Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
123/13.6TBFVN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DO IMPUGNANTE
PARECERES TÉCNICOS
PERITAGENS
AQUISIÇÃO DE ÁGUAS SUBTERRÂNEAS ATRAVÉS DE MINA
USUCAPIÃO
Data do Acordão: 10/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DE COMPT. GENÉRICA DE FIGUEIRÓ DOS VINHOS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 640º, NºS 1, ALS. A) A C), E 2, AL. A) DO NCPC. ARTS. 1395º, Nº 1 E 1390º, NºS 1 E 2, DO C.CIV.),
Sumário: i) Quando se impugna a matéria de facto tem de observar-se os ditames do art. 640º, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, designadamente: a especificação dos concretos meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida, quanto ao ponto de facto impugnado; e quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda (sendo facultativa a transcrição de excertos);

ii) A omissão desses ónus, impostos no referido artigo, implica no caso, a desconsideração da audição da gravação realizada quanto a várias testemunhas e declarantes de parte, e da apreciação de “registos fotográficos”, apresentados como meios probatórios do recurso da decisão da matéria de facto;

iii) As opiniões dos técnicos valem como meios de prova ou como pareceres, conforme são expressas em diligência judicial (respostas a quesitos formulados em arbitramento) ou por via extrajudicial;

iv) Pelo que não pode colocar-se no mesmo plano da eficácia probatória o parecer de um perito recolhido numa perícia e o parecer de um técnico obtido extrajudicialmente, isto porque o parecer técnico é verdadeiramente um documento testemunhal, estando-se em presença de um depoimento testemunhal, de uma pessoa que narra o que viu e observou;

v) De modo que, se de um lado temos uma perícia e noutro um depoimento testemunhal, devendo atender-se que o princípio da audiência contraditória falha no caso do parecer técnico extrajudicial, daí decorre a inferioridade da prova colhida extrajudicialmente, sem intervenção da parte contrária, pelo que os pareceres técnicos têm de ser colocados em plano inferior à perícia judicial, valendo apenas como depoimentos de testemunhas obtidos sem fiscalização da parte contrária;

vi) No nosso caso, tendo pareceres técnicos apresentados pelos AA, naturalmente a seu pedido, contra peritagens provenientes de pessoas indiscutivelmente imparciais, pois são peritos estaduais (provenientes da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra e do Instituto Superior de Agronomia), o respetivo balanceamento leva a dar preferência ao que decorre da perícia, que tem uma força probatória forte;

vii) Em caso de dúvida séria sobre a realidade de um facto, visto o confronto entre a perícia, com a sua força probatória especial e os 2 pareceres técnicos, meros depoimentos testemunhais, sempre a mesma se resolveria contra a parte a quem o facto aproveita, ou seja, na espécie, volve-se tal dúvida contra os AA, que tinham o ónus de prova dos factos a eles favoráveis (art. 414º do NCPC);     

viii) Podendo adquirir-se águas subterrâneas, através de mina, por via da usucapião (de harmonia com os arts. 1395º, nº 1 e 1390º, nº 1 e 2, do CC), quem o faça pode juntar à sua posse contínua a dos seus antecessores, através da acessão da posse, incluindo posse dos herdeiros de um dos antecessores, que venderam os prédios aos AA. (arts. 1255º e 1256º do CC).

Decisão Texto Integral:







I – Relatório

1. B... e B..., residentes em Figueiró dos Vinhos, propuseram ação contra A... e M... e J... e M..., todos residentes em ...., pedindo que os mesmos sejam condenados a:

a) Reconhecer que os autores são donos da água que brota e é captada, armazenada e condutada pela mina, que identificaram;

b) Entulharem totalmente o poço que abriram, a cerca de 3/4 metros, por forma a reporem a água nascida e captada que brota no subsolo, para que a água continue a ser captada e condutada através da mina para os prédios dos autores;

c) Removerem toda a terra e entulho que colocaram no interior da mina, por forma a que a água possa livremente escorrer e ser condutada pelo interior da mina, para os terrenos dos autores;

d) Indemnizarem os autores pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados, a liquidar em execução de sentença, bem como nos juros moratórios e, após trânsito, juros compulsórios;

e) Pagarem uma sanção compulsória de 50 € por cada acto de violação dos direitos e legítimos interesses dos autores.

Para tanto alegaram, em síntese, que: autores e réus são proprietários de prédios contíguos, que faziam parte da então chamada Quinta das ...; a cerca de 3 a 4 metros de profundidade, numa extensão de pelo menos 100 a 120 metros de comprimento, com cerca de 1,20 metros de altura e entre 50 a 80 cm de largura existe uma mina (onde se encontra um tubo) na qual é armazenada e condutada água, que se localiza no subsolo do prédio dos réus, escorrendo a água de norte para sul, pelo prédio dos réus até atingir o dos autores, sendo a boca da mina no prédio dos autores, local onde existe uma poça ou represa exterior que acumula e armazena a água proveniente da mina; a cerca de 15 a 20 metros para nascente existe, já há mais de 50 anos, uma “clarabóia”, com forma circular, com cerca de 1,5 metros de diâmetro e 3 a 4 metros de profundidade, por onde se procede à limpeza, manutenção e conservação da mina, para que a água possa ser condutada de nascente para poente; a água que provém da mina é utilizada pelos autores e seus antecessores para irrigar as culturas, fruteiras e abastecer a habitação, há mais de 100 a 200 anos consecutivos, à vista da generalidade das pessoas, sem oposição de ninguém, sem violência, com convicção de que lhes pertence; tendo realizado todas as obras necessárias à limpeza, manutenção e conservação, tanto no solo como as necessárias à captação e condutação; a cerca de 3 a 4 metros os réus abriram um poço que desvia e diminui a captação de água subterrânea e dos veios que sustentam a mina; na zona próxima da clarabóia, os réus introduziram quantidades de terra e saibro na mina, entulhando-a, entupindo-a e obstruindo-a, assim como ao tubo ali existente, impedindo a circulação da água para a represa, com a consequência de as culturas/fruteiras/vinha/olival não se desenvolverem, nem se produzirem, atenta a falta de água, em especial desde o período da Primavera até ao final do Outono; os autores tiveram de instalar um sistema de irrigação com custos de 1121,22 €; as culturas durante os anos de 2010, 2011 e 2012 não puderam ser irrigadas devidamente, tendo diminuído a produção; os autores ao verem as suas culturas definhadas e secas na sequência da privação da água, entraram em situação de verdadeira ansiedade, angústia, tristeza, andando psicologicamente abatidos, frustrados, desanimados, dem conseguir descansar.

Os réus contestaram, por impugnação, mais aduzindo, em suma, que: É falso que a água que provém da mina seja utilizada pelos autores e seus antecessores para irrigar as culturas, fruteiras e abastecer a habitação, há mais de 100 a 200 anos consecutivos, à vista da generalidade das pessoas, sem oposição de ninguém, sem violência, com convicção de que lhes pertence; inexiste qualquer “clarabóia”; os réus nunca violaram qualquer direito dos autores quanto à utilização da mina; os réus abriram um poço aquando da compra do terreno (1979) mas que dista a 300 metros da mina, não utilizando sequer a água desse poço, sendo certo que o mesmo não desvia ou capta a água da mina; os réus não obstruíram a mina com saibro nem retiraram o tubo da mina; a mina tem água, inclusive no Verão, devendo-se a diminuição de água ao facto de aquela não ser limpa; os autores têm mais dois furos de captação de água.

Mais deduziram reconvenção, pedindo a condenação dos autores numa indemnização no valor de 2500 €, que sofreram em consequência de aqueles terem colocado uma corrente num largo, de domínio público, dificultando o acesso ao seu terreno e gerando-lhes danos não patrimoniais. Por último, peticionaram a condenação dos autores como litigantes de má fé.

Os autores responderam, impugnaram a factualidade alegada pelos réus em sede de reconvenção, concluindo pela inadmissibilidade do pedido reconvencional, e responderam ao pedido de litigância de má fé, por seu turno tendo requerido a condenação dos réus como litigantes de má fé.

Os réus responderam ao pedido de litigância de má fé.

Foi realizada audiência prévia, aí tendo sido proferido despacho de não admissão da reconvenção.

*

A final foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu os RR de todos os pedidos formulados pelos AA.

*

Os AA recorreram, pedindo a anulação do julgamento para produção de prova pericial, necessária à justa composição do litígio.

Os RR contra-alegaram, pugnando pela manutenção do decidido.

Na Relação foi proferido acórdão que anulou o julgamento e ordenou a realização de perícia.

A perícia foi realizada, tendo o perito prestado os esclarecimentos requeridos pelos AA.

Os AA requereram perícia adicional, sobre um ponto determinado, o que foi deferido. Foi realizada a perícia adicional, tendo a perita prestado os esclarecimentos requeridos pelos AA e RR.

Os AA, entretanto, requereram a junção aos autos de um parecer técnico. 

Foi proferida nova sentença que julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu os RR de todos os pedidos formulados pelos AA.

2. Os AA recorreram, tendo formulado as seguintes conclusões:

...

3. Os RR contra-alegaram, concluindo que:

...

II – Factos Provados

...

Factos não provados:

            ...

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objetivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Alteração da matéria de facto.

- Titularidade do direito de propriedade sobre a água que provém da mina.

- Entulhamento do poço que os RR abriram, a cerca de 3/4 metros, por forma a reporem a água nascida e captada que brota no subsolo, para que a água continue a ser captada e condutada através da mina para os prédios dos AA.

- Removerem da terra e entulho que os RR colocaram no interior da mina, por forma a que a água possa livremente escorrer e ser condutada pelo interior da mina para os terrenos dos AA.

- Indemnização aos autores pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados, a liquidar em execução de sentença, bem como nos juros moratórios e, após trânsito, juros compulsórios.

- Pagamento de sanção compulsória de 50€ por cada acto de violação dos direitos e legítimos interesses dos AA.

- Custas da reconvenção.

2. Os AA impugnam a decisão da matéria de facto relativamente aos factos provados 10., 14. e 41. e os não provados 1) a 5), 7) e 10) a 15), com base nos depoimentos testemunhais de ..., declarações de parte, bem como em prova documental que indicam, na inspeção judicial, nas 2 perícias efetuadas, e respetivos esclarecimentos, e dois pareceres técnicos, sugerindo as respostas a dar, designadamente modificação em parte da redação dos factos provados e passagem a provados de todos os factos não provados (cfr. conclusões de recurso 1ª a 8ª). Os RR pugnam pelo indeferimento, acrescentando, ainda, como meio de prova as declarações de parte do R. J... (cfr. a) a c) das conclusões das suas contra-alegações).  

A julgadora exarou a seguinte motivação para a sua decisão da matéria de facto (transcrição total):

“O Tribunal formou a sua convicção com base na prova produzida em audiência, mormente da prova testemunhal, inspecção judicial, bem como da apreciação dos documentos juntos aos autos, tudo analisado de forma crítica e de acordo com as regras da experiência comum.

No que concerne aos factos 2), 4), 6), 14), 15), 20), 23), os mesmos foram admitidos por acordo.

Quanto aos factos vertidos em 3), 7), 8), 9), 12) e 13) os mesmos encontram-se provados através de prova documental, designadamente certidão da escritura de compra e venda junta como documento n.º 5 da petição inicial a fls. 27 a 30, documento n.º 13 da petição inicial, certidões do registo predial juntas pelos Autores a fls. 136 a 143, cadernetas prediais rústicas de fls. 42 e 45 (daí não resultando qualquer aquisição por via sucessória entre F... e as pessoas que venderam os prédios aos Autores) e certidão junta pelos Réus a fls. 98 a 102.

Também o facto 41) – para além de ter resultado provado mercê da prova testemunhal – resultou dos documentos juntos pelos Réus a fls. 248 a 251.

Os demais factos resultaram da prova testemunhal trazida aos autos, conjugada com a prova documental, designadamente as fotografias constantes a fls. 305 a 320.

Analisemos, em concreto, os depoimentos das testemunhas. Assim:

...

Mercê de toda esta prova, assim resultaram os factos dados como provados e não provados.

Da prova não resultou que os anteriores proprietários do terreno dos Autores que se encontra junto à mina o tivessem cultivado e utilizado a água da mina em data posterior a 1980.

Assim como não resultou a existência de uma clarabóia no terreno dos Réus, ou de qualquer estrutura que a ela se assemelhasse. Seja a 15, 20, 30 ou 40 metros da boca da mina.

Com efeito, foram realizadas duas perícias que se debruçaram sobre a existência ou não de uma clarabóia no terreno dos Réus.

A propósito do teor do relatório pericial do Exmo. Sr. Perito ..., questionou-se o mesmo se quando se refere, neste relatório, a uma abertura no tecto da galeria principal, que corresponderá a um acesso para a superfície, se está a referir à existência de uma clarabóia (não àquela que os Autores entendem existir a 41 metros da mina, mas sim a outra).

E o Sr. Perito respondeu, dizendo que a 30 metros da boca da mina existe uma abertura no tecto, mas que não sabe se corresponde ou correspondeu a um acesso para a superfície e que a expressão por si utilizada no relatório pericial - “corresponderá” - não foi a mais feliz, devendo ler-se, ao invés, “poderá ter correspondido”.

Constatou que ali existe efectivamente um buraco mas que o mesmo pode advir de um desabamento do tecto/rocha, o que é muito frequente.

Referiu expressamente o Sr. Perito ... não poder confirmar se nesse local – a 30 metros da boca da mina – existe ou não uma clarabóia, mas que presume que não, uma vez que o buraco existente não corresponde ao que costuma existir quando estamos na presença de uma clarabóia, não há alteração do solo (não está mais seco, ou com outra cor), que o material que se encontra ali depositado não tem vestígios de superfície (raízes/troncos), não viu sinais da existência de uma clarabóia (tábuas/vigas/estrutura/cimento) e normalmente as clarabóias encontram-se a 80m/120 m da boca da mina, o que não seria o caso (porque numa dimensão curta é possível limpar por dentro da mina, não sendo necessário uma clarabóia) – cfr. relatório pericial do Sr. Perito ...

Assim, não concluiu o Sr. Perito ... pela existência de uma clarabóia no terreno dos Réus.

O mesmo se diga quando às conclusões retiradas pela Exma. Sra. Perita ... No relatório pericial por si subscrito, a Sra. perita alude à clarabóia sempre como uma mera hipótese não confirmada, com expressões do seguinte teor: “eventual clarabóia”; “A existir uma estrutura que tenha funcionado como clarabóia”; “Posicionamento mais provável para a suposta estrutura designada como clarabóia”.

Na mesma linha, aquando dos primeiros esclarecimentos ao relatório pericial, continua a referir-se sempre à clarabóia como uma hipótese (ali se lendo que “os materiais identificados são resultantes de uma eventual estrutura física que por alguma razão ficou soterrada ou são provenientes de materiais inertes que tenham sido introduzidos através de uma eventual ligação do teto da mina ao exterior (…)”; “A existir uma estrutura física que constitua ligação da mina para o exterior através do teto(…)”; “Conclui-se que a existir uma estrutura equivalente a uma clarabóia, ela teria um diâmetro (…)”;

Para mais à frente nos esclarecimentos por escrito (e também em sede de audiência final), ir mais longe do que foi no relatório, referindo que «a identificação de perfis de solo contíguos registados ao longo dos transectos tomados até aos 2 metros de profundidade, sem diferenciação pedológica normal expectável em solos de uso agrícola, reforçado com a grande semelhança entre o “solo” dos perfis e o material que provoca a obstrução na mina, além da presença de materiais exógenos ao solo tais como pedaços de tijolos, tornam bastante plausível a existência de uma estrutura física construída pelo homem que permitisse a ligação do teto da mina ao exterior. Confirmou-se que a estrutura,independentemente da sua função, estaria localizada a 30m da boca da mina, com um raio de influência não superior a 3 metros”.

Porém, ainda em sede de esclarecimentos, a Sra. Perita alerta para o facto de a clarabóia não passar de uma suspeita, referindo expressamente que: “A análise dos elementos e amostras de solo permitiram concluir que em grande parte dos perfis contíguos o solo não apresenta uma diferenciação típica de solos agrícolas, apresentando-se ao mesmo tempo, muito semelhante ao material que se encontra a obstruir o decurso natural da água no interior da mina. Além disso, a identificação de material exógeno, típico de estruturas construídas, a grande profundidade e em maior quantidade num raio de cerca de 3 metros, levam à suspeição da existência de uma estrutura construída e atualmente soterrada. As observações realizadas através das amostras não permitem afirmar assertivamente que a estrutura existente seria de uma abertura de ligação da mina ao exterior”, admitindo mesmo a possibilidade de o material exógeno ali se encontrar por poder ter sido escavada uma cova que permitiu a deposição desse material e depois foi tapada, passando a ter uso agrícola, tal como no resto da parcela cultivada como pastagem”.

Para concluir que a clarabóia “poderá ter sido de facto construída a 30 metros da boca da mina”.

Assim, quer a Sra. Perita ..., quer o Sr. Perito ... não asseveraram a existência de uma clarabóia, podendo esta existir, mas também podendo não existir. Não foi possível chegar à conclusão da sua existência, havendo dúvidas por parte dos dois peritos.

Dúvidas que podiam ter sido dissipadas mediante a prova testemunhal, o que não sucedeu.

...

Por essa razão também não se atribuiu qualquer relevância probatória ao parecer técnico junto aos autos, que menciona a existência de uma “clarabóia”, sem sequer explicar como chegou a tal conclusão.

O que sucedeu, ao invés, foi que a existência de uma “clarabóia” foi uma sugestão da testemunha ... aos Autores, testemunha que mereceu a total credibilidade do Tribunal.

E mesmo que tivesse sido dado como provado que a “clarabóia” existia e servia para fazer a limpeza da mina – o que frise-se, não ficou demonstrado, sendo o ónus da prova dos Autores – nem por isso resultaria que a mina foi entupida/obstruída pelos Réus, com saibro e que esse depósito detrítico impeça a circulação da água captada e condutada, para a represa.

Com efeito, para além de inexistir prova testemunhal que confirme qualquer acção por parte dos Réus, o Sr. Perito ... esclareceu que na galeria da "mina" de água, a cerca de 30 m da respetiva "boca", ocorre efectivamente um depósito detrítico que dificulta e retarda (não impede totalmente) a circulação da água no interior da estrutura de captação. Referiu expressamente que a circulação da água ocorre no estado físico actual da estrutura de captação isto é, com a presença do depósito detrítico (embora, naturalmente, a sua remoção incrementasse o volume de água em circulação); Por fim, adiantou que não possui elementos de natureza geológica e hidrogeológica, ou outros, que permitam imputar esse depósito a qualquer acção por parte dos Réus, mais referindo que não é possível confirmar ou excluir que o depósito de detritos ali se encontra por ter sido despejado por alguém (relatório pericial do Sr. Perito ...).

Pelo que, inexistindo prova testemunhal e pericial que confirme tais alegações dos Autores, necessário se torna dar como não provado tais factos, que apenas se tratam de meras presunções/ilações dos Autores. Seria necessário provar o que alegam, o que está longe de suceder.

No que concerne à existência do poço ou poços, não só não resultou como provado que o mesmo se encontre a cerca de 3 a 4 metros da mina (mas sim a 124,5 metros!) como também resultou que o mesmo foi construído em 1980, tendo sido dito pelo Autor que só no ano de 2011 começou a escassear a água, a qual existia nos anos anteriores. Ora, em face da prova produzida não podemos deixar de considerar que se a água escasseia certamente não será por causa do dito poço, já que o mesmo há muito existe e sempre existiu água na mina até 2011 (durante 31 anos existiu água).

Acresce que também o Sr. Perito ..., no seu relatório pericial, afastou a possibilidade de os poços existentes no terreno dos Réus desviarem a água emergente da mina, motivo pelo qual assim resultou a matéria de facto dada como não provada quanto a esta matéria, cumprindo frisar que não basta a mera alegação por parte dos Autores, incumbindo-lhes o ónus da prova.

Inexistem dúvidas de que quer os poços a que se alude na matéria de facto dada como provada em 41. e 4.2, quer a mina, captam a mesma massa de água subterrânea (cfr. relatório pericial do Sr. Perito ...). Porém, nada resultou dos autos que nos leve ao entendimento de que os poços a desviam (tendo sido afastado o parecer técnico junto pelos Autores, pelas razões que infra se descreverão).

E pese embora tenha sido dado como provado parte dos custos que os Autores alegaram ter com o sistema de rega, bem como o stress e angústia por causa da situação relacionada com a escassez da água, também não ficou demonstrado, conforme já se adiantou, que tal se deveu a factos praticados pelos Réus.

A tudo o que se disse não obsta o facto de se encontrar junto aos autos um parecer técnico que conclui pela obstrução da galeria e/ou interferência ao nível da nascente ou ainda desvio de água, entre a nascente (situada no extremo oposto da galeria) e a boca da mina.

Com efeito, no que concerne ao “parecer técnico” junto pelos Autores no decurso da audiência final, o qual se encontra junto a fls. 357 a 366, refira-se, em primeiro lugar, pese embora seja evidente, que o mesmo não configura nem prova pericial, nem prova documental.

Os pareceres de técnicos dizem respeito, normalmente a questões de facto. Destinam-se a elucidar o tribunal sobre o significado e alcance de factos de natureza técnica cuja interpretação demanda conhecimentos especiais. Se as opiniões dos técnicos forem expressas em diligência judicial valem como meio de prova se forem expressas por via extra judicial valem como pareceres.

Fruto da investigação e do trabalho dos técnicos, os pareceres técnicos expressos por via extra judicial representam apenas uma opinião sobre a solução a dar a determinado problema.

Têm, apenas, a autoridade que o seu autor lhe dá.

Isto tudo para dizer que o parecer técnico junto aos autos não serve como meio de prova mas apenas para ajudar o julgador a encontrar uma solução justa para o caso que tem para decidir.

Ora, resulta do parecer que a mina foi visitada pelo subscritor do parecer – Doutor em Ciências de Engenharia na especialidade de Hidrogeologia -, numa extensão de 30 metros, sendo que a partir deste local se encontra obstruída por saibro, o que impede a sua progressão.

Ou seja, tal como o Tribunal, não conseguiu o subscritor do parecer ir mais avante. No entanto, no anexo fotográfico, o subscritor do parecer técnico faz menção à existência de uma “clarabóia”, sem sequer explicar como chegou a tal conclusão (existência afastada pelo tribunal, pelas razões supra aduzidas).

Acresce que, ao referir que «pela estrutura do depósito em forma de cone de detritos não consolidado, conclui-se que se trata de um depósito de gravidade, com origem a partir da superfície. Este cone de saibro não consolidado é alóctone ou seja, não é resultado de falta de limpeza da mina, mas sim de despejo a partir da superfície», parece-nos ser uma conclusão demasiado vaga, sobretudo tendo em consideração toda a prova que foi produzida.

Quanto à explicação dada para a falta de água no verão, isto é «a obstrução da galeria e/ou interferência ao nível da nascente ou ainda desvio de água, entre a nascente (situada no extremo oposto da galeria) e a boca da mina», conforme já aqui foi dito e redito, não resultou provado que i) tal obstrução da galeria tivesse sido causada pelos Réus; ii) tivessem interferido ao nível da nascente ou tivessem desviado a água entre a nascente e a boca da mina, tanto mais que o poço que construíram – o qual consta no anexo fotográfico do parecer técnico como «foto 6 – poço que se presume situar na origem da mina» – data de 1980 e foi o próprio Autor que referiu que até ao ano de 2011 não havia escassez de água, tendo o Sr. Perito chegado a idêntica conclusão, ou seja, de que inexiste desvio de água por parte dos poços existentes no terreno dos Réus.

Tudo para dizer que o parecer técnico é apenas uma opinião emitida por um técnico sobre a solução de um certo problema, que não abala a restante prova (ou a falta dela) produzida.

Quanto aos demais factos dados como não provados refira-se que o referido em B.1 resultou da ausência de prova documental, sendo que os restantes, conforme supra explanado, resultam da total ausência de prova ou prova feita em sentido contrário.

Não se lograram provar quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, …

Concluindo, os Autores não lograram provar os factos constitutivos do seu direito, cujo ónus da prova lhes incumbia (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).”.

2.1. Os recorrentes baseiam a sua impugnação, como se disse, além do mais, no depoimento testemunhal de ..., declarações de parte e prova documental.

A M... vem referida na impugnação dos factos não provados 7) e 10) a 14). Só que nada vem indicado sobre o que ela terá dito ou, do algo que terá dito, quais as exactas passagens da gravação.

O mesmo se passa com as declarações de parte dos AA – nem se apontando quais deles, ambos ou só um ? -, em relação aos factos não provados 10) a 14).   

Na impugnação ao facto não provado 3) aponta-se para um depoimento de parte (!?) que não existe nos autos, para declarações de parte, sem qualquer concretização, apesar de AA e RR as terem prestado, desconhecendo-se a quem os recorrentes se estão a referir. E para registos fotográficos, certo que há muitos nos autos, mas sem que os recorrentes especifiquem quais.

Na impugnação do facto não provado 4) aponta-se para depoimentos testemunhais de ... E na impugnação ao facto não provado 5) menciona-se que a mesma se sustenta nos elementos probatórios/depoimentos probatórios retro referidos, pelo que deduzimos que abarca o depoimento destas 3 testemunhas. Só que os recorrentes respigaram muito pequenos excertos do que tais testemunhas terão dito, sem que indicassem, porém, quais as exactas passagens da gravação em que as mesmas se encontram (sendo certo que a testemunha ... tem um depoimento longo de 54 m, o ... tem um depoimento extensíssimo de cerca de 3 h e 18 m, dividido em 2 partes, por 2 dias, a primeira de 1h 32 m e a segunda de 1h 46 m e o ... tem um depoimento de 38 m.).

O mesmo se passa com o depoimento da testemunha ... na impugnação dos factos não provados 10) a 14).

Recorde-se que a norma que regula a impugnação da decisão da matéria de facto (art.640º do NCPC) dita que tem de observar-se os ditames fixados no seu nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, sob pena de rejeição.

Ou seja, de tal dispositivo verifica-se que a lei exige 5 requisitos:

i) Que o recorrente obrigatoriamente especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

ii) Que o recorrente obrigatoriamente especifique o sentido concreto da resposta, que na óptica do recorrente, se impunha fosse dado a tais pontos;

iii) Que o recorrente obrigatoriamente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa;

iv) E por que razão assim seria, com análise crítica criteriosa;

v) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de facultativa transcrição dos excertos relevantes.  

O que, não fez, no que respeita aos requisitos elencados em iii) a v). Sibi imputet.

Ora, esta maneira de impugnar é de rejeitar, pois não observa os ditames estabelecidos no art. 640º, nº 1, b) e 2, a), do NCPC.

Não ouviremos, por isso, a gravação realizada quanto às ditas testemunhas ... – este apenas na parte atinente aos factos não provados 4) a 6) e 10) a 14), - e declarantes de parte, bem como não consideraremos os aludidos “registos fotográficos”.

2.2. Ouvimos, pois, o depoimento das remanescentes testemunhas indicadas pelos AA. recorrentes que estão gravados em CD, relativamente à matéria impugnada em apreciação.

...

2.3. Relativamente ao facto provado 10. e facto não provado 2), decorre dos depoimentos das testemunhas ... que na quinta que era do J... e que depois foi vendida ao F..., em 1980, se praticaram vários actos típicos de agricultura, como cultivar, semear e regar, bem como se fresaram terras e se as capinou, quando este era o dono, actos esses que ocorreram na década de 80, durante 10 anos, mais ou menos entre 1985 e 1995, designadamente em 1994. Portanto esta realidade tem de ser reflectida na resposta ao facto 10., com o respectivo acrescento, e no facto não provado, em parte. Os recorrentes ainda invocam o teor da certidão de registo predial (doc. nº 8 junto com a p.i., a fls. 40/42), mas da mesma não emana mais do que a composição do prédio e os registos de aquisição a favor do F... por compra ao J... e mulher, e dos AA por compra a outros que não o F...

Assim, procedendo parcialmente a impugnação. Pelo que o facto provado 10. e o facto não provado 2), que passará a parcialmente provado, sob 10-A., ficarão com a seguinte redacção (a negrito e o anterior texto em letra minúscula):

10. Entre data não concretamente apurada e 1966 e, após, entre 1970 a 1980, viviam caseiros e trabalhadores nas propriedades de J... que a seu mando cavavam, lavravam, estrumavam, semeavam, plantavam, sachavam, adubavam, regavam a terra, colhendo os seus frutos, roçando o mato, apanhando a caruma, a lenha, dia após dia, sem oposição ou intromissão de quem quer que fosse, sem violência, certos de não lesarem direitos ou interesses de outrem, mais confeccionando, tomando refeições, dormindo, passando momentos de lazer, recebendo familiares e amigos. Mais ou menos entre 1985 e 1995, designadamente em 1994, ali foram praticados outros actos, como cultivar, semear e regar, bem como se fresaram terras e se as capinaram, quando o dono era F... e a mando do mesmo.

10-A.  As pessoas referidas em 10. são antecessores dos autores.          

2.4. Quanto ao facto provado 14. e facto não provado 3), os apelantes pretendem que se mude a resposta a tal facto, quanto ao comprimento da mina de 28,40 m para pelo menos 124,50 m.

Temos o depoimento de ... que afirma um comprimento, num primeiro momento de cerca de uns 22/26 metros, e, depois, num segundo momento de 100 e tal/200mcento e tal, duzentos, de comprimento. O que, logo se vê, retira credibilidade às suas afirmações.

Mas temos, de outro lado, a inspecção judicial (a fls. 253/255) que no local fez a medição concreta dada por provada.  

Sustentam, igualmente, os apelantes que aquele maior comprimento resulta também de carta militar junta aos autos, o que não se divisa. E resulta da perícia sem indicarem qual delas, certo que foram realizadas duas, se da 1ª (do perito ...) se da 2ª (da perita ...). Seja como for, em nenhuma dessas perícias (a 1ª a fls. 707/712, a 2ª a fls. 881/887 e esclarecimentos a fls. 933/934), de maneira nenhuma, se dá por demonstrado tal comprimento, nada aponta para aí ! E decorre do parecer técnico, mais uma vez, sem referirem qual, pois eles próprios juntaram dois aos autos. Ora, do 1º (de ..., a fls. 347/349) isso não resulta, de modo nenhum, e do 2º (de ... a fls. 829/839) isso não se vislumbra, pelo contrário aí é afirmado o comprimento de 28 m. 

Improcede, por isso, a impugnação aos ditos factos, o provado 14. e o não provado 3).

2.5. No respeitante ao facto provado 41. os apelantes pretendem que se altere a resposta a tal facto, quanto ao ano de contrução de 1980, que dele deve ser retirado.

A julgadora baseou a resposta a tal facto nos documentos juntos pelos RR a fls. 248/251.

Temos o depoimento de ... que afirma que o poço foi construído depois de 1980.

Sustentam, igualmente, os apelantes que tal realidade resulta também da inspecção judicial e da 1ª perícia (do perito ...), e dos próprios documentos mencionados pelo tribunal. Ora, do auto de inspecção judicial (a fls. 253/255) o teor que os recorrentes integralmente reproduzem reporta-se ao poço do facto 42. E não ao poço do facto agora sob impugnação ! Da aludia 1ª perícia (a fls. 707/712) também nada decorre do defendido pelos apelantes, pois o perito limita-se a constatar que existem 2 poços (os referidos nos factos 41. e 42.). E dos documentos mencionados pela julgadora, ao contrário, do que os recorrentes dizem, emerge com clareza a referência ao ano de 1980, tanto a memória descritiva para abertura do poço, datada de Julho de 1980, aprovada camarariamente nesse mês, como da licença de construção, datada de Agosto seguinte, como da factura de empresário prestador de serviços de máquina rectro escavadoras, pás carregadoras, etc, datada desse Agosto, como da declaração de Seguradora para cobertura de operários em trabalhos de exploração de águas, datada ainda desse Agosto.

Sendo que, como se refere na motivação da julgadora de facto, o próprio A. B..., em declarações de parte referiu que no terreno dos RR existe esse tal poço desde 1980.   

Improcede, por isso, a impugnação ao facto provado 41.

2.6. Relativamente ao facto não provado 1), constatamos que os recorrentes têm razão.

Da escritura (doc. 6 junto com a p.i. a fls. 31/36), escritura de habilitação de herdeiros naquela escritura mencionada e apontada certidão de registo predial (doc. 8) resulta, que os AA adquiriram o seu prédio aos herdeiros do F..., falecido em 2003, a sua viúva, e seus 3 irmãos.

O que quer dizer que a resposta ao facto não provado 1) deve ser a de provado, como sustentaram os recorrentes na sua impugnação. Pelo que o facto não provado 1), que passará a provado, sob 8-A., ficará com a seguinte redacção (a negrito e o anterior texto em letra minúscula): 

8-A. As pessoas que venderam os prédios que se faz alusão em 7) aos Autores, as indicadas em 8., adquiriram-nos através de via sucessória, de F...

2.7. Quanto aos factos não provados 4) e 5), os recorrentes baseiam a sua impugnação na inspecção judicial, na perícia e esclarecimentos e nos pareceres técnicos juntos aos autos.

Compulsando, constata-se que do auto de inspecção judicial (a fls. 253/255) nada consta nesse sentido ! Da 1ª perícia (do perito ..., a fls. 707/712) também nada consta no sentido afirmado. Posição que o perito manteve nos esclarecimentos verbais prestados em audiência. Na 2ª perícia (da perita ..., a fls. 881/887) o mesmo acontece. Nos esclarecimentos prestados (a fls. a fls. 933/934) é apenas admitido como hipótese a existência de uma claraboia, como uma eventualidade. Posição que a perita manteve nos esclarecimentos verbais prestados em audiência. Nos pareceres técnicos (de ..., a fls. 347/349 e de ... a fls. 829/839), apresentados pelos AA, já a resposta é afirmativa.

Esta discrepância foi ponderada pela julgadora de facto, na sua motivação acima transcrita, e que neste momento, vamos recordar e condensar assim:

Não resultou a existência de uma clarabóia no terreno dos RR, ou de qualquer estrutura que a ela se assemelhasse. Seja a 15, 20, 30 ou 40 metros da boca da mina. Foram realizadas duas perícias que se debruçaram sobre a existência ou não de uma clarabóia no terreno dos Réus. A propósito do teor do relatório pericial do Perito ..., questionou-se o mesmo se quando se refere, neste relatório, a uma abertura no tecto da galeria principal, que corresponderá a um acesso para a superfície, se está a referir à existência de uma clarabóia (não àquela que os Autores entendem existir a 41 metros da mina, mas sim a outra), e o Perito respondeu, dizendo que a 30 metros da boca da mina existe uma abertura no tecto, mas que não sabe se corresponde ou correspondeu a um acesso para a superfície e que a expressão por si utilizada no relatório pericial - “corresponderá” - não foi a mais feliz, devendo ler-se, ao invés, “poderá ter correspondido”. Constatou que ali existe efectivamente um buraco mas que o mesmo pode advir de um desabamento do tecto/rocha, o que é muito frequente. Referiu expressamente o Perito ... não poder confirmar se nesse local – a 30 metros da boca da mina – existe ou não uma clarabóia, mas que presume que não, uma vez que o buraco existente não corresponde ao que costuma existir quando estamos na presença de uma clarabóia, não há alteração do solo (não está mais seco, ou com outra cor), que o material que se encontra ali depositado não tem vestígios de superfície (raízes/troncos), não viu sinais da existência de uma clarabóia (tábuas/vigas/estrutura/cimento) e normalmente as clarabóias encontram-se a 80m/120 m da boca da mina, o que não seria o caso (porque numa dimensão curta é possível limpar por dentro da mina, não sendo necessário uma clarabóia). Assim, não concluiu o Perito ... pela existência de uma clarabóia no terreno dos Réus. O mesmo se diga quando às conclusões retiradas pela Perita ... No relatório pericial por si subscrito, a Sra. perita alude à clarabóia sempre como uma mera hipótese não confirmada, com expressões do seguinte teor: “eventual clarabóia”; “A existir uma estrutura que tenha funcionado como clarabóia”; “Posicionamento mais provável para a suposta estrutura designada como clarabóia”. Na mesma linha, aquando dos primeiros esclarecimentos ao relatório pericial, continua a referir-se sempre à clarabóia como uma hipótese (ali se lendo que “os materiais identificados são resultantes de uma eventual estrutura física que por alguma razão ficou soterrada ou são provenientes de materiais inertes que tenham sido introduzidos através de uma eventual ligação do teto da mina ao exterior (…)”; “A existir uma estrutura física que constitua ligação da mina para o exterior através do teto(…)”; “Conclui-se que a existir uma estrutura equivalente a uma clarabóia, ela teria um diâmetro (…)”. Para mais à frente nos esclarecimentos por escrito (e também em sede de audiência final), ir mais longe do que foi no relatório, referindo que «a identificação de perfis de solo contíguos registados ao longo dos transectos tomados até aos 2 metros de profundidade, sem diferenciação pedológica normal expectável em solos de uso agrícola, reforçado com a grande semelhança entre o “solo” dos perfis e o material que provoca a obstrução na mina, além da presença de materiais exógenos ao solo tais como pedaços de tijolos, tornam bastante plausível a existência de uma estrutura física construída pelo homem que permitisse a ligação do teto da mina ao exterior. Confirmou-se que a estrutura, independentemente da sua função, estaria localizada a 30m da boca da mina, com um raio de influência não superior a 3 metros”. Porém, ainda em sede de esclarecimentos, a Perita alerta para o facto de a clarabóia não passar de uma suspeita, referindo expressamente que: “A análise dos elementos e amostras de solo permitiram concluir que em grande parte dos perfis contíguos o solo não apresenta uma diferenciação típica de solos agrícolas, apresentando-se ao mesmo tempo, muito semelhante ao material que se encontra a obstruir o decurso natural da água no interior da mina. Além disso, a identificação de material exógeno, típico de estruturas construídas, a grande profundidade e em maior quantidade num raio de cerca de 3 metros, levam à suspeição da existência de uma estrutura construída e atualmente soterrada. As observações realizadas através das amostras não permitem afirmar assertivamente que a estrutura existente seria de uma abertura de ligação da mina ao exterior”, admitindo mesmo a possibilidade de o material exógeno ali se encontrar por poder ter sido escavada uma cova que permitiu a deposição desse material e depois foi tapada, passando a ter uso agrícola, tal como no resto da parcela cultivada como pastagem”. Para concluir que a clarabóia “poderá ter sido de facto construída a 30 metros da boca da mina”.

Assim, constatou a julgadora que quer a Perita ..., quer o Perito ... não asseveraram a existência de uma clarabóia, podendo esta existir, mas também podendo não existir. Não foi possível chegar à conclusão da sua existência, havendo dúvidas por parte dos dois peritos.

Dúvidas que a julgadora não conseguiu dissipar com outros elementos probatórios (que apontou). Por essa razão também não atribuiu relevância probatória ao parecer técnico junto aos autos (de ...), que menciona a existência de uma “clarabóia”, sem sequer explicar como chegou a tal conclusão. Pelo que, inexistindo prova testemunhal e pericial que confirme tais alegações dos AA, que apenas se tratam de meras presunções/ilações dos AA, optou por dar por não provado a referida factualidade.

Mais expressou a julgadora que os pareceres de técnicos dizem respeito, normalmente a questões de facto, destinando-se a elucidar o tribunal sobre o significado e alcance de factos de natureza técnica cuja interpretação demanda conhecimentos especiais. Fruto da investigação e do trabalho dos técnicos, os pareceres técnicos expressos por via extrajudicial representam apenas uma opinião sobre a solução a dar a determinado problema. Têm, apenas, a autoridade que o seu autor lhe dá. Isto para dizer que o parecer técnico junto aos autos não serve como meio de prova mas apenas para ajudar o julgador a encontrar uma solução justa para o caso que tem para decidir.

Ora, extraiu a julgadora, resulta do parecer que a mina foi visitada pelo subscritor do parecer numa extensão de 30 metros, sendo que a partir deste local se encontra obstruída por saibro, o que impede a sua progressão. Ou seja, tal como o Tribunal, não conseguiu o subscritor do parecer ir mais avante. No entanto, no anexo fotográfico, o subscritor do parecer técnico faz menção à existência de uma “clarabóia”, sem sequer explicar como chegou a tal conclusão (existência afastada pelo tribunal, pelas razões supra aduzidas). Tudo para dizer que o parecer técnico é apenas uma opinião emitida por um técnico sobre a solução de um certo problema, que não abala a restante prova (ou a falta dela) produzida.

Perante a motivação apresentada pela julgadora de facto não podemos deixar de concordar com ela.

Adiantando-se, ainda, as seguintes considerações:

a) como professa o Mestre Alberto dos Reis (em CPC Anotado, Vol. IV, págs. 28/30), as opiniões dos técnicos valem como meios de prova ou como pareceres, conforme são expressas em diligência judicial (respostas a quesitos formulados em arbitramento) ou por via extrajudicial;

b) pelo que não pode colocar-se no mesmo plano da eficácia probatória o parecer de um perito recolhido numa perícia e o parecer de um técnico obtido extrajudicialmente, isto porque o parecer técnico é verdadeiramente um documento testemunhal, estando-se em presença de um depoimento testemunhal, de uma pessoa que narra o que viu e observou; c) de modo que, de um lado temos uma perícia e noutro um depoimento testemunhal, devendo atender-se que o princípio da audiência contraditória falha no caso do parecer técnico, daí a inferioridade da prova colhida extrajudicialmente, sem intervenção da parte contrária, pelo que os pareceres técnicos têm de ser colocados em plano inferior à perícia judicial, valendo apenas como depoimentos de testemunhas obtidos sem fiscalização da parte contrária; d) no nosso caso, temos pareceres técnicos apresentados pelos AA, naturalmente a seu pedido, contra peritagens provenientes de pessoas indiscutivelmente imparciais, pois são peritos estaduais, provenientes da Faculdade de Ciências  da Universidade de Coimbra (perícia do Dr. ...) e do Instituto Superior de Agronomia (perícia da Dra. ...), pelo que no respectivo balanceamento damos preferência ao que decorre da perícia, que tem uma força probatória forte; e) em caso de dúvida séria sobre a realidade de um facto, como é o nosso caso, visto o confronto entre a perícia, com a sua força probatória especial e os 2 pareceres técnicos, meros depoimentos testemunhais, sempre a mesma se resolveria contra a parte a quem o facto aproveita, ou seja volve-se tal dúvida contra os AA, que tinham o ónus de prova dos factos a eles favoráveis (art. 414º do NCPC).     

De sorte que se indefere a impugnação da matéria de facto aos referidos factos não provados 4) e 5). 

2.8. No respeitante à impugnação do facto não provado 7), que vem delimitado nas conclusões de recurso, deparamo-nos com a seguinte situação. Os recorrentes, no corpo das alegações aludem a tal facto, mas o respectivo texto, que reproduzem, reporta-se ao facto não provado 8).  Da fundamentação que apresentam – teor de excertos do depoimento da testemunha ... – não consegue perceber-se se afinal estão a impugnar o facto não provado 7) ou o 8). Sibi imputet.

Assim, não pode esta relação superar tal desconformidade, porque não se consegue entender o que realmente os apelantes pretendem. Daí que tenha de se indeferir a impugnação apresentada ao facto não provado 7), delimitado nas conclusões de recurso (quer também ao facto não provado 8) se eventualmente impugnado).  

2.9. Relativamente aos factos não provados 10) a 14) os apelantes fundam-se na perícia, sem indicarem qual delas, se a 1ª (do perito ...) se a 2ª (da perita ...).

Seja como for, em nenhuma dessas perícias (a 1ª a fls. 707/712, a 2ª a fls. 881/887 e esclarecimentos a fls. 933/934), de maneira nenhuma, se dá por demonstrada qualquer conhecimento ou actuação dos RR nessa matéria, no sentido apontado. Basta simplesmente ler com mediana atenção. Por outro lado, os RR contrapuseram as declarações de parte do R. J..., e das mesmas não resulta a versão dos AA espelhada em tal matéria.

Improcede, pois a impugnação deduzida, relacionada com os factos não provados 10) a 14). E ao facto não provado 15) não há sequer qualquer meio probatório invocado na dita impugnação. 

3. Na sentença recorrida escreveu-se que:

“Os Autores peticionam o reconhecimento do direito de propriedade da água que brota e é captada, armazenada e condutada pela mina (mina esta subterrânea, que se encontra no prédio dos Réus, sendo a sua saída já no prédio dos Autores).

Peticionam o reconhecimento do direito de propriedade da água que nasce em prédio alheio (e já não o direito de servidão, motivo pelo qual não nos pronunciaremos sobre este).

Vejamos.

A propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não seja desintegrado do domínio, por lei ou negócio jurídico (artigo 1344.º, n.º 1, do Código Civil, doravante apenas designado por CC). Mais dispõe o artigo 1389.º que do CC que «O dono do prédio onde haja alguma fonte ou nascente de água pode servir-se dela e dispor do seu uso livremente, salvas as restrições previstas na lei e os direitos que terceiro haja adquirido ao uso da água por título justo». Por seu turno, refere o artigo 1394.º, n.º 1, do CC que «É lícito ao proprietário procurar águas subterrâneas no seu prédio, por meio de poços ordinários ou artesianos, minas ou quaisquer escavações, contanto que não prejudique direitos que terceiro haja adquirido por título justo».

Acrescenta o artigo 1395.º, n.º 1 do CC que «Consideram-se títulos justos de aquisição das águas subterrâneas os referidos nos n.os 1 e 2 do artigo 1390.º»

E do artigo 1390.º do CC resulta que, considera-se título justo de aquisição da água das fontes e nascentes qualquer meio legítimo de adquirir a propriedade de coisas imóveis ou de constituir servidões (n.º 1); «a usucapião, porém, só é atendida quando for acompanhada da construção de obras, visíveis e permanentes, no prédio onde exista a fonte ou nascente, que revelem a captação e a posse da água nesse prédio» (n.º 2).

Escreve CÂNDIDO DE PINHO que: «O dono do prédio onde a fonte ou a nascente existam, ainda que ambas alimentadas por águas não nativas desse prédio, detém, por regra, na sua esfera jurídica a propriedade destas. O desvio ao princípio situa-se na possibilidade que existe de outrem, sobre elas, deter um poder soberano, que bem pode ser o de propriedade (desde que para tanto exista um título capaz de a ter transferido, ou originariamente a ter criado - estamos a pensar na usucapião) ou de servidão (verificados os necessários pressupostos)» 1In As Águas no Código Civil – Comentário – Doutrina e Jurisprudência, Almedina, 1985, pág. 63.

Por outras palavas, à partida podem subsistir dois direitos de propriedade não conflituosos. Dum lado, o direito de propriedade sobre a nascente; do outro, o direito de propriedade sobre a água subterrânea. E a aquisição do direito às águas de uma nascente não abrange as subterrâneas existentes em prédio alheio que a alimentam, a menos que sobre estas se verifiquem os normais pressupostos aquisitivos de um qualquer justo título.

Como a água provém de prédio alheio, os Autores teriam de provar que adquiriram o direito de propriedade sobre ela, por qualquer título legítimo, pois as águas, enquanto não forem desintegradas da propriedade superficiária, por lei ou por negócio jurídico, são partes componentes do respectivo prédio onde nascem. 2Neste sentido, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.03.2005, processo n.º 05A011.

Ora, o direito de propriedade sobre a referida água não foi transmitido para os Autores por via do contrato de compra e venda, não se fazendo ali qualquer menção à aquisição do direito de propriedade sobre a ajuizada água.

Todavia, também não foi transmitido através da usucapião ou de qualquer outro negócio jurídico.

Para adquirir o direito de propriedade sobre as águas subterrâneas, designadamente, por usucapião, como pretendem os Autores, é necessário demonstrar conduta possessória sobre elas, o que ocorrerá, por exemplo, «se alguém, por si e seus antecessores, abriu uma mina no seu prédio acabando por ultrapassar os limites verticais do mesmo penetrando no do vizinho para aí captar águas subterrâneas lá existentes (…) se, decorrido o prazo necessário, estiverem preenchidos os reais requisitos». 3Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11.03.2014, processo n.º 510/08.1TBTND.C1.

Requisitos que são a aparência e a permanência, demonstrativos daquela captação. Aparência, de forma a que a captação não possa ser ambígua e equívoca; permanência de molde a dar ininterrupção e continuidade à posse.

Para além disso, para ser possível a aquisição das águas subterrâneas existentes em prédio alheio, através da usucapião, o n.º 2 do artigo 1390.º, do CC, conforme supra explanado, exige a existência de construções visíveis e permanentes para captação da água no prédio alheio, exigência que se justifica como forma de dar publicidade e continuidade à respectiva posse, susceptível de conduzir à usucapião. Ora, no presente caso, foi construída uma mina que capta a água no prédio alheio, dos Réus, sendo a mesma visível e permanente.

Todavia, nem por isso se verifica a usucapião.

O artigo 1287.º do CC define usucapião como a faculdade conferida ao possuidor de, mediante posse mantida por certo lapso de tempo, adquirir o direito real de gozo a cujo exercício corresponde a sua actuação. Este instituto consubstancia, portanto, uma forma de aquisição originária de direitos.

De acordo com o disposto no artigo 1292.º do CC (remetendo para o artigo 303.º do mesmo diploma legal), a usucapião carece de ser invocada para produzir os seus efeitos, não operando automaticamente e a posse que lhe subjaz tem de ser pacífica e pública.

A verificação da usucapião depende, desde logo, de dois elementos: a posse e o decurso de certo período de tempo, variável conforme a natureza móvel ou imóvel da coisa. Para conduzir à usucapião, a posse tem sempre de revestir duas características: ser pública e pacífica. As restantes características (titulada, de boa fé) reflectem-se, apenas, no prazo necessário à invocação da usucapião.

De harmonia com o preceituado pelo artigo 1251.º do CC, a posse consiste no poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real. Daqui resulta que, segundo a nossa lei, é necessário que haja, da parte do detentor, a intenção (animus) de exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa, e não um mero poder de facto sobre ela.

No nosso caso, tratando-se de imóveis e como não há registo do título, nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa fé, e de vinte anos, se for de má fé (artigo 1296.º do CC).

Por aqui se vê logo que não estão reunidos os pressupostos da invocada usucapião, já que, continuando a água a ser pertença do prédio onde nasce, para poder ser adquirido, por usucapião, o direito de propriedade sobre a mesma água, por parte dos Autores (coisa diferente é a possibilidade de constituição de um direito de servidão sobre água alheia, por destinação do pai de família), só poderá atender-se à actuação destes que seja posterior à data em que adquiriram os prédios e neles começaram a cultivar, utilizando a água da mina (ou seja, em 12.10.2005).

E, desde então e até à data da instauração desta acção, nem sequer tinham decorrido sete anos, tempo insuficiente para que a usucapião, para efeito da aquisição do direito de propriedade sobre a água, pelos autores, se pudesse consumar (artigos 1296.º e 1390, n.º 2, do CC).

Acresce que, a invocada acessão na posse não é aqui admissível.

Vejamos.

Acessão na posse é a faculdade de, mormente, para efeitos de usucapião, o possuidor juntar à sua posse a do seu antecessor (artigo 1256.º, n,º 1, do CC).

Ora, apenas resultou como provado que entre data não concretamente apurada e 1966 e, após, entre 1970 a 1980, viviam caseiros e trabalhadores nas propriedades que agora são dos Autores, cultivando os terrenos e utilizando a água da mina.

Ou seja, dúvidas inexistem de que os Autores e os seus antecessores utilizaram a água da mina.

Todavia, conforme ensina MANUEL RODRIGUES, in a “a Posse – Estudo de Direito Civil Português pags. 252/253: «A acessão exige que haja duas posses contínuas e homogéneas. A posse que se pretende somar deve ser imediatamente anterior. A interpretação de qualquer outra posse impede a acessão. E devem ser homogéneas».

Ou seja, a acessão só é admissível em relação a posses consecutivas: nenhuma outra pode interceder entre as pessoas que se juntam. 4Neste sentido, vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.10.2012, processo n.º 5978/08.3TBMTS.P1.S1). No mesmo sentido, vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07.04.2011, processo n.º 956/07.2TBVCT.G1.S1, onde se lê que a acessão na posse pressupõe uma posse sucessiva.

In casu, inexistiu uma posse contínua, consecutiva e sucessiva. Ao invés, entre a posse dos antecessores que utilizavam a água da mina e os Autores, existiu um período em que não se provou que a água fosse utilizada para qualquer finalidade (de forma sucessiva e contínua).

Não existe, pois, qualquer título capaz de transferir a propriedade da água para os Autores.

Motivo pelo qual, o pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre a referida água terá necessariamente de improceder.”.

A esta fundamentação jurídica os AA apelantes objectam com o exarado na sua conclusão de recurso 9ª). E têm razão.

Na sentença rejeitou-se a acessão da posse para recusar a usucapião, mas menos corretamente. Vejamos, então.

Resultou como provado que entre data não concretamente apurada e 1966 e, após, entre 1970 a 1980, viviam caseiros e trabalhadores nas propriedades que pertenciam a J... cultivando os terrenos e utilizando a água da mina. O F..., que depois as adquiriu em 1980, praticou lá os mesmos factos entre 1985 e 1995. Sendo estes antecessores dos AA. E os AA que as adquiriram em 2005 passaram a fazer o mesmo (factos provados 8., 9., 10., 10-A. e 11.). Ou seja, dúvidas inexistem de que os AA e os seus antecessores utilizaram livremente a água da mina (facto 24.).

Sendo a acessão na posse a faculdade de, mormente, para efeitos de usucapião, o possuidor juntar à sua posse a do seu antecessor (art. 1256º, nº 1, do CC), os AA podem, em princípio, juntar à sua posse a do J..., mais a do F..., por terem sucedido na posse de ambos por título de compra e venda, diverso da sucessão por morte. Dir-se-á, mas então entre a compra das propriedades dos AA. e a morte do F... intercalaram-se os vendedores anteriores proprietários identificados em 8. Acontece que tais pessoas que venderam os prédios aos AA adquiriram-nos através de via sucessória, de F... (facto 8-A.). Ou seja, sucederam na posse do mesmo, desde o momento da morte do F... A posse deste continuou neles independentemente da apreensão material da coisa (art. 1255º do CC).

Desta sorte, a posse do J..., por acessão, juntou-se à do F..., os seus herdeiros sucederam na posse deste, e a posse deste, por acessão, juntou-se à dos AA, de maneira que juntando todas as posses os AA são possuidores, contínuos, para efeitos de usucapião, há mais de 40 anos (à data da entrada da p.i. em juízo em 2013).

Considerando este tempo e os restantes caracteres da posse que se verificam, para efeitos de usucapião, bem como os requisitos legais dessa forma de aquisição de águas subterrâneas, através de mina, de harmonia com os acima transcritos arts. 1395º, nº 1 e 1390º, nº 1 e 2, conforme decorre da factualidade provada de 14. a 31, há que reconhecer, por isso, que os AA são os donos da água subterrânea captada, armazenada e condutada pela mina para os seus prédios, por via da usucapião.  

Assim, procedendo o recurso nesta parte.

4. Na mesma sentença apelada deixou-se dito que:

“A abertura de um poço em prédio próprio, como ocorre no presente caso, é um direito que assiste ao proprietário e vem expressamente previsto no artigo 1348.º do CC, onde se dispõe, no seu n.º 1, que «O proprietário tem a faculdade de abrir no seu prédio minas ou poços e fazer escavações, desde que não prive os prédios vizinhos do apoio necessário para evitar desmoronamentos ou deslocações de terra».

No caso dos autos, estamos perante um caso de exploração de águas subterrâneas, que existem no subsolo, e «constituem uma parte componente do respectivo prédio» 5Cfr. PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA – Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª edição, pág. 319. Coimbra: Coimbra Editora, 1987., como resulta do disposto no n.º 1 do artigo 1344.º, onde se declara que «A propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico».

Como o proprietário tem o direito de abrir um poço no seu terreno, para captar águas subterrâneas que são parte integrante do seu prédio, à partida tal direito não pode ter outras limitações que não resultem da violação de direitos de terceiros, ou da restrição prevista no artigo 1396.º do CC, que visa proteger a manutenção do caudal das águas das fontes ou reservatórios destinados ao uso público, ou, ainda, de eventual abuso de direito por parte do proprietário (artigo 334.º do CC), ou, por fim, de restrições resultantes do regime de licenciamento da utilização do domínio hídrico, sob jurisdição do Instituto da Água (Decreto-Lei n.º 46/94, de 22 de Fevereiro).

No caso presente, face aos factos conhecidos, a abertura do poço por parte dos Réus só seria ilícita se infringisse algum direito dos Autores, o que não ocorre.

Acresce que, nem sequer resultou da matéria de facto dada como provada que a abertura do poço (em 1980!) – que existe a 124,5 metros e não a 3 a 4 metros - tivesse sido consequência da escassez/diminuição de água da mina (sendo certo que em face do que dispõe o artigo 1394.º, n.º 2 do CC, nem por isso o direito dos Réus poderia ser condicionado ou suprimido, já que o direito de propriedade dos Autores sobre estas águas não consubstancia “título justo”, para efeitos do impedimento que se alude no nº 1 do artigo legal em questão).

Não se logra surpreender na factualidade provada que os poços dos Réus impeçam a circulação da água – cfr. relatório pericial.

Bem se vê, face à matéria que consta dos autos, que não existe a favor dos Autores qualquer direito que possam opor aos Réus relativamente à abertura do poço que estes fizeram em 1980.

Razão pela qual, também este pedido terá de, necessariamente, improceder.”.

Os recorrentes a este discurso jurídico contrapõem o que consta das suas conclusões de recurso 10ª) e 11ª).

De harmonia com o nº 1 do art. 1394º do CC é lícito ao proprietário procurar águas subterrâneas no seu prédio, por meio de poços ordinários ou artesanais, minas ou quaisquer escavações, contando que não prejudique direitos que terceiro haja adquirido por título justo.

No nosso caso, apesar de ser provado que quer os poços a que se alude em 41) e 42), quer a mina captam a mesma massa de água subterrânea, - facto provado 44) -, não se provou que os poços a que se alude nesses 41. e 42. desviem a água emergente na mina – facto não provado 9). Não se provou, portanto, qualquer prejuízo para os AA.

Tanto basta para que o pedido por eles deduzido, de entulhamento do poço que os RR abriram, por forma a reporem a água nascida e captada que brota do subsolo, para que a água continue a ser captada e condutada através da mina para os prédios dos AA, não possa proceder.

Mais até. Perante tal facto não provado 9) não se demonstrou que os RR tenham aberto um poço, na proximidade (cerca de 3/4 metros), para desvio e diminuição de captação de água subterrânea e dos veios que sustentam a mina para a rega, como os AA invocaram como causa de pedir. Antes se provou, sob 41) e 42) que os ditos poços distam 124,5 metros e 300 metros da mina, pelo que o poço que os AA invocaram como causa de pedir – a cerca de 3/4 m da mina - para o seu pedido de entulhamento não pode ser seguramente um daqueles 2 poços !  

Improcede, pois, o pedido formulado e o recurso nesta parte.

5. Na decisão recorrida exarou-se que:

3.2.3. …..

Alegam os Autores que os Réus introduziram terra e saibro na mina, entupindo-a, o que impediu a circulação da água captada e condutada para a represa.

Ora, resultou como não provado que:

B.11) Os Réus tenham obstruído a mina com saibro, passando a impedir a circulação da água captada e condutada, para a represa (artigo 70.º da petição inicial);

B.12) Na zona próxima da clarabóia, os Réus tenham introduzido quantidades de terra/saibro, para entulhar e entupir a mina e o tubo e removeram este tubo para a água não circular (artigo 71.º da petição inicial);

B.13) De forma livre, voluntária e consciente (artigo 72.º da petição inicial);

B.14) Bem sabendo que, com isso, prejudicavam os Autores (artigo 73.º da petição inicial);

A responsabilidade civil consubstancia uma das fontes das obrigações previstas no Código Civil (artigos 483.º e seguintes do CC). Como tal, verificando-se que alguém praticou um facto ilícito e culposo, tendo pela sua actuação resultado danos para outrem, encontram-se preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual pelo que o autor dos danos terá de ressarcir o lesado, sendo que «quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação» (artigo 562.º do CC).

Ora, dispõe o artigo 483.º do Código Civil que «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».

Existem, assim, cinco pressupostos para que haja direito à indemnização – a prática de um facto voluntário, que seja ilícito, culposo, de onde resultem danos e a existência de um nexo de causalidade entre o facto praticado e esses danos. Como tal, sendo a causa de pedir nesta acção complexa, implica a alegação e prova de todos os pressupostos supra mencionados, porquanto consubstanciam factos constitutivos do direito dos Autores, nos termos do artigo 342.º, n.º 1 do CC.

Ora, atentando na factualidade provada nenhum dos pressupostos da responsabilidade civil resultou como provado, desde logo porque falha o facto, não tendo resultado como provado sequer que os Réus introduziram a mina com terra e saibro e removeram o tubo.

Termos em que, sem necessidade de ulteriores considerações, terá o seu pedido de improceder.”.

Os apelantes retorquiram com o que consta da sua conclusão de recurso 12ª).

Sem razão, porém, face à apontada matéria não provada, e que não foi alterada com a impugnação deduzida pelos mesmos.

Não procede, pois, o recurso, relativamente ao pedido dos AA para condenação dos RR a removerem a terra e entulho que os mesmos teriam colocado no interior da mina, por forma a que a água possa livremente escorrer e ser condutada pelo interior da mina para os terrenos dos AA. 

6. Na mesma decisão apelada deixou-se ainda dito que:

“Dando aqui por integralmente reproduzida toda a fundamentação de direito vertida no ponto 3.2.3. da presente sentença, cabe-nos concluir exactamente no mesmo sentido, ou seja, pela improcedência também deste pedido dos Autores.

Pese embora os Autores tenham sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais, não resultou da factualidade provada qualquer relação dos mesmos com factos praticados pelos Réus.

Quanto à abertura do poço, inexiste ilicitude (a abertura do poço foi um acto lícito), culpa e nexo causal entre os danos sofridos pelos Autores e tal facto (não resultando da existência dos poços um impedimento à circulação da água).

Quanto à obstrução da mina com terra e saibro, conforme supra mencionado, tais factos não resultaram sequer como provados.

Termos em que, também por aqui, o pedido dos Autores terá de improceder, por falta da verificação dos pressupostos processuais, ínsitos no artigo 483.º do CC.”.

Também a esta parte da sentença os apelantes opõem a sua conclusão de recurso 12).

Mas também aqui não têm razão, face à apontada matéria não provada, e que não foi alterada com a impugnação deduzida pelos mesmos, e ainda considerando o facto não provado 15).

Não procede, por isso, a apelação, relativamente ao pedido dos AA para condenação dos RR a pagarem-lhe indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados, a liquidar em execução de sentença, bem como nos juros moratórios e, após trânsito, juros compulsórios.

7. E na dita sentença, escreveu-se igualmente que:

“Tendo em consideração que a sanção pecuniária compulsória destina-se a constranger o devedor a obedecer ao que lhe foi imposto, determinando-o a realizar o cumprimento devido e no qual foi condenado, também este pedido terá de improceder, uma vez que os Réus serão absolvidos in totum de todos os pedidos formulados pelos Autores.”.

E, quanto a esta última questão, igualmente colocam em oposição a dita conclusão de recurso12ª).

Tendo em conta o exposto acima nos pontos 4. e 5., como os RR não ficam obrigados a cumprir qualquer prestação de facto, terá, igualmente de improceder, o pedido dos AA para que os RR paguem sanção compulsória de 50 € por cada acto de violação dos direitos e legítimos interesses dos AA, nos termos do art. 829-Aº, do CC.

8. Como se referiu no relatório supra, na audiência prévia foi proferido despacho de não admissão da reconvenção dos RR. O tribunal não condenou os RR em custas atenta a simplicidade da questão.

Os AA recorrem mostrando a sua discordância (cfr. 13ª e 14ª das conclusões de recurso), pretendendo que os RR sejam condenados nas custas da reconvenção, que eles AA sejam condenados apenas em metade das custas da acção e que não haja lugar à tributação do incidente de litigância de má fé.

Quanto às custas da reconvenção, pela não admissão da mesma, os AA não têm legitimidade para recorrer e consequentemente pedir a condenação dos RR na sua tributação, porquanto não ficaram vencidos no respeitante à aludida decisão de não admissão da reconvenção e de não condenação nas custas respectivas, nos termos do art. 631º, nº 1, do NCPC.

E não se diga, como o fazem os AA, que, na prática, eles têm de suportar as custas da acção e reconvenção, pois, apesar de os RR terem atribuído à sua reconvenção o valor de 2.500 €, o tribunal a quo não o considerou, face à não admissão de tal pedido reconvencional, tendo atribuído à causa apenas o valor de 5.000,01 €, que foi o valor atribuído pelos AA na p.i. Assim, o único valor a suportar, para efeito de custas é o que decorre do valor por eles indicado à causa.

De outro lado, não se compreende a contestação da sua condenação na totalidade das custas processuais, nos termos do art. 527º, nº 1 e 2, do NCPC, que fixa regra geral em matéria de custas e conforme a proporção. Se os AA com a decisão da 1ª instância foram vencidos em todos os pedidos, como é que queriam que os RR fossem condenados na proporção de metade !? Obviamente que isso não poderia acontecer.

Finalmente, questionam os AA a condenação em metade das custas pelo incidente de litigância de má-fé suscitado por ambas as partes, e na qual ambas as partes ficaram vencidas, pois o tribunal a quo julgou improcedente ambas os pedidos de litigância de má fé, condenação que aconteceu à sombra do indicado art. 527º, nº 1 e 2, do NCPC, e 7º, nº 4, do Reg. Custas Processuais.

Todavia desconhece-se o motivo ou argumentação pela qual discordam desta última condenação, pois no corpo das alegações não explicam ou desenvolvem a sua posição conclusiva. Ora, é jurisprudência antiga, corrente e uniforme que uma conclusão do recurso de recorrente que verse matéria não tratada, não desenvolvida ou não explicada especificamente no corpo das alegações, na minuta do recurso, é de considerar como inexistente e como tal não cognoscível (vide a título de exemplo o Ac. do STJ de 25.3.2004, Proc.02B4702, in www.dgsi.net).

Como assim, não conheceremos desta última questão.  

9. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Quando se impugna a matéria de facto, tem de observar-se os ditames do art. 640º, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, designadamente: a especificação dos concretos meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida, quanto ao ponto de facto impugnado; e quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda (sendo facultativa a transcrição de excertos);

ii) A omissão desses ónus, impostos no referido artigo, implica no caso, a desconsideração da audição da gravação realizada quanto a várias testemunhas e declarantes de parte, e da apreciação de “registos fotográficos”, apresentados como meios probatórios do recurso da decisão da matéria de facto;

iii) As opiniões dos técnicos valem como meios de prova ou como pareceres, conforme são expressas em diligência judicial (respostas a quesitos formulados em arbitramento) ou por via extrajudicial;

iv) Pelo que não pode colocar-se no mesmo plano da eficácia probatória o parecer de um perito recolhido numa perícia e o parecer de um técnico obtido extrajudicialmente, isto porque o parecer técnico é verdadeiramente um documento testemunhal, estando-se em presença de um depoimento testemunhal, de uma pessoa que narra o que viu e observou;

v) De modo que, se de um lado temos uma perícia e noutro um depoimento testemunhal, devendo atender-se que o princípio da audiência contraditória falha no caso do parecer técnico extrajudicial, daí decorre a inferioridade da prova colhida extrajudicialmente, sem intervenção da parte contrária, pelo que os pareceres técnicos têm de ser colocados em plano inferior à perícia judicial, valendo apenas como depoimentos de testemunhas obtidos sem fiscalização da parte contrária;

vi) No nosso caso, tendo pareceres técnicos apresentados pelos AA, naturalmente a seu pedido, contra peritagens provenientes de pessoas indiscutivelmente imparciais, pois são peritos estaduais (provenientes da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra e do Instituto Superior de Agronomia), o respectivo balanceamento leva a dar preferência ao que decorre da perícia, que tem uma força probatória forte;

vii) Em caso de dúvida séria sobre a realidade de um facto, visto o confronto entre a perícia, com a sua força probatória especial e os 2 pareceres técnicos, meros depoimentos testemunhais, sempre a mesma se resolveria contra a parte a quem o facto aproveita, ou seja, na espécie, volve-se tal dúvida contra os AA, que tinham o ónus de prova dos factos a eles favoráveis (art. 414º do NCPC);     

viii) Podendo adquirir-se águas subterrâneas, através de mina, por via da usucapião (de harmonia com os arts. 1395º, nº 1 e 1390º, nº 1 e 2, do CC), quem o faça pode juntar à sua posse contínua a dos seus antecessores, através da acessão da posse, incluindo posse dos herdeiros de um dos antecessores, que venderam os prédios aos AA (arts. 1255º e 1256º do CC).

IV - Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, assim se condenando os RR a reconhecer que os autores são donos da água que brota e é captada, armazenada e condutada pela mina, que esta identificada nos factos provados 14) a 20), no demais se mantendo a sentença recorrida.

Custas pelos AA e RR, na proporção de 4/5 (vencidos em 4 dos seus 5 pedidos) para os AA e 1/5 para os RR (vencidos num dos pedidos dos AA).

                                                                     Coimbra, 26.10.2021

                                                                      Moreira do Carmo

                                                                      Fonte Ramos

                                                                      Alberto Ruço