Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
470/24.1T8VIS-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HUGO MEIRELES
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
PROVA COMPLEMENTAR DO TÍTULO
CONVITE À APRESENTAÇÃO DA DOCUMENTAÇÃO COMPLEMENTAR
Data do Acordão: 09/16/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 10.º, N.ºS 5 E 6, 590.º, N.º 3, 703.º, 726.º, N.ºS 4 E 5, 734.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E 362.º DO CÓDIGO COMERCIAL
Sumário: I – O contrato de abertura de crédito, por conter somente uma promessa de empréstimo, só por si, é insuficiente como título executivo.

II – Pode, no entanto, aquele contrato integrar um título executivo compósito ou complexo se for acompanhado de documento ou documentos complementares que atestem a constituição ou reconhecimento da obrigação exequenda cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético.

III – A “prova complementar do título” deve ser feita por documento passado em conformidade com as cláusulas constantes do documento exequendo ou, sendo estas omissas, por documento revestido de força executiva própria.

IV – A falta de apresentação de documentação complementar do título executivo, com o requerimento executivo, deve provocar um convite a apresentá-lo.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

Executado/Recorrente: AA;

Exequente/recorrido: BB;

I. Relatório
BB requereu execução sumária contra CC, AA, DD, EE e FF, o primeiro por si e na qualidade de herdeiro de GG e de HH e os demais apenas enquanto sucessores destes últimos.
Peticiona o pagamento do capital de €240.375,20 que, com juros, à data de 30 de dezembro de 2015, e despesas extrajudiciais e judiciais, ascende a 558.864,52€.
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Alega, para o efeito, que, por escritura pública de 28 de janeiro de 2005, foi celebrado contrato de abertura de crédito com hipoteca, em que intervieram Banco 1..., CRL (atual Banco 2..., CRL), como mutuante, por um lado, e GG, HH e CC, como mutuários, por outro, para o valor mutuado máximo de 350.000,00 € (trezentos e cinquenta mil euros).
Por escritura pública de 18 de fevereiro de 2008, celebrada entre os mesmos outorgantes, foi aquele crédito hipotecário ampliado em 70.000,00 €, para um valor global de abertura de crédito até 420.000,00 €.
Entre as condições contratuais do referido crédito originário, posteriormente ampliado, ficou estabelecida a taxa de juros remuneratórios de 11,55% ao ano, acrescida, em caso de mora, de uma sobretaxa de 4% ao ano, e despesas no valor de 16.800,00 €.
Para garantia das obrigações emergentes do referido contrato foram constituídas hipotecas sobre quatro imóveis.
Por escritura pública celebrada a 30 de dezembro de 2015 – que apresenta como título executivo - o ora exequente, BB, adquiriu o referido crédito hipotecário que a Banco 2..., CRL, detinha sobre os aludidos GG, HH e CC, com o conhecimento e anuência destes, por preço igual ao valor em dívida.
Pela mesma escritura foi transferida para a titularidade do exequente a totalidade do crédito, bem como "todos os direitos, garantias e direitos acessórios a ele inerentes, designadamente todas as obrigações constituídas para sua garantia", tendo ainda sido objeto da cessão de créditos, "todas as demais condições contratuais" do dito crédito que, á data, se cifrava em 240.375,20€.
Os referidos GG, HH e CC, devedores de tal quantia, agora perante o ora exequente, foram por este interpelados para fazerem o pagamento da mesma. Contudo, nada lhe pagaram.
Entretanto, em 22 de dezembro de 2017 e 20 de julho de 2023, faleceram os devedores GG e HH, respetivamente, sucedendo-lhes como herdeiros II, CC e AA, que também nada pagaram ao exequente.
A herdeira II repudiou a herança, ficando em seu lugar os filhos DD, EE e FF, ora executados conjuntamente com CC e AA.
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Uma vez citado, o executado AA deduziu oposição à execução (e à penhora), dizendo, em síntese, na parte que aqui importa, que:
- A escritura de cessão de crédito hipotecário, mútuo com penhor de crédito hipotecário e mandato que acompanha o requerimento executivo (na qual se exara que o crédito aí cedido é resultante do contrato de abertura de crédito celebrado em 25/01/2005, posteriormente ampliado por contrato de ampliação de crédito hipotecário datado de 18/02/2008), desacompanhada de documentos que comprovem as concretas utilizações do crédito concedido no âmbito do contrato de abertura de crédito, mostra-se insuficiente para configurar título executivo, porquanto não importa a constituição ou o reconhecimento de qualquer obrigação. Termina pedindo a extinção da execução por manifesta falta de título executivo.
- Ainda que assim não se entenda, a verdade é que, ao peticionar juros remuneratórios, moratórios e outras despesas, o exequente parece confundir a cessão da posição contratual com a cessão de créditos. Ora, o contrato de cessão de créditos junto com a execução não teve por efeito a transmissão dos juros contratualmente estabelecidos, nem das demais disposições contratuais, incluindo as despesas judiciais e extrajudiciais, mas apenas a transmissão das garantias do crédito, in casu hipotecárias
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Admitida liminarmente a oposição, foi o exequente notificado para contestar, o que fez, alegando, em síntese, na parte que aqui interessa, que a escritura pública pela qual adquiriu o crédito hipotecário que a «Banco 2..., CRL» detinha sobre os GG, HH e CC, configura um título executivo válido.
Mais sustenta que, através desse contrato, juntamente com o crédito objeto da cessão, foram-lhe transmitidos todos os direitos, garantias e direitos acessórios inerentes a esse crédito, em conformidade com as condições contratuais estabelecidas no contrato de abertura de crédito, razão pela qual lhe são devidos os valores reclamados a título de juros remuneratórios e moratórios, bem como de despesas judiciais e extrajudiciais. 
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Em audiência prévia, realizada a 5 de novembro de 2024, foi proferido despacho saneador no qual, além do mais, a Mmª Juiz a quo, conhecendo da exceção de insuficiência de título executivo, decidiu nos seguintes termos: “De acordo com o art. 703º n.º 1 al. b) do Código de Processo Civil “1. À execução apenas podem servir de base: (…); b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação; (…)”.
Na presente execução foi apresentado como título executivo uma escritura de cessão de crédito hipotecário, mútuo com penhor de crédito hipotecário e mandato, mútuo com hipoteca e fiança, e respetivo documento complementar, realizada em 30/12/2015, no Cartório Notarial sito na Rua ..., em ..., aí figurando como Primeiro Outorgante a) JJ (…) e b) KK (…) que outorgam este ato na qualidade de membros do Conselho de Administração (…) da “Banco 2..., COOPERATIVA DE RESPONSABILIDADE LIMITADA” como 2º Outorgante BB (…) também designado por MUTUÁRIO tendo os 1ºs outorgantes declarado que a sua representada é titular do seguinte crédito: Devedores: GG e esposa HH  e CC (…), Crédito, Crédito resultante do contrato de abertura de crédito celebrado em vinte e oito de janeiro de dois mil e cinco, por escritura pública outorgada (…), ampliado em mais setenta mil euros por contrato de ampliação de crédito hipotecário celebrado em dezoito de fevereiro de dois mil e oito, por escritura pública (…). Garantia: Hipoteca registada pela inscrição apresentação quatro (…). Que a sua representada garante a existência e a exigibilidade do referido crédito mas não garante a solvabilidade dos identificados devedores. Que, pela presente escritura, em nome da sua representada, cedem ao segundo outorgante, a totalidade do referido crédito, pelo preço global de DUZENTOS E QUARENTA MIL TREZENTOS E SETENTA E CINCO EUROS E VINTE CÊNTIMOS, que já receberam e de que prestam quitação total e plena. Que a presente cessão comporta a transmissão para o segundo outorgante, de todos os direitos, garantias e direitos acessórios a ele inerentes, designadamente todas as obrigações constituídas para sua garantia. Que se mantêm em vigor todas as demais condições contratuais do dito crédito, nos termos dos respetivos contratos que o titulam e dos títulos das correspondentes garantias. (…). Pelo segundo outorgante foi dito: Que aceita a presente cessão de crédito nos termos exarados. (…)”.
      Mais foi junto com o requerimento executivo, a acompanhar a sobredita escritura, entre outros:
      - A escritura de Abertura de Crédito com Hipoteca outorgada em 28/01/2005 onde intervieram, como 1º Outorgantes LL (…) e KK (…) na qualidade de membros provisórios da direção (…) da “Banco 2..., COOPERATIVA DE RESPONSABILIDADE LIMITADA” como 2ºs Outorgantes GG e mulher HH e 3º Outorgante CC (…), mediante a qual foi celebrado um contrato de abertura de crédito até ao montante de TREZENTOS E CINQUENTA MIL EUROS, (…) em que a Caixa figura como credora e os segundos e terceiro outorgantes como devedores. (…).”
      - A escritura de Ampliação de Crédito Hipotecário outorgada em 18/02/2008 onde intervieram, como 1º Outorgantes LL (…);  KK (…) e MM, que outorgam este ato na qualidade de membros da direção (…) da “Banco 2..., COOPERATIVA DE RESPONSABILIDADE LIMITADA” como 2ºs Outorgantes GG e mulher HH e 3º Outorgante CC (…), mediante a qual foi dito que por escritura lavrada no extinto Cartório Notarial público ..., no dia 28/01/2005, (…) a Caixa, que os primeiros outorgantes representam, concedeu aos segundos e terceiro outorgantes e estes aceitaram, por contrato de abertura de crédito, a quantia de TREZENTOS E CINQUENTA MIL EUROS. (…). Que acordam em modificar a supra identificada escritura ampliando o empréstimo em SETENTA MIL EUROS, passando a mencionada abertura de crédito até ao montante de QUATROCENTOS E VINTE MIL EUROS. (…)”. 
      Não acompanhamos o exequente/embargado quando defende que o título executivo dado à presente execução é apenas a escritura de escritura de cessão de crédito hipotecário, mútuo com penhor de crédito hipotecário e mandato, mútuo com hipoteca e fiança, e respetivo documento complementar, realizada em 30/12/2015, porquanto, e por um lado, não se tratar de documento constitutivo do direito do crédito que o mesmo pretende fazer valer nestes autos, dado que o crédito em causa emerge dos contratos bancários subjacentes e sem que o mesmo revele o reconhecimento pelos da obrigação exequenda pelos executados.
      Assim, e sem que ponhamos em crise a natureza autêntica da escritura de cessão de créditos a que fizemos menção, a mesma não importa, por parte dos executados/devedores, a constituição ou o reconhecimento de qualquer obrigação, maxime da obrigação exequenda, tanto mais que os mesmos não intervieram na sua outorga, razão pela qual não configura a mesma, desacompanhada de outros documentos, título executivo nos termos do art. 703º al. b) do Código de Processo Civil.
      É que o contrato de abertura de crédito em conta corrente, por si só, não é título executivo dado que são os atos subsequentes à abertura de crédito e complementares desta que titulam o direito de crédito do exequente, na medida do desembolso que este tenha efetuado.
Efetivamente, a obrigação de reembolso só nasce na medida da disponibilização e utilização efetiva do crédito, pelo que, a exequente teria de provar esses concretos créditos em conta e a sua utilização efetiva.
O referido art. 707º dispõe que “Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequencia da previsão das partes.”
    J. H. Delgado de Carvalho  anota que é conferida força executiva aos documentos autênticos ou autenticados quando neles se convenciona a constituição de obrigações futuras, desde que o credor demonstre, por documento passado em conformidade com as suas cláusulas ou revestido de força executiva, nos termos do artigo 703.º, que existe a obrigação, constituída no âmbito da mesma relação contratual, em virtude de ter sido realizada a prestação que o credor se comprometeu a efetuar, conforme anteriormente acordado com o executado, para a constituição do dever de prestar em que se baseia o pedido executivo (artigo 707.º).
     A propósito desta norma, importará distinguir entre a obrigação futura e a obrigação vencida, sendo certo que só a obrigação futura exige que se demonstre a constituição da obrigação após a emissão do título, já que a obrigação não vencida se rege pelo disposto no art. 715º do Código de Processo Civil.
     Rui Pinto dá conta que a obrigação futura é a obrigação exequenda decorrente de um contrato que o credor está obrigado, pelo título executivo, a constituir mediante entrega de uma coisa ao devedor.
É certo que no caso ajuizado não foram juntos, no requerimento executivo, os extratos das contas de depósito onde se realizaram os respetivos créditos em conta, ou outros documentos bancários que comprovem a efetiva disponibilização dos valores.
Entendemos, porém, mostrar-se demonstrada a efetiva disponibilização de, pelo menos, € 300.000,00 em conta - valor este que se mostra superior ao montante do capital peticionado - assim se concluindo pela demonstração do cumprimento da prestação futura, em estrito cumprimento com o art. 707º citado.
E assim sucede por não podermos olvidar que na escritura de Ampliação de Crédito Hipotecário que acompanha o requerimento executivo, outorgada em 18/02/2008 onde intervieram, constar expressamente que a instituição bancária Banco 2..., COOPERATIVA DE RESPONSABILIDADE LIMITADA” concedeu aos segundos e terceiro outorgantes e estes aceitaram, por contrato de abertura de crédito, a quantia de TREZENTOS E CINQUENTA MIL EUROS. (…)., o que não pode deixar de configurar a demonstração da efetiva disponibilização do valor referido e subsequente reconhecimento da divida por parte dos devedores.
Ademais, não pode o embargante ignorar ter invocado, em 53º da petição inicial, que a herança de GG incumpriu o pagamento do referido empréstimo, o que de igual forma inculca o reconhecimento, pelo embargante, da efetiva disponibilização de valores monetários.
Perante o expendido inexiste, pois, motivo para retirar ou de qualquer modo condicionar a natureza ou a suficiência de título executivo às três escrituras apresentadas nos autos, devidamente complementadas, face à previsão conjugada dos arts. 703º al. b) e 707º do Código de Processo Civil, assim improcedendo a invocada exceção da falta de título.
      Notifique.
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No mesmo despacho saneador, apreciando a exceção de “exclusão das verbas peticionadas a título de juros remuneratórios, moratórios e despesas”, o Tribunal a quo decidiu nos termos que, de seguida, se transcrevem: «Nos termos do art. 577º n.º 1 do Código Civil o credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor.
Por outro lado, o art. 582º n.º 1 do Código Civil prevê que “na falta de convenção em contrário, a cessão do crédito importa a transmissão, para o cessionário, das garantias e outros acessórios do direito transmitido que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente”.
A cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite, conforme art. 583 n.º 1 do mesmo Código.
Ocorre a cessão de um crédito quando o credor, mediante negócio jurídico, transmite a terceiro o seu direito.
Verifica-se então a substituição de credor originário por outra pessoa – modificação subjetiva da obrigação – mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional - vide Mário Júlio de Almeida Costa, in Noções Fundamentais de Direito Civil, 4ª Edição, págs. 179 e segs.
Por outro lado, e na medida em que a cessão representa uma simples transferência da relação obrigacional pelo lado ativo, o devedor cedido pode valer-se, em face do cessionário (novo credor), dos meios direitos de defesa que lhe era lícito opor ao cedente (antigo credor), exceto os que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão (cfr. art. 585º do Código Civil).
A cessão de créditos traduz uma modificação da relação jurídica, passando a titularidade do direito de crédito da esfera do cedente para a do cessionário. Desde que a cessão seja notificada ou aceite pelo devedor ou seja dele conhecida, nos termos do art. 583º do Código Civil, o cumprimento da correspetiva obrigação deve ser feito perante o cessionário.
Perante estas noções, e essencialmente a circunstância expressa na escritura de cessão de créditos que acompanha o requerimento executivo, de que a presente cessão comporta a transmissão para o segundo outorgante, de todos os direitos, garantias e direitos acessórios a ele inerentes, designadamente todas as obrigações constituídas para sua garantia. Que se mantêm em vigor todas as demais condições contratuais do dito crédito, nos termos dos respetivos contratos que o titulam e dos títulos das correspondentes garantias. (…), não vemos, pois, razões para excluir a transmissão dos elementos da relação obrigacional, em concreto os juros convencionados e despesas e, em consequência, julga-se improcedente a presente exceção.
Notifique».
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No mais, determinou o prosseguimento dos autos para apreciação das restantes questões em litígio.
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Não se conformando com as sobreditas decisões, delas veio interpor recurso o embargante, concluindo as suas alegações de recurso nos seguintes termos:
(…).
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O exequente apresentou contra-alegações que conclui nos seguintes termos:
(…).
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II. Delimitação do objeto do recurso.
O âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil – ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Assim, em primeira linha, impõe-se decidir se estão, ou não, verificados os requisitos legais de exequibilidade do documento apesentado como título executivo.
Concluindo-se afirmativamente, caberá decidir se a força executiva de tal título abrange as verbas peticionadas a título de juros remuneratórios, moratórios e despesas.
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III. Fundamentação fáctica.
A factualidade a ter em conta para a apreciação e decisão do recurso é a que vem indicada no relatório acima enunciado, devendo ainda atender-se aos seguintes factos que resultam da prova documental junta aos autos:
1) Na presente execução foi apresentado como título executivo uma escritura de cessão de crédito hipotecário, mútuo com penhor de crédito hipotecário e mandato, mútuo com hipoteca e fiança, e respetivo documento complementar, realizada em 30/12/2015, no Cartório Notarial sito na Rua ..., em ..., aí figurando como Primeiro Outorgante a) JJ (…) e b) KK (…) que outorgam este ato na qualidade de membros do Conselho de Administração (…) da “Banco 2..., COOPERATIVA DE RESPONSABILIDADE LIMITADA” como 2º Outorgante BB (…) também designado por MUTUÁRIO tendo os 1ºs outorgantes declarado que a sua representada é titular do seguinte crédito: Devedores: GG e esposa HH  e CC (…), Crédito, Crédito resultante do contrato de abertura de crédito celebrado em vinte e oito de janeiro de dois mil e cinco, por escritura pública outorgada (…), ampliado em mais setenta mil euros por contrato de ampliação de crédito hipotecário celebrado em dezoito de fevereiro de dois mil e oito, por escritura pública (…). Garantia: Hipoteca registada pela inscrição apresentação quatro (…). Que a sua representada garante a existência e a exigibilidade do referido crédito mas não garante a solvabilidade dos identificados devedores. Que, pela presente escritura, em nome da sua representada, cedem ao segundo outorgante, a totalidade do referido crédito, pelo preço global de DUZENTOS E QUARENTA MIL TREZENTOS E SETENTA E CINCO EUROS E VINTE CÊNTIMOS, que já receberam e de que prestam quitação total e plena. Que a presente cessão comporta a transmissão para o segundo outorgante, de todos os direitos, garantias e direitos acessórios a ele inerentes, designadamente todas as obrigações constituídas para sua garantia. Que se mantêm em vigor todas as demais condições contratuais do dito crédito, nos termos dos respetivos contratos que o titulam e dos títulos das correspondentes garantias. (…). Pelo segundo outorgante foi dito: Que aceita a presente cessão de crédito nos termos exarados. (…)”.
2) Mais foram juntos com o requerimento executivo, a acompanhar a sobredita escritura, entre outros documentos:
     - A escritura de Abertura de Crédito com Hipoteca outorgada em 28/01/2005 onde intervieram, como 1º Outorgantes LL (…) e KK (…) na qualidade de membros provisórios da direção (…) da “Banco 2..., COOPERATIVA DE RESPONSABILIDADE LIMITADA” como 2ºs Outorgantes GG e mulher HH e 3º Outorgante CC (…), mediante a qual foi celebrado um contrato de abertura de crédito até ao montante de TREZENTOS E CINQUENTA MIL EUROS, (…) em que a Caixa figura como credora e os segundos e terceiro outorgantes como devedores. (…).”
     - A escritura de Ampliação de Crédito Hipotecário outorgada em 18/02/2008 onde intervieram, como 1º Outorgantes LL (…);  KK (…) e MM, que outorgam este ato na qualidade de membros da direção (…) da “Banco 2..., COOPERATIVA DE RESPONSABILIDADE LIMITADA” como 2ºs Outorgantes GG e mulher HH e 3º Outorgante CC (…), mediante a qual foi dito que por escritura lavrada no extinto Cartório Notarial público ..., no dia 28/01/2005, (…) a Caixa, que os primeiros outorgantes representam, concedeu aos segundos e terceiro outorgantes e estes aceitaram, por contrato de abertura de crédito, a quantia de TREZENTOS E CINQUENTA MIL EUROS. (…). Que acordam em modificar a supra identificada escritura ampliando o empréstimo em SETENTA MIL EUROS, passando a mencionada abertura de crédito até ao montante de QUATROCENTOS E VINTE MIL EUROS. (…)”. 
3) De acordo com a cláusula quarta do referido documento complementar anexo à escritura pública de 28 de janeiro de 2005, “os segundo e terceiro outorgantes usarão o referido crédito por meio de cheques, letras, livranças, descoberto em contas de depósito à ordem, garantias, escritos particulares ou quaisquer documentos congéneres, representativos dos empréstimos ou das propostas de crédito, que vencerão o juro estipulado pela Caixa agrícola credora (…).
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III. Do mérito do recurso
Um dos pressupostos específicos da ação executiva, de natureza essencial, é que o dever de prestar conste de um título, o título executivo.
Por constituir a base da execução, pelo título se determina, além do mais, o objeto, o fim e os limites da ação executiva (cf. art.º 10º, nºs 5 e 6 do Código de Processo Civil).
O título executivo apresenta-se como requisito essencial da ação executiva e há de constituir instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda, i. é, documento suscetível de, por si só, revelar, com um mínimo aceitável de segurança, a existência do crédito em que assenta o pedido exequendo.
O art.º 703º do Código de Processo Civil enuncia de forma taxativa as espécies de títulos executivos admissíveis, prevendo no seu n.º 1 al. d) que, por disposição especial, seja atribuída força executiva a outros documentos. Ali, são considerados título executivo além das sentenças condenatórias (al. a)) e dos títulos de crédito (al. c)), os documentos exarados ou autenticados por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação (al. b)).
Para além dos requisitos de ordem formal previstos no Código de Notariado, “para que o documento autêntico ou autenticado constitua título executivo, torne-se necessário que o mesmo importe a constituição de uma obrigação ou o reconhecimento de uma obrigação pré-existente, sendo, por isso, indispensável que a obrigação se encontre compreendida no próprio título. É o que sucede, por exemplo, se, num contrato promessa de partilha, celebrado por escritura pública, um dos outorgantes se obriga a pagar ao outro, de forma prestacional, uma determinada quantia pecuniária, como contrapartida pela adjudicação da totalidade do património comum do casal.
Constitui igualmente título executivo o documento autêntico ou autenticado, do qual resulte, por simples declaração unilateral, a promessa de uma prestação ou o reconhecimento de uma dívida, sem indicação da respetiva causa, situação em que o credor fica dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume, até prova em contrário (art.º 458º do CC). Deste modo, neste caso, o credor carece apenas de alegar a relação causal subjacente à declaração unilateral de promessa de uma prestação ou de reconhecimento de uma dívida, isto é, os factos constitutivos do direito de crédito a que se arroga titular, recaindo, por uma vez, sobre o devedor o ónus de provar a inexistência dessa relação”[1]
No caso dos autos, de acordo com o que resulta do requerimento executivo, o exequente dá à execução a escritura pública celebrada em 30 de Dezembro de 2015, entre ele próprio e a «Banco 2..., CRL», pela qual diz ter adquirido o crédito hipotecário que instituição bancária detinha sobre o executado CC e sobre GG e HH, a quem sucederam os executados. De acordo com essa mesma escritura pública, à data da referida cessão, tal crédito cifrava-se em €240.375,20 e resulta do contrato de abertura de crédito celebrado por escritura pública de 25 de janeiro de 2005, posteriormente modificado por contrato designado de «Ampliação de crédito hipotecário», outorgado por escritura pública de 12 de fevereiro de 2008.
O recorrido reitera este entendimento nas suas contra-alegações de recurso.
Sem razão, porém.
É que, como se refere na decisão impugnada, a referida escritura pública de cessão de crédito hipotecário, apesar de aludir ao montante de que os executados serão devedores, não importa a constituição do correspondente direito de credito que o exequente pretende fazer valer nestes autos, dado que este não emerge do contrato de cessão de créditos, mas antes dos contratos bancários subjacentes, celebrados entre o cedente e os devedores. Por outro lado, também não revela o reconhecimento da obrigação por parte dos executados (ou dos devedores originários), que, aliás, de nenhum modo intervêm nessa escritura pública.
Parece-nos, assim, manifesto que mencionada escritura pública de cessão de créditos não reúne os pressupostos legais para ser considerada título executivo, apenas podendo relevar como documento demonstrativo de que o exequente sucedeu, por ato inter vivos, na posição jurídica do credor originário, titular ativo da obrigação exequenda, e que, por isso, está assegurada a sua legitimidade processual (art.º 54º. n.º 1 do Código de Processo Civil).
A questão que se poderá colocar, e que foi equacionada na decisão recorrida, é a de saber se as supra mencionadas escrituras públicas de abertura de crédito e de ampliação de crédito hipotecário, outorgadas em 28 de janeiro de 2025 e 12 de fevereiro de 2008, respetivamente, juntas com o requerimento executivo, configuram título executivo suficiente para suportar a execução embargada Vejamos, então.
Na escritura de Abertura de Crédito com Hipoteca outorgada em 28/01/2005, intervieram como 1º outorgantes LL (…) e KK (…) na qualidade de membros provisórios da direção (…) da “Banco 2..., COOPERATIVA DE RESPONSABILIDADE LIMITADA” como 2ºs Outorgantes GG e mulher HH e 3º Outorgante CC (…), declarando celebrar um contrato de abertura de crédito até ao montante de TREZENTOS E CINQUENTA MIL EUROS, o qual se regulará de acordo com as cláusulas constantes do documento complementar anexo, (…) em que a Caixa figura como credora e os segundos e terceiro outorgantes como devedores”.
Por seu turno, na escritura publica de «Ampliação de Crédito Hipotecário», outorgada em 18/02/2008, intervieram como 1º Outorgantes LL (…);  KK (…) e MM, que outorgam este ato na qualidade de membros da direção (…) da “Banco 2..., COOPERATIVA DE RESPONSABILIDADE LIMITADA” como 2ºs Outorgantes GG e mulher HH e 3º Outorgante CC (…), tendo os outorgantes ali declarado que “por escritura lavrada no extinto Cartório Notarial público ..., no dia 28/01/2005, (…) a Caixa, que os primeiros outorgantes representam, concedeu aos segundos e terceiro outorgantes e estes aceitaram, por contrato de abertura de crédito, a quantia de TREZENTOS E CINQUENTA MIL EUROS. (…). Que acordam em modificar a supra identificada escritura ampliando o empréstimo em SETENTA MIL EUROS, passando a mencionada abertura de crédito até ao montante de QUATROCENTOS E VINTE MIL EUROS. (…)”. 
A primeira das mencionadas escrituras publicas corporiza um contrato de abertura de crédito, que foi objeto de uma alteração dos seus termos (no sentido da ampliação do limite do crédito inicialmente concedido) através da segunda escritura pública.
O contrato de abertura de crédito, previsto no art.º 362º, do Código Comercial, é o negócio jurídico mediante o qual a instituição bancária se obriga a disponibilizar ao cliente a utilização de determinada quantia em dinheiro durante certo período de tempo, obrigando-se este a, para além de outros valores convencionados, reembolsar o banco na medida dos montantes de crédito efetivamente colocados à sua disposição.
Embora corresponda à fonte da constituição de obrigações pelo cliente do Banco, não reflete a efetiva constituição nem o reconhecimento (pelo devedor) de qualquer obrigação pecuniária; não certifica, por si só, qualquer dívida da cliente. Este não fica desde logo titular efetivo de qualquer soma em dinheiro, apenas tendo a disponibilidade de a ele vir a recorrer (que pode ou não vir a utilizar), dependendo a disposição dos fundos da sua manifestação de vontade.
Na realidade, o Banco não se constitui credor de uma qualquer prestação pecuniária enquanto o cliente não mobilizar os valores por ele disponibilizados. A obrigação deste só surge depois, no momento em que, por conta do crédito aberto, faz algum levantamento ou movimenta determinada quantia; é então que surge o empréstimo definitivo e consequentemente nasce a dívida.
Daí ser entendimento pacífico na doutrina a na jurisprudência que o contrato de abertura de crédito, por conter somente uma promessa de empréstimo, só por si, é insuficiente como título executivo[2].
No caso em apreço, resultando da escritura pública de abertura de crédito de 28 de janeiro de 2005 o valor máximo de capital que o Banco tornou disponível a favor dos seus clientes, que nela intervieram como promissários – ou seja, inicialmente o montante de €350.000,00, depois de €420.000,00 (desde a alteração contratual operada pela segunda das referidas escrituras públicas) - dela não se extrai qualquer valor ou valores pecuniários que, no âmbito daquele contrato, tenham sido efetivamente entregues/creditados ao favor destes, justificativos da quantia exequenda (€240.000,00).
A dita figura contratual cabe, por isso, na previsão do art.º 707º, do Código de Processo Civil (sob a epígrafe “exequibilidade dos documentos autênticos ou autenticados”), o qual dispõe que “(o)s documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes”.
Compreende-se que assim seja já que a obrigação de reembolso a cargo do creditado está diretamente ligada ao montante efetivamente disponibilizado, pelo que o banco, dando à execução essa obrigação, terá de demonstrar a celebração daquele contrato e a prestação pela qual pôs o crédito à disposição do cliente.
Nas palavras do Acórdão desta Relação de 25 de outubro de 2022[3], “(o) documento em que se preveja a constituição de obrigações futuras, configura o chamado título executivo complexo, corporizado num acervo documental em que a complementaridade entre dois ou mais documentos se articula e complementa numa relação lógica, evidenciada no facto de regra geral, cada um deles só por si não ter força executiva e a sua ausência fazer indubitavelmente soçobrar a do outro, mas juntos asseguraram eficácia a todo o complexo documental como título executivo”.
A “prova complementar do título” deve ser feita por documento passado em conformidade com as cláusulas constantes do documento exequendo ou, sendo estas omissas, por documento revestido de força executiva própria.
Como nos diz o Acórdão desta Relação de 13 de dezembro de 2023[4], “Um contrato de abertura de crédito exarado em documento autêntico, na medida em que apoiado por um outro instrumento documental (v. g., um extrato de conta), elaborado de acordo com as cláusulas do contrato, e que mostre (que indicie com suficiência bastante, que prove) terem sido disponibilizados os recursos pecuniários naquele previstos, constitui título executivo (compósito) bastante para poder sustentar uma ação executiva”
Importa, assim, saber se, no caso, o exequente logrou trazer aos autos os elementos documentais necessários à composição do título exequendo.
No caso concreto, o documento complementar anexo à escritura pública de 28 de janeiro de 2005, prevê que “os segundo e terceiro outorgantes usarão o referido crédito por meio de cheques, letras, livranças, descoberto em contas de depósito á ordem, garantias, escritos particulares ou quaisquer documentos congéneres, representativos dos empréstimos ou das propostas de crédito, (…) (cláusula quarta do documento complementar à escritura de 28 de janeiro de 2005).
Contudo, como bem nota a decisão recorrida, “no caso ajuizado não foram juntos, no requerimento executivo, os extratos das contas de depósito onde se realizaram os respetivos créditos em conta, ou outros documentos bancários que comprovem a efetiva disponibilização de valores”.
Não obstante, a mesma decisão entendeu que a escritura pública de «Ampliação de crédito hipotecário», permite concluir pela demonstração da efetiva disponibilização aos devedores de um valor superior àquele que é reclamado na execução e subsequente reconhecimento da dívida por parte dos devedores, na medida em que consta de tal documento autêntico que os outorgantes declararam que “por escritura lavrada no extinto Cartório Notarial público ..., no dia 28/01/2005, (…) a Caixa, que os primeiros outorgantes representam, concedeu aos segundos e terceiro outorgantes e estes aceitaram, por contrato de abertura de crédito, a quantia de TREZENTOS E CINQUENTA MIL EUROS. (…).
Parece isto significar que a Mmª Juiz a quo – apesar de não o afirmar expressamente - entendeu que a escritura pública de 2008 continha o reconhecimento de uma obrigação pecuniária por parte dos devedores, sendo por conseguinte, um documento revestido de força executiva própria, enquanto documento autêntico recognitivo de uma obrigação pré-existente, bastante, portanto, para considerar realizada a prova complementar (documental) do título dado à execução (a escritura pública de 2005), nos termos do citado art.º 707º do Código Civil.
Mas será que podemos validar esta conclusão?
Tudo passa por determinar se a mencionada escritura pública de «Ampliação de Crédito Hipotecário» reúne os requisitos para ser, ela própria, considerada um título executivo autónomo, nos termos da al. b) do art.º 703º do Código de Processo Civil, por configurar um documento exarado por notário que contém o reconhecimento de uma obrigação (no caso, pecuniária).
Como se disse, o título constitui a base da execução e determina o fim e os limites da mesma, devendo constituir um instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda, i. é, documento suscetível de, por si só, revelar, com um mínimo aceitável de segurança, a existência do crédito em que assenta o pedido exequendo.
Para aferir de tais caraterísticas pode e deve o julgador proceder à prévia interpretação do mesmo, sendo que, em caso de fundadas dúvidas, ele não é exequível[5].
A questão será então a de saber se a supra referida declaração exarada no texto da escritura pública de «Ampliação de crédito Hipotecário», datada de 18 de fevereiro de 2008, deve se interpretada como uma declaração inequívoca de reconhecimento pelos devedores de que lhes foi efetivamente disponibilizada/entregue pelo Banco, em execução do anterior contrato de abertura de crédito, a mencionada quantia de €350.000,00.
A nosso ver, a resposta a esta questão deve ser negativa.
Por um lado, a expressão “conceder a quantia” é ela própria equívoca, já que se o verbo conceder pode ter como sinónimo “dar” ou “atribuir”, tem também o significado de dar permissão, consentimento ou autorização (cf. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das letras de Lisboa, Verbo Editora), consentâneo, portanto, com a natureza do contrato de abertura de crédito que as partes mencionam na declaração em análise.
Por outro lado a referência à concessão da mencionada quantia, “por escritura lavrada no extinto Cartório Notarial público ..., no dia 28/01/2005,”, seguida, imediatamente, da declaração de que “acordam em modificar a supra mencionada escritura “ampliando o empréstimo em setenta mil euros, passando a mencionada abertura de crédito até ao montante de quatrocentos e vinte mil euros” parece sugerir que os ali outorgantes pretenderam tão só fazer uma alusão à parte do referido contrato de abertura de crédito que quiseram modificar (aumentando o limite do crédito inicialmente concedido nos moldes descritos).
Em face do exposto, não podemos afirmar que qualquer pessoa no lugar do declaratário (art. 236.º n.º 1 do Código Civil) interpretaria a referida declaração como o reconhecimento, pelos devedores outorgantes da mencionada escritura, de que, em execução do contrato de abertura de crédito celebrado pela escritura pública de 28 de janeiro de 2005, lhes foi entregue pelo Banco a quantia de €350.000,00.
Em face do exposto, entendemos que a escritura pública designada «Ampliação de Crédito Hipotecário» não contém uma declaração inequívoca de reconhecimento, pelos devedores, de que a quantia de €350.000,00 lhe foi efetivamente entregue pelo banco, em execução do anterior contrato de abertura de crédito. Por isso, não lhe pode ser reconhecida força executiva.
É certo que a decisão recorrida faz notar que o embargante recorrente alegou, no artigo 53º da petição inicial de embargos, o incumprimento de um anterior empréstimo, “tendo sido instaurada a competente execução, sendo que o pagamento do valor em dívida, no valor de €392.000,00, foi efetuado pelo falecido NN através da abertura de conta de crédito com hipoteca referida nestes autos”, concluindo que a mesma inculca o reconhecimento pelo embargante/devedor da efetiva disponibilização de valores monetários, em execução do contrato de abertura de crédito.
Contudo, não nos parece que a necessária prova complementar do título dado à execução (considerando este a escritura pública de abertura de crédito outorgada em 28 de janeiro de 2005) possa advir de tal alegação. De facto, ainda que dela resulte o reconhecimento da entrega de valores monetários a um dos outorgantes do contrato de abertura de crédito, em execução desse mesmo contrato, a verdade é que da mesma não se extraem os concretos valores disponibilizados, sendo por isso insuscetível de suprir a insuficiência do título executivo.
Em conclusão, não podemos considerar que o exequente apresentou o título executivo complexo necessário ao prosseguimento do processo de execução por ele instaurado.
*
A questão que imediatamente se coloca é a de saber se a falta de apresentação do documento comprovativo da concessão efetiva do crédito exequendo com o requerimento executivo deverá dar lugar ao proferimento de despacho de convite ao aperfeiçoamento do articulado.
Sem que se desconheça relevantes opiniões em contrário[6], propendemos para o entendimento segundo o qual, “a omissão da junção do documento complementar deve dar azo à prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, sob cominação de indeferimento do requerimento executivo”[7] [8].
Como nos diz o Acórdão da Relação do Porto de 9 de março de 2023[9], (..) a insuficiência do título não se confunde com a sua manifesta insuficiência. Não é, para já, de excluir a existência de documentação bancária complementar suficiente e adequada a completar o título executivo, conferindo certeza e exigibilidade à obrigação.
Como decorre do citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.4.2018, uma das linhas mestras que, desde a reforma de 1995, enformam o processo civil é a de garantir a prevalência do fundo sobre a forma, privilegiando-se a providência de mérito, em detrimento da aplicação estrita de normas de índole formal.
Esta orientação concretiza-se, no âmbito da ação executiva, designadamente, no dever de convidar o exequente a suprir a falta de pressupostos processuais e as irregularidades de que enferma o requerimento executivo, desde que sanáveis, como se prescrevia expressamente no art.º 812º-E, nº 3, do anterior Código de Processo Civil (atual art.º 726º, nº 4).
Será o caso da execução baseada em título de que resulte a incerteza da obrigação ou a inexigibilidade da prestação e não seja imediatamente oferecida e efetuada prova complementar do título, como aqui acontece.
Não estamos, por agora, perante uma insuficiência manifesta, evidente, por ser de admitir que pode ser suprida pela junção de documentação adequada, desde logo de natureza bancária.
Nos termos do art.º 820º do Código de Processo Civil de 1961 (atual art.º 734º), o juiz pode conhecer, mesmo oficiosamente, das questões a que aludem o nºs 1 e 3 do art.º 812º-E até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados.
Só no caso de tal convite não ter resposta adequada, não sendo aperfeiçoada a petição e suprido o vício, é que, tornando-se manifesta a insuficiência do título, deverá ser decretada a extinção da execução, conforme art.º 812-E, nº 4 (atual art.º 726º, nº 5).
Não obsta à formulação daquele convite o facto de nos encontrarmos em sede de embargos de executado, fundando-se também na aplicação do art.º 590º, nº 3, do Código de Processo Civil, enquanto procedimento declarativo.
Impõe-se, assim, a revogação da primeira das decisões recorridas, que deverá ser substituída por outra que determine o convite ao aperfeiçoamento do requerimento executivo nos termos descritos.
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Em consequência, fica prejudicada a apreciação do recurso da decisão que indeferiu a exclusão das verbas peticionadas a título de juros remuneratórios, moratórios e despesas.
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Sumário (ao abrigo do disposto no art.º 663º, n.º 7 do CPC):
(…).
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IV. Decisão
Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:
- Julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, revogar a decisão que considerou improcedente a exceção de falta de título executivo, ordenando-se a prolação de despacho na 1ª instância que convide o exequente à junção de documentação complementar que comprove e justifique disponibilização efetiva da quantia exequenda liquidada.
- Considerar prejudicado, por inutilidade, o recurso da decisão que julgou improcedente a exceção de exclusão das verbas peticionadas a título de juros remuneratórios, moratórios e despesas.
Custas da apelação pela parte que vier a decair a final.


Coimbra, 16 de setembro de 2025

Assinado eletronicamente por:
Hugo Meireles
Luís Miguel Carvalho Ricardo
Cristina Neves


(O presente acórdão segue na sua redação as regras do novo acordo ortográfico, com exceção das citações/transcrições efetuadas que não o sigam)


[1] Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, Almedina, 5ª Edição, pag. 88 e 89.
[2] Cf. entre outros, Rui Pinto, A Ação Executiva, AAFDL Editora, 2023 (reimpressão), pags. 185 e segs., Marco Carvalho Goncalves, Lições de Processo Executivo, Almedina, 5ª Edição, pags.90 e segs. e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23 de novembro de 2023, processo n.º 1466/20.8T8ALM-D.L1-2, in www.dgsi.pt.
[3] Processo n.º 475/21.4T8SRE-A.C1, in www.dgsi.pt.
[4] Processo n.º 75/21.9T8ANS-B.C1, in www.dgsi.pt.
[5] Cfr. Lebre de Freitas – in A Acção Executiva, 2004, pag. 35,
[6] Cf. p.e o Acórdão do tribunal da Relação do Porto de 10 de fevereiro de 2016, processo n.º 100/13.7TBVLG.P1, in www.dgsi.pt
[7] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2ª edição, pag. 38, em anotação ao art.º 707.
[8] No mesmo sentido, cf. o Acórdão da Relação do Porto de 11 de março de 2014, processo n.º 3874/11.6TBPRD.P1, in www.dgsi.pt.
[9] Processo n.º 21416/21.3T8PRT-A.P1, in www.dgsi.pt