utentes da via), entende a G..., Sa que a responsabilidade pelo sinistro pertence exclusivamente à concessionária Estradas de Portugal por não ter realizado na via, as obras necessárias para que a formação de gelo não ocorresse”.

12. No local/hora referidos em 1.º, o condutor do ..-..-TA terá perdido o controlo do veículo, tendo então rodopiado várias vezes, após o que invadiu a hemifaixa de rodagem contrária onde circulava o OL-..-...

13. Então, o veículo ..-..-TA foi embater com a sua lateral esquerda (pilar central entre as portas) na frente do veículo OL-..-...

14. O embate deu-se integralmente no interior da hemifaixa de rodagem onde circulava o veículo OL-..-...

15. No dia/hora do acidente o tempo estava bom mas na hemifaixa de rodagem em que circulava o TA existia gelo no piso.

16. No momento do acidente, os pneus traseiros do ..-..-TA encontravam-se no seguinte estado:

a. Pneu traseiro esquerdo: Ressequido, com 1,8mm de relevo e parte interior lisa;

b. Pneu traseiro direito: mau estado, com uma “batata”, e com relevo de 3,2mm.

17. Antes da colisão o veículo ..-..-TA circulava a velocidade superior a 80km/h.

17-A – A velocidade máxima permitida no local do acidente era de 80Km/h.

18. Após o acidente, o autor foi socorrido pelos bombeiros e pelo INEM.

19. Foi transportado para o serviço de urgências do Centro Hospitalar ... (CH...).

20. Do serviço de Urgências foi então transferido para o Serviço de Cirurgia ... – Centro Hospitalar ..., depois para o Serviço de Ortopedia ... e depois novamente para o Serviço de Cirurgia do mesmo CH...

21. Como consequência directa do embate acima exposto, foi diagnosticado ao autor politraumatismo com:

a. Traumatismo crâneo-encefálico,

b. Traumatismo Cervical;

c. Traumatismo Torácico com fractura do Esterno e do 5º e 7º arcos costais;

d. Fractura multiesquirolosa exposta (Grau III) da rótula direita;

e. Fractura do tornozelo direito - maléolo tibial interno;

f. Fractura complexa exposta do joelho esquerdo, atingindo a superfície articular do fémur supra e inter condiliana;

g. Fractura supra e intercondiliana exposta (Grau I) do fémur esquerdo;

h. Traumatismo do membro inferior esquerdo periarticular com múltiplas feridas;

i. Traumatismo da bacia (fractura basicervical);

j. Traumatismo anal;

k. Esfacelos dos membros inferiores;

l. Escoriações braço e mãos;

m. Contusão do mediastino anterior;

n. Contusão pulmonar;

o. Contusão cervical;

p. Derrame pleural bilateral.

22. A 30-12-2014, o autor foi submetido a intervenção cirúrgica maleolar à rótula direita em 30-12-2014.

23. A 15-01-2015, o autor foi submetido a cirurgia ao fémur esquerdo; sendo que foi-lhe concedia alta do CH... no dia 28-01-2015 (documentos n.ºs 5 a 7 da PI, a fls. 30 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

24. Após a alta clínica do CH... em 28-01-2015, o autor passou a ser seguido nos serviços clínicos do Hospital ..., onde foi acompanhado nas consultas de Ortopedia, Oftalmologia, Psiquiatria, Gastroenterologia e Cirurgia Geral até 20-08- 2015 (documentos n.ºs 8 a 21 da PI, a fls. 31 a 48 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

25. As lesões acima expostas impuseram ao autor os seguintes períodos de internamento: de 30-12-2014 a 28-01-2015 e entre o dia 28-01-2015 e o dia 18-03- 2015.

26. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do “Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível” datado de 13-10-2015 e elaborado pela Sra. Dra. SS (documento n.º 22, a fls. 49 verso a 52 verso).

Assim:

27. O autor manteve-se em situação de ITA – incapacidade temporária absoluta ao longo 78 dias.

28. Em situação de ITP – incapacidade temporária parcial ao longo de 173 dias.

29. Não obstante as intervenções cirúrgicas e tratamentos, o autor ficou com as seguintes sequelas funcionais e situacionais:

a. Ao nível funcional:

- Fenómenos dolorosos ao nível do hemitorax esquerdo, da anca, joelho esquerdo, tornozelo e dorso do pé direitos que agravam com esforços;

- Perturbações no exercício da prática sexual decorrente da impossibilidade de se ajoelhar/acocorar;

- Dificuldade em subir/descer escadas, rampas e ladeiras;

- Inchaço constante do tornozelo e pé direitos, com um edema que se agrava com a utilização dos membros inferiores;

- Dores nas articulações atingidas pelo sinistro que se agravam quando solicita em esforço as referidas articulações;

- Dores de cabeça, tonturas e diminuição da memória;

- Dificuldade de dormir sem medicação.

b. Ao nível situacional:

- Atos da vida diária: Dificuldade em sentar-se na sanita (por rigidez do joelho esquerdo), bem como em entrar e sair da banheira e de se vestir sozinho; impossibilidade de conduzir;

- Claudica do membro inferior esquerdo, que é mais curto, necessitando de auxiliares de marcha.

- Vida afectiva, social e familiar: Impossibilidade de andar de bicicleta e mota;

- Impossibilidade de fazer caminhadas e passear com familiares e amigos por dificuldade de marcha;

- Impossibilidade de levar a cabo tarefas de agricultura doméstica bem como bricolages e pequenas reparações que efectuava em casa e no restaurante;

- Vida profissional ou de formação: Impossibilidade de exercer a sua actividade profissional (comerciante com estabelecimento de café, minimercado e restaurante[onde era cozinheiro]) por dificuldade de marcha e impossibilidade de permanência em pé por períodos superiores a 10 metros.

30. Como consequência directa e necessária das lesões acima descritas decorrentes do acidente, o autor ficou portador das seguintes sequelas físicas/biológicas:

- Tórax: deformação saliente da região xifoideia (terço inferior da região esternal), com dor à palpação local;

- Membro superior direito: no dorso da mão, múltiplas cicatrizes lineares, de coloração nacarada e violácea, a maior das quais medindo 1cm de comprimento, estando mais concentradas a 3 níveis: no nível correspondente à base do s 2° e 3° metacárpicos e na zona correspondente às articulações metacarpofalângicas dos 2° e 3° dedos;

- Membro superior esquerdo: cicatriz nacarada linear, com vestígios de pontos, transversal, no cotovelo, medindo1 cm de comprimento;

- Membro inferior direito: Complexo cicatricial violáceo e retráctil na face antero interna do joelho, medindo 7cmx4cm, perifericamente ao qual se observam múltiplas cicatrizes nacaradas, dispersas por uma área de 13cmx9cm; cicatriz nacarada, de características operatórias, na face antero-lateral do joelho, curvilínea de abertura superior, medindo 20 centímetros de comprimento; complexo cicatricial nacarado e rosado, no terço médio da face anterior da perna, medindo 3cmx1.5cm; cicatriz de características operatórias na região maleolar medial, curvilínea de abertura anterior, medindo 5cm de comprimento, anteriormente à qual se observa cicatriz rosada e levemente retráctil, medindo 2cmx1cm de maiores eixos;

- Diminuição das mobilidades activas do joelho, apresentando flexão limitada a 80.° e extensão -10.º; diminuição das mobilidades activas da tibiotársica (tornozelo), com flexão dorsal (de 0 a 20.°) e plantar (de 0 a 10.°), com perímetro do tornozelo 2cm superior ao contralateral, realizando a marcha com dificuldade, e com apoio do pé direito em eversão.

- Membro inferior esquerdo: Cicatriz rosada, de características operatórias, longitudinal, no terço médio da face lateral da coxa, medindo 5cm de comprimento; cicatriz de idênticas características na face lateral do joelho, medindo 4cm de comprimento;

- Múltiplas cicatrizes nacaradas, dispersas pelo joelho e terço superior da face anterior da perna, numa área de 12cmx9cm de maiores eixos. Amiotrofia da coxa de 1cm;

- Encurtamento de 2cm relativamente ao contralateral;

- Diminuição das mobilidades activas do joelho, apresentando flexão limitada a 60.º e extensão -10.º.

- Alterações neuro-psiquiátricas enquadráveis num contexto pós traumático.

31. Para além das referidas sequelas, realizados os necessários exames complementares necessários à realização de perícia de avaliação de dano corporal, verifica-se que mesmo após a data da consolidação, o autor ficou a padecer das seguintes sequelas permanentes:

- Joelho Direito: Gonartrose, com estreitamento das entrelinhas articulares femorotibial  nterna e femoro-paielar e um aspecto espiculado das espinhas tibiais.

Alterações morfológicas e estruturais a nível da rótula em relação com fractura não  recente, bem coaptada e formação de calo ósseo de boa densidade e imagem de parafuso / Rigidez do joelho direito por síndromo femoro-patelar residual secundário a patelectomia parcial;

- Gonartrose pós traumática femoro-rotuliana em evolução;

- Tecidos moles envolventes da rótula: imagem de maior densidade sugestiva de calcificações ligamentares, assim como nos tecidos moles envolventes do condilo femoral externo e côndilo femoral interno.

- Joelho Esquerdo: Deformação do joelho esquerdo por gonartrose, também coestreitamento das entrelinhas articulares femoro-patelares em relação com fractura não recente, bem coaptada e formação de calo ósseo de boa densidade; presença de placa com parafusos, bem adaptada e sem intolerância à mesma / Rigidez do joelho esquerdo por consolidação viciosa de fractura articular supra e inter-condiliana com flessum marcado. Gonartose pós-traumática femoro-tibial em evolução;

- Articulação tibio-tarsica direita: Alterações morfológicas e estruturais a nível do maléolo tibial interno em relação com fractura não recente, bem coaptada e formação de calo ósseo de boa densidade. Presença de dois parafusos, bem posicionados e sem intolerância os mesmos.

- Artrose a nível da articulação tibio-társica.

- Esboço de esporões retro e sub-calcaneanos.

- Traumatismo anal-fissura-algias residuais e episódios hemorrágicos.

- Encurtamento do membro inferior esquerdo, à custa do fémur, de 28mm.

- Cicatrizes Múltiplas e lineares do dorso da mão direita, tendo a maior um centímetro de comprimento.

- Cicatrizes do cotovelo esquerdo Nacarada, linear, com vestígios de pontos, tendo um centímetro de comprimento.

- Cicatrizes do joelho direito, várias, sendo de destacar complexo cicatricial violáceo, retráctil, localizado à face antero-interna do joelho, com sete centímetros de comprimento por quatro centímetros de largura; cicatriz operatória da face anteroexterna do joelho, de concavidade superior, com vinte centímetros de comprimento.

- Cicatriz na perna direita - complexo cicatricial nacarado, localizado à face anterior do terço médio da perna, com três centímetros de comprimento por um centímetro e meio de largura.

- Cicatriz do maléolo interno direito - Duas cicatrizes sendo a maior de características operatórias com cinco centímetros de comprimento.

- Cicatrizes na coxa esquerda - Cicatriz operatória, localizada à face externa do terço médio da coxa, com cinco centímetros de comprimento.

- Cicatriz no joelho esquerdo - Várias cicatrizes sendo a maior localizada à face externa do joelho, com características operatórias e quatro centímetros de comprimento.

- Toracalgias residuais.

- Amiotrofia dos membros inferiores mais marcada na perna direita e na coxa esquerda.

- Alterações neuro-psiquiátricas enquadráveis num contexto pós traumático:

Apresenta manifestações psíquicas provocadas pela ocorrência súbita e imprevisível do sinistro de que foi vítima. Refere cefaleias frequentes, tonturas e desmemoriação.

Desenvolveu condutas de evitamento de todas as situações e pensamentos que evocam o trauma, que não o deixam dormir sem recurso a medicação, reexperiência penosa das circunstâncias em que ocorreu o tratamento com imobilizações complexas e restritivas da autonomia pessoal e alterações do padrão de comportamento pessoal e social. Chora muito sozinho. Desde o acidente nunca mais conseguiu cuidar das suas actividades agrícolas e bricolages caseiras devido às dores e às limitações graves de que ficou a padecer, situação que muito o atormenta e lhe causa profunda tristeza. Tem dificuldade em conduzir.

32. Em termos profissionais e em consequência das referidas sequelas, ficou o autor portador de IPATH - incapacidade permanente absoluta para o exercício da actividade profissional habitual, tudo conforme decorre do acima referido “Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível”, bem como do denominado “Parecer Médico” datado de 28-6-2016 e da autoria do Professor/Médico Ortopedista TT (documento n.º 23 junto com a PI, a fls. 53 a 59 verso).

33. De acordo com o teor dos documentos n.ºs 24 a 29 juntos com a PI (fls. 60 a 69, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido), em consequência do acidente em apreço, o autor sofreu os seguintes prejuízos:

a. Veículo ligeiro de mercadorias, marca ..., modelo ..., com a matrícula OL-..-.. com o valor de € 850,00.

b. Par de óculos de visão graduados, com o valor de € 500,00.

c. Relógio de pulso marca ..., com o valor de € 100,00.

d. Roupa (casaco, camisa, calças), com o valor de € 120,00.

e. Caixa Isotérmica p/ transporte de alimentos frescos, com o valor de € 70,00.

34. De acordo com o teor dos documentos n.ºs 30 a 38 juntos com a PI (fls. 70 a 76 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido), o autor incorreu nas seguintes despesas para adaptação da sua casa de habitação:

i. Canalização e electricidade para adaptação da casa de banho de habitação do sinistrado, no valor de € 194,02 + € 485,92 = € 679,94.

ii. Tintas para pintura após obras, no valor de €164,13.

iii. Materiais de construção para adaptação da casa de banho de habitação do sinistrado, no valor de € 1.011,27.

iv. Barras de apoio em inox, com o valor de € 106,52.

v. Rampa de acesso à habitação, em madeira, no valor de € 1.230,00.

35. De acordo com o teor dos documentos n.ºs 39 a 49 e a 79 juntos com a PI (fls. 77 a 82 verso e seguintes, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido), o autor incorreu em despesas médicas e medicamentosas: - Medicamentos com prescrição médica, perfazendo um total de € 499,01.

36. De acordo com o teor dos documentos n.ºs 50 a 56, 80 e 81 juntos com a PI (fls. 83, 85 a 87 verso, 101 verso e 102), o autor incorreu nas seguintes despesas complementares conexas:

a. Serviços de Táxi para deslocação a consultas e exames complementares de diagnóstico.

b. Exames complementares de diagnóstico.

c. Exame de avaliação de dano corporal no IML.

d. Certidão de acidente de viação (GNR).

e. Consulta de avaliação de dano corporal e exame.

f. Par de sapatos ortopédicos adaptados ao encurtamento do membro inferior.

37. À data do acidente o autor, como empresário em nome individual e coadjuvado pela Sra. sua mulher D.ª UU – desenvolvia a actividade profissional de gerente de um restaurante, café e mercearia, sito na Rua ... - ... - ....

38. O autor assumia funções de cozinheiro do referido restaurante, incumbindo-lhe também a realização das compras necessárias para o café, para o restaurante e para a mercearia.

39. Mensalmente o autor declarava ao Instituto da Segurança Social, Ip. o valor de € 628,84, tudo conforme consta dos documentos n.ºs 57 a 68 juntos com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido (fls. 88 a 93 verso).

40. O autor apresentou os seguintes resultados líquidos:

a. No ano de 2012, o resultado líquido de € 10.334,11 (documentos n.ºs 69 a 75, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido, a fls. 94 a 99).

b. No ano de 2013, o resultado líquido de € 14.017,81.

c. No ano de 2014, o resultado líquido de € 18.482,03.

d. No ano de 2015, o resultado líquido de € 35.744,76, cuja média mensal respeitante aos 12 meses que antecederam o acidente ascende a € 2.978,73 [€ 35.744,76 ÷ 12].

41. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do documento com a epígrafe “Parecer Psiquiátrico Médico-Legal – Reparação Civil do Dano Corporal PósTraumático” datado de 30-01-2018 e subscrito pelo Médico Psiquiatra Dr. VV (fls. 454 a 457).

42. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do documento com a epígrafe “Relatório de Avaliação Neuropsicológica” datado de 30-01-2018 e subscritos pelo Professor WW R. Simões e pelos Mestres em Psicologia XX e YY (fls. 457 verso a 465).

43. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do “Relatório da Perícia Médicolegal” datado de 12-3-2021 e elaborado pela Sra. Dra. Psicóloga Dr. ZZ (fls. 787 a 794 verso).

44. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do “Relatório da Perícia Médicolegal” – especialidade Psiquiatria datado de 26-3-2021 e do respectivo “Relatório Médico Complementar” datado de 09-8-2021, ambos elaborados pelo Sr. Dr. AAA (fls. 798 a 801 e 814 a 815, respectivamente).

45. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do “Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível” – Final - datado de 17-02-2022 e elaborado pelo Sr. Dr. BBB (fls. 908 verso a 912 verso).

46. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do documento junto a 24-02-2017 pela ré com a epígrafe “Relatório de Averiguação” elaborado por CCC e datado de 19-02-2015 (fls. 322 a 349, 350 verso a 371), salientando-se alguns excertos do mesmo documento:

“(…) Natureza do acidente:

Veículo A (seguro) entra em despiste devido à existência de gelo no pavimento, indo colidir com o veículo B (terceiro) que circulava em sentido oposto.

(…) 8. Parecer.

(…) O condutor do veículo A perde o controlo do veículo devido à existência de gelo na via. Este gelo não se encontrava assinalado aquando do acidente. (…)”.

47. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do ofício datado de 28-3-2017 assinado pelo Sr. Comandante do Destacamento de Trânsito de ... da GNR (fls. 374), do qual se destacam os seguintes excertos:

“(…) a) Relativamente ao local onde ocorreu acidente em epígrafe, entre as 00H00 e as 07H00, foi registado por este Comando um acidente de viação, que ocorreu às 05H40 com o número de registo ...4.

(…) c) Relativamente à informação da quantidade de acidentes registadas na EN ... km 132,800 ..., entre os meses de Outubro/2014 e Fevereiro/2015, informo que apenas foi registado o acidente número ...54/14 e o acidente (…) número 1155/14.

(…)”.

48. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do ofício datado de 1-04-2017 da Infraestruturas de Portugal, Sa. (fls. 375 a 377). Assim, de acordo com o teor da referida missiva, o TMDA (tráfego médio diário anual) no ano de 2014 e no que respeita ao sublanço compreendido entre ... e ... da EN ... ascendeu a 17.940 veículos.

49. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do “Relatório de Reconstituição de Acidente Rodoviário” datado de 03-11-2020 e elaborado pelo Sr. Eng.º BB (Dekra Portugal) (fls. 738 verso a 778 verso). Do referido relatório destacam-se os seguintes excertos:

“(…) Resumo das Conclusões:

1. O veículo TA tem uma velocidade de pré-impacto de 40 km/h +/- 5 km/h;

2. O veículo OL tem uma velocidade de pré-impacto de 40 km/h +/- 5 km/h, assumida como constante, pela ausência de travagens ou derrapagens na trajetória anterior do impacto;

(…)

5. Para a trajectória de despiste descrita pelo veículo TA, assumimos que a sua circulação, após entrada na zona de acumulação de água/gelo, terá sido de sobreviragem sobre a via contrária, tendo posteriormente invertido a direção, após contacto com o asfalto, resultando assim na sobreviragem no sentido contrário momento em que é embatido sobre a lateral esquerda pela frente do veículo OL;

6. Para o veículo TA, e tratando-se de 2 momentos de desaceleração com coeficientes de atrito distinto, e não existindo registo métrico de cada uma das fases, asusminos que na fase de arrastamento lateral na via (asfalto) foram percorridos 35 metros e os restantes 53 metros percorridos sobre a zona de acumulação de água/gelo, naturalmente com um coeficiente de atrito bastante reduzido. A associação das distâncias tem por base a reprodução do croqui à escala e confrontação com as imagens e vestígios do dia do acidente;

7. Assim, a velocidade de circulação determinada para o veículo TA é de 86,3 km/h +/- 5 km/h;

(…)

14. No presente estudo, foram ainda consultados os serviços do IPMA para confirmação das condições climatéricas do local do sinistro, à data e hora da ocorrência, tendo sido verificada existiram as condições necessárias para formação de gelo e que a temperature do ar, junto ao solo, registava cerca de – 3º C (graus negativos). Esta situação aliada às imagens do local do acidente, onde se verifica, em momentos posteriors ao acidente, a limpeza da via, mais concretamente com a remoção da superfície gelada que se verificou na via de circulação do veículo TA. A zona de acumulação de água tinha origem na berma direita, atento ao sentido do veículo TA, facto que, com as condições climatéricas que se verificaram na altura do sinistro, resultaram na formação de gelo na via.

(…)

8. Conclusões finais

Do estudo elaborado que envolveu diferentes fases e do qual se obteve as conclusões atrás mencionadas, permite fazer abordagem às causas do acidente. O conductor do veículo TA, ao circular no sentido descendente de ...-..., não se terá apercebido da presença de uma zona de perigo por acumulação de água/gelo, não tendo sido realizada a devida adequação da velocidade às condições da via, acabando o veículo por entrar em trajetória de despiste (sobreviragem) sobre a via contrária. No decurso da referida manobra e ainda em situação de sobreviragem (despiste em arrastamento lateral) na via contrária, o veículo TA terá sido embatido na lateral esquerda pela frente do veículo OL, que seguia no sentido oposto ...-....

Assim e com base nas diligências realizadas no presente estudo, em nosso parecer técnico, a formação/acumulação de gelo e água de forma localizada na via, sem a devida sinalização de perigo, aliado à velocidade do veículo TA e ao estado de conservação dos pneus, terão sido os fatores potenciadores para o desenrolar do acidente nos moldes verificados.

 (…)”.

5.3.

Terceira questão.

5.3.1.

O Julgador decidiu a causa, de jure, nos seguintes termos:

«A responsabilidade extra contratual assenta nos seguintes pressupostos: o facto ou acto humano voluntário, por acção ou omissão; a ilicitude ou antijuridicidade do mesmo; a imputação do facto ao lesante ou agente, ou seja a sua culpa; a ocorrência de um dano ou lesão; o nexo de causalidade entre o facto e o dano (artigo 483.º e seguintes do Código Civil).

Resultou provado que a causa primeira e determinante do acidente ocorrido no dia 30- 12-2014 foi a existência de gelo na faixa da Estrada Nacional n.º ... em que circulava o veículo com a matrícula ..-..-TA; sendo que tal gelo levou a que o mesmo veículo entrasse em despiste.

Ora, nestes termos, ao condutor do veículo ..-..-TA – JJ -, não pode ser assacado acto ou omissão, o qual, por sua vez, tivesse possibilitado a ocorrência do acidente em apreço.

Face a tal inexistência de nexo entre o desempenho do veículo ..-..-TA e o evento danoso, impõe se absolver na íntegra a ré de tudo o que é peticionado pelo autor.»

(sublinhado nosso).

Sdr não se acompanha esta interpretação.

Como é consabido, constitui jurisprudência pacífica do nosso mais Alto Tribunal que:

 «O artigo 563º do C.Civil consagrou a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa de Enneccerus-Lehman, nos termos da qual a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias.

Esta doutrina …deve interpretar-se de forma mais ampla, com o significado de que não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o resultado».

«O artigo 563 do Código Civil consagra a doutrina da causalidade adequada na sua formulação negativa, que não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que admite:

-- não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não;

-- como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano.

Na concepção mais criteriosa da doutrina da causalidade adequada, para os casos em que a obrigação de indemnização procede de facto ilícito culposo, quer se trate de responsabilidade extracontratual, quer contratual - a «formulação negativa», acolhida no artigo 563.º do Código Civil segundo a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça - o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do mesmo, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto»- Cfr, entre outros, os Acs. do STJ de 20.10.2005, de  07.04.2005 e de 29.06.04, ps.05B2286, 03B4474 e 05B294,  in dgsi.pt

«…do conceito de causalidade adequada pode extrair-se, desde logo, como corolário, que para que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano. Essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano. - A. Varela, in Das Obrigações em Geral”, 10.ª ed, I, 893, 899, 890/1, cit. In Ac. do STJ de 13-03-2008, dgsi.pt, p. 08A369.

(negrito e sublinhado nosso).

Ora  perante os factos provados, conclui-se que a atuação do infeliz condutor do TA se assume, desde logo em tese, ilícita.

Pois que imprimia ao veículo uma velocidade superior à legalmente permitida no local do embate, circulando assim com excesso de velocidade absoluta.

E, inclusive, é defensável o entendimento que circulava com excesso de velocidade em termos relativos –artº 24º nº1 do CE.

Pois que circulava com o veículo a uma velocidade desadequada para as circunstancias   do momento, já que estava uma temperatura negativa de cerca de três graus, o que, atenta a hora matutina – cerca das sete da manhã -,  permitia, ou poderia permitir, a formação de geada ou gelo na via, obviamente perigosa e potenciadora de acidentes, máxime se houvesse necessidade de travagens fortes.

Assim sendo, cautelas crescidas, vg. quanto à velocidade e quanto a uma maior atenção no ato da condução, eram-lhe exigidas.

 Ademais, usava no veículo pneus sem as caraterísticas/qualidades no atinente ao seu estado, porque ressequidos, e, acima de tudo, porque com profundidade no piso inferior à mínima legalmente permitida, de 1,6mm como exigido pelo D. Reg. 7/98 de 6 de maio, já que a metade interna do pneu traseiro do lado esquerdo  estava lisa.

E nem se diga que tal facto é inócuo, pois que no gelo a (in)eficácia dos pneus, quer em bom, quer em mau estado, é a mesma.

É que, no caso vertente, o TA, depois de derrapar no gelo, rodopiou várias vezes, o que clama a conclusão que ele circulou largos metros, tanto em piso gelado como fora dele – circulou cerca de 35 metros  em asfalto e 53 em água/gelo –  ponto 6 do Relatório do facto provado  49.

 Pelo que pode admitir-se a possibilidade de, ao menos no piso sem gelo ou menos gelado daqueles 35 metros, a travagem teria sido mais eficaz se os pneus estivessem todos no bom estado legalmente exigível.

  E, assim, o embate poderia ter sido evitado, ou, ao menos, poderia ter-se verificado com menos intensidade,  por a velocidade, no seu exato momento, ser já mais reduzida.

O que, a verificar-se, logicamente implicaria  efeitos menos nefastos do que aqueles que se verificaram.

Pelo que, reitera-se, era exigível ao condutor do TA que moderasse e adaptasse a velocidade às condições meteorológicas e às condições físicas da via em que circulava e, bem assim, tivesse colocados no veículo pneus sem os defeitos detetados.

Esta atuação ilícita deve ser tida, desde logo, ab initio e  ipso facto, como causa adequada do sinistro em abstrato.

Mas, em concreto, e perante a experiência da vida e a realidade das coisas, também assim deve ser taxada.

Resta apurar se ela deve ser considerada causa única do acidente ou outras causas poderão com ela concorrer.

Propugnamos neste último sentido.

Efetivamente,  existia gelo no local do embate, ao que parece numa extensão e consistência superiores a outros pontos da via naquela zona.

Tanto assim que poucas  horas antes outro acidente ocorreu no local do  presente sinistro ou  próximo do mesmo.

Por conseguinte, temos por melhor o entendimento de que não fora  também tal existência de gelo, ou até  toalha de água – a qual provoca o denominado aquaplaning que, tal como o gelo, impede a eficácia da travagem e causa o deslizamento e descontrolo dos veículos - ,  situação esta que, de algum modo, se apresentava incomum e inopinada, o sinistro poderia não ter ocorrido, ou não ter ocorrido com as consequências tão graves como as que se verificaram.

 Pois que qualquer travagem sem a existência de gelo é, consabidamente, mais eficiente, desde logo porque  realizada numa menor distância e, normalmente, sem «guinadelas» ou deambulações laterais e com uma circulação mais previsível e linear.

Tudo visto e ponderado julgamos adequado fixar a contribuição de cada uma das causas – a imputável ao condutor do TA e a  não imputável: existência de gelo na estrada -  para o acidente, em metade para cada uma.

Assim sendo, a responsabilidade da seguradora, no âmbito do contrato de seguro, fica reduzida a metade.

5.3.2.

Resta fixar o quantum indemnizatório.

5.3.2.1.

O autor impetra:

i) - a título de danos patrimoniais, a quantia de € 40.200,93.

ii) - a título de danos morais e do dano corporal, da quantia de € 377.847,80.

iii) - a título de compensação pela adaptação de veículo automóvel, € 2.529,92.

Nos termos do artº 3º da Portaria 377/ 2008, de 26 de Maio, que não se impõe inelutavelmente nos seus critérios indemnizatórios ao julgador, mas que deve ser, liminar e referencialmente, considerada:

«São indemnizáveis ao lesado, em caso de outro tipo de dano corporal:

a) Os danos patrimoniais futuros nas situações de incapacidade permanente absoluta, ou de incapacidade para a profissão habitual, ainda que possa haver reconversão profissional;

b) O dano pela ofensa à integridade física e psíquica (dano biológico), de que resulte ou não perda da capacidade de ganho, determinado segundo a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil;

c) As perdas salariais decorrentes de incapacidade temporária havida entre a data do acidente e a data da fixação da incapacidade;

d) As despesas comprovadamente suportadas pelo lesado em consequência das lesões sofridas no acidente.»

São ainda indemnizáveis os danos não patrimoniais, os designados naquele diploma, «danos morais complementares» - artº 4º.

Temos assim que ao lesado assiste jus a ser indemnizado por danos patrimoniais e a ser compensado por danos não patrimoniais.

O designado dano biológico, ou dano corporal, não constitui, perante aquela dicotomia, um tertium genus, antes em qualquer das suas vertentes se podendo inserir – cfr. entre outros, o Ac. do STJ de STJ de 17.01.2023, p. 5986/18.6T8LRS, in dgsi.pt.

5.3.2.2.

No atinente às despesas havidas por decorrência do acidente.

Provaram-se as discriminadas nos pontos 33 a 36 dos factos provados, dos quais decorre que as mesmas ascendem ao montante global de 7.491,63 – sete mil quatrocentos e noventa e um euros e 63/100.

Ao autor assiste jus a tais despesas, mas a responsabilidade da ré nestas, como nas demais, tem de ser reduzida à sua metade.

5.3.2.3.

Quanto às perdas salariais decorrentes de incapacidade temporária.

Para apreciação dos restantes pedidos indemnizatórios, urge, desde logo,  apurar  o valor dos rendimentos mensais  do autor.

Nos termos do nº2 do artº 6º da aludida Portaria:

 2 — Para efeitos de apuramento do rendimento mensal da vítima, são considerados os rendimentos líquidos auferidos à data do acidente fiscalmente comprovados

Provou-se:

39. Mensalmente o autor declarava ao Instituto da Segurança Social, Ip. o valor de € 628,84

a. No ano de 2012, o resultado líquido de € 10.334,11 (documentos n.ºs 69 a 75, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido, a fls. 94 a 99).

b. No ano de 2013, o resultado líquido de € 14.017,81.

c. No ano de 2014, o resultado líquido de € 18.482,03.

d. No ano de 2015, o resultado líquido de € 35.744,76.

Temos assim que, versus o defendido pelo autor, o valor a considerar não é o resultado líquido do ano de 2015, mas antes o de 2014.

Aliás, não se compreende  e alcança – a não ser na admissão de uma possibilidade não abonatória para o autor -  nem  ele justifica, que nos anos anteriores tenha tido resultados que, em média, atingiram cerca de 14 mil euros, e que em 2015, no ano seguinte ao acidente,  já incapacitado,  tal resultado mais que tenha duplicado.

Destarte, tem de concluir-se que o rendimento mensal do autor rondava os 1.540,00 euros mensais a que corresponde o valor diário de 50,635 euros – 18.482,00 euros/365.

O autor teve um período de repercussão temporária da atividade profissional total, antes designada incapacidade temporária total, de 251 dias – cfr. perícia médica de fls. 50 e segs.

Assim, a título de lucros cessantes  pelas perdas salariais da atividade profissional, deixou de auferir o montante de  12.709,53 euros – doze mil setecentos e nove euros e 53/100  -50,635 eurosx251 dias.

5.3.2.4.

Dos danos patrimoniais futuros.

Estatui ainda o artº 564º nº 2 do CC: «na fixação da indemnização, pode o tribunal atender aos danos futuros desde que sejam previsíveis; se não forem  determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior».

Para que seja  possível a condenação em indemnização por danos futuros não é imposta uma certeza absoluta quanto à sua ocorrência, mas também  não basta a prova da sua vaga, genérica ou hipotética eventualidade, antes sendo necessário, mas outrossim suficiente, que haja uma segura e adequada previsiblidade  da verificação dos mesmos.

Os danos futuros a que este segmento normativo se reporta, tanto podem ser danos emergentes como lucros cessantes.

Sendo que um dos casos mais frequentes em que o tribunal tem de atender aos danos futuros é aquele em que o lesado, em consequência do facto lesivo, perde ou vê diminuída a sua capacidade laboral – cfr. Pires de Lima e Antunes Varela,, CC Anotado, 1º, 2ª ed. p.504.

O cálculo de danos futuros é operação difícil, sendo extremamente delicado fixar com justeza a correspondente indemnização.

Na verdade:  «o cálculo do valor deste tipo de danos se reveste sempre de alguma incerteza, deverá o tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por apurados, em conformidade com o disposto no nº 3 do art. 566º C.Civil.

A equidade, como justiça do caso concreto, implica uma ponderação criteriosa das realidades da vida, no quadro de juízos de verosimilhança e probabilidade, tendo em conta a justa medida das coisas e as circunstâncias do caso.» -  Ac. STJ de 16/9/2008, dgsi.pt, proc. 08B939.

Isto porque obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não fosse a lesão, o que implica uma previsão pouco segura sobre danos verificáveis no futuro.

Mas a ideia geral que importa reter é que, se por um lado, o montante indemnizatório relativo a danos futuros deve ser fixado por forma a que não seja de tal modo escasso que torne a reparação meramente simbólica,  por outro lado, ele não  deve ser tão elevado que possa encarar-se como um autêntico enriquecimento sem causa do lesado.

Para efetivar este desiderato constituem doutrina e jurisprudência pacíficas que devem ter-se em consideração não apenas instrumentos regidos por critérios matemático-formais, tal como fórmulas e tabelas financeiras  - vg. as usadas no foro laboral, ou disponibilizadas pela Portaria 377/2008, de 26-05, alterada pela Portaria nº 679/2009  de 25.06 – mas antes, acima de tudo e determinantemente, importando apelar para critérios de equidade.

 Pois que estes critérios são a única forma de encarar e ultrapassar as dificuldades decorrentes da inelutável imprevisibilidade, incerteza, ou carácter aleatório de alguns fatores a advirem no futuro, e, sobretudo, para atender às especificidades do caso.

Encerrando destarte as tabelas financeiras mero valor auxiliar e devendo os resultados assim obtidos ser equitativamente corrigidos se o julgador os considerar desajustados ao caso concreto.

Efectivamente «as referidas fórmulas não se conformam com a própria realidade das coisas, avessa a operações matemáticas, certo que não é possível determinar o tempo de vida útil, a evolução dos rendimentos, da taxa de juro e do custo de vida… Assim, nesse caso, as mencionadas tabelas só podem ser utilizadas como meramente orientadoras e explicativas do juízo de equidade a que a lei se reporta.

Como se trata de dano futuro no âmbito de um longo período de previsão, a solução mais ajustada é a de conseguir a sua quantificação imediata, embora face à inerente dificuldade de cálculo, com ampla utilização de juízos de equidade.

A partir dos pertinentes elementos de facto, independentemente do seu desenvolvimento no quadro das referidas fórmulas de cariz instrumental, deve calcular-se o montante da indemnização em termos de equidade, no quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, tendo em conta o curso normal das coisas e as particulares circunstâncias do caso» - Ac. do STJ de 15.05.08,  08B1343;  cfr. ainda,  cfr. Ac. do STJ de  s. 16.12.2010, p. 270/06.0TBLSD.P1.S; Ac. do STJ de 03.02.2011, p. 605/05.3TBVVD.G1.S1.; Ac. Do STJ de Ac. STJ 14.03.2023, p. 4452/13.0TBVLG.P1.S1, todos in   dgsi.pt,p. 

E o mesmo se diga no atinente aos valores referidos na Portaria, os quais apenas se impõem para efeito de apresentação por parte das empresas de seguros de proposta razoável para indemnização aos lesados por acidente de viação, pois que se expende no seu preambulo: «(…) importa frisar que o objectivo da portaria não é a fixação definitiva de valores indemnizatórios, mas (…) o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis…

E sendo certo que no seu artº 1º nº 2 se estatui: «As disposições da presente portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos, nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos».

Destarte: «Com este mecanismo legal visou-se moralizar a relação dos lesados por acidente de viação com as companhias de seguros responsáveis pelos danos que sofreram, de modo a evitar que estas, valendo-se da sua suposta posição dominante, se aproveitassem da normal maior fragilidade daqueles, apresentando-lhes propostas de acordo com valores muito inferiores aos da indemnização justa…

Por isso, aqueles valores, fora do referido âmbito, constituirão apenas uma referência, nada impedindo que os tribunais, usando os critérios previstos no Código Civil, fixem valores superiores, o que até constituirá a situação normal, tendo em vista que a aceitação da proposta de acordo da empresa seguradora por parte do lesado desonera este das desvantagens e incómodos que a via judicial comporta» - Ac. do STJ de 01.06.2011, p. 198/00.8GBCLD.L1.S1.

Assim e concretizando.

Entende-se comummente que na determinação do quantum indemnizatório que ele deve ascender ao capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinga no termo do período provável da sua vida –  cfr. entre outros, o Ac. do STJ de 06.10.2011, p. 733/06.8TBFAF.G1.S1,  dgsi.pt,

Para a consecutir tal concretização tem de atender-se, primordial e objetivamente,  aos rendimentos auferidos pela vítima, maxime o salário auferido, deduzidos os impostos e as contribuições para a segurança social, e ao seu tempo provável de vida activa, sendo que  não é possível ficcionar que, finda a vida profissional activa do lesado, desapareça, instantaneamente, a sua vida física, e com ela todas as suas necessidades, sendo, assim, ainda de considerar a respetiva esperança de vida - Ac. do STJ de 24.11.2009, p. 1877/05.9TVLSB.S1.

Ou, dito de outro modo: «Mantendo-se o dano fisiológico para alem da vida activa, é razoável que, num juízo de equidade sobre o dano patrimonial futuro, se apele à esperança média de vida que, nos homens, hoje, ronda os 78 anos» - Ac. do STJ de  19.04.2012, p. 3046/09.0TBFIG.S1.

Após determinação do capital, há que proceder a um “desconto”, “dedução” ou “acerto”.

Quer porque quem trabalha também consome, havendo despesas, como as de alimentação, que mesmo sem trabalho sempre seriam feitas.

 Quer devido  ao facto de o lesado perceber a indemnização por junto, podendo o capital a receber ser rentabilizado, produzindo juros, pois que se impõe, como se viu, que no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado.

 Sendo que na quantificação deste desconto a jurisprudência tem oscilado na consideração de uma redução entre os 10% e os 33% - Acs. do STJ de 07.07.2009 e de 04.02.2010, ps. 1145/05.6TAMAI.C1 e  307/05.0TAGMR.G1.S1.

Finalmente, importa que o valor obtido - dimanante da formulação de  tal juízo de equidade, ínsito numa margem de discricionariedade que ao julgador é consentida, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso, mas que, em primeira linha tem na sua génese elementos factuais objetivos -  «se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade» - Ac. do STJ de  05.11.2009, p. 381-2002.S1.

 Efetivamente, importa, tanto quanto possível, tentar respeitar e consecutir, a  desejada justiça comparativa ou relativa, para obviar a que situações idênticas não sejam decididas similarmente e que situações distintas o sejam  e não mereçam a necessária diferenciação equilibrada e proporcional aos seus específicos contornos.

Nesta ótica e apenas a título exemplificativo há a ponderar:

No Ac. do STJ de 16.02.2012, p. 1043/03.8TBMCN.P1.S1 para um lesado de  51 anos que auferia € 6.560/ano, tendo ficado 100% incapacitado para o  trabalho, fixou-se a quantia de € 100.000.    

No Ac.  do STJ de 19-09-2019,  nº  2706/17.6T8BRG.G1.S1, “ para um lesado de 45 anos  com um défice funcional permanente de 32 pontos, que o impede de exercer a sua profissão habitual  que  auferia um rendimento mensal ilíquido de € 900 fixou  de € 200 000,00.

No Ac. do STJ de 23-05-2019 p. 2476/16.5T8BRG.G1.S2 para  sinistrada 44 anos que ficou impedida de exercer a sua atividade profissional habitual mas não de exercer outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional  com retribuição mensal de € 1.706,20,  que ficou com um défice funcional de 26 pontos confirmou o montante de € 250.000,00 fixado pelo Tribunal da Relação.

No caso vertente.

O autor ficou com IPATH - incapacidade permanente absoluta para o exercício da atividade profissional habitual.

 Provou-se que ganhava, à data do acidente, como empresário em nome individual, cerca de 1.540 euros por mês, o que ascendia a cerca de 18.500 euros anuais.

No caso vertente, e uma vez que o autor é trabalhador independente, tem de ser o período de vida ativa, e não o período da esperança de vida, a ser considerado.

Pois que ele, após tal período ativo, já não retirará os rendimentos que auferia no ativo.

Quando muito receberá uma pensão, a qual, porém, será muito inferior aos rendimentos do ativo, já que concedida com base num valor declarado que não ultrapassa  o do  SMN.

Este rendimento do pós ativo não será ignorado, mas antes considerado, equitativamente, para majorar o valor liminarmente determinado, como infra se verá.

O autor tinha  mais de 58 anos à data do sinistro, sendo expectável/admissível que tivesse um período e vida ativa até aos 70 anos.

Assim, multiplicando tal montante de 18.500 euros  por 11 anos –  porque no  quase ano seguinte ao sinistro já foi indemnizado por perdas salariais -  obtém-se um valor  203.500 euros.

Retirando cerca de 1/4 daquele montante para as suas despesas pessoais e do seu agregado familiar, obtemos o valor de  152.625 euros.

E diminuindo-a de 1/5, atento ao facto de o autor receber o capital de uma só vez,  perfaz-se o montante de 122.100 euros.

 Na sequência do supra aludido, considerando ainda que é provável que ele tenha uma esperança de vida até aos 80 anos, e que no pós período de vida ativa, ainda poderá obter alguns proventos, quanto mais não seja os oriundos da pensão de reforma – porém certamente diminuta devido a que apenas declara, para efeitos fiscais, o seu ordenado que se aproxima da SMN -  julgamos razoável e adequado, em função de critérios équos, fixar a indemnização a este título em 140.000,00  - cento e quarenta mil - euros.

5.3.2.5.

Do  dano biológico.

Já se disse que o direito à indemnização e a correspetiva obrigação de indemnizar apenas podem ser perspetivados numa dupla vertente ressarcitória: a indemnização por danos patrimoniais e a compensação por danos não patrimoniais.

Pelo que todos os danos provados têm de ser integrados numa destas duas vertentes, por reporte à sua natureza de patrimoniais ou não patrimoniais, inexistindo um tertium genus.

 Na verdade, mesmo a recente noção de dano biológico, cuja relevância lhe foi atribuída pela Portaria 377/2008, posto que autonomamente indemnizável, se reconduz, por via de regra, a um dos referidos tipos de ressarcimento: patrimonial ou não patrimonial.

Efetivamente:

 «…a conceptualização do dano biológico não veio “tirar nem pôr” ao que, em termos práticos, já vinha sendo decidido pelos tribunais, quanto a indemnização pelos danos patrimoniais de carácter pessoal ou compensação pelos danos não patrimoniais.

Onde releva é na fundamentação para se chegar a tal indemnização, afastando as dúvidas que poderiam surgir perante a não diminuição efectiva de proventos …ou, em casos …em que o lesado já estava totalmente incapacitado para o trabalho antes do evento danoso ou até, no que respeita aos danos não patrimoniais, em que ficou definitivamente incapacitado para ter consciência e sofrer com a sua situação»- Ac. do STJ de 26.01.2012, dgsi.pt, p. 220/2001-7.S1.

«O dano biológico tem valoração autónoma em relação aos restantes danos, e casuisticamente o seu cariz poderá oscilar entre dano patrimonial ou dano moral, verificando-se se a lesão originou, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida, só por si, uma perda da capacidade de ganho, ou se se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual». Ac. do STJ de . 17.05.2011, p. 7449/05.0TBVFR.P1.S1

«O dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre , é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial» - Ac. do STJ de 06.12.2011, p. 52/06.0TBVNC.G1.S1  citando ainda os Acs. deste STJ de 11/11/10, p. 270/04.5TBOFR.C1.S1 e de 20/5/10,  P. 103/2002.L1.S1.

Na verdade, a génese da tutela do dano biológico ou corporal assenta na:

«…diminuição funcional e somático-psíquica relevante do lesado, com uma repercussão substancial na sua vida profissional e pessoal… pelas limitações funcionais relevantes e por sequelas psíquicas graves – visa compensar o lesado, para além da presumida perda de rendimentos associada ao grau de incapacidade …também da inerente perda de capacidades e competências, mesmo que essa perda não esteja imediata e totalmente reflectida ao nível do rendimento auferido.

O fundamento da compensação do dano biológico é…duplo: a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando uma patente redução de oportunidades geradoras de possíveis acréscimos patrimoniais futuros, irremissivelmente frustados pelo grau de incapacidade que definitivamente afecta o lesado; o acrescido grau de penosidade e esforço experimentado pelo lesado, no seu quotidiano, imposto pelas funcionais, graves e irreversíveis, de que é portador, consequentes à lesão física sofrida.» - Ac.da RC de 21.03.2013, p. 793/07.4TBAND.C1;  AC STJ de 21.01.2016, p 1021/11.3TBABT.E1.S1

Por outras palavras ou noutra nuance:

« A compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão pelo lesado traduzida em perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o afete mas,  inclui também a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as deficiências funcionais de maior ou menor gravidade que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.

A perda relevante de capacidades funcionais - mesmo que não ou não totalmente refletida no valor dos rendimentos obtidos pelos lesado nomeadamente por este se encontrar já reformado - constitui uma redução no trem de vida quotidiano com reflexos de indemnização em termos patrimoniais uma vez que a esperança de vida não confina à denominação de vida ativa com rebate exclusivo no exercício de uma profissão.» -  Ac. do STJ de  07.03.2023, p. 766/19.4T8PVZ.P1.S1; cfr. ainda, o  Ac. RC de 06.06.2017, p. 3930/06.2TBLRA.C1 e o Ac. do STJ de  01.03.2023, p. 10849/17.0T8SNT.L1.S1.

No caso sub judice.

Existe lastro factual mais do suficiente para atribuir jus ao autor a  este título.

Na verdade, as lesões do acidente foram para ele graves e as sua sequelas permanecerão ao longo da vida.

Tal ressuma inequivocamente dos factos provados nos  pontos 21 a 31.

Essencial e determinantemente, há a considerar, para além da incapacidade para a sua profissão, as seguintes sequelas:

-Tem fenómenos dolorosos ao nível do hemitorax esquerdo, da anca, joelho esquerdo, tornozelo e dorso do pé direitos  e articulações atingidas pelo sinistro que  se agravam com esforços;

- Inchaço constante do tornozelo e pé direitos,

- Dores de cabeça, tonturas e diminuição da memória;

- Impossibilidade de andar de bicicleta e mota;

- Impossibilidade de fazer caminhadas e passear com familiares e amigos por dificuldade de marcha;

- Impossibilidade de levar a cabo tarefas de agricultura doméstica bem como bricolages e pequenas reparações que efectuava em casa e no restaurante;

- Dificuldade em subir/descer escadas, rampas e ladeiras;

 - impossibilidade de permanência em pé por períodos superiores a 10 minutos

 - Perna esquerda mais curta em cerca de 2 cm, necessitando de auxiliares de marcha.

Finalmente, the last but not the least, passe o anglicismo, ou seja, por último mas não de somenos,  urge atentar que ao autor foi atribuída:

- uma IPP, seja, uma incapacidade permanente parcial para o exercício de tarefas em geral, de 53,14.

- um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 31 pontos.

- repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 5/7. – cfr.  perícias médicas de fls. 53  e segs, para as quais a sentença - aliás menos curialmente, em termos técnico jurídicos, pois que devia ter discriminado os concretos factos  relevantes na sentença -, remeteu.

No tangente à determinação do seu quantum.

O critério fulcral para a sua determinação é ainda, pelas razões indicadas para o dano futuro, o juízo équo.

E mais uma vez aqui importa atentar, em abono e defesa da também importante justiça relativa ou comparativa,  em outros valores indemnizatórios fixados na jurisprudência a este título.

Assim, p.ex:

 No Ac. do STJ  de 01.03.2023, p. 10849/17.0T8SNT.L1.S1. Para um « lesado de 43 anos à data do sinistro; havendo sofrido défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 15 em 100, sem impossibilidade do exercício da actividade profissional mas com esforços acrescidos no seu desempenho; passando a registar limitação nas tarefas profissionais que obrigam a permanência prolongada na posição de sentado (por exemplo, trabalho à secretária ou exercício da condução), com impossibilidade de realização de viagens de trabalho longas; auferindo no anterior emprego a remuneração no valor bruto de € 110 238,05, que passou agora, no seu novo emprego, para montante sensivelmente inferior; tendo ainda o autor perdido a oportunidade de manter uma carreira ao nível em que se encontrava ao tempo do acidente e de vir a desenvolvê-la em termos de valorização profissional, o que implica a passagem a um nível remuneratório inferior àquele de que poderia, noutras circunstâncias, beneficiar, é equilibrada e equitativa a fixação da indemnização de € 115 000,00 (cento e quinze mil euros) a título de dano biológico» - 

 No Ac. do STJ de 17.01.2023, p. 5986/18.6T8LRS.L1.S1 para uma  «lesada 23 anos na data do acidente e tendo ficado com uma IPG de 14,8 pontos, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional, mas sem qualquer repercussão/rebate, direto e proporcional, sobre a capacidade de ganho, considerou-se  equitativo fixar … a indemnização por tal biológico em € 50.000,00.

No  Ac. STJ de 09.05.2023, p. 7509/19.0T8PRT.P1.S1   para um lesado de 33 anos, auferindo € 1.714,00 mensais, que necessita de um esforço suplementar para o exercício da sua atividade profissional habitual e a quem foi fixado um défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 6 pontos, foi atribuída a indemnização de 80.000 euros.

 O caso vertente apresenta-se para o autor algo mais gravoso, nas suas consequências danosas e  nas suas sequelas,  do que os supra aludidos.

Mas, em contrapartida, o autor tinha, à data do sinistro, uma idade bastante superior aos lesados referidos nos arestos citados – 58 anos -  os quais, assim, ficaram mais prejudicados, pois que a sua afetação corporal se prolonga por muito mais tempo  e, assim, previsivelmente, tem potencialidade acrescida  para os incomodar física e psicologicamente e para os impedir de singrar na sua atividade profissional, até porque os mesmos tinham qualificações técnico cientificas que o demandante não possui.

Tudo visto e ponderado, julga-se razoável ou, ao menos, ínsito em parâmetros admissíveis, o valor de 75.000,00  - setenta e cinco mil - euros para indemnizar o autor pelo dano biológico.

5.3.2.6.

Finalmente o dano não patrimonial.

Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito artº 496º nº1 do CC.

O dano não patrimonial não se reconduz a uma única figura, tendo vários componentes e assumindo variados modos de expressão, abrangendo o chamado quantum doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária; o “dano estético”, que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica); o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem-estar e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima; o pretium juventutis, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida – cfr. Ac. do STJ de 18.06.2009, dgsi.pt, p. 1632/01.5SILSB.S1.

Ademais, indemnização por danos não patrimoniais reveste uma natureza acentuadamente mista.

 Por um lado, visa mais do que indemnizar, reparar os danos sofridos pela pessoa lesada; pretende-se proporcionar ao lesado uma compensação ou benefício de ordem material - a única possível -, que lhe permite obter prazeres ou distrações - porventura de ordem puramente espiritual - que, de algum modo, atenuem o desgosto sofrido: não consiste num pretium doloris, mas antes numa compensatio doloris.

Por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.

Resta sempre difícil apurar, com rigor, a adequação do montante compensatório dos danos não patrimoniais, de sorte a que com o mesmo se possam minorar as afetações negativas sofridas, operando-se, assim, com a maior aproximação possível, a justiça do caso concreto.

A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo, que tenha em conta o circunstancialismo de cada caso, e não por padrões subjetivos, resultantes de uma sensibilidade particular.

Devendo ainda considerar-se que a mais recente jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal vem reconhecendo que se torna necessário elevar o nível dos montantes dos danos morais, perante o condicionalismo económico do momento, e o maior valor que hoje se atribui à  integridade  psíquica e física e dignidade humanas, quids essências para uma almejada qualidade de vida.

 Pelo que hodiernamente se vislumbra sedimentada uma corrente jurisprudencial que visa afastar critérios miserabilistas de fixação desta espécie de danos, pautando-se por uma justa, naturalmente mais elevada, fixação dos montantes indemnizatórios.

 Certo é que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, e designadamente, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso  - arts. 496º, nº 4 e 494º do C.C.

Havendo aqui, naturalmente, que conviver e aceitar uma certa álea e relatividade das decisões judiciais, características que são inerentes a tais decisões como aliás a qualquer atividade  humana que não se estribe em premissas de cariz científico-natural ou matemático.  

E ,mais uma vez, importando perspetivar as diversas decisões prolatadas em casos similares para se tentar operar a fixação de valores idênticos, pois que tal contribui não só para a certeza e segurança do direito como, também, para a consecução da justiça material, quer na sua vertente absoluta, quer na vertente relativa ou comparativa.

Assim e neste particular atente-se em algumas decisões dos Tribunais Superiores.

- No Acordão deste Tribunal da RC de 24.04.2012, proferido no p. nº 124/08.6TBCTB em que o presente também  foi relatorpara compensar, a título de danos não patrimoniais, o lesado de 43 anos que, nuclearmente, foi submetido a duas operações à perna e braço esquerdos, ficou internado durante 15 dias, necessitou durante um ano da ajuda e auxilio de terceiros para as tarefas do seu dia a dia, ficou com sequelas a nível da mobilidade do punho esquerdo e dificuldade na marcha,  com um dano estético de grau 4 numa escala de 1 a 7,  com uma incapacidade parcial permanente de 26 pontos,  ficou incapacitado de  forma permanente e absoluta para qualquer profissão que implique esforços com a perna esquerda e sofreu um quantum doloris de grau 5 numa escala de 1 a 7, julgou-se adequado o quantum de 30.000 euros.

No Acordão deste Tribunal da RC de 2012.06.12, proferido no p. nº1104/11.0T2AVR.C1 e em que o presente também  foi relator,   para compensar o lesado, que foi submetido a três intervenções cirúrgicas, foi-lhe colocada prótese com sucessivas rejeições e inflamações no olho, obrigando à sua mudança, sofreu fortes dores físicas, sendo ele  agora uma pessoa muito mais triste, envergonhada, sentindo-se amargurado, vexado, humilhado, diminuído e com medo de que algo lhe aconteça ao outro olho e que um dos lesantes o escarnece e provoca o que lhe provoca ainda intranquilidade e medo de voltar a ser agredido, arbitrou-se a quantia de  25 mil euros.

No recente Ac. do STJ de 06.06.2013, p. 9934/17.2T8SNT.L1.S1 teve-se por adequada a indemnização de € 50.00,00 por danos não patrimoniais  a lesada, na casa dos trinta anos,  cujas lesões se consolidaram ao fim de um ano, ficando com quatro cicatrizes; com sofrimento físico e psíquico entre o acidente e a consolidação mensurado como de grau 5 numa escala de 7, cujo défice funciona permanente físico foi fixado em 12 pontos, repercutindo-se as sequelas nas atividades de lazer e convívio social que exercia de forma regular em grau 3 de uma escala de 7 graus de gravidade crescente, com dano estético permanente de grau 3 numa escala de 7, sendo previsível o agravamento da artrose pós-traumática do tornozelo..

No caso decidindo relevam, nuclearmente, os seguintes factos:

- sofreu Traumatismo crâneo-encefálico;  b. Traumatismo Cervical; c. Traumatismo Torácico com fractura do Esterno e do 5º e 7º arcos costais; d. Fractura multiesquirolosa exposta (Grau III) da rótula direita; e. Fractura do tornozelo direito - maléolo tibial interno; f. Fractura complexa exposta do joelho esquerdo, atingindo a superfície articular do fémur supra e inter condiliana; g. Fractura supra e intercondiliana exposta (Grau I) do fémur esquerdo; h. Traumatismo do membro inferior esquerdo periarticular com múltiplas feridas; i. Traumatismo da bacia (fractura basicervical); j. Traumatismo anal; k. Esfacelos dos membros inferiores; l. Escoriações braço e mãos; m. Contusão do mediastino anterior; n. Contusão pulmonar; o. Contusão cervical; p. Derrame pleural bilateral.

- A 30-12-2014, o autor foi submetido a intervenção cirúrgica maleolar à rótula direita.

- A 15-01-2015, foi submetido a cirurgia ao fémur esquerdo.

- Após a alta clínica do CH... em 28-01-2015, foi acompanhado nas consultas de Ortopedia, Oftalmologia, Psiquiatria, Gastroenterologia e Cirurgia Geral até 20-08- 2015-

- As lesões impuseram ao autor os seguintes períodos de internamento: de 30-12-2014 a 28-01-2015 e entre o dia 28-01-2015 e o dia 18-03- 2015.

 - ficou  com Fenómenos dolorosos ao nível do hemitorax esquerdo, da anca, joelho esquerdo, tornozelo e dorso do pé direitos que agravam com esforços;

- Perturbações no exercício da prática sexual decorrente da impossibilidade de se ajoelhar/acocorar;

- Dificuldade em subir/descer escadas, rampas e ladeiras;

-Dificuldade em sentar-se na sanita (por rigidez do joelho esquerdo), bem como em entrar e sair da banheira e de se vestir sozinho; impossibilidade de conduzir;

- Claudica do membro inferior esquerdo, que é mais curto, necessitando de auxiliares de marcha.

- Impossibilidade de andar de bicicleta e mota;

- Impossibilidade de fazer caminhadas e passear com familiares e amigos por dificuldade de marcha;

- Múltiplas cicatrizes nacaradas, dispersas pelo joelho e terço superior da face anterior da perna, numa área de 12cmx9cm de maiores eixos.

- Dificuldade de dormir sem medicação.

- Alterações neuro-psiquiátricas enquadráveis num contexto pós traumático.

 - Quantum doloris fixável no grau 6/7.

- Repercussão permanente na atividade sexual fixável no grau 4/7.

É pois patente que as lesões, sequelas e sua afetações negativas na pessoa do autor são  nitidamente graves, na mais ampla perspetiva e dimensão, máxime no que respeita às dimensões do quantum doloris,  do dano estético e do prejuízo de afirmação social.

Mais uma vez, o que diferencia, em desfavor do autor, o presente caso daqueloutros  decididos nos arestos supra referidos é a sua  mais avançada idade, em função da qual as vertentes do  prejuízo da “saúde geral e da longevidade” e do o «pretium juventutis» não  são tão intensa e/ou prolongadamente afetadas.

Tudo visto e sagazmente ponderado julga-se adequado, para consecutir, na medida do possível e com a álea que neste campo sempre tem de ser concedida, a justiça do caso e  a justiça comparativa, o valor de 45.000,00 – quarenta  e cinco mil  -  euros para compensar o autor das agruras que o  do sinistro lhe provocou nesta vertente não patrimonial.

Temos assim que ao autor assistiria jus à indemnização global de  280.201,16 duzentos e  oitenta mil, duzentos e um euros e 16/100.

Como a responsabilidade da ré seguradora ficou limitada a metade, ex vi da atribuição da culpa em tal medida ao seu segurado, o valor   pelo qual ela pode ser responsabilizada perante o autor queda-se precisamente em metade, ou seja, em  140.100,58 – cento e  quarenta  mil,  cem euros e 58/100.

Procede, em parte, o recurso.

(…)

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda julgar o recurso parcialmente procedente e, agora, condenar a ré a pagar ao autor a quantia  de 140.100,58 – cento e  quarenta mil, cem euros e 58/100, acrescida dos juros vencidos desde a data da citação,  - exceto sobre a  quantia de  sessenta mil euros  correspondente ao dano biológico e aos danos não patrimoniais porque esta verba está atualizada à data da sentença –, e dos vincendos, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.

Custas pelas partes na proporção da presente sucumbência.

 Coimbra, 2023.06.27.