Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3396/21.7T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
DECISÃO SURPRESA
Data do Acordão: 01/18/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CÍVEL DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 3.º, N.º 3 E 277.º, ALÍNEA E), AMBOS DO CPC.
Sumário: I – Num procedimento cautelar que tem por objecto a suspensão do início de um processo eleitoral, o cancelamento de tal processo determina a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

II – A decisão do juiz de declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide não depende de pedido, nesse sentido, da parte interessada.

III – Sendo a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide perfeitamente expectável e antecipável, o juiz não tem o dever de ouvir as partes sobre tal extinção antes de proferir decisão nesse sentido.

Decisão Texto Integral:



            Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I -  A.,  sócio da Requerida,  instaurou, em 9/8/2021, contra a B., CRL e C., procedimento cautelar para suspensão do início do processo eleitoral que teve lugar com a publicação de anúncio publicado no jornal D. de 30 de Julho de 2021 e com o anúncio da decisão da Assembleia Geral - Eleição para a Mesa da Assembleia Geral e para o Conselho Fiscal para o triénio de 2019/2021 (renovação da Deliberação Social Impugnada Judicialmente e Proferida na Assembleia Geral de 29 de Maio de 2019), porquanto:

1 – O requerido C. , não tem legitimidade para exercer as funções de Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Requerida, e assim, para dar inicio ao processo eleitoral referido no art.º 2º do Regulamento Eleitoral da mesma;

2 – Por violar, directa e injustificadamente, o princípio democrático (2º princípio ínsito no artigo 3º da Lei 119/2015);

3 – Por o início da execução do acto eleitoral causar um dano considerável e imediato ao Requerente e demais sócios, ao mesmo tempo que à Requerida não causa qualquer prejuízo, antes lhe permite a vantagem do cumprimento da lei, atribuindo-se o cargo de titular da Mesa da Assembleia Geral para inicio do processo eleitoral ao associado que detenha títulos de capital, nos termos e para efeito do disposto no n.º 4 do art 374º do CSC.

Relata o seguinte, aqui resumidamente, para compreensão do acima referido:

 No dia 29 de Maio de 2019 realizou-se Assembleia Geral Extraordinária da  Cooperativa,  que havia sido convocada por anúncio publicado do jornal D. de 29/4/2019, tendo por objectivo, entre o mais, a Eleição da Mesa da Assembleia Geral e Conselho Fiscal da B. para o triénio 2019 – 2021.

Foram aí eleitos novos titulares dos órgãos da Mesa da Assembleia Geral e Conselho Fiscal, tendo sido eleito presidente da Mesa da Assembleia Geral, E. , que vem exercendo o seu mandato até à presente data.

O Requerente intentou acção de impugnação/anulação da deliberação social  relativamente às deliberações tomadas nessa Assembleia Geral Extraordinária, acção que coreu termos com n.º 4108/19.0T8CBR, e que foi  julgada procedente, nela se entendendo que; “… padece de vício a listagem de associados da qual constam associados falecidos (ou extintos) e a designação “herdeiros de” associados falecidos, na medida em que os mesmos já não são associados no pleno gozo dos seus direitos (…) Ora esta circunstância não pode deixar de inquinar, de forma inultrapassável, todo o processo eleitoral, na medida em que, estando a listagem de associados no pleno gozo dos seus direitos substancialmente inflacionada, tal obstaculiza a subscrição de candidaturas aos órgãos sociais da Ré por 10% dos associados.”

Tendo sido interposto recurso desta sentença, foi a mesma confirmada por Acórdão deste Tribunal transitado em julgado de 20 de Abril de 2021.

Invocando o art 62º do CSC, a B. veio pedir a renovação da deliberação, pretensão  que foi indeferida, e de que a B. interpôs recurso, que ainda não foi decidido.

Entende o Requerente que a finalidade desse recurso é apenas o de entorpecer o procedimento eleitoral  e permitir que o mesmo ocorra sem que os sócios no pleno gozo dos seus direitos possam formalizar uma candidatura subscrita por  10 % dos associados, desde logo, porque o anúncio para a Eleição para a Mesa da Assembleia Geral e para o Conselho Fiscal para o triénio de 2019/2021 (renovação da Deliberação Social Impugnada Judicialmente e Proferida na Assembleia Geral de 29 de Maio de 2019), foi feito apenas em 30/7/2021 implicando que a  entrega das listas de candidatos fosse feita em Agosto  quando a maioria dos associados se encontra de férias.

Mais considera que o Requerido C. usurpa no anúncio em causa as funções de Presidente da Mesa da Assembleia Geral  não tendo  legitimidade para proceder à informação a que se refere o art 2º do Regulamento Eleitoral da Requerida,  visto que o seu mandato cessou em 29 de Maio de 2019, e a sentença e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra acima referido  que anulou a deliberação de 29 de Maio de 2019 não tem o efeito de repristinar a eleição e exercício de funções do mesmo, pelo que a informação constante do anúncio acima referido não tem qualquer validade ou eficácia, devendo considerar-se inexistente.

Estipulando o art  9º da Lei 119/2015 de 31/8 ser aplicável às cooperativas o Código das Sociedades Comerciais, nomeadamente os preceitos aplicáveis às sociedades anónimas, deve-se aplicar o disposto no  nº 4 do art 374º do CSC, pelo que a Assembleia Geral da Cooperativa Requerida deve ser convocada pelo sócio com maior número de acções e, em caso de igualdade,  o mais antigo.A assim não se entender, resulta violado o princípio cooperativo da igualdade.

E sustenta que se a suspensão imediata do processo eleitoral não for efectuada, permitindo-se que prossiga o procedimento para as eleições dos referidos órgãos, uma vez que terá que proceder à impugnação judicial das deliberações aí implicadas  com vista à sua anulação, tal criará inevitavelmente grande perturbação na Requerida, com os inerentes danos para a mesma, que serão sempre superiores ao dano que advirá para a Requerida do deferimento da providência, que não será nenhum.

Opuseram-se os Requeridos, sustentando que o Requerente actua com abuso de direito e que, de todo o modo, a providência cautelar deverá ser  indeferida, devendo condenar-se o Requerente como litigante de má fé, em multa e indemnização.

Para sustentar o abuso de direito e a condenação do Requerente como litigante de má fé invoca que o Requerente andou a trocar emails e comunicações com a B. e, em particular, com o requerido C. , enquanto Presidente da MAG, a agendar reuniões, aparentando e dando a entender que pretendia colaborar na deliberação em causa, mas, pelas costas, preparava esta providência cautelar.

Relativamente à questão da legitimidade do requerido C. , enquanto Presidente da Mesa da Assembleia Geral,  tendo presente a decisão (final) de anulação da deliberação da Assembleia Geral da B. tomada em Assembleia Geral de 29 de Maio de 2019, e, consequentemente, invalidando a eleição também dos novos membros da Mesa da AG para o triénio 2019-2021, entende que se devem  considerar em funções os membros da Mesa da AG eleitos no triénio anterior, ao abrigo da aplicação do disposto no nº 4 do artigo 391º do CSCom, aplicada extensivamente aos cargos de presidente e vogais da assembleia geral das sociedades comerciais, invocando para o efeito diversas decisões jurisprudenciais.

Foi em função desse entendimento que a Administração Provisória da B. , tendo em conta a necessidade de normalizar a vida da instituição quer junto dos associados quer junto das autoridades de supervisão, e não obstante a pendência em juízo do recurso interposto pela B. , relativamente ao despacho que indeferiu o pedido de renovação da deliberação social, deliberou que quem deveria exercer as funções de Presidente da Mesa da Assembleia Geral seriam os Membros da Mesa da Assembleia Geral eleitos para o triénio 2016-2018 que se manteriam em funções até nova designação.

Refere que é a postura do Requerente que se apresenta em violação com o princípio da “gestão democrática pelos membros”, ao defender que devia aplicar-se à B. o disposto no nº 4 do artigo 37.º do CSC, assente na consideração do capital como critério de determinação da escolha de um Presidente da Mesa da AG de uma Cooperativa, em desrespeito por um dos principais alicerces da identidade cooperativa nas cooperativas de primeiro grau, como é o caso da B. : “um membro um voto”, aspecto nuclear da subalternidade instrumental do capital.  

Entende que nenhum dos pressupostos de que depende o decretamento de uma providência cautelar comum estão presentes, desde logo a existência do invocado “direito” e a correspondente “lesão”, porque dependeriam da apreciação prévia da validade dos invocados preceitos estatutários e regulamentares, bem como da interpretação do art 391º CSoc Com, e que  uma providência cautelar não pode, em regra, substituir-se a uma decisão final sobre um regime jurídico regulamentar aplicável, referindo ainda que o direito que o Requerente invoca só existirá depois de intentada uma acção de declaração de invalidade das normas estatutárias ou regulamentares em causa.

Quanto ao dano adveniente da pretendida suspensão do processo eleitoral está o mesmo implicado no descredito no sistema financeiro e sempre seria superior ao do Requerente no não decretamento da providência. 

Em 17/9/2021 foi proferido despacho no presente procedimento cautelar designando os dias 4 e 6 de Outubro para a prestação do depoimento de parte do legal representante da Requerida e para a inquirição das testemunhas arroladas.

 

O Requerente, referindo pronunciar-se sobre os documentos juntos com a oposição, apresentou requerimento, que terminou, pedindo a sua absolvição do pedido de litigância de má fé e requerendo a condenação nessa litigância da Requerida.

            Nesse requerimento – de 21/9/2021 - informou ter feito saber ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Requerida por e-mail de 30 de Agosto de 2021 que a lista de associados se encontra inflacionada por sócios já falecidos, aí identificando várias pessoas nessa situação, e que outras dezenas de associados se encontram na mesma situação e, em consequência, solicitou a suspensão do procedimento eleitoral. Mais informou que em consequência desse e-mail  o Sr. Presidente da Mesa da Assembleia Geral lhe comunicoupor e-mail de 1 de setembro de 2021 que: «… tendo constatado, na sequência do alertado por V. Exª nessa sua comunicação, que, pese embora os trabalhos efectuados pelos serviços da B. , CRL, de limpeza da Lista de Associados antes da publicação do anúncio de início do processo eleitoral, ainda subsistirão situações de Associados que já terão falecido e que, consequentemente, não podem constar de uma lista de Associados no pleno gozo dos seus direitos, para fins eleitorais, dei, ontem, instruções para ser cancelado o processo eleitoral em curso, dando-se início a novo processo eleitoral quando a Lista de Associados esteja, na medida do que seja possível, actualizada. O anúncio por mim assinado a cancelar o processo eleitoral em curso e dando sem efeito a data de amanhã, dia 2 de Setembro, como data-limite de entrega das listas eleitorais, já foi entregue aos serviços da B. , CRL, para publicação no mesmo jornal onde foi efectuada a publicação do anúncio dando início ao processo eleitoral. Esse mesmo anúncio estará, a partir de hoje, afixado na sede desta B. , CRL e em todas as suas agências».

             Conclui, em função destas considerações, que quem litiga de má-fé, é a Requerida  e não ele, referindo ainda que o expediente usado não é novo tendo já sido utilizado  relativamente à mesma eleição – “Mesa da Assembleia Geral e Conselho Fiscal para B. para o triénio 2019 – 2021”, em função do anuncio publicado no jornal D. de 13 de Janeiro de 2019 onde se advertia que a eleição teria lugar durante  «o próximo mês de Abril de 2019» , sendo que tendo o aqui Requerente intentado procedimento cautelar de suspensão da referida deliberação social,, vieram os aqui Requeridos cancelar o processo eleitoral anunciado  reconhecendo que a listagem de associados não estava actualizada.

            A esse requerimento seguiu-se um outro – em 24/9/2021 – em que o Requerente, em função do cancelamento já informado referiu daí decorrer  a inutilidade superveniente da produção de prova da factualidade alegada na p.i. prescindindo de três das  testemunhas, limitando o seu rol a duas. Mas, avisando que uma destas não poderia comparecer dia 4 por ter um exame medico, terminou o requerimento em apreço referindo: «Assim, requer-se a V. Exª, caso seja entendido que os autos devam prosseguir, que a produção de prova ocorra apenas no dia 6 de Outubro de 2021 face ao supra alegado».

            A estes requerimentos responderam os Requeridos, frisando  que o Requerente só informou o  PMAG do falecimento de sócios na lista que lhe foi disponibilizada depois de intentar a providência e sem se ter dado ao  cuidado de demonstrar tais falecimentos, mas o que se impunha que tivesse feito, era ter recorrido  da publicação dessa lista, nos termos do artº 25º do Regulamento Eleitoral, tanto mais que dessa norma resulta  que o recurso das decisões tomadas no âmbito do processo eleitoral é condição de procedibilidade da acção com o fundamento que motivou a reclamação. Deste modo, conclui que não tendo o Requerente reagido com a interposição desse recurso, o  respectivo direito ficou precludido, estando em causa  uma excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso.

            Mais referem que a suspensão do procedimento eleitoral era o que se impunha e que «num quadro destes, com o acervo documental existente, parece-nos claro que as questões a decidir serão puramente de direito, com a prova testemunhal meramente residual, devendo o Tribunal pronunciar-se sobre a deliberação da B. requerida no sentido de “recuperar” a Mesa da Assembleia Geral e, a final, da “legitimidade” do requerido C. para assumir as funções de PMAG no caso em apreço, sob pena do requerente perpetuar este argumento (…)». Terminando referindo que «por isso, nada temos a opor a que a inquirição ocorra apenas no dia 06 de Outubro de 2021, sendo lícito admitir que a B. requerida também possa prescindir, no acto, de algumas testemunhas, em função do (pouco) que porventura ainda houver a provar ou para elucidar o Tribunal».

 

            Em 29/9/2021 foi  proferido despacho em que se referiu que, «considerando o teor dos requerimentos que antecedem transfiro a diligência agendada por despacho de 17.09.2021 para o dia 6 de Outubro, pelas 14 horas».

            No dia designado, estando presentes os Exmos Advogados das partes e as testemunhas cuja presença vem acusada na respectiva acta, foi proferida a seguinte decisão:

            « A. instaurou o presente procedimento cautelar para suspensão do início do processo eleitoral que teve lugar com a publicação de anúncio publicado no jornal D. de 30 de Julho de 2021 e com o anúncio da decisão da Assembleia Geral - Eleição para a Mesa da Assembleia Geral e para o Conselho Fiscal para o triénio de 2019/2021 (renovação da Deliberação Social Impugnada Judicialmente e Proferida na Assembleia Geral de 29 de Maio de 2019) contra B. CRL e C. .

            Os requeridos deduziram oposição.

            Por requerimento de 24/09/2021, o Requerente informou os autos que o processo eleitoral em causa nos autos foi cancelado, informação que lhe foi remetida por e-mail pelo Sr. Presidente da Mesa da Assembleia Geral em 01 de Setembro 2021.

             Em face do exposto, e nos termos da al. E) do artº 277 do C.P.C., declaro extinto o presente procedimento cautelar por inutilidade superveniente da lide.

            Custas pelos requeridos (artº 536º, nº 3, do C.P.C.).

            Valor do Procedimento Cautelar: € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).

            Registe e notifique. »

            II – Do assim decidido apelaram os Requeridos, que finalizaram as suas alegações,  concluindo:

            1 – O presente recurso versa sobre o douto despacho recorrido - despacho de 06.10.2021 (refª 86504362), que concluiu pela declaração da instância por inutilidade superveniente da lide. Na verdade,

             2- Não estamos perante uma situação em que a lide se tornou inútil e, por isso, o Tribunal deveria ter prosseguido o julgamento, designadamente para apreciar as questões que concretamente lhe foram colocadas pelos requeridos, as quais, pela sua importância e pertinência, acabam por continuar pendentes e sem uma solução concreta. Com efeito,

            3 – A providencia cautelar em causa é intentada fundamentalmente pela alegada ilegitimidade do Presidente da Mesa da Assembleia Geral (o requerido C. ) para exercer essas funções e bem assim para dar início ao processo eleitoral, nomeadamente para proceder à informação contida no anúncio de 30 de julho de 2021 e, como tal, esta é inexistente.

            4 - Portanto, é neste enquadramento factual e jurídico e com este pressuposto que o requerente propõe a providencia cautelar e, naturalmente, não poderá deixar de ser também neste enquadramento que a questão da inutilidade da lide, acolhida pelo Tribunal, deve ser apreciada.

            5 – Como se salientou na Oposição deduzida, o requerente nunca colocou em causa o papel – e, portanto, a legitimidade – do requerido C. , como Presidente da Mesa da Assembleia Geral durante a diversa troca de correspondência, não só naquela que antecedeu a entrada da providencia cautelar em juízo, mas mesmo depois (embora os requeridos o desconhecessem), sendo lícito reclamar, como efectivamente se reclamou, o abuso de direito do requerente e, portanto, a sua condenação como litigante de má fé.

            6 - Salientou ainda que levando em linha de conta a decisão que tornou inválida a eleição dos novos membros da Mesa da AG para o triénio 2019-2021, deverão considerar-se em funções os membros da Mesa da AG eleitos no triénio anterior, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 391.º do Código das Sociedades Comerciais, na esteira do que a jurisprudência ali citada vem entendendo.

            7 - Não há, assim, qualquer violação dos princípios cooperativos por parte da B. , bem pelo contrário, é a postura do requerente que se apresenta em clara violação do princípio da “gestão democrática pelos membros”, ao defender, por exemplo, que devia aplicar-se à B. e ao caso o disposto no n.º 4 do artigo 374.º do CSC, assente na consideração do capital como critério de determinação da escolha de um Presidente da Mesa da AG de uma Cooperativa, em desrespeito por um dos principais alicerces da identidade cooperativa nas cooperativas de primeiro grau, como é o caso da B. : “um membro um voto”, aspecto nuclear da subalternidade instrumental do capital.

            8 – O requerente andou a trocar emails e comunicações com a B. e, em particular, com o requerido C. , enquanto Presidente da MAG, a agendar reuniões, aparentando e dando a entender que pretendia colaborar na deliberação em causa, mas pelas costas preparava e intentava, como intentou, a providência cautelar, ou seja, actuava com abuso de direito e no domínio da litigância de má fé.

            9 - Consciente dessas dificuldades, em 21.09.2021 o requerente tratou de inverter o curso do procedimento e, a pretexto de responder à litigância de má fé, aproveita para se desculpar e, subrepticiamente, imputando à B. um comportamento que ele mesmo congeminava e protagonizava, vem dar nota ao Tribunal que em 30 de Agosto de 2021 “fez saber ao Sr. Presidente da Mesa da Assembleia Geral, aqui requerido que a referida lista se encontra igualmente inflacionada por sócios já falecidos” (plasmando ali o nome de 11 associados, mas sem oferecer a mínima prova, nomeadamente documental, daquilo que invocava,) pelo que, perante tal noticia, o mesmo Sr. Presidente lhe comunicou por email que ordenou dar “instruções para ser cancelado o processo eleitoral em curso…”

            10 – A suspensão do procedimento eleitoral, tratou-se, evidentemente, de uma decisão sensata e prudente, na medida em que interessava averiguar a informação trazida pelo requerente.

             11- Daqui ressalta, desde logo, que para o requerente o requerido C. umas vezes não tem legitimidade e usurpa de funções enquanto PMAG e, outras, já é reconhecido como tal e até tratado por Sr. Presidente da Mesa da Assembleia Geral 

            12 – Daqui resulta ainda a falta de lisura de procedimentos do requerente, porquanto usou desta artimanha, para dois ou três dias antes de terminar o prazo de entrega de listas (a comunicação é de 30.08.2021 e o prazo de entrega de listas terminava em 02.09.2021), provocar a suspensão do procedimento eleitoral em curso, conhecendo, como efectivamente conhece, o rigor que o requerido C. coloca nos desempenha das suas funções de PMAG, tudo isto à revelia do procedimento cautelar já em curso.

            13 – É manifesto que o requerente não foi capaz de assumir, de uma forma directa e com a desejada elevação, que lhe convinha que os autos por ali ficassem, em nome de uma inutilidade da lide…

            14 - Ora, no caso em apreço não estamos perante uma situação que determine tout court a extinção da instância por inutilidade da lide.

            15 - Como decorre do que acima se deixou exposto, impunha-se que o Tribunal, pelo menos, se pronunciasse sobre a retomada de funções dos Membros da Mesa da Assembleia Geral eleitos para o triénio 2016-2018, para se manterem em funções até nova designação, incluindo o requerido C. , para exercer as funções de PMAG, que pudesse conduzir a renovação do acto eleitoral, tendo em conta a interpretação jurisprudencial supra referida, em consonância com a norma do n.º 4 do artigo 391.º do CSC.

            16 – A questão da bondade (ou não) da decisão da Administração da B. e da solução encontrada e, por arrasto, a legitimidade do requerido C. para o exercício de funções de PMAG, é assunto que deve ser resolvido a montante, nomeadamente do despacho em crise.

             17 - A importância da definição e da resolução dessa questão concreta colocada ao Tribunal pelo requerente, que contende com a decisão tomada pela B. ao abrigo do n.º 4 do artigo 391.º do CSC, parece-nos inquestionável, pelo que se impunha uma decisão sobre a mesma.

             18 - Na verdade, a invocada “ilegitimidade” do requerido C. , na medida em que, segundo o requerente, “usurpava de funções”, tornando, ainda no seu ponto de vista, o aviso do início do procedimento eleitoral inexistente, consubstancia, ao fim e ao cabo, a única causa de pedir do procedimento eleitoral.

            19 - E, como então alertávamos no nosso requerimento de 27.09.2021 (tomando posição sobre o teor dos requerimentos do requerente de 21.09.2021, refª 39905731, e de 24.09.2021, refª: 39937223, bem como dos documentos que os acompanham, ao abrigo do artº 3º do CPC), “com o acervo documental existente, parece-nos claro que as questões a decidir serão puramente de direito, com a prova testemunhal meramente residual, devendo o Tribunal pronunciar-se sobre a deliberação da B. requerida no sentido de “recuperar” a Mesa da Assembleia Geral e, a final, da “legitimidade” do requerido C. para assumir as funções de PMAG no caso em apreço, sob pena do requerente (ou quem o acompanha) perpetuar este argumento, com as consequências que se adivinham.”

            20 - De resto, e para reforçar este entendimento - no sentido de que a única causa de pedir é precisamente a alegada ilegitimidade - impõe-se salientar, mais uma vez, que o requerente verificou na lista que lhe foi disponibilizada, encontrou os tais sócios que teriam já falecido, mas só informou o PMAG depois de intentar a providência e nem sequer se deu ao cuidado de o demonstrar, com a junção de documentos comprovativos do alegado decesso, como seria normal para quem está bem intencionado e de boa fé. Portanto,

            21 - Neste quadro impunha-se naturalmente que o requerente recorresse da publicação dessa lista e do seu respectivo conteúdo, no exacto cumprimento do disposto no artº 25º do Regulamento Eleitoral.

            22 - Do citado preceito Regulamentar resulta que o recurso das decisões tomadas no âmbito do processo eleitoral, é condição de procedibilidade da acção com o fundamento que motivou a reclamação então “decidida”. Isto é, a interposição do referido recurso (tem) de anteceder, necessariamente, a propositura da acção, na esteira do entendimento plasmado na jurisprudência acima citada a este propósito.

            23 - Quer isto significar que nesse âmbito (da listagem), o meio adequado de reacção do requerente à decisão do PMAG era o mencionado recurso e não a impugnação da deliberação que agora também pretende por esta via, pelo que, não o tendo feito, o respectivo direito ficou precludido, não podendo o requerente “represtiná-lo” pela presente via, o que configura uma excepção dilatória inominada (art.º 576.º, n.º 2 do CPC), de conhecimento oficioso.

            24 - E, portanto, o argumento da “infidelidade” das listas e de pessoas que alegadamente ali não podiam constar, não pode servir para sustentar (como na verdade nunca sustentou, bastando ler o teor da providencia cautelar), neste processo, que a suspensão ou cancelamento do procedimento se ficou a dever a essas razões e, como tal, a justificar que a lide se tornou inútil, como o Tribunal veio erradamente a acolher, caindo na “armadilha” do requerente. Ora,

            25 – A declaração de inutilidade superveniente da lide, dando lugar à extinção da instância, não aprecia o mérito da causa e, por isso, também não forma caso julgado.

            26 - A manter-se o despacho em crise, a B. e o requerido C. , se retomarem o procedimento eleitoral (para os fins já conhecidos) ou mesmo reiniciando-o, arriscam-se a ver o requerente (quem o acompanha ou outro associado qualquer, apoiado por estes), a suscitar a mesma questão da legitimidade e da usurpação de funções ou da condição de PMAG, com as maléficas consequências que se adivinham. Dito de outro modo,

            27 - É importante que neste processo, para não continuarem nesta indefinição e incerteza, os recorrentes conheçam a posição do Tribunal pelo menos sobre essa concreta questão, ou seja, em termos simples, se é ou não legal e juridicamente aceitável lançar mão do disposto no n.º 4 do artigo 391.º do Código das Sociedades Comerciais e já não, como preconiza o requerente, o disposto no n.º 4 do artigo 374.º do CSC, assente na consideração do capital como critério de determinação da escolha de um Presidente da Mesa da AG de uma Cooperativa, em desrespeito por um dos principais alicerces da identidade cooperativa nas cooperativas de primeiro grau, como é o caso da B. : “um membro um voto.”

            28 - O que significa que neste quadro legal e factual, a lide jamais se tornou inútil, pois em boa fé, não podemos dizer que do prosseguimento dos autos não advêm efeitos úteis da tutela cautelar, tanto mais que as partes - e os recorrentes deixaram clara a sua discordância na audiência - não requereram a extinção da instância por inutilidade da lide ou por qualquer outra razão (pese embora a postura astuciosa do requerente). Aliás,

            29 - Nem se percebe como alguém que está alegadamente sem legitimidade para praticar determinados actos ou apelidado de “usurpador de funções” possa de repente ficar legitimado, por um passe de mágica ou um “estalar de dedos” e, desse modo, o Tribunal aceitar como bons e imaculados os actos então praticados, como se nada se tivesse passado e sem uma leve pronúncia.

            30 - É que não faz sentido a opção do Tribunal e o apelo que faz ao fundamento de extinção em circunstâncias que, em abstrato, convocam outros institutos processuais, como aqueles que acima se apontaram (abuso de direito, litigância de má fé, aplicabilidade da norma do 4 do artigo 391.º do CSC, por exemplo).

            31 - A inutilidade superveniente da lide só se verifica quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão dos requerentes ou autores não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo da providência pretendida, deixando de interessar.

            32 - O que não é manifestamente o caso, considerando pelo menos a relação material controvertida, especialmente fundada na causa de pedir, isto é, a falta de legitimidade do requerido C. para praticar os actos impugnados (decorrente da aplicabilidade da norma do 4 do artigo 391.º do CSC), e, consequentemente, o invocado abuso de direito do requerente e a má fé com que litiga.

            33 - Salvo o devido respeito, não se vislumbra a ocorrência de qualquer facto susceptível de tornar tout court a providência inútil, pois foi com total surpresa que os recorrentes receberam a posição do Tribunal e a decisão de que se recorre. Na verdade,

            34 – A proibição das decisões surpresa ou, noutra terminologia, das denominadas decisões solitárias do juiz, encontra o seu fundamento próximo no princípio do contraditório, consagrado na lei adjectiva no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, no sentido de que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

            35 - O princípio do contraditório – que encontra raízes em princípios constitucionais como o direito de acesso ao direito e à justiça, o direito a um processo equitativo e justo e a tutela jurisdicional efectiva, que proíbem as situações de indefesa ou violações de princípios de igualdade ou proporcionalidade - constitui pedra angular do processo civil, visando permitir que nenhuma decisão seja tomada sem que a parte/entidade por ela afectada possa pronunciar-se sobre a mesma.

            36 - Refere o Tribunal Constitucional que o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante um correcto funcionamento das regras do contraditório.

             37 - Com esse contexto, consagra a lei processual civil, na leitura que dela vem sufragando o Tribunal Constitucional, que a correcta compreensão do princípio não se basta com a garantia de que as partes tenham a possibilidade de intervir no processo, tendo conhecimento e possibilidade de pronúncia quanto aos pedidos que deduzem ou contra si são deduzidos. Incluindo tal garantia, implica ainda que as partes possam pronunciar-se quanto a questões determinantes para a decisão a proferir e que, constituindo novidade no processo, não tenham sido objecto de pronúncia no decurso do normal contraditório previsto na tramitação processual.

            38 - Exemplo típico são as denominadas decisões surpresa, conceito que se tem vindo a densificar na jurisprudência, em termos de enquadrar no seu âmbito apenas aquelas com que as partes se confrontam e que não poderiam antecipar face ao conjunto do sistema jurídico na parte aplicável ou do regime processual na sua tramitação legalmente estabelecida ou objecto de adequação formal nos termos legalmente previstos.

            39 - Visa-se, assim, obstar a que as partes se defrontem com uma interpretação judicial que não poderiam antecipar ou com uma tramitação processual que escape ao modelo formal aplicável e não tenha sido submetida a pronúncia.

            40 - Em tais casos, o respeito pelo contraditório impõe audição específica das partes, único modo de possibilitar que a decisão seja o culminar de um processo argumentativo justo e equitativo que permita que cada um dos justiciáveis faça ouvir a sua voz, assim trazendo ao decisor a sua perspectiva e, nessa medida, assim influenciando a decisão.

             41 - Ora, no caso dos autos temos, por um lado, que a decisão não era expectável e, por outro, o enquadramento fáctico/jurídico não é insusceptível de controvérsia, como os recorrentes deixaram expressamente antever no seu já citado requerimento de requerimento de 27.09.2021 (quando tomaram posição sobre o teor dos requerimentos do requerente de 21.09.2021, refª 39905731, e de 24.09.2021, refª: 39937223).

             42 - A decisão não era expectável, na medida em que, por um lado, até aí a litigância exprimia utilidade e interesse e em que, por outro, o tribunal tinha anunciado uma tramitação processual subsequente (no caso, designando data para a audiência de julgamento e a respectiva produção de prova), incompatível com a decisão de inutilidade. Ou seja,

            43 - Com a decisão em crise é frontalmente violado o princípio da tutela jurisdicional efetiva, direito fundamental previsto na Constituição da República Portuguesa (CRP), pedra basilar do Estado de Direito Democrático, que implica, desde logo, o direito de acesso aos tribunais para defesa de direitos, não podendo as normas que modelam este acesso obstaculizá-lo ao ponto de o tornar impossível ou dificulta-lo de forma não objetivamente exigível (artºs 20.º e 268.º da CRP).

            44 - No caso em apreço, tal princípio plasma-se na órbita do direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4 da CRP) e no respeito pelo princípio do contraditório (artigo 32.º, n.º 5, in fine, consagrado a propósito do processo penal, embora extensivo, por paridade de razões, a todas as formas de processo). Acresce que

            45 - Condenar os requeridos a pagar as custas por um processo cuja extinção por inutilidade superveniente não é da sua exclusiva responsabilidade, como acima se deixou dito - na medida em que o requerente protelou estrategicamente a noticia sobre a alegada infidelidade das listas e da posição do requerido C. tomara sobre essa questão - e, depois, perante uma inesperada (e não desejada, pelos recorrentes), a decisão tomada pelo Tribunal no sentido de extinguir a instância por inutilidade, é perverter em absoluto o fundamento axiológico da sua previsão: impor uma contrapartida adequada pela garantia do acesso à justiça, pela postura e contribuição das partes no processo.

            46 - Por este motivo, não pode, de forma alguma, admitir-se como justa e adequada a decisão recorrida também nessa parte.

            47 - Portanto, a condenação em custas é ilegal, por se basear numa interpretação materialmente inconstitucional da norma do n.º 3 do artigo 536.º do Código de Processo Civil, por violação dos princípios da proporcionalidade e do acesso aos tribunais, previstos nos artigos 2.º e 20.º da CRP, pelo que se impõe, consequentemente, também a revogação da decisão quanto a custas.

            48 – O despacho recorrido viola, para além do mais, o disposto nos artºs 3º, 277º, alínea e), 576º, nº 2 e 536º, nº 3, do Código de Processo Civil, o disposto no artº 391º do Código das Sociedades Comerciais e os artºs 20º, 268º e 32º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa.

            Nestes termos e nos melhores que por certo Vossas Excelências doutamente suprirão, deve dar-se provimento ao recurso, anulando-se o despacho recorrido, substituindo-se este por um outro que ordene a produção de prova, a fim de se pronunciar sobre as questões suscitadas pelas partes e que acima se aludiram.

            O Requerente produziu alegações, sem conclusões, em que se opôs ao entendimento dos apelantes, terminando-as requerendo a condenação destes em condenação por litigância de má fé.

            Notificados já nesta instância os apelantes para se pronunciarem relativamente ao pedido de litigância de má fé formulado nas contra-alegações, responderam concluindo que se deverá considerar que não litigam  de má fé.

            III – Os factos necessários à apreciação do presente recurso emergem do circunstancialismo fáctico processual acima relatado, com essencial enfoque para os seguintes:

            1 - A B. , fez publicar anúncio assinado pelo requerido C. , no jornal D. de 30 de Julho de 2021, intitulado “Assembleia Geral – Eleição para a Mesa da Assembleia Geral e para o Conselho Fiscal para o triénio de 2019 / 2021 (renovação da Deliberação Social Impugnada Judicialmente e Proferida na Assembleia Geral de 29 de Maio de 2019)”, constando desse anuncio entre o mais que “… informo todos os associados da B. , C.R.L., no pleno gozo dos seus direitos, nos termos epara efeitos do expresso supra nos Considerandos e do disposto no n.º 2 do artigo 2º do Regulamento Eleitoral em vigor, que irá ser realizada, no próximo mês de Dezembro de 2021, Assembleia Geral de renovação da Deliberação da Assembleia Geral de 29 de Maio de 2019, destinada a renovar a eleição da Mesa da Assembleia Geral e do Conselho Fiscal da B. para o triénio de 2019 / 2021, sendo para o efeito convocada, oportunamente e com a antecedência legal e estatuária, a Assembleia Geral que conterá ponto destinado à renovação da Deliberação de eleição da Mesa da Assembleia Geral e do Conselho Fiscal desta B. para o triénio de 2019 / 2021.

            Em consequência e a partir da data de publicação deste meu anúncio, encontra-se em curso nos termos do previsto no Artigo 5º do Regulamento Eleitoral, o prazo para a entrega de listas para a Mesa da Assembleia Geral e para o Conselho Fiscal para o triénio de 2019 / 2021, prazo esse que termina às 16 horas do dia 2 de Setembro de 2021»

            2- C. , na qualidade de Presidente da Mesa da Assembleia Geral enviou ao Requerente e-mail de 1 de setembro de 2021, com o seguinte conteúdo:       “De: PresidenteMAG... <PresidenteMAG...@ B. .pt>

            Enviada: 1 de setembro de 2021 12:36

            Para: A. @gmail.com

            Assunto: FW: Irregularidades da Lista de Associados

            Exmº Senhor Associado,

            Acuso a recepção da sua comunicação enviada no passado dia 30 de Agosto para este endereço de correio electrónico, que agradeço.

            Tendo constatado, na sequência do alertado por V. Exª nessa sua comunicação, que, pese embora os trabalhos efectuados pelos serviços da B. , CRL, de limpeza da Lista de Associados antes da publicação do anúncio de início do processo eleitoral, ainda subsistirão situações de Associados que já terão falecido e que, consequentemente, não podem constar de uma lista de Associados no pleno gozo dos seus direitos, para fins eleitorais, dei, ontem, instruções para ser cancelado o processo eleitoral em curso, dando-se início a novo processo eleitoral quando a Lista de Associados esteja, na medida do que seja possível, actualizada.

            O anúncio por mim assinado a cancelar o processo eleitoral em curso e dando sem efeito a data de amanhã, dia 2 de Setembro, como data-limite de entrega das listas eleitorais, já foi entregue aos serviços da B. , CRL, para publicação no mesmo jornal onde foi efectuada a publicação do anúncio dando início ao processo eleitoral.

            Esse mesmo anúncio estará, a partir de hoje, afixado na sede desta B. , CRL e em todas as suas agências.

            Com os melhores cumprimentos

            O Presidente da Mesa da Assembleia Geral da B. ,

            C. ,

            3 – O Anúncio do referido cancelamento foi publicado no jornal D. de 2 de Setembro de 2021.

            IV – Operando o confronto das conclusões das alegações com a decisão recorrida, - operação de que emergem as questões a apreciar no recurso, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso que não tenham sido ainda objecto de decisão e relativamente às quais os autos contenham os elementos necessários à respectiva apreciação- verifica-se serem as seguintes as que reclamam apreciação:

            -se a decisão recorrida constituiu uma decisão surpresa;     

            -se, no quadro legal e factual em causa nos autos, a lide não se tornou inútil;       

            - se a condenação dos Requeridos em custas é ilegal por não ser da sua exclusiva responsabilidade a extinção do processo por inutilidade superveniente;           

            -se os Requeridos /apelantes ao interporem o presente recurso litigaram de má fé.

            Iniciar-se-á a apreciação das questões acima assinaladas  pela segunda – a de saber se se verificou ou não inutilidade superveniente da lide.

            Resulta do art 277º al e) CPC que a instância se extingue com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.

            Nas palavras de Lebre de Freitas/Isabel Alexandre «a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litigio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio»[1].

            Como o observam ainda os mesmos autores, no CPC de 1939, no seu art 292º, não se mostrava consagrada a extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade da lide,  figura que, não obstante,  o seu autor, José Alberto dos Reis, reconhecia existir.

            Com efeito, referia o mesmo: «O que importa assinalar é este principio: a instância extingue-se ou finda por forma anormal, todas as vezes que, ou por motivo atinente ao sujeito, ou por motivo atinente ao objecto, ou por motivo atinente à causa, a respectiva relação jurídica substancial se torne impossível, isto é, não possa continuar a subsistir».[2]

            O motivo atinente à causa a que se reporta J. A. dos Reis corresponderá,  justamente,  às situações em que a pretensão do autor não se pode manter, porque, em função de facto superveniente relativamente ao momento da instauração da acção, «encontrou satisfação fora do esquema da providência pretendida». A relação jurídica substancial deixa de  subsistir, o interesse implicado no pedido mostra-se satisfeito.

Como é evidente, quer a impossibilidade quer a inutilidade superveniente da lide avaliam-se em função do pedido formulado pelo autor sendo para o efeito indiferente a causa de pedir. Quer dizer, esta, enquanto facto jurídico de que decorre a pretensão deduzida em juízo, não é afectada pela impossibilidade ou inutilidade de satisfação do pedido do autor, e, por isso mantém-se, pese embora a extinção da instância, podendo vir a fundamentar noutra acção diferente pedido.

            Na concreta situação dos autos o Requerente interpôs procedimento cautelar  em 9/8/2021 contra a B. CRL e C. e a providência que nele requereu foi a de suspensão do início do processo eleitoral que teve lugar com a publicação de anúncio publicado no jornal D. de 30 de Julho de 2021 e com o anúncio da decisão da Assembleia Geral - Eleição para a Mesa da Assembleia Geral e para o Conselho Fiscal para o triénio de 2019/2021 (renovação da Deliberação Social Impugnada Judicialmente e Proferida na Assembleia Geral de 29 de Maio de 2019). O que pretendia com  o procedimento cautelar era, pois, que fosse decretada a suspensão do processo eleitoral que se tinha iniciado, nos termos do Artigo 5º do Regulamento Eleitoral, com o anúncio referido com o qual se pretendia a renovação da Deliberação Social Impugnada Judicialmente e proferida na Assembleia Geral de 29 de Maio de 2019.

            O objectivo do procedimento em causa seria, antes de mais, a obtenção da pretendida suspensão do processo eleitoral antes de atingido o terminus do prazo para a entrega das listas para a Mesa da Assembleia Geral e para o Conselho Fiscal para o triénio de 2019/2021, na medida em que os associados – pelo menos, seguramente, o Requerente – pretendiam apresentar e subscrever uma candidatura para o caso da renovação da Deliberação ou para o caso da impossibilidade material ou substancial da renovação da Deliberação – cfr  art 79º da petição - mas não lhes valeria a pena fazê-lo, e com isso fazer prosseguir o processo eleitoral, quando, à partida, e do ponto de vista do Requerente,  o mesmo se achava inquinado pela ilegitimidade do 2º Requerido  para exercer as funções de Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Requerida.

            Ora, a partir do momento em que o Requerido C. , na qualidade de Presidente da Mesa da Assembleia Geral, enviou ao  Requerente e-mail em 1/9/2021, comunicando-lhe ter constatado «na sequência do alertado por V. Exª (…), que, pese embora os trabalhos efectuados pelos serviços da B. , CRL, de limpeza da Lista de Associados antes da publicação do anúncio de início do processo eleitoral, ainda subsistirão situações de Associados que já terão falecido e que, consequentemente, não podem constar de uma lista de Associados no pleno gozo dos seus direitos, para fins eleitorais», e que, por esse motivo, tinha já «dado ordens para ser cancelado o processo eleitoral em curso, dando-se início a novo processo eleitoral quando a Lista de Associados viesse a estar actualizada», e a partir do momento em que o anúncio a cancelar o processo eleitoral foi publicado no jornal D. de 2 de Setembro de 2021, nesta mesma data de 2/2/2021 foi atingido, por via diferente da providência aqui requerida, o objectivo da  mesma – o cancelamento do processo eleitoral em curso.

            Não podem, portanto, restar dúvidas quanto à inutilidade superveniente da lide.

            Evidentemente que ao contrário do que o referem os apelantes nas alegações de recurso   - cfr conclusões 14ª a   32ª , máxime conclusões 15ª,  27ª e 28ª - nenhum sentido teria fazer prosseguir o presente procedimento cautelar para que «o Tribunal, pelo menos, se pronunciasse sobre a retomada de funções dos Membros da Mesa da Assembleia Geral eleitos para o triénio 2016-2018, para se manterem em funções até nova designação, incluindo o requerido C. , para exercer as funções de PMAG,  tendo em conta a interpretação jurisprudencial supra referida, em consonância com a norma do n.º 4 do artigo 391.º do CSC, de modo a evitar que quando a  B. e o requerido C. , retomarem o procedimento eleitoral ou mesmo reiniciando-o, não corressem o risco de ver suscitada a mesma questão da legitimidade e da usurpação de funções ou da condição de PMAG».

            Sabem bem os apelantes, como aliás o referem na conclusão 25ª, que a declaração de inutilidade superveniente da lide, dando lugar à extinção da instância, não aprecia o mérito da causa e por isso também não forma caso julgado. Ora, se assim é, pressupõe-se obviamente que não se possa fazer prosseguir a lide para apreciar, ainda que em termos simples, «se é ou não legal e juridicamente aceitável lançar mão do disposto no n.º 4 do artigo 391.º do Código das Sociedades Comerciais e já não, como preconiza o requerente, o disposto no n.º 4 do artigo 374.º do CSC, assente na consideração do capital como critério de determinação da escolha de um Presidente da Mesa da AG de uma Cooperativa» (conclusão 27ª).  

            A assim proceder, estar-se-ia a transformar uma providência cautelar numa acção de simples apreciação para obter a declaração da existência de um direito…

            Aliás, em boa verdade, os apelantes contradizem o que – com razão ou sem ela….- invocaram na respectiva oposição nos arts 128º a 133º, quando ai defendem  que o «direito de que o requerente invoca só existirá depois de intentada uma acção de declaração de invalidade das normas estatutárias ou regulamentares em causa», porque «é escolar que uma providência cautelar não pode, em regra, substituir-se a uma decisão final sobre um regime jurídico regulamentar aplicável», pondo em causa que a probabilidade séria da existência do direito invocado pelos Requerentes pudesse existir  sem prévia apreciação de uma ou outra cláusula estatutária ou regulamentar  em função de uma acção própria  em que se pedissse a declaração da nulidade ou ineficácia de tais cláusulas.

            Sem mais considerações, a procedimento cautelar extinguiu-se por inutilidade superveniente da lide.

            Diga-se, a propósito, e de passagem para a apreciação da 1ª questão objecto do recurso, que (a constatação) pelo juiz da (impossibilidade) ou inutilidade superveniente da lide não depende de pedido da parte que, porventura, possa estar interessada nessa forma de extinção da instância.

            Por isso, a circunstância de o Requerente, aqui Apelado, nos seus requerimentos de de 21/9/2021 e 24/9/2021 não ter requerido a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, apesar de, nessas datas já se achar publicado desde 2/9/2021 o anúncio de cancelamento do processo eleitoral,  tendo-se limitado, neste último, a invocar a inutilidade superveniente da produção da prova da factualidade alegada na petição, não obsta ao procedimento adoptado pelo Exmo Juiz de ter declarado a inutilidade superveniente da lide.

            Dizem os Apelantes que essa decisão constituiu uma decisão surpresa, invocando na decorrência dessa conclusão todos os malefícios desse tipo de decisões, que, pressupondo a omissão  do cumprimento do principio do contraditório na sua vertente tribunal/partes (art 3º/3 do CPC), implicam, indiscutivelmente, a violação do direito a um processo equitativo e justo e a do direito à tutela jurisdicional efectiva pela privação com que o juiz decide relativamente às razões de uma e outra(s) parte(s), «único modo de possibilitar que a decisão seja o culminar de um processo argumentativo justo e equitativo que permita que cada um dos justificáveis faça ouvir a sua voz, assim trazendo ao decisor a sua perspectiva e, nessa medida, assim influenciando a decisão» - conclusão 33ª.

            Curiosamente, não obstante as pertinentes considerações a respeito das consequências indesejáveis para o processo da não observância do principio do contraditório na referida vertente, acabam por não arguir a nulidade da decisão por excesso de pronúncia em função dessa não observância, sendo certo que se vem entendendo que a decisão-surpresa «constitui um vicio próprio e autónomo que determina a nulidade dessa decisão por excesso de pronúncia»– arts 615º/1 al d) 666º/1 e 68º CPC[3]

            De todo o modo, a questão não se mostra relevante no presente processo.

            Pela simples razão de que a decisão recorrida não constituiu uma decisão surpresa.

            As decisões surpresa, nas próprias palavras dos apelantes – conclusão 38ª – são «aquelas com que as partes se confrontam e que não poderiam antecipar face ao conjunto do sistema jurídico na parte aplicável ou do regime processual na sua tramitação legalmente estabelecida ou objecto de adequação formal nos termos legalmente previstos».

            Ora, a decisão em causa, era perfeitamente expectável e absolutamente antecipável face ao conjunto do sistema jurídico na parte aplicável.

            Inclusivamente, apesar do Requerente, no já aludido requerimento de 24/9/2021, ter invocado apenas a inutilidade superveniente da produção da prova da factualidade alegada na petição em função do anúncio de cancelamento do processo eleitoral, não deixou  de sugerir a (total) inutilidade superveniente da lide quando, ao terminar esse requerimento referiu: «Assim, requer-se a V. Excia , caso seja entendido que os autos devam prosseguir, que a produção de prova ocorra apenas no dia 6/10/21 face ao supra alegado ( o sublinhado é nosso).

            Perante esta observação – cuja função só podia ser a de estimulo para a declaração da extinção da instância por inutilidade superveniente – a contraparte, agora apelante, teve oportunidade de se pronunciar, como o fez, tendo optado aí por aparentar não ter dado conta da inutilidade superveniente da lide.

            Dizem os apelantes que a tramitação processual precedente não fazia pressupor, bem pelo contrário, a decisão recorrida.

            E de facto concorre para esse entendimento a circunstância da Exma Juíza a quo no despacho de 29/9 se ter limitado a transferir a diligência já agendada para o dia 6/10 pelas 14 H.

            Mas apenas «concorre», porque, na verdade, tal despacho só por si não é de molde a criar uma expectativa legitima de que a evolução do processo fosse no sentido de uma decisão de mérito. Isto é, que melhor ponderada a situação evidenciada nos requerimentos do Requerente – ponderação que por vezes não se faz perante a pressão da necessidade de um iminente reagendamento de diligências, como era o caso - não viesse a ser proferida, como materialmente era muito expectável que sucedesse, a decisão de cujo conteúdo se recorre.

            O que se veio de ponderar, implica que a decisão de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide em função dos elementos constantes dos autos e acima melhor referidos não era tal que tivesse de ser precedida de audição prévia das partes. 

            Afinal, é licito ao juiz deixar de observar e fazer cumprir o principio do contraditório, decidindo questões de direito e de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, nos casos de manifesta desnecessidade, como se tem que entender ser o presente,  em face  da inevitabilidade da inutilidade superveniente da lide na situação dos autos e da circunstância da mesma ter sido suficientemente assinalada/indiciada no ultimo dos requerimentos do Requerente sobre o qual os aqui Apelantes tiveram oportunidade de responder.

            No que respeita a saber se a condenação dos Requeridos em custas é ilegal por não ser da sua exclusiva responsabilidade a extinção do processo por inutilidade superveniente  da lide, a resposta encontra-se no disposto nos nº 3 e  4 do art 536º CPC.

            Dispõe aquele nº 3 que «nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou ao requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas».           Explicita o nº 4 da mesma disposição, e apenas relativamente à inutilidade superveniente da lide, que «considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária por parte deste, da pretensão do autor ou requerente (…)».

            Ora, a inutilidade superveniente da lide na situação dos autos decorreu da satisfação voluntária por parte dos Requeridos da pretensão do Requerente, pois que o Requerido C. , Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Requerida, reconheceu no email enviado ao Requerente que a Lista de Associados que lhe fora entregue não estava suficientemente actualizada, subsistindo situações de associados que já terão falecido.

             Foi em função deste facto – o da irregularidade da lista dos associados, expressão empregue no “assunto” do email   – que foi cancelado o processo eleitoral, e, por isso, a responsabilidade desse cancelamento é da Requerida a quem cabia ter atempadamente providenciado pela regularidade das listas.

            A litigância de má fé que está em causa no presente recurso nada tem a ver com a invocada de parte a parte ao longo do processo, mas apenas com a que possa resultar da interposição de recurso por parte dos Requeridos.

            Embora o entendimento destes a respeito da não inutilidade superveniente da lide seja pouco defensável, nos termos que resultam segundo se crê do acima exposto, tal não se mostra suficiente para integrar essa conduta em qualquer das alíneas do nº 2 do art 542º CPC, máxime nas suas als a) ou  d) . Tal conduta corresponderá a uma litigância ousada mas ainda admissível do ponto de vista ético que norteia a litigância de má fé.

            Improcede, pois, o recurso, devendo manter-se a decisão recorrida.

            V – Pelo exposto, acorda este Tribunal em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.

            Custas pelos apelantes.

                                                                       Coimbra, 18 de janeiro de 2022
Maria Teresa Albuquerque                                                                                                                                               Falcão de Magalhães

                                                           Pires Robalo


                [1] - «Código de Processo Civil Anotado», Vol I, 3ªed, Set de 2013, p 546
                [2]Comentário…», Vol III, p 387

                [3] - Cfr, por todos, blog do IPCC de 21/9/2021 e Ac R L 11/7/2019 (Micaela Sousa).