Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
505/17.4GBFND-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE JACOB
Descritores: COVID 19
ACTO PROCESSUAL
NÃO PRESENCIAL
NÃO URGENTE
CONCEITO
PRAZO
SUSPENSÃO
Data do Acordão: 11/11/2020
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DO FUNDÃO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE, FOI DECLARADA A EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA DE RECURSO
Legislação Nacional: ART. 7.º, N.ºS 1, 2 E 5.º, AL. A) DA LEI N.º 1-A/2020, DE 19-03, NA REDACÇÃO QUE LHE FOI DADA PELA LEI N.º 4-A/2020, DE 06-04
Sumário: I – O art. 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 06-04, consagrou um conceito amplo de acto processual, abrangendo tanto os praticados no processo como os realizados fora dele, incluindo prazos substantivos, por forma a contemplar todas as situações possíveis.
II - A consideração global das disposições contidas no artigo 7.º, n.ºs 1, 2 e 5, al. a) do mesmo diploma revela a inexistência de obstáculo à prática de actos processuais não presenciais não urgentes quando o sujeito ou interveniente processual tenha condições para assegurar a sua prática através de meios informáticos necessários.

III – Assim, a notificação do arguido para pagamento da multa e das custas decorrentes da condenação que lhe foi imposta não enferma de vício que importe a sua ineficácia.

IV – Não obstante, não sendo previamente averiguado se o condenado (e não necessariamente a sua advogada) dispõe dos meios necessários para proceder ao pagamento das guias respectivas por via electrónica a partir da sua residência, caso as guias não sejam pagas, o prazo de pagamento deve considerar-se suspenso nos termos do n.º 1 do artigo 7.º do compêndio legislativo já referido.

Decisão Texto Integral:






Recurso próprio, tempestivamente interposto por sujeito processual dotado de legitimidade e recebido com o efeito adequado, ocorrendo, no entanto, circunstância que obsta ao seu conhecimento.

Conforme previsto no art. 417º, nº 6, al. a), do CPP, profere-se


DECISÃO SUMÁRIA

Nos autos de processo comum (tribunal singular) supra referenciados, a correr termos pelo Juízo Local Criminal do Fundão, o ora recorrente P. formulou, em 30/04/2020, requerimento com o seguinte teor:

“(…)

O arguido foi notificado no presente processo, para proceder ao pagamento da multa e custas da sua responsabilidade.

Sucede que, o artigo 7º nº 1 da lei nº 1-A /2020 de 19 de Março na redaçcão que lhe foi dada pela lei 4-A /2020 de 6 de Abril, suspende todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais, que corram nos tribunais judiciais, que não tenham natureza urgente.

Sendo que, nos termos do disposto no artigo 5º da lei 4-A/2020 de 6 de Abril, os prazos processuais, em processos não urgentes, encontram-se suspensos desde o dia 9 de Março de 2020.

Nos termos do disposto no artigo 7º nº2 da lei nº 1-A/2020, tal suspensão vigorará até que entre em vigor, decreto que venha a declarar o termo da situação excecional.

Dúvidas não restam que estamos perante um processo não urgente e que quer o prazo de pagamento de multa e custas, quer o prazo de reclamação ou reforma da conta, são prazos judiciais.

Como é óbvio, a suspensão dos prazos, não obsta que a secretaria possa movimentar alguns processos, tal como este, designadamente para efetuar liquidações de custas e multa.

No entanto, no nosso entender, já não poderá efetuar notificações para que se proceda ao pagamento da respetiva multa ou custas, fixando-lhe um prazo como se o mesmo estivesse a correr, como sucedeu no presente processo.

Aliás, estando os prazos legalmente suspensos, nem se percebe, como é que a secretaria determinou o início e o fim do prazo, constante da respetiva guia.

Assim atento o supra exposto, requer-se a Vª Exª que a notificação que foi efetuada ao arguido seja considerada e dada sem qualquer efeito.”

Em 14/05/2020 a Mmª Juiz proferiu despacho sobre este requerimento, decidindo nos seguintes termos:

Teor das refs. 2257591 e 2257586

O arguido P. foi condenado, por decisão transitada em julgado, pela prática, em autoria material, na forma consumada, e em concurso real, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos arts. 153 e 155, n. 1 , al. a ) , do C. Penal , na pena de 150 ( cento e cinquenta ) dias de multa , à taxa diária de 7,00 (sete) euros , de dois crimes de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, nº 1 do CP , na pena de 150 ( cento e cinquenta ) dias de multa, cada um , à taxa diária de 7,00 ( sete ) euros , e de dois crimes de  importunação sexual , p. e p. pelo art. 170, do C. Penal , na pena de 100 ( cem ) dias de multa , cada um , à taxa diária de 7,00 ( sete ) euros , e , na pena única de 520 ( quinhentos e vinte ) dias de multa , à taxa diária de 7,00 ( sete ) euros , o que perfaz a multa global de 3640,00 euros ( três mil seiscentos e quarenta euros ) .

Conforme se alcança do teor das condenações supra, o arguido P. foi condenado, para além do mais, pela prática de dois crimes de importunação sexual, os quais revestem natureza urgente, sendo, ainda, certo que se trata de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual.

Nessa conformidade, e pela circunstância da condenação do arguido pela prática dos crimes supra elencados, não obstante a sua condenação numa pena única, os autos revestem cariz urgente, encontrando-se subtraídos à sua inclusão do normativo elencado pela IL. Defensora Oficiosa.

Assim sendo, indefere-se a requerida pretensão, prosseguindo os autos a sua normal tramitação.

Notifique.

D. N..


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Ref.ª 2259328:

A) QUANTO À PENA DE MULTA

O arguido P. foi condenado na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de 7,00€ (sete euros), perfazendo o valor global de 630,00€ (seiscentos e trinta euros).

Veio agora o arguido requerer o pagamento da pena de multa em que foi condenado em 12 (doze) prestações.

Dispõe o artigo 47.º, n.º 3, do Código Penal, que “sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação”.

Em todo o caso, o pagamento da multa em prestações terá de realizar ainda, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Com efeito, o pagamento terá de representar algum sacrifício para o arguido, sob pena de, assim não sendo, não se cumprirem as finalidades das penas elencadas no n.º 1 do artigo 40.º, do Código Penal.

Ora, atendendo à situação económica do arguido e que consta dos autos, bem como ao valor em causa, entendo que será ainda de atender ao pedido de pagamento da multa em prestações, mas em número máximo de 10 (dez), de forma a que o respectivo pagamento se revele ainda um sacrifício para o mesmo, realizando as finalidades da punição de forma adequada e suficiente.

Assim, tendo em conta a situação económica e financeira do arguido e uma vez que a última das prestações não vai para além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação, autoriza-se o pagamento da multa aplicada em prestações mensais e sucessivas, no máximo de 10 (dez), no montante de 63,00€ (sessenta e três euros) cada.

A primeira prestação terá inicio no prazo de dez dias a contar da notificação deste despacho e as seguintes em igual dia dos meses subsequentes.

A falta de pagamento de uma das prestações, importa o vencimento das demais – cfr. art. 47, n. 5, do C. Penal.

Notifique-se, ainda, o arguido da seguinte advertência:

Caso a multa não seja voluntariamente paga, nos termos supra explanados, e se não mostre possível a execução em bens do arguido, poderá ter lugar o cumprimento da pena de prisão subsidiária correspondente, atento o disposto no artigo 49.º, do Código Penal.

Notifique.

D. N..


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B) QUANTO ÀS CUSTAS:

Veio o arguido requerer o pagamento das custas da sua responsabilidade, no montante global de 1.050,60€ (mil e cinquenta euros e sessenta cêntimos) em prestações, alegando para o efeito que não tem possibilidades para liquidar de uma só vez a quantia devida a título de custas.

Dispõe o artigo 33.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais que “quando o valor a pagar seja igual ou superior a 3 Uc, o responsável pode requerer, fundamentadamente, o pagamento das custas em prestações, agravadas de 5%, de acordo com as seguintes regras: a) o pagamento é feito em até seis prestações mensais sucessivas não inferiores a 0,5 UC, se o valor total não ultrapassar a quantia de 12 UC, quando se trate de pessoa singular (…)”; b) o pagamento é feita em até doze prestações mensais e sucessivas, não inferiores a 1Uc, quando sejam ultrapassados os valores referidos na alínea anterior”.

Da conta de custas elaborada resulta que as custas da responsabilidade do arguido ascendem à quantia global de 1.050,60€ (mil e cinquenta euros e sessenta cêntimos), ou seja um valor superior a 3 Uc e inferior a 12 Uc.

Pelo exposto, autoriza-se o pagamento das custas em prestações mensais e sucessivas, no máximo de seis (cfr. artigo 33.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento das Custas Processuais), com os legais acréscimos.

A primeira prestação terá inicio no prazo de dez dias a contar do términus supra e a seguinte em igual dia dos meses subsequentes.

A falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento das demais – cfr. art. 33, n. 4, do RCP.

Notifique.

D. N .

        

Inconformado, o arguido P. interpôs recurso deste despacho, em 19/05/2020, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões:

1ª- Discorda o arguido da decisão de indeferimento por entender desde logo que os presentes autos não têm, nem nunca tiveram, cariz ou natureza urgente.

2ª- Com efeito, os presentes autos sempre foram tramitados como um processo não urgente.

 3ª- O facto de o arguido ter sido condenado por dois crimes de importunação sexual não faz com que o presente processo tenha natureza urgente.

4ª- Só são considerados urgentes os actos elencados no artigo 103º nº 2 do Código de Processo Penal, ou por força do disposto na sua alínea h), os considerados em legislação especial.

5ª- Sendo que de tal não constam os atos praticados em processos por crimes contra a liberdade ou autodeterminação sexual, designadamente por crime de importunação sexual.

6ª- Entende o arguido que se trata de um processo não urgente e sendo assim, todos os prazos para a práticas de actos e procedimentos, na data da notificação (28/04/2020), estavam e estão suspensos atento o disposto no artigo 7º nº 1 da lei nº 1-A /2020 de 19 de Março na redacção que lhe foi dada pela lei 4-A /2020 de 6 de Abril, desde o dia 9 de Março de 2020, até que entre em vigor, decreto que venha a declarar o termo da situação excecional.

7ª- Ora, quer o prazo de pagamento de multa e custas, quer o prazo de reclamação ou reforma da conta, são prazos processuais uma vez que se traduzem no período de tempo dentro do qual tais atos podem ser realizados e são praticados dentro do processo.

8ª- Ou seja, ainda que sem conceder e por mera hipótese académica, se entenda que não se trata de um ato ou prazo processual, mas sim um prazo substantivo, ainda assim, sempre os mesmos se encontravam suspensos com base na mesma lei.

9ª-Assim, estando os prazos suspensos por força do normativo legal a que se fez referência em 6, a secretaria não poderia, não obstante o termo lavrado, efetuar a notificação ao arguido, nos termos em que o fez, designadamente para reclamar da conta e proceder ao pagamento da respetiva multa e custas, fixando-lhe o término do prazo.

10ª- Aliás, estando os prazos legalmente suspensos, e desconhecendo-se, na data da notificação quando é que os mesmos voltariam a correr, não havia forma de determinar, o início e o fim do prazo, para pagamento da multa e das custas, que consta das respetivas guias de pagamento.

11ª- Assim, a Mma Juiz a quo devia ter deferido o requerimento apresentado pelo arguido e ter dado sem efeito a notificação, ordenando a notificação do arguido só após a entrada em vigor da lei que revogue a atualmente em vigor.

12ª- Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo violou salvo o devido respeito, o disposto nos artigos 7º7º nº 1 da lei nº 1-A /2020 de 19 de Março na redacção que lhe foi dada pela lei 4-A /2020 de 6 de Abril e artigo l03º do Código de Processo Penal.

Nestes termos e com o douto suprimento que se invoca, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se o aliás, douto despacho recorrido, substituindo-o por outro, tal como acima se propugna, pois que assim se fará justiça!

O M.P. respondeu, pronunciando-se pela inutilidade superveniente do recurso, concluindo nos seguintes termos:

1- Não obstante se considerar que o acto de pagamento da pena de multa e custas não consubstancia um acto processual em sentido estrito, entendemos que a Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril (artigo 2.°), plasmou na Lei nº. 1-A/2020, de 19 de Março (artigo 7.°, n.º 1), um conceito amplo de acto processual, abrangendo quer aqueles que são praticados no processo, quer aqueles que são praticados fora dele, incluindo prazos substantivos, por forma a abranger todos as situações possíveis (nesse sentido Parecer do Conselho Consultivo do PGR n.º 10/2020);

2- Todavia, não podemos olvidar que, entretanto, o quadro legislativo alterou-se e que a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março foi novamente alterado pelo Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio;

3- Com efeito, o artigo 7.° da referida Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção dada pelo Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, foi revogado pelo Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio;

4- Não obstante o entendimento de que o prazo para proceder ao pagamento da pena de multa e das custas se mostrava suspenso, a verdade é que em resultado da revogação do artigo 7.° da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março operado pela Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, o respectivo prazo retomou o seu curso com a entrada em vigor de tal diploma legal.

5- A tanto assim é que o próprio recorrente veio requerer o pagamento da pena de multa e custas em prestações e, quando notificado para esclarecer se, apesar da admissão do recurso, mantinha interesse em tal requerimento, veio afirmar o seu interesse na manutenção do requerimento em causa.

6- É assim patente a inutilidade superveniente do recurso interposto, considerando a entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, que revogou o artigo 7.° da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, sendo, neste momento, inútil a sua apreciação, o que, por força do artigo 287.°, e), do CPC, ex vi do artigo 4.°, do CPP, conduz à extinção da instância.

Termos em que deverá ser declarada a inutilidade do recurso interposto pelo recorrente, assim fazendo V. Exas, como sempre, justiça.

Nesta instância, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer pronunciando-se pela improcedência do recurso, acompanhando a posição assumida pelo M.P. em 1ª instância.

O âmbito do recurso, segundo jurisprudência constante, afere-se e delimita-se pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo do que deva ser oficiosamente conhecido, donde se segue que no caso vertente há que conhecer do seguinte:

- Natureza urgente do processo;

- Suspensão da prática de actos processuais não urgentes em processos pendentes;

- Inutilidade superveniente do recurso, decorrente da entrada em vigor da Lei nº 16/2020, de 29 de Maio.

Colhem-se dos autos os seguintes elementos com relevo para a decisão a proferir:

- O ora recorrente P. foi condenado, por sentença transitada em julgado em 04/03/2020, pela prática, em autoria material, na forma consumada, e em concurso real, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos arts. 153 e 155, n. 1 , al. a ), do C. Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta ) dias de multa, à taxa diária de 7,00 ( sete ) euros, de dois crimes de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, nº 1 do CP, na pena de 150 ( cento e cinquenta ) dias de multa, cada um, à taxa diária de 7,00 ( sete ) euros, e de dois crimes de importunação sexual, p. e p. pelo art. 170 , do C. Penal, na pena de 100 ( cem ) dias de multa , cada um , à taxa diária de 7,00 ( sete ) euros e, em cúmulo jurídico, na pena única de 520 (quinhentos e vinte ) dias de multa, à taxa diária de 7,00 ( sete ) euros, o que perfaz a multa global de 3640,00 euros ( três mil seiscentos e quarenta euros ).

- A Mma. Juiz titular do processo, dando seguimento às sugestões/orientações do CSM relativas à tramitação processual (Divulgação nº 103/2020) e socorrendo-se da previsão do art. 7º, nº 5, al. b), da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, na redação resultante da Lei nº 4-A/2020, de 6 de Abril, determinou, por ordem de serviço datada de 17 de Abril de 2020, que a secção movimentasse todos os processos não urgentes nos quais possa ser proferida decisão ou demais actos processuais que não impliquem a realização de diligências presenciais.

- A secção de processos, em 28/04/2020, notificou o ora recorrente e a sua mandatária para o pagamento da multa e custas resultantes da liquidação do julgado.

Apreciando e decidindo:

O arguido e ora recorrente P. foi notificado pela secretaria judicial para proceder ao pagamento da multa e custas da sua responsabilidade, resultantes da condenação que lhe foi imposta nos autos que originaram o presente recurso em separado.

Essa notificação teve lugar em 28/04/2020, decorrendo o acto praticado pela secretaria das orientações fixadas pela Mma. Juiz para tramitação dos processos pendentes.

O ora recorrente formulou requerimento solicitando que essa notificação fosse dada sem efeito, alegando que colidia com o estatuído no art. 7º, nºs 1 e 2, da lei nº 1-A /2020 de 19 de Março.

Por despacho de 14/05/2020 foi-lhe negada essa pretensão com fundamento na circunstância de ter sido condenado por dois crimes de importunação sexual, os quais, segundo esse despacho, “(…) revestem natureza urgente, sendo, ainda, certo que se trata de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual.”

Sustenta o recorrente que o processo nunca foi tramitado como processo urgente e que essa natureza não pode resultar da condenação por crimes de importunação sexual.

O ora recorrente foi condenado, por sentença transitada em julgado, para além do mais, pela autoria material de dois crimes de importunação sexual, previstos no art. 170º do Código Penal, abstractamente puníveis com pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias, praticados contra maior de idade, crimes semipúblicos, conforme estatui o art. 178º, nº 1, do Código Penal. A marcha de processos por crimes desta natureza não reveste natureza urgente, sem prejuízo da eventual necessidade da prática de actos urgentes se porventura se verificar alguma das previsões do nº 2 do art. 103º do CPP. De todo o modo, mesmo os processos considerados urgentes por força de disposição especial, em regra, apenas conservam essa natureza até ao trânsito em julgado da decisão condenatória, sendo de registar que no caso vertente os autos se encontram na fase de execução da pena (cfr. art. 498º do CPP). Os crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual têm sido, isso sim, considerados de prevenção e de investigação prioritária nas leis de política criminal [cfr. Lei nº 96/2017, de 23 de Agosto – Lei de Política Criminal – Biénio de 2017-2019, arts. 2º, al. d) e 3º, al. c); Lei nº 55/2020, de 27 de Agosto – Biénio de 2020-2022, art. 4º, al. f)], o que não confere natureza urgente ao processo em que são investigados.

Ultrapassada a questão da natureza urgente do processo, debrucemo-nos sobre a segunda das questões suscitadas, defendendo o recorrente que por força do disposto no artigo 5º da lei 4-A/2020, de 6 de Abril, os prazos processuais, em processos não urgentes, se encontram suspensos desde o dia 9 de Março de 2020, suspensão que vigorará até que entre em vigor decreto que venha a declarar o termo da situação excecional.

Ainda que se argumente que o prazo para pagamento da multa em que o arguido foi condenado e custas da sua responsabilidade não constitui um prazo processual stricto sensu, na situação a que nos reportamos essa consideração é absolutamente irrelevante. Acompanhamos o teor do Parecer nº 10/20 do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República na parte em que refere que “A Lei nº 4-A/2020, de 6 de abril, (art. 2º), plasmou na Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março (art. 7º, nº 1), um conceito amplo de ato processual, abrangendo quer aqueles que são praticados no processo, quer aqueles que são praticados fora dele, incluindo prazos substantivos, por forma a abranger todas as situações possíveis” [1]. Nessa medida, aquele prazo deve considerar-se abrangido pela previsão do nºs 1, 2 e 5, al. a), do art. 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, na redação que lhe foi conferida pela Lei nº 4-A/2020, de 6 de Abril, e que na parte que agora releva dispunha nos termos seguintes:

1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais (…) ficam suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, a decretar nos termos do número seguinte.

2 – O regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional.

(…)

5 - O disposto no n.º 1 não obsta:

a) À tramitação dos processos e à prática de atos presenciais e não presenciais não urgentes quando todas as partes entendam ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;

(…)

Estes normativos revelam a inexistência de obstáculo à prática de actos não presenciais não urgentes quando a parte tenha condições para assegurar a sua prática através dos meios informáticos necessários. Daí que, em desenvolvimento do regime legal, o Conselho Superior da Magistratura tenha difundido pelos tribunais sugestões/orientações com vista à prática dos actos processuais cuja realização fosse compatível com a situação pandémica que o país atravessa, atuação legítima e necessária para obstar à paralisação do sistema de justiça, pilar fundamental do Estado de Direito.

A Mma. Juiz titular do processo, no uso dos seus poderes de gestão processual, definiu por escrito orientações claras e prudentes quanto aos actos a praticar pela secretaria, dando conhecimento dessa ordem de serviço à Delegação da Ordem dos Advogados dos Municípios do Fundão e da Covilhã, conforme resulta da cópia desse documento que se encontra nos autos principais.

Há que concluir, pois, que a notificação para pagamento da multa e custas não enferma, à partida, de vício que deva conduzir a que seja dada sem efeito, como pretende o recorrente.

Não obstante, não tendo sido previamente averiguado se o condenado (e não necessariamente a sua advogada) dispunha dos meios necessários para proceder ao pagamento das guias por via electrónica a partir da sua residência (exigência que deverá considerar-se imposta pelo nº 5 do art. 7º na versão da citada Lei nº 4-A/2020), não tendo as guias sido pagas, há que aceitar que o prazo de pagamento ficou suspenso nos termos do nº 1 daquele artigo 7º, pois só este entendimento é compaginável com o texto e com a  ratio do diploma a que nos reportamos.

Porém, a Lei nº 16/2020, de 29 de Maio, veio revogar o art. 7º da Lei nº 1-A/2020, tendo assim desaparecido do ordenamento jurídico a norma que previa a suspensão dos actos não urgentes, resultando desta circunstância o termo da suspensão daquele prazo.

        

Refere o M.P. na sua resposta ao recurso que que o próprio recorrente veio requerer o pagamento da pena de multa e custas em prestações e, quando notificado para esclarecer se, apesar da admissão do recurso, mantinha interesse em tal requerimento, veio afirmar o seu interesse na manutenção do requerimento em causa. Contudo, tanto quanto conseguimos descortinar através da consulta on-line do processo principal, o efectivo requerimento para pagamento em prestações (a que se reporta, aliás, o despacho supratranscrito) terá sido formulado pelo co-arguido C.. O ora recorrente P. formulou requerimento para pagamento em prestações apenas a título subsidiário, para a eventualidade de o recurso não ser admitido, ser julgado improcedente ou de lhe ser fixado outro efeito que não o suspensivo[2]. Notificado para se pronunciar sobre o interesse na manutenção desse requerimento apesar da admissão do recurso, respondeu afirmativamente, o que se compreende face à amplitude das situações que havia invocado para o requerimento condicional, pois o recurso poderia ser rejeitado na Relação ou julgado improcedente, se bem que nenhuma dessas situações afectasse a possibilidade de requerer então o pagamento em prestações.

De tudo isto, resultam duas consequências:

- Por um lado, ocorrendo, na pendência do recurso, circunstância que evidencie a desnecessidade de pronúncia judicial sobre o seu objecto, em termos tais que essa pronúncia se apresente como acto inútil, ocorre inutilidade superveniente da lide, daí decorrendo a extinção da instância de recurso por força do disposto no art. 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art.º 4º do Código de Processo Penal.

- Concomitantemente, a necessidade de serem emitidas novas guias e efectuada nova notificação para pagamento, posto que não só a data indicada nas guias anteriores como limite do pagamento (19/05/2020) se mostra ultrapassada, como a referência para pagamento terá, entretanto, caducado.

Nestes termos e visto ainda o disposto no art. 417º, nº 6, al. a), do CPP, considera-se verificada a inutilidade superveniente da lide e declara-se extinta a instância de recurso nestes autos de recurso em separado, devendo o tribunal recorrido proceder nos termos apontados.

Sem tributação.

Notifique.


*

Coimbra, 11 de Novembro de 2020

(processei, revi e assinei electronicamente)

(Jorge Miranda Jacob)


[1] Parecer citado, I, 4, pág. 11.
[2] Req. de 19/05/2020, processo principal, ref. 2267141.