Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1678/12.8TBGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA
NULIDADE FORMAL
CONVERSÃO
CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA
PROMESSA DE VENDA DE COISA ALHEIA
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
SINAL
RECURSO
CONCLUSÕES
IMPUGNAÇÃO DE FACTO
NULIDADE DA SENTENÇA
Data do Acordão: 09/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA - GUARDA - JL CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.293, 350, 410, 441, 442, 830, 874, 892, 1404, 1408 CC, 615 Nº1 D), 640 Nº1 B) CPC
Sumário:
1 Um contrato de compra e venda nulo por falta de forma, pode e deve, em regra, converter-se num contrato-promessa, desde que verificados os requisitos legais da substância, da forma e da vontade hipotética dos contratantes;
2 Tal verifica-se se um dos AA quis vender dois imóveis, os RR quiseram comprar, mas o contrato é nulo por vício formal, estando os contratantes e o objecto do negócio perfeitamente identificados, o preço fixado e pago, preço esse correspondente ao valor real de tais imóveis, que foram ocupados pelos RR e onde efectuaram uma construção, realizaram trabalhos e plantaram árvores, e tendo ambas as partes contratantes exarado o contrato em escrito particular assinado pelos outorgantes.
3. Se esse A. promitente vendedor é um dos outros herdeiros, integrando os referidos dois imóveis herança indivisa, estaremos defronte a uma promessa de venda de coisa alheia, mas que é válida face ao disposto nos arts. 410º, nº 1, parte final, 892º, 1404º e 1408º, nº 1 e 2, do CC, devidamente conjugados.
4. Os RR promitentes compradores não podem obter a execução específica contra os referidos demais herdeiros por estes não terem outorgado no dito contrato promessa e assim não existir declaração negocial em falta a suprir através de sentença, e também não podem obter tal execução específica contra o A. herdeiro promitente vendedor, por face à recusa em vender dos demais herdeiros a isso se opor a natureza da obrigação assumida (art. 830º, nº 1, do CC).
5. Do disposto no art. 441º do CC resulta que se presume que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente- comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação total (ou princípio) de pagamento do preço, presunção legal juris tantum e como tal ilidível, nos termos do art. 350º, nº 2, do CC.
6. Num contrato promessa de compra e venda, por conversão de um definitivo, em que se demonstra que um dos AA quis vender dois imóveis, com conhecimento dos demais herdeiros, os RR quiseram comprar, tendo-lhes sido por aquele que os ditos herdeiros concordavam, estando os contratantes e o objecto do negócio perfeitamente identificados, o preço fixado e totalmente pago, preço esse correspondente ao valor real de tais imóveis, que foram ocupados pelos RR, tal realidade deve fazer concluir que o preço pago o foi a título de antecipação total da obrigação futura, a que emergia do contrato prometido, e não como um simples sinal.
7. Inexistindo sinal não pode o promitente-comprador exigir a sua devolução em dobro, a coberto do art. 442º, nº 2, do CC; nesse caso e não sendo possível o cumprimento do contrato-promessa deve ser devolvido ao promitente-comprador a quantia que entregou como antecipação total do cumprimento.
8. Caso haja sinal constituído, nos termos desse art. 442º, nº 2, só é possível exigir o dobro se o não cumprimento do contrato for imputável ao outro contraente.
9. Na situação de validade de um contrato-promessa de coisa alheia, quanto à amplitude da promessa o promitente-vendedor pode assumir uma obrigação de meios, obrigando-se somente a usar de normal diligência no sentido de obter a coisa ou no sentido de obter o consentimento de terceiro a quem pertença ou que sobre ela tenha direitos, e pode assumir uma obrigação de resultado, garantindo ao promissário a celebração do contrato prometido.
10. Caso seja qualificada como obrigação de meios, só a prova pelo promitente-comprador da actuação culposa do promitente-vendedor origina a aplicação das regras do incumprimento da promessa.
11. Não se demonstrando, através da factualidade apurada, que o A. promitente vendedor agiu culposamente relativamente a essa obrigação de meios, o sinal tem de ser devolvido aos RR promitentes-compradores.
12. Quando as conclusões contenham um fundamento ou razão que não tenha sido exposta/desenvolvida nas alegações deve considerar-se não impugnada, nessa parte, a decisão recorrida, com a consequente impossibilidade de conhecimento, nesse segmento, do objecto do recurso.
13. Só há nulidade da decisão (art. 615º, nº 1, d), 1ª parte, do CPC) se entre a sua fundamentação e a decisão tirada a final houver contradição lógica; se os factos provados implicarem uma determinada decisão e o julgador tirar outra o que se verifica é um erro de julgamento de direito mas não a apontada nulidade.
14. Se o recorrente não especificar quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo da gravação realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos que impugnou, a impugnação da matéria de facto deve ser rejeitada, nos termos do art. 640º, nº 1, b), CPC.
Decisão Texto Integral:
Proc.1678/12.8TBGRD

I – Relatório

1. Herança aberta por óbito de M (…), representada pela cabeça-de-casal A (…) a própria A (…), A (…), M (…), E (…), J (…), O (…) e B (…) intentaram acção declarativa contra MM (…) e esposa MA (…), residentes na Guarda, peticionando o seguinte: 1. Se declare que os imóveis identificados nos artigos 6 (prédio rústico inscrito na matriz sob o art. 330º e descrito na CRP da Guarda com o nº 941) e 7 (prédio rústico inscrito na matriz sob o art. 339º e descrito na CRP com o nº 942) da p.i. são propriedade da herança aberta por óbito de P ( …) e M (…) ; 2. Se declare nulo e sem qualquer efeito o negócio celebrado em 27.11.2010 entre A (…) e os RR, que teve por objecto a compra e venda dos prédios aludidos em 1.; 3. Se condene os RR a reconhecerem que os AA são legítimos proprietários e possuidores dos imóveis supra referidos; 4. Se condene os RR a restituírem os ditos imóveis, deixando-os livres de pessoas e bens, removendo todas as obras e coisas que nos mesmos implantaram.
Alegaram, em suma, que são filhos de P (… e M (…), sendo que a herança destes permanece ainda indivisa, herança à qual pertencem os identificados prédios rústicos, adquiridos pelos pais quer por via derivada, quer originária, e a quem sucederam como herdeiros, tendo mantido a posse de tais prédios. Que o A. A (…), sem o conhecimento e consentimento dos demais herdeiros AA, declarou vender aos RR, em documento particular, os dois prédios referidos pelo preço global de 3.000 €. De imediato se opuseram a tal negócio. Que os RR continuavam a ocupar os prédios, apesar de lhes ter sido comunicado para abandonarem os mesmos. Pugnam que o negócio é nulo por falta de forma e por falta de legitimidade de quem ali interveio como vendedor.
Os RR contestaram, invocando, em síntese, que o A. A (…), intitulando-se cabeça-de-casal, lhes propôs a venda dos dois referidos prédios rústicos pelo preço de 3.000 €, com conhecimento e autorização dos demais herdeiros, contrato esse que, mercê de não respeitar os requisitos de forma, deverá ser configurado como um contrato-promessa de compra e venda. Que 6 ou 7 meses depois da formalização do negócio, foram contactados por uma das A., Alice Costa informando-os de que a venda ficava sem efeito, dado que haviam sido contactados por uma terceira pessoa que lhes disse que um dos prédios rústicos valia mais 500 € e que, como tal, pretendiam que os RR desocupassem os prédios. Que nessa altura já tinham feito obras, que descreveram. Que com as obras levadas a efeito pelos RR houve uma valorização dos dois prédios, passando a ter um valor superior àquele que tinham.
Deduziram reconvenção, peticionando o seguinte: a. O reconhecimento de que em Novembro de 2010, o A. A (…) intitulando-se cabeça-de-casal e em representação dos demais herdeiros propôs-se vender aos RR, pelo preço global de 3.000 €, os dois identificados prédios rústicos; b. O reconhecimento que a declaração de venda, assinada a 27.11.2010, equivale a um contrato-promessa de compra e venda, estando presentes, aquando da sua assinatura os reconvintes e os reconvindos A (…) e A (…); c. O reconhecimento de que os RR entregaram ao A. A (…) a quantia de 3.000 €, a qual foi distribuída pelos restantes AA; d. O reconhecimento de que os RR efectuaram as obras descritas na reconvenção (arts. 101º a 109º) nos dois imóveis no valor de 9.424,20 €; e. Serem os AA obrigados a outorgar a escritura de compra e venda dos imóveis; f. O reconhecimento de que com as obras levadas a efeito pelos RR houve uma valorização dos dois prédios, passando a ter um valor superior àquele que tinham em 27.11.2010; g. O reconhecimento do direito dos RR de adquirirem os dois imóveis em questão por acessão industrial imobiliária, mediante o pagamento do valor que os mesmos tinham à data da implantação das construções feitas por aqueles; h. Sem prescindir, na devolução aos RR do dobro do preço pago, ou seja, a quantia de 6.000 € e na indemnização aos RR pelo valor das obras efectuadas num total de 9.424,20 €.
Os AA responderam, dizendo que as obras foram feitas de má fé, impugnaram o afirmado pelos RR, invocaram que os ditos prédios valem mais de 29.000 €, nenhum valor tendo sido acrescentado num dos prédios, pelo que não existe o alegado direito de acessão industrial imobiliária, inexistindo qualquer contrato promessa.
Posteriormente foram admitidos na causa a título de intervenção principal provocada activa C (…), M (…), A (…), I (…), A (…), L (…), F (…).
*
A final foi proferida sentença, na qual o tribunal decidiu:
A. Declarar que os prédios rústicos supra identificados em 5) são propriedade da herança aberta por óbito de P (…) e M (…) da qual são os demais AA legítimos herdeiros e representantes;
B. Declarar nulo, por falta de forma, o negócio celebrado em 27.11.2010 entre o A. A (…) e os RR, que teve por objecto a compra e venda dos prédios supra identificados sob 5);
C. Condenar os RR no reconhecimento da situação descrita em A);
D. Condenar os RR a restituírem os ditos imóveis, deixando-os livres das suas pessoas e bens;
E. Absolver os RR do demais peticionado;
F. Reconhecer que em Novembro de 2010, o A. A (…), com o consentimento dos restantes herdeiros propôs-se vender aos RR, pelo preço global de 3.000 € os dois prédios rústicos identificados supra sob 5);
G. Julgar improcedente o pedido de reconhecimento de que a declaração assinada em 27.11.2010 equivalha a um contrato promessa de compra e venda;
H. Reconhecer que os RR entregaram ao A. A (…) a quantia de 3.000 €;
I. Reconhecer que os RR efectuaram obras nos dois prédios no valor de 4.544,20 €;
J. Julgar improcedente o pedido de condenação dos AA na outorga de escritura de compra e venda a favor dos RR;
K. Julgar improcedente o pedido de reconhecimento de que com as obras levadas a efeito pelos RR houve uma valorização dos prédios e que estes tenham passado a ter um valor muito superior àquele que tinham em 27.11.2010;
L. Julgar improcedente o pedido de aquisição dos imóveis supra identificados em 5) por via da acessão industrial imobiliária;
M. Julgar improcedente o pedido de condenação dos AA na devolução do preço contratado em dobro, correspondente a 6.000 €;
N. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização dos RR pelo custo das obras realizadas, apenas na quantia de 4.047,20 € (ou 4.544,20 €, caso não desejem levantar a vedação).
*
2. Os RR interpuseram recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões:
(…)
4. Os RR contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso subordinado.


II - Factos Provados


1. Os AA. são, entre outros, filhos de P (…) falecida em 07.10.2007, no estado de casada no regime de comunhão geral com M (…), também conhecido quer por (…), quer por (…);
2. E, igualmente, filhos do referido M (…) também já falecido em 29.11.2009;
3. Sendo assim seus herdeiros;
4. A referida herança, aberta por força do decesso dos referidos De Cujus, embora aceite pelos AA., permanece ainda indivisa e impartida;
5. Fazem parte do acervo hereditário, entre outros, os seguintes prédios: a. Prédio rústico denominado de Vale, composto por terra de cultura, a confrontar (…) inscrito na matriz predial sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial com o …, e o respetivo direito de propriedade inscrito a favor dos De Cujus sob a inscrição …; b. Prédio rústico denominado de ..., composto por terra de pastagem, a confrontar (…) inscrito na matriz predial da freguesia … sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial com o …, e o respetivo direito de propriedade inscrito a favor da herança sob a inscrição …, de 2002/10/28;
6. Os imóveis referidos em 5) advieram à posse dos De Cujus por compra que em 25.07.2002 efetuaram a L (…), viúva, J (…) e sua mulher J (…), por via de contrato de compra e venda celebrado por escritura pública em 25.07.2002, no Cartório Notarial de …;
7. Tais imóveis foram levados às relações de bens dos autores da herança, participados à administração fiscal em 07.12.2009, através de requerimento assinado pela cabeça-de-casal;
8. Independentemente de tais título e registos, até à data do seu decesso, os pais dos AA., por si e acedendo à posse dos antepossuidores de tais imóveis, há mais de 20 anos a essa parte que os possuíram, de forma exclusiva, usando-os, fruindo-os e deles dispondo como coisa sua; 9. Ocupando-os com as suas pessoas, assim como com alfaias agrícolas e animais de sua propriedade;
10. Dando-os a apascentar;
11. Cuidando dos respetivos muros e vedações;
12. Cortando e cuidando das respetivas árvores e arbustos;
13. Semeando-os e lavrando-os;
14. Colhendo os respetivos frutos e arvenses nos mesmos produzidos;
15. Pagando os impostos e taxas aos mesmos concernentes;
16. O que sempre fizeram ostensivamente, à vista de tudo e de todos, nomeadamente dos RR., e assim de forma pública;
17. Sem oposição de ninguém, nomeadamente dos RR., e assim de forma pacífica;
18. Uso, fruição e disposição que sempre exerceram sem quaisquer interrupções ou hiatos e, assim, de forma contínua;
19. Na convicção de não estarem a lesar quaisquer interesses ou direitos de outrem e, assim, de boa-fé;
20. Exercendo tal poder de facto sobre os imóveis de forma direta e imediata;
21. Plenamente convictos de estarem a exercer sobre os mesmos um direito próprio e absoluto, com exclusão de outrem, em termos de direito de propriedade;
22. Tendo, assim, adquirido os AA. os referidos imóveis por sucessão;
23. De todo o modo, e acedendo à posse que os seus pais tinham sobre tais imóveis, bem como dos anteriores possuidores, há mais de 20 anos – até meados de 2010 – que, por si e por tais antepossuidores, vêm usando, fruindo e dispondo de tais imóveis como coisa sua;
24. Ocupando-os com as suas pessoas, assim como com alfaias agrícolas e animais de sua propriedade;
25. Dando-os a apascentar;
26. Cuidando dos respetivos muros e vedações;
27. Cortando e cuidando das respetivas árvores e arbustos;
28. Semeando-os e lavrando-os;
29. Colhendo os respetivos frutos e arvenses nos mesmos produzidos;
30. Pagando os impostos e taxas aos mesmos concernentes;
31. O que sempre fizeram ostensivamente, à vista de tudo e de todos, nomeadamente dos RR. e, assim, de forma pública;
32. Sem oposição de ninguém, nomeadamente, dos RR. e, assim, de forma pacífica;
33. Uso, fruição e disposição que sempre exerceram sem quaisquer interrupções ou hiatos e, assim, de forma contínua;
34. Na convicção de não estarem a lesar quaisquer interesses ou direitos de outrem e, assim, de boa-fé;
35. Exercendo tal poder de facto sobre a coisa em apreço de forma direta e imediata;
36. Plenamente convictos de estarem a exercer sobre a mesma um direito próprio e absoluto, com exclusão de outrem, em termos de propriedade;
37. A (…), em 27.11.2010, assinou um documento particular, do qual, além do demais teor que aqui se dá por reproduzido, consta o seguinte: «DECLARAÇÃO A (…) (…) Declara que efetuou uma venda de dois artigos rústicos, nomeadamente, Vale e Outeirinho a MA (…) e MM (…) (…), pelo preço de 3.000€. No dia 24 de novembro de 2010, os compradores entregaram uma tranche de 2.000€ e no dia 27 de novembro de 2010 outra tranche de 1.000€, totalizando os respetivos 3.000€. A escritura será feita assim que o Sr. A (…) tiver disponibilidade, devendo informar os compradores com duas (02) semanas de antecedência. (…).»
38. Fê-lo com o conhecimento dos demais irmãos;
39. Tal documento foi assinado pelo A. A (…), ali identificado como vendedor e pelos RR., ali identificados como compradores;
40. O valor comercial do conjunto de ambos os prédios supra identificados em 6) não ultrapassará os € 3.500,00;
41. O prédio rústico descrito em 5) a) tem a área de 438,00 m², incluindo a área de implantação do arrumo;
42. Tal parcela de terreno localiza-se em área rural, não tendo capacidade construtiva, inserindo-se em área classificada como reserva ecológica nacional (REN) e ainda em reserva agrícola nacional (RAN), sendo apto apenas para cultivo agrícola;
43. Contém um poço mas que não tem capacidade de captação de água para consumo humano;
44. O referido prédio confina a Nascente com caminho rural;
45. Atendendo à confinância do prédio rústico com a moradia dos RR., o seu valor comercial não ultrapassará os € 1.000,00;
46. O prédio identificado supra em 5) b) tem a área de 3.669 m²;
47. O prédio aludido em 46) tem acesso a caminho rural público e tem aptidão para floresta, sendo o solo classificado com a classe das terras, com a letra D (capacidade de uso baixa, com poucas ou moderadas limitações para pastagens, exploração de matas e exploração florestal);
48. Atendendo à localização e acesso, o valor comercial deste prédio não ultrapassará os € 2.500,00;
49. Em outubro de 2012, os AA. constataram que os RR. continuavam a ocupar os imóveis;
50. Tendo construído no lado sul do prédio denominado de … um anexo em blocos e cimento, com cerca de 2,5m de comprimento, por 5 de largura e 2,5 de altura, coberto com telhado de uma só água;
51. Anexo construído sem precedência de projeto ou licenciamento;
52. O Mandatário dos A. enviou carta data registada com AR de 21.11.2012 aos RR. de onde consta, além do demais teor, que aqui se dá por reproduzido, o seguinte: «(…) Com os meus cumprimentos, sou a contactar V.Ex.ª em representação da herança aberta por óbito de (…), e dos herdeiros (…) para lhe transmitir e solicitar o seguinte: 1º Desde há cerca de um ano e meio a esta parte que V.Ex.ª, contra a vontade e sem o consentimento dos meus constituintes, vem ocupando dois imóveis de natureza rústica denominados de … e … (…). 2º Com efeito, pese embora um dos herdeiros, concretamente o Sr. A (…), tenha pensado vender-lhe tais prédios, como o senhor bem sabe, todos os demais herdeiros, e apropria herança, não concordaram com tal transmissão. 3º Por outro lado, e pese embora as sucessivas advertências dos meus clientes, vem V.Ex.ª levando a cabo intervenções nos aludidos prédios, nomeadamente aí executando obras, que de todo vão contra a vontade dos meus clientes, sendo certo que nenhuma mais valia trazem aos referidos prédios. 4º Assim, pelo exposto, sou por este meio a solicitar a V.Ex.ª que deixe os prédios em referência livres das suas pessoas e bens e, de todo o modo, se abstenham de imediato de aí levar a cabo qualquer tipo de intervenção. (…).»
53. A quantia de € 2.000,00 foi entregues em 24.11.2010, num serão passado na Quinta dos … em casa de (…) encontrando-se presente a companheira do R., (…);
54. Tendo ficado acordado que o remanescente seria entregue em 27.11.2010, aquando da assinatura da respetiva declaração de venda;
55. Tal entrega foi projetada ser feita em 27.11.2010, num jantar em casa dos RR., no qual estavam presentes a companheira do R E (…), a A. A (…) e marido M (…) e ainda a filha dos RR. M (…);
56. Em virtude de visitas inesperadas, não foi possível efetuar o pagamento;
57. O qual veio a ter lugar na casa da A. A (…) em 28.11.2010, tendo a mesma sido entregue ao A. A (…);
58. O A. A (…) comunicou aos RR. que todos os herdeiros estavam de acordo;
59. Em data não concretamente apurada após a formalização do negócio, os RR. receberam um telefonema da A. A (…) informando-os de que a venda ficava sem efeito, pretendendo a desocupação dos prédios e a devolução do dinheiro;
60. O que os RR. negaram;
61. No prédio supra referido em 5) a) encontra-se construída uma pequena construção destinada a arrumos, que teria sido realizada há cerca de 5 anos (por referência à data do relatório pericial: 30.11.2016);
62. Sendo o valor estimado de construção de € 2.978,20, acrescido de IVA; 63. O prédio referido supra sob 5) b) foi objeto de desmatação ligeira no ano de 2011;
64. No prédio referido em 63) foram plantados castanheiros e árvores de fruto, em 2011 ou 2012;
65. O prédio foi vedado à data da plantação referida em 64);
66. O valor total despendido com os atos referidos em 63) a 65) foi estimado em € 1.566,00 acrescido de IVA;
67. O valor total das árvores plantadas é de € 347,12;
68. A vedação colocada é amovível, podendo ser removida sem danificar;
69. A construção feita no prédio denominado por Vale não faz aumentar o seu valor;
70. Nem tem acesso direto ao referido prédio;
71. O valor atribuído ao negócio é o apropriado, sendo consentâneo com o seu valor real;
*
Factos não provados:
a) Que os demais herdeiros tenham sabido do negócio em dezembro de 2010 e que, de imediato, se tenham oposto à venda;
b) Que os demais herdeiros, à data do negócio, não tenham concordado ou autorizado que tais bens fossem vendidos aos RR.;
c) Que não tivessem interesse em vender;
d) Que logo no início de 2011, o A. A (…) tenha reconhecido que havia laborado em erro e que tenha informado os RR. que o negócio celebrado ficava sem efeito, atento o facto de os demais herdeiros não concordarem;
(…)
j) Que no anexo construído no prédio identificado em 5) a) os RR. tenham despendido a quantia de € 4.823,00;
k) Que na desmatagem, plantação e vedação tenham despendido a quantia de € 4.601,20;
(…)
p) Que a quantia entregue pelos RR. tenha sido repartida entre os AA.;
*

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.
Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.
- Nulidade da sentença.
- Alteração da matéria de facto.
- Aquisição dos prédios pelos RR por acessão industrial imobiliária.
- Celebração de contrato promessa ou não entre as partes.
- Seus efeitos jurídicos.
- Indemnização a favor dos RR das obras efectuadas em valor superior.

2.1. Os RR concluem no seu recurso – sob J) - que a sentença é nula, nos termos do art. 615º, nº 1, c), do NCPC. Mas não passa disso, não passa de uma mera conclusão, pois no corpo das alegações não justificam minimamente que seja a apontada conclusão.
Ou seja, a dita conclusão não encontra apoio algum na motivação de recurso. Não se trata, porém, de qualquer conclusão deficiente carecida de aperfeiçoamento, porquanto a lei só prevê o dito aperfeiçoamento para as conclusões, não para as alegações propriamente ditas (art. 639º, nº 3, do NCPC = ao art. 685º-A, nº 3, do CPC). E é assim no que se refere à matéria de direito, pois tratando-se de matéria de facto, diferentemente nem sequer há qualquer aperfeiçoamento (cfr. corpo do art. 640º, nº 1, in fine, do NCPC). Por isso, por mais obscuras, complexas e deficientes que as alegações sejam, a lei não admite que o recorrente seja convidado a corrigi-las ou ampliá-las.
É sabido que as conclusões consistem na enunciação de proposições que sintetizam os fundamentos do recurso. A exigência de que a alegação conclua pela indicação sintética dos fundamentos, pressupõe necessária e logicamente que se expuseram mais desenvolvidamente esses fundamentos: a lei exige não só que o recorrente conclua senão também que alegue. O recorrente deve expor ao tribunal ad quem as razões da sua impugnação, a fim de que este tribunal decida se tais razões procedem ou não. Quando isso não suceda, i.e., quando as conclusões contenham um fundamento ou razão que não tenha sido exposta nas alegações, em face da impossibilidade legal de convidar o recorrente a ampliá-las, deve considerar-se não impugnada, nessa parte, a decisão recorrida, com a consequente impossibilidade de conhecimento, nesse segmento, do objecto do recurso (cfr. neste sentido, por ex., os Acds. do STJ de 2.12.1988, BMJ 382, pág. 497, de 12.1.1995, C.J., T. 1, pág. 20, de 13.1.2005, Proc.04B4132, de 24.5.2005, Proc.05A1414 e Abrantes Geraldes, Recursos em P. Civil, 2ª Ed., 2008, nota 4. ao artigo 684º do anterior CPC, pág. 92).
Como assim, não encontrando a dita conclusão, sobre este aspecto, apoio algum na motivação de recurso, é como se não houvesse impugnação, pelo que necessariamente não é cognoscível esta parte da referida impugnação, referente à pretensa nulidade, arguida pelos RR/apelantes.
2.2. Os AA também vieram arguir a mesma nulidade no seu recurso subordinado (cfr. conclusões 1ª a 5ª e 8ª), em relação ao segmento decisório sob F).
Naqueles mencionados artigo, número e alínea estatui-se que a sentença é nula se os fundamentos estiverem em oposição com a decisão ou ocorrer alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Não se divisa nenhuma ambiguidade ou obscuridade nesse segmento da decisão. E os AA também não o concretizam ou justificam.
Quanto à invocada oposição dir-se-á que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente, ainda que juridicamente correcto, a oposição é causa de nulidade da sentença. E mesmo quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante um erro de julgamento de direito mas não, também, perante uma nulidade da sentença (vide L. Freitas, A Acção Declarativa Comum, À Luz do CPC de 2013, 3ª Ed., pág. 333).
Não é manifestamente o caso, pois o julgador apresentou uma fundamentação jurídica no sentido da decisão que nessa parte veio a tomar. Há, por isso, coerência entre os fundamentos e a decisão, inexistindo pois a alegada contradição.
O que se verifica é uma confusão de conceitos dos recorrentes. Na verdade, se a fundamentação de facto – os factos provados 37. e 38. devessem levar a decisão diferente da proferida, como afirmam os recorrentes, então estaríamos era perante um erro de julgamento de direito e não perante a prática de uma nulidade.
Não procede, pois, o recurso subordinado dos AA/apelantes.
3. Os RR/recorrentes impugnaram a matéria de facto, constante dos factos não provados J) e K), pretendendo que eles passem a provados - cfr. conclusões de recurso D) e I). Isto, como afirmam no corpo das alegações, com base na prova documental por si junta aos autos e prova testemunhal produzida sobre tal factualidade.
Quando se impugna a matéria de facto, tem de observar-se os ditames do art. 640º, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, sob pena de rejeição.
Ou seja, de tal dispositivo verifica-se que a lei exige 5 requisitos:
i) Que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
ii) Que o recorrente especifique o sentido concreto e correcto da resposta, que na óptica do recorrente, se impunha fosse dado a tais pontos;
iii) Que o recorrente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa;
iv) E por que razão assim seria, com análise crítica criteriosa;
v) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de facultativa transcrição dos excertos relevantes.
A aludida impugnação não pode proceder.
Efectivamente, deviam os recorrentes, ter especificado, para o efeito, quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo da gravação realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos que impugnaram. O que de todo não fizeram. Quais são os documentos em concreto a que se referem ? Quais as testemunhas em concreto a que se reportam ? Não sabemos, porque uns e outras não vêm especificados.
Como tal a impugnação tem de ser rejeitada, a coberto do citado art. 640º, nº 1, b).
4. Sobre a aquisição por acessão imobiliária industrial (E) a G) das conclusões de recurso dos RR) escreveu-se na sentença recorrida que:
Pretendem estes, ainda, que seja reconhecido que com as obras realizadas tenha havido uma valorização dos dois prédios rústicos, que assim passaram a ter valor muito superior ao que tinham à data da celebração do negócio e a reconhecer-se o seu direito de aquisição daqueles por acessão industrial imobiliária.
Desde logo, dispõe o art.º1316.º do Código Civil que “o direito de propriedade se adquire por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei,” acrescentando a alínea d) do art.º1317.º do mesmo diploma que o momento de aquisição do direito de propriedade é, no caso da acessão, o da verificação dos factos respetivos.
Temos, então, que acessão é uma forma de aquisição originária do direito de propriedade, de reconhecimento necessariamente judicial, em que o pagamento do valor do prédio funciona como condição suspensiva da sua transmissão, embora com efeito retroativo ao momento da incorporação, sendo certo que quem pretenda ver reconhecido o direito de propriedade sobre uma coisa deve alegar factos caracterizadores de um dos modos mediante os quais esse direito se adquire, ou seja, ipso iure, desde o momento da incorporação, tratando-se, portanto, de uma transmissão ope legis.
(…)
No que tange à noção legal, no-la dá o art.º1325.º do Código Civil que preceitua que se dá a acessão, “quando a coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que não lhe pertencia;” E diz-se natural “quando resulta exclusivamente das forças da natureza” e industrial “quando, por facto do homem, se confundem objetos pertencentes a diversos donos, ou quando alguém aplica o trabalho próprio a matéria pertencente a outrem, confundindo o resultado desse trabalho com propriedade alheia” – art.º1326.º, n.º1 do mesmo diploma legal.
Uma vez que o caso dos autos se reporta à construção de uma obra em terreno alheio, importa atentar no disposto no art.º1340.º, cujo n.º1 estabelece que “se alguém, de boa fé, construir obra em terreno alheio, ou nele fizer sementeira ou plantação, e o valor que as obras, sementeiras ou plantações tiverem trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras, sementeiras ou plantações.
Preceitua, ainda, e com relevo para o thema decidendum, o n.º4 do mesmo normativo que se entende “que houve boa fé, se o autor da obra, sementeira ou plantação desconhecia que o terreno era alheio, ou se foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno.
Dissecados os normativos que enformam este instituto jurídico, temos que constituem seus pressupostos substantivos e cumulativos os seguintes:
a) A incorporação consistente no ato voluntário de realização da obra;
b) A natureza alheia do terreno sobre o qual é feita a construção;
c) A pertença dos materiais ao autor da incorporação;
d) A formação de um todo único entre o terreno e a obra;
e) O maior valor da obra relativamente ao terreno; e
f) A Boa fé do autor da incorporação;
Vejamos, então, se do acervo factual supra elencado como provado, emerge a verificação dos pressupostos mencionados.
Encontra-se patente o pressuposto da alínea a) supra elencada, também, por força da invalidade do contrato celebrado, a natureza alheia dos terrenos sobre os quais foram feitas as construções. De igual modo, se vislumbra o da alínea c).
Todavia, já não se vislumbra o da alínea d) em toda a sua plenitude, pois a vedação ali implantada é passível de ser retirada sem qualquer dano e muito menos o da alínea e).
Como resulta do relatório pericial e foi vertido no facto provado sob 69), não se vislumbra o maior valor da obra em relação ao terreno, pelo que, sendo cumulativos os pressupostos, não terá aqui aplicabilidade o instituto da acessão industrial, decaindo este pedido dos RR.”.
Esta fundamentação mostra-se correcta. Importando, apenas, relembrar e precisar os seguintes dois aspectos.
- Relembrar os RR recorrentes, em relação ao prédio rústico denominado Vale, que a construção aí efectuada não fez aumentar o seu valor (factos provados 5.a., 50., 61. e 69.). Como tal, falhando o referido requisito legal elencado sobre e) nunca poderia dar-se a dita aquisição por acessão.
- Precisar que, em relação ao prédio rústico denominado …, apenas se provou que o seu valor não ultrapassa os 2.500 €, foi objecto de uma ligeira desmatação, aí foram plantados castanheiros e árvores de fruto e foi feita uma vedação, o que tudo importou no valor estimado de 1.566 €, acrescido de IVA, sendo que o valor das árvores plantadas é de 347,12 € (factos 5.b., 48., 63. a 67.).
Do que se extrai o seguinte: a desmatação não é relevante para o indicado conceito legal de acessão, pelo que deve ser desconsiderada; a vedação, por amovível (facto 68.) não preenche o requisito legal supra referido em d), por não implicar uma ligação material, definitiva e permanente entre a coisa acrescida e o prédio; o valor total das árvores de 347,12 € é muito inferior ao valor do prédio, não estando demonstrado que o valor acrescentado seja superior ao valor do terreno, falhando o aludido requisito legal antes mencionado sob e).
Logo, pode-se concluir, com segurança, que não há lugar a qualquer aquisição por acessão, não procedendo o recurso nesta parte.
5. Em relação à celebração de um contrato-promessa entre as partes (cfr. A) a C) das conclusões de recurso dos RR).
Na sentença apelada entendeu-se que, entre ambas as partes, foi celebrado um contrato de compra e venda, nulo por falta de forma. As partes não dissentem neste aspecto, mas os RR entendem que a declaração de venda deve, então, valer como um contrato-promessa. O que a sentença recorrida rejeitou. Entendimento que, todavia, não merece a nossa concordância. Vejamos então.
Dispõe o art. 293º do CC que o negócio nulo, designadamente por carecer da forma legal, pode converter-se num negócio de tipo ou conteúdo diferente, do qual contenha os requisitos essenciais de substância e de forma, quando o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a invalidade.
A doutrina acolhe abertamente a possibilidade de um contrato de compra e venda nulo por falta de forma, se converter num contrato-promessa, desde que verificados os requisitos legais. É, aliás, um exemplo prototípico da figura da conversão comum do negócio jurídico (vide A. Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª Ed., nota 1. ao referido artigo, pág. 266, Mota Pinto, T. G. D. Civil, 1ª Ed., pág. 485, L. Carvalho Fernandes, T. G. D. Civil, Vol. II, 2ª Ed., pág. 419 e M. Cordeiro, Tratado, II, parte Geral, 4ª Ed., pág. 956/957).
No nosso caso, temos presente todos os três requisitos legais supra enunciados.
Como o contrato promessa bilateral relativo a coisa imóvel carece, sob pena de invalidade, de ser celebrado por documento escrito (art. 410º, nº 2, do CC), o que aconteceu, tendo ambos as partes contratantes, A. António Ascenso e RR, assinado o mesmo, temos o requisito da forma.
Como o contrato promessa de compra e venda de coisa imóvel tem obrigatoriamente de ser celebrado por escrito, teremos de atender ao disposto no nº 1 do art. 238º do CC, o qual estabelece que nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso. Acrescentando o nº 2 deste normativo que esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.
Por força do princípio da equiparação - art. 410º, nº 1, 1ª parte, e 874º do CC -, os elementos essenciais do contrato-promessa de compra e venda são a identidade dos sujeitos, a coisa a transmitir e o preço.
Ora, conhece-se a vontade real das partes, pois é inequívoco que o A. A (…) queria vender e os RR queriam comprar. As partes estão bem identificadas no dito escrito. Sabemos qual o objecto do contrato, que correspondia ao direito de propriedade sobre os dois prédios mencionados no dito escrito. Sabemos qual o preço, 3.000 €, tendo 2/3 do mesmo sido pagos 3 dias antes da assinatura do contrato e 1/3 no dia seguinte, tendo-se previsto a elaboração da respectiva escritura logo que o vendedor tivesse disponibilidade (factos provados 37. e 57). Temos o requisito de substância.
Por outro lado, tendo em conta que o valor atribuído ao negócio é apropriado, pois é consentâneo com o seu valor real (facto 71.), e os prédios foram ocupados pelos RR compradores, tendo inclusive ali efectuado uma construção, realizado trabalhos e plantado árvores (factos 49., 50., 61., 63. a 65.), o fim sócio-económico do negócio mostra-se satisfeito, pelo que o fim prosseguido pelos contratantes permite supor que eles teriam querido comprometer-se na celebração de um contrato promessa de compra e venda, se tivessem previsto a invalidade formal.
Entendemos, portanto, que verificados os três aludidos pressupostos legais, o contrato de compra e venda, nulo por falta de forma legal, pode e deve ser convertido em contrato promessa de compra e venda bilateral.
Trata-se, porém, de um contrato promessa celebrado apenas pelo AA (…) herdeiro, e não pelos demais AA, herdeiros, relativamente a 2 imóveis integrantes de herança indivisa (facto 39.). Os demais AA herdeiros identificados não são, portanto, promitentes vendedores, pois não são contratantes no dito contrato promessa, por o não terem subscrito, e não o firmaram.
Apesar disso, o contrato promessa é perfeitamente válido, pois não produzindo tal tipo de contrato efeitos translativos, mas apenas a obrigação de prestação de facto de celebrar o contrato definitivo, deve entender-se que também não lhe são aplicáveis as disposições que declaram nula a alienação de coisa alheia prevista no art. 892º do CC - e extensível aos casos de comunhão hereditária, por força das disposições conjugadas dos arts. 1404º e 1408º, nº 1 e 2, do CC - como decorre do citado art. 410º, nº 1, parte final do CC. É, assim, perfeitamente válida a promessa de venda de bens totalmente ou parcialmente alheios, como o nosso caso em que a promessa é feita apenas por um dos consortes relativamente a bens integrantes de patrimónios indivisos (vide A. Varela, ob. cit., nota 8. ao original artigo 410º, pág. 359, Almeida Costa, D. Obrigações, 6ª Ed., págs. 340/341 e F. Gravato Morais, Contrato-Promessa em Geral, Contratos-Promessa em Especial, 1ª Ed., 2009, pág. 94).
Procede, pois, mas somente de modo parcial, a pretensão recursiva dos RR.
6. No referente aos efeitos jurídicos a extrair da conclusão a que chegámos de que foi celebrado um contrato promessa e face à pretensão dos RR/apelantes (constante de C) e H) das suas conclusões de recurso) haveria que reconhecer logo à partida um erro da sentença recorrida. Na verdade, perante o decidido na mesma sob os pontos B. e H., se o contrato de compra e venda é nulo então face ao disposto no art. 289º, nº 1, do CC, e Assento 4/95 de 28.3, em DR, I-A, de 17.5.1995 (actualmente com valor de Acórdão de Uniformização de Jurisprudência) devia ter sido ordenada, oficiosamente, a restituição aos AA da quantia de 3.000 € a cargo do A. A (…)
Mas prosseguindo e tendo em conta a situação particular apurada nos autos de se ter demonstrado que foi celebrado um contrato promessa de compra e venda entre os RR como compradores e o A. A (…), mas apenas este, como vendedor, vejamos o direito aplicável.
Os RR/recorrentes tanto se satisfazem com a condenação de todos os AA a cumprir o negócio realizando o contrato definitivo como com a devolução do preço pago pela aquisição dos prédios em dobro, nos termos do disposto no art. 442º do mesmo diploma legal citado, pois peticionam ambas, quer na reconvenção quer agora em apelação.
Aquele pedido de condenação de todos os AA a cumprir o negócio realizando o contrato definitivo, ou, o que seria mais rigoroso juridicamente, a obtenção da execução específica do contrato nos termos do art. 830º, nº 1, do CC, não pode ser obtida contra os AA, que não o A (…), que não subscreveram o contrato, por essa razão mesmo. Obviamente não sendo contratantes na promessa não ficam, naturalmente, adstritos a qualquer obrigação adveniente de tal acto e por conseguinte não há declarações negociais em falta que possam ser supridas através da respectiva sentença.
E quanto ao próprio A. A (…) a apontada disposição legal, in fine, também não o permite, pois a isso se opõe a natureza da obrigação assumida, como reza o texto legal. Na realidade, a execução específica encontra-se aqui impedida por outros preceitos legais, como sucede quando na promessa de venda de coisa alheia o proprietário se recusa a aliená-la (vide Almeida Costa, ob. cit., pág. 352). Ora, se os demais herdeiros AA se recusam a alienar os dois imóveis, como resulta com toda a clareza e segurança da propositura desta acção e dos pedidos que formularam, é inviável condenar o dito A (…) na execução específica do contrato porque este não tem, por si próprio, poderes para tal alienação de imóveis integrantes de herança indivisa.
Quanto ao sinal em dobro. “Mutatis mutandis”, pelas razões agora acabadas de expor, não podem os demais herdeiros AA ser condenados nesse pedido, pois não outorgaram no falado contrato promessa e não o podem ter, compreensivelmente, incumprido.
No respeitante ao A. A (…) já a resolução da situação em apreço tem de assentar noutras considerações.
Atentemos em primeiro lugar ao regime da antecipação do cumprimento e ao sinal. Emana do art. 440º do CC que se, ao celebrar-se o contrato ou em momento posterior, um dos contraentes entregar ao outro coisa que coincida, no todo ou em parte, com a prestação a que fica adstrito, é a entrega havida como antecipação total ou parcial do cumprimento, salvo se as partes quiserem atribuir à coisa entregue o carácter de sinal. Visto que no nosso caso os contratantes quiseram vender e comprar os imóveis, por 3.000 €, preço que foi parcialmente entregue uns dias antes da subscrição do contrato e a parte remanescente um dia depois, certo que a escritura seria feita depois daquela subscrição em escrito particular, o que nunca ocorreu, os 3.000 € entregues pelos RR ao A. A (…) tem de ser configurado como antecipação total do cumprimento, já que a quantia entregue correspondeu ao preço negociado, não constando da declaração assinada a pretensão de lhe atribuir o carácter de sinal.
No entanto, sabemos que o mencionado contrato foi convertido em contrato promessa de compra e venda. Ora, do disposto no art. 441º do CC resulta que se presume que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente- comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação total (ou princípio) de pagamento do preço. A primeira tentação será, por isso, afirmar-se que num contrato definitivo convertido em promessa o que foi entregue a título de antecipação total se converte também em sinal.
Não cremos que esse caminho se imponha só por si, por duas razões.
Desde logo, por a dita presunção legal ser juris tantum e como tal ilidível, nos termos do art. 350º, nº 2, do CC, nada impedindo, portanto que as partes convencionem o cumprimento antecipado de uma obrigação futura – a que emerge do contrato prometido e não do contrato promessa. E no nosso caso, face à realidade apurada, acima realçada, sabemos ser inequívoco que o A. A (…) queria vender, com o conhecimento dos demais irmãos, e que os RR queriam comprar, a quem foi comunicado pelo vendedor António que os demais herdeiros estavam de acordo. Sabemos, igualmente, que o objecto do contrato incidia sobre o direito de propriedade sobre os dois prédios mencionados no dito escrito. E que o preço de 3.000 € foi totalmente pago, 2/3 do mesmo 3 dias antes da assinatura do contrato e 1/3 no dia seguinte, tendo-se previsto a elaboração da respectiva escritura logo que o vendedor tivesse disponibilidade. E que o valor atribuído ao negócio é apropriado, pois é consentâneo com o seu valor real (facto 71.), e os prédios foram ocupados pelos RR compradores (factos 37. a 40., 49., 53. a 58. e 71.). Perante esta factualidade, e atendendo à normalidade das coisas e máximas da experiência, tudo isto nos leva a concluir que mesmo que os contratantes tivessem apenas formalizado uma mera promessa (em que aliás só faltava escriturar), como de facto aconteceu, ambas as partes entendiam que o preço assim totalmente pago não era um mero sinal mas uma verdadeira convenção de cumprimento antecipado total da obrigação futura, a que emergia do contrato prometido.
Por outro lado, temos por acertado o ensinamento de A. Varela (ibidem, em nota ao citado artigo 441º, pág. 393) que professa que em caso de conversão a mesma não tira ao cumprimento antecipado a sua especial natureza, transformando-o agora num sinal.
Armados com a explanação que levámos a cabo temos por bom o entendimento que no caso em apreço o que os RR entregaram ao A. A (…) oi uma quantia a título de antecipação do cumprimento e não um mero sinal
Daí decorre, como consequência jurídica, que inexistindo sinal o A. A (…) nunca podia devolver o mesmo em dobro, a coberto do art. 442º, nº 2, do CC. Tão-só, devendo a quantia entregue pelos RR ao dito A. ser restituída, por o cumprimento do contrato-promessa não ser agora possível (art. 795º, nº 1, do CC). Certo, também, que na situação em análise o referido A. não peticionou a perda de tal quantia por incumprimento imputável aos RR.
Acrescentemos, ainda, que o resultado não seria diferente, caso se entendesse que na situação em concreto se tinha constituído um sinal.
Como atrás salientámos é perfeitamente válido a outorga de um contrato-promessa de coisa alheia. Quanto à amplitude da promessa o promitente-vendedor pode assumir uma obrigação de meios, obrigando-se somente a usar de normal diligência no sentido de obter a coisa ou no sentido de obter o consentimento de terceiro ou terceiros a quem pertença ou que sobre ela tenha direitos; e pode assumir uma obrigação de resultado, garantindo ao promissário a celebração do contrato prometido. É um problema a resolver no plano da interpretação da vontade das partes (vide neste sentido A. Varela, ibidem, pág. 359 e F. Gravato Morais, ob. cit., págs. 92/93). Se se configurar como obrigação de resultado, por exemplo porque se vinculou à obtenção do consentimento dos outros consortes, há que empregar as regras do cumprimento definitivo da promessa. Para o efeito, cabe apenas ao promitente-comprador demonstrar a não obtenção do indicado resultado: o não consentimento dos demais herdeiros. Caso seja qualificada como obrigação de meios, ou seja, apenas se encontra adstrito a fazer o que está normalmente ao seu alcance para obter o consentimento dos demais consortes, só a prova pelo promitente-comprador da actuação culposa do promitente-vendedor origina a aplicação das regras do incumprimento da promessa.
Na nossa situação inexiste qualquer factualidade que comprove que o A. A (…) se comprometeu a uma obrigação de resultado. Seria, pois, uma obrigação de meios. Quanto a esta competia aos RR provar a actuação culposa do apontado A., para entrar na aplicação do indicado art. 442º, nº 2, quando nele se dispõe que quem constituiu o sinal tem a faculdade de exigir o dobro se o não cumprimento do contrato for imputável ao outro contraente, neste caso ao referido A. Ora, os RR não lograram essa prova, pois não emerge da factualidade provada qualquer facto, relevante nesta matéria, que permita extrair tal conclusão. Antes parecendo haver circunstancialismo fáctico em sentido contrário como aparentemente, embora de maneira enviesada, contemporânea e imediata, decorre dos factos 38., 55. a 58.
Assim, nesta hipótese, de constituição de sinal sem imputabilidade do incumprimento do contrato-promessa ao dito A. A (…), o sinal prestado pelos RR não podendo ser imputado na prestação devida tem de ser restituído aos RR, isto é ser-lhe restituída a quantia de 3.000 €.
7. Relativamente a saber se os RR têm direito a indemnização pelas obras efectuadas em valor superior, é de notar que neste particular não houve alteração da respectiva matéria de facto impugnada pelos RR/recorrentes.
Pelo que, não têm direito a receber um valor maior, como reclamado.
8. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):
i) Quando as conclusões contenham um fundamento ou razão que não tenha sido exposta/desenvolvida nas alegações deve considerar-se não impugnada, nessa parte, a decisão recorrida, com a consequente impossibilidade de conhecimento, nesse segmento, do objecto do recurso;
ii) Só há nulidade da decisão (art. 615º, nº 1, d), 1ª parte, do NCPC) se entre a sua fundamentação e a decisão tirada a final houver contradição lógica; se os factos provados implicarem uma determinada decisão e o julgador tirar outra o que se verifica é um erro de julgamento de direito mas não a apontada nulidade;
iii) Se o recorrente não especificar quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo da gravação realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos que impugnou, a impugnação da matéria de facto deve ser rejeitada, nos termos do art. 640º, nº 1, b), do mesmo código;
iv) Um contrato de compra e venda nulo por falta de forma, pode e deve, em regra, converter-se num contrato-promessa, desde que verificados os requisitos legais da substância, da forma e da vontade hipotética dos contratantes;
v) Tal verifica-se se um dos AA quis vender dois imóveis, os RR quiseram comprar, mas o contrato é nulo por vício formal, estando os contratantes e o objecto do negócio perfeitamente identificados, o preço fixado e pago, preço esse correspondente ao valor real de tais imóveis, que foram ocupados pelos RR e onde efectuaram uma construção, realizaram trabalhos e plantaram árvores, e tendo ambas as partes contratantes exarado o contrato em escrito particular assinado pelos outorgantes;
vi) Se esse A. promitente vendedor é um dos outros herdeiros, integrando os referidos dois imóveis herança indivisa, estaremos defronte a uma promessa de venda de coisa alheia, mas que é válida face ao disposto nos arts. 410º, nº 1, parte final, 892º, 1404º e 1408º, nº 1 e 2, do CC, devidamente conjugados;
vii) Os RR promitentes compradores não podem obter a execução específica contra os referidos demais herdeiros por estes não terem outorgado no dito contrato promessa e assim não existir declaração negocial em falta a suprir através de sentença, e também não podem obter tal execução específica contra o A. herdeiro promitente vendedor, por face à recusa em vender dos demais herdeiros a isso se opor a natureza da obrigação assumida (art. 830º, nº 1, do CC);
viii) Do disposto no art. 441º do CC resulta que se presume que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente- comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação total (ou princípio) de pagamento do preço, presunção legal juris tantum e como tal ilidível, nos termos do art. 350º, nº 2, do CC;
ix) Num contrato promessa de compra e venda, por conversão de um definitivo, em que se demonstra que um dos AA quis vender dois imóveis, com conhecimento dos demais herdeiros, os RR quiseram comprar, tendo-lhes sido por aquele que os ditos herdeiros concordavam, estando os contratantes e o objecto do negócio perfeitamente identificados, o preço fixado e totalmente pago, preço esse correspondente ao valor real de tais imóveis, que foram ocupados pelos RR, tal realidade deve fazer concluir que o preço pago o foi a título de antecipação total da obrigação futura, a que emergia do contrato prometido, e não como um simples sinal;
x) Inexistindo sinal não pode o promitente-comprador exigir a sua devolução em dobro, a coberto do art. 442º, nº 2, do CC; nesse caso e não sendo possível o cumprimento do contrato-promessa deve ser devolvido ao promitente-comprador a quantia que entregou como antecipação total do cumprimento;
xi) Caso haja sinal constituído, nos termos desse art. 442º, nº 2, só é possível exigir o dobro se o não cumprimento do contrato for imputável ao outro contraente;
xii) Na situação de validade de um contrato-promessa de coisa alheia, quanto à amplitude da promessa o promitente-vendedor pode assumir uma obrigação de meios, obrigando-se somente a usar de normal diligência no sentido de obter a coisa ou no sentido de obter o consentimento de terceiro a quem pertença ou que sobre ela tenha direitos, e pode assumir uma obrigação de resultado, garantindo ao promissário a celebração do contrato prometido;
xiii) Caso seja qualificada como obrigação de meios, só a prova pelo promitente-comprador da actuação culposa do promitente-vendedor origina a aplicação das regras do incumprimento da promessa;
xiv) Não se demonstrando, através da factualidade apurada, que o A. promitente vendedor agiu culposamente relativamente a essa obrigação de meios, o sinal tem de ser devolvido aos RR promitentes-compradores.


IV - Decisão


Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso subordinado dos AA e procedente, parcialmente, o recurso dos RR, assim se revogando parcialmente a sentença recorrida, e, em consequência:
1) Julgar procedente o pedido de reconhecimento de que a declaração assinada em 27.11.2010 equivale a um contrato-promessa de compra e venda, declarando-se que foi celebrado entre o A. A (…) e os RR (revogando-se o decidido no ponto G.);
2) Julgar procedente o pedido de condenação do mesmo A. A (…) a devolver aos RR a quantia que destes recebeu, correspondente a 3.000 € (revogando-se o decidido no ponto M.);
3) No demais se mantendo o decidido nos pontos A. a F., H. a L. e N.
*
Custas por ambas as partes, na proporção de 25% para os AA e 75% para os RR.
*
Coimbra, 18.9.2018
Moreira do Carmo ( Relator )
Fonte Ramos
Maria João Areias