Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
169/12.1TTFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
SOCIEDADE ANÓNIMA
SOCIEDADE DE CAPITAL PÚBLICO
Data do Acordão: 12/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DA FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 127º E SEGS, DO CT/2003; 140º, 141º, Nº 3, E 147º DO CT/09; DEC. LEI Nº 427/89, DE 7/12.
Sumário: I – Uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, não pertencente aos serviços da administração central, não sendo um instituto público na modalidade de serviço personalizado do Estado, não está sujeita ao regime do Dec. Lei nº 427/89, de 07/12 (diploma que definiu o regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na administração pública), por força do artº 2º deste diploma.

II – Nem lhe é aplicável o regime da Lei nº 23/04, de 22/06 (que definiu o regime jurídico do contrato individual de trabalho nas pessoas colectivas públicas), que revogou os artºs 18º a 21º do D.L. nº 427/89, que versavam sobre o contrato de trabalho a termo certo.

III – A falta de menção expressa dos factos do justificativo do motivo da aposição do termo num contrato de trabalho inviabiliza que se possa estabelecer uma relação entre essa justificação e o termo estipulado, como exige o nº 3 do artº 131º do CT/2003.

IV – O mesmo decorre do CT/2009 – artºs 140º e 147º deste CT.

V – Tendo-se o contrato de trabalho inicial convertido em contrato sem termo, todas as sucessivas renovações (dentro do mesmo objecto contratual) se tornam inócuas e não afectam a relação de trabalho estabelecida.

VI – Sendo o despedimento declarado ilícito, o trabalhador tem direito a ser ressarcido dos danos não patrimoniais por si sofridos (artº 389º, nº 1, al. c) do Código de Trabalho).

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – A... , divorciado, residente na (...) Figueira da Foz, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma do processo comum, contra Hospital B..., E.P.E., com sede na (...), concelho da (...), pedindo:

a) seja declarada de ilicitude do despedimento de que foi alvo e a consequente condenação da ré na reintegração no seu posto de trabalho a partir de 31/12/2012, com a categoria, antiguidade, retribuição e subsídios a que tem direito, como se não tivesse ocorrido despedimento para aquela data.

b) seja a ré condenada a pagar-lhe por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que venha a sofrer, os primeiros a liquidar e os segundos que não deverão ser inferiores às retribuições que o A. venha a deixar de auferir desde a alegada cessação do contrato, ou seja, desde 31 de Maio de 2012, até ao trânsito em julgado da Sentença e consequente reintegração, tais como os vencimentos mensais, subsídio de alimentação, férias, subsidio de férias e de Natal, sabendo-se que aufere 3.173, 95 €, acrescido de 571,86 € a título de despesas de representação mensais, quantias às quais deverão acrescer os juros legais, actualmente contados à taxa de 4% ao ano, desde a data de vencimento de cada uma delas até efectivo e integral pagamento, custas e procuradoria.

Alega, no essencial, que foi admitido para trabalhar sob a autoridade e direcção da R., por contrato a termo certo celebrado em 1/6/2004, com a categoria de Administrador Hospitalar de 3ª classe, pelo prazo de 3 anos, mediante a remuneração mensal de 2.545,40 €, e que por adenda ao aludido contrato, o montante da remuneração mensal do A. veio a ser alterado, passando a ser de 2424, 93 €, acrescido de 186,46 €, estes últimos referentes a despesas de representação.

Por carta enviada pela R., datada de 15/5/2007, o referido contrato foi prorrogado por novo período de três anos, com efeitos a partir de 1.6.2010 e datado de 21/5/2010, tendo a R. dado a assinar ao A. novo contrato de trabalho a termo certo, pelo período de um ano, com início em 1/6/2010 e por carta datada de 26/5/2011, o referido contrato foi novamente prorrogado, com efeitos a partir de 31/5/2011.

O A. respondeu à R. que já se encontravam ultrapassados todos os prazos de renovação legalmente previstos para os contratos de trabalho a termo, pois tal como dos mesmos consta, esteve ao serviço da R., ininterruptamente desde 1/6/2004.

Por carta datada de 27/3/2012, recepcionada a 2/4/2012, a R. veio pôr termo ao contrato, por caducidade, com efeitos a partir de 31/5/2012.

Os contratos a termo não esclarecem o motivo justificativo limitando-se a reproduzir a terminologia legal e sem referir em concreto qualquer facto que a consubstancie, pelo que devem considerar-se como tendo sido celebrados sem termo, sendo certo que estes se prolongaram até esta data, ou seja, por oito anos, sendo que o contrato a termo certo apenas pode ser renovado até três vezes, não podendo a sua duração exceder três anos, conforme dispõe o art. 148° do C.T. e, já anteriormente, o art. 139° e 141º do mesmo diploma.

Que a missiva que a R. endereçou ao A., dando por caducado o contrato de trabalho é ilegal, porquanto o contrato que com este celebrou traduz um contrato sem prazo, não havendo lugar à caducidade invocada.

Deve assim ser considerada nula a estipulação do termo constante do contrato celebrado com o A., reconhecendo-se que este adquiriu o direito à qualidade de trabalhador permanente da empresa e constituindo a denúncia do contrato efectuada pela entidade patronal um despedimento ilícito.

O A. veio apresentar articulado superveniente a fls. 36 e segs., no qual argui que por carta de 23.05.2012, dia da audiência de partes a ré, invocou a nulidade do contrato de trabalho datado de 1.06.2010, por não cumprimento das formalidades legais de recrutamento, todavia, consubstanciando o primeiro contrato celebrado em 2004 um contrato sem termo, este não é afectado por qualquer eventual nulidade dos outros contratos.

Por outro lado e para além de impugnar a mesma, invoca que a arguição de tal vicio neste momento consubstancia uma actuação de má-fé por parte da ré e requer subsidiariamente, em caso de improcedência dos pedidos formulados na PI por força da nulidade arguida que impeça a reintegração do A., a sua condenação a indemnizar o autor nos termos dos artigos 123º e 392º do CT/09.

+

Na diligência conciliatória da audiência de partes, não foi possível solucionar consensualmente o pleito, pelo que se ordenou notificação da ré para contestar.

+

Contestou a ré invocando que desde Abril de 2009 que o A. não trabalha na, e para a ré, nem dele recebe qualquer pagamento, já que desde então trabalha para o C... - do qual foi nomeado director executivo - (...), tendo saído de forma unilateral e voluntária da ré, sendo que só em 3 de Abril foi solicitado a anuência da ré para a cedência de interesse público e só em Outubro de 2009 foi proferido despacho da Ministra da Saúde, com efeitos reportados a 1 de Março de 2009, a qual não se pode aplicar aos efeitos já produzidos, mormente cessação do contrato operada em Abril de 2009.

Ainda que se entenda que a cedência de interesse público levou à suspensão do contrato, argui a nulidade da mesma por não ter sido precedida dos procedimentos de recrutamento em vigor para as funções públicas, acrescendo que a tal cedência deveria seguir-se uma contratação da entidade destinatária, em regime de emprego público, tudo nos termos dos artigos 58º da Lei 12-A/2008 de 27.02 e artigos 19º a 21º do DL 28/08 de 22/02, 17º n.2 do D.L. 558/99 de 17/12 na redacção da Lei 64-A/2008 de 31.12 e artigo 47º n.2 da CRP, concluindo que o contrato baseado no CT não pode subsistir por incompatível com a cedência de interesse público, exigindo contrato em funções públicas.

Argui, ademais, a nulidade do contrato celebrado em 2004, o qual foi celebrado entre o A. e a ré, sem qualquer precedência das formalidades exigidas, designadamente precedência de consulta pública ou qualquer outra publicitação para contratação nos termos do DL 558/99 de 17.12., sendo portanto nulo.

Sustenta ainda que o contrato celebrado com efeitos a 1.6.2010 é um novo contrato, já que o foi para o A. exercer as funções como Director Executivo no C... e não como director hospitalar da ré, não prestando o A. na sua vigência quaisquer funções na, ou para, a ré, consubstanciando uma “cobertura” àquela cedência, o que invalida qualquer situação de contratação sucessiva, sendo certo que o mesmo veio a cessar por caducidade.

Invoca, ainda, que o motivo da contratação a termo no contrato de 2010 é expressa, ao ser efectuada referência ao despacho de cedência temporalidade desta, por ter terminado o tempo normal da comissão de serviço no C....

De tal decorre que nem a ré queria assinar tal contrato com o A. nem este exerceu quaisquer funções para a ré, com base no mesmo, não tendo assim qualquer eficácia como contrato de trabalho.

Por outro lado, sustenta, que o contrato de trabalho do autor não era um vínculo susceptível de dar cobertura à cedência efectuada do A., por força do disposto nos artigos 58º nº 10 e artigo 9, da Lei 12-A/2008, já que tinha de ser titulada por uma relação jurídica de emprego público, pelo que A. e R., ao celebrarem o contrato de 2010, contrataram para uma situação que não podiam legalmente contratar.

Acresce, que no contrato de 2010 a contratação não foi precedida de qualquer procedimento de recrutamento, nem sequer de simples publicitação, o que acarreta a sua nulidade, conforme DL 233/2005 de 29.12, que requer seja decretada.

Por último sustenta que o salário invocado pelo autor era o que recebia como director executivo no C... e que tendo o contrato cessado em Abril de 2009 com a saída do A. ou, caso assim não se entenda, em 31.05.2010, sempre os créditos estariam prescritos e caducado o direito a peticioná-los.

Opõe-se à reintegração do A., porquanto, sendo o seu cargo de direcção o seu regresso irá causar instabilidade e constrangimento com o Conselho de Administração da ré, uma vez que as funções exigem um estreito relacionamento, encontrando-se para além do mais o quadro de administradores da ré, completo, inexistindo dotação orçamental para a sua readmissão, sendo que a atribuir-se indemnização, não poderá ser superior a 30 dias.

+

Apresentou o autor articulado de resposta ao articulado superveniente da ré, no qual pugna pela improcedência do requerido e arguido quanto à má-fé, sustentando outrossim a litigância de má-fé por parte do autor cuja condenação requer.

+

O autor respondeu à contestação pugnando pela improcedência das excepções invocadas e requerendo a final a condenação do réu como litigante de má-fé.

***

IIRelegado o conhecimento das excepções invocadas para a sentença final e dispensada a realização da audiência preliminar, seguiram os autos para julgamento sem fixação de base instrutória tendo, a final, sido proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência decidiu:

1. Declarar ilícito o despedimento de que o autor foi alvo por parte do réu, por carta datada de 27.03.2012, recepcionada pelo autor em 2.04.2012;

2. Condenar o réu, a pagar ao autor, A..., as retribuições intercalares que o autor auferiria se tivesse retornado ao réu finda a comissão de serviço e caso não tivesse cessado o contrato, montante esse que engloba quer a remuneração base, quer todas as outras prestações regulares e periódicas que o trabalhador receberia, nomeadamente, diuturnidades, subsídios de férias e de Natal, subsídio de alimentação, bem como os subsídios relacionados com o circunstancialismo que rodeia a prestação, entre a data do despedimento e a data do trânsito em julgado da presente sentença, cujo montante relego para liquidação em execução de sentença, nos termos do disposto pelo artigo 661º n.2 do CPC, altura em que serão deduzidos os montantes que o autor auferiu enquanto director executivo do C..., bem como eventuais recebimentos a título de subsídio de desemprego.

Sobre estas quantias serão devidos juros de mora, computados à taxa legal de 4% desde a data do vencimento de cada uma das prestações até efectivo e integral pagamento;

3. Condenar o réu, a reintegrar o autor no seu posto de trabalho, com a categoria, antiguidade e retribuição que teria se não tivesse sido despedido;

4. Condenar o réu a pagar ao autor os danos não patrimoniais resultantes para o autor e decorrentes do despedimento, cuja liquidação relegou para execução de sentença, nos termos do nº 2 do artigo 661º do CPC.

5. Absolver o réu da parte do pedido relativa à condenação no pagamento ao autor das retribuições intercalares em valor correspondente à retribuição auferida na D....

***

III – Inconformada veio a ré apelar, alegando e concluindo:

                        […]

+

Contra alegou o autor alegando em síntese conclusiva:

[…]

+

Recebida a apelação a Exmª PGA emitiu fundamentado parecer no sentido da procedência da apelação.

***

IV – Da 1ª instância vem provada a seguinte factualidade:

[…]

***

V - Do Direito:

Conforme decorre das conclusões da alegação dos recorrentes que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso as questões a decidir podem equacionar-se do seguinte modo:

1. Se a sentença é nula por ter conhecido de questão que lhe estava vedado conhecer.

2. Se o 1º contrato com início em 01.06.04 cessou em 31.05.10.

3. Em caso afirmativo, se ocorreu prescrição dos créditos emergentes dessa cessação.

4. Se o contrato celebrado em 01.06.10 é um novo contrato.

5. Em caso afirmativo se esse contrato cessou por caducidade em 31.05.12.

6. Se os contratos celebrados são nulos por não terem sido precedidos de procedimento concursório.

7. Sendo válidos, concluindo-se pela verificação de um despedimento ilícito, se há lugar à reintegração do trabalhador.

8. Ainda no caso de ilicitude do despedimento se há lugar ao pagamento de indemnização por danos não patrimoniais

No que se refere à nulidade da sentença, alega a ré que o tribunal a quo não a podia ter condenado no pagamento dos salários intercalares por estes não terem sido pedidos. Ao fazê-lo incorreu na nulidade prevista no agora artigo 615º nº 1 alínea d) do Cód. Proc. Civil.

Como se sabe, o tribunal não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido – artigo 609º nº 1 do Cód. Proc. Civil.

Por seu turno o artigo 74º do Cód. Proc. Trabalho permite que o tribunal condene em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 412º do Cód. Proc. Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.

Conforme se dá conta no relatório deste acórdão, o pedido formulado pelo autor foi o de condenação do réu no pagamento de uma indemnização “por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que venha a sofrer, os primeiros a liquidar e os segundos que não deverão ser inferiores às retribuições que o A. venha a deixar de auferir desde a alegada cessação do contrato, ou seja, desde 31 de Maio de 2012, até ao trânsito em julgado da Sentença e consequente reintegração, tais como os vencimentos mensais, subsídio de alimentação, férias, subsidio de férias e de Natal, sabendo-se que aufere 3.173, 95 €, acrescido de 571,86 € a título de despesas de representação mensais”.

De acordo com o peticionado, na interpretação que fazemos do pedido, a referência aos denominados salários intercalares (retribuições que o A. deixou de auferir desde a alegada cessação do contrato até ao trânsito em julgado da Sentença) é feita para balizar o pedido de indemnização por danos não patrimoniais (cujo montante não deve ser fixado em montante inferior a esses salários), não podendo ser entendido como forma de peticionar o pagamento de tais salários que, como também se sabe, tem natureza diferente da indemnização por danos não patrimoniais.

Como a relação laboral terminou, nada obsta a que o autor possa renunciar a este crédito. E por não se estar perante uma das situações previstas no artigo 74º do Cód. Proc. Trabalho, não podia o tribunal a quo ter condenado a ré no pagamento dos referidos salários intercalares.

Houve excesso de pronúncia, o que constitui a nulidade da sentença prevista no alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC a actualmente em vigor, da qual esta Relação tomará conhecimento (artigo 665º do Cód.Proc. Civil), na medida em que a decisão a tomar nos presentes autos assim o justifique, ou seja, desde que o conhecimento da nulidade não fique prejudicada pela solução a dar a outras das questões suscitadas na apelação.

Dada a interligação entre todas as demais questões enunciadas, a sua apreciação será feita de forma global, não compartimentada, pois que a solução a dar a uma pode prejudicar ou tornar inúteis o conhecimento das outras.

As partes celebraram dois contratos, a saber:

1º Contrato:

Teve início em 01.06.04, pelo prazo de 3 anos, prorrogado por igual período, com fim em 01.06.10.

Por carta de 26.04.10 a ré comunicou ao autor que tal contrato caducaria no dia 31 de Maio de 2010.

2º Contrato:

Celebrado em 21.05.10 pelo prazo de 1 ano com início em 01.06.2010, prorrogado em 26.05.11 por igual período com efeitos a partir de 31.05.11.

Por carta de 27.03 12 a ré comunicou ao autor que tal contrato caducaria com efeitos a partir de 31.12.2012.

À data da celebração do 1º dos contratos o réu encontrava-se constituído como Sociedade Anónima de Capitais Exclusivamente Públicos, regendo-se pelo DL nº 286/02 de 10.12 (com entrada em vigor no dia seguinte) que transformou o Hospital da (...) naquela forma jurídica.

Ainda durante a vigência deste 1º contrato entrou em vigor em 31 de Dezembro de 2005 o Dec. Lei 233/05 de 29/12 que transformou o réu de sociedade Anónima de Capitais Exclusivamente Públicos em Entidade Pública Empresarial (E.P.E).

A 1ª instância concluiu que, atento o disposto no artigo 14º do Dec. Lei 286/02 e nos estatutos anexos ao mesmo diploma e no artigo 14º do DL 233/05, o legislador, ao especificar que o regime do contrato de trabalho é o do Código do Trabalho pretendeu aplicá-lo na sua totalidade.

Acrescentou que o mesmo legislador pretendeu subtrair o contrato de trabalho ao regime constante do Dec. Lei nº 427/89 de 7.12 (com as alterações introduzidas pelo Decreto Lei nº 218/98 de 17.07) que definia o regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública) e que inviabilizava a conversão de contrato a termo em contrato sem termo (cfr. arts. 9º do DL 184/89, de 02.06 e 14º do DL 427/89, de 07.12), exigindo, por outro lado, que a contratação a termo obedecesse, como regra geral, a um processo prévio de selecção de candidatos sujeito ao princípio da publicidade (cfr. arts. 9º, nº 3, do DL 184/89 e 19º do DL 427/89), assim como visou a subtracção do contrato de trabalho ao regime constante da Lei 23/04, de 22.06 (então em vigor à data da publicação do citado DL 233/2005 e que definiu o regime jurídico do contrato de trabalho nas pessoas colectivas públicas) e que passou a prever a possibilidade de contratação sem termo no seio da Administração Pública (com a necessária precedência de um processo de selecção artigos 5º e 9º nº4 quanto aos contratos a termo resolutivo)”.

Com efeito, no que se refere às relações laborais, dispõe o nº 1 do art. 14° do DL 286/02 (que transformou o réu em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos) que “os trabalhadores do Hospital estão sujeitos às normas do regime jurídico do contrato individual de trabalho”.

Por seu turno o nº 1 do art. 14° do DL 233/05 (que transformou o réu em EPE) estipula que “os trabalhadores dos hospitais E. P. E. estão sujeitos ao regime do contrato de trabalho, de acordo com o Código do Trabalho, demais legislação laboral, normas imperativas sobre títulos profissionais, instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e regulamentos internos

Do 1º contrato:

Atenta a forma jurídica como estava constituído o réu à data da celebração do 1º contrato (sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos), não pertencendo o réu aos serviços da administração Central, não sendo um instituto público na modalidade de serviço personalizado do estado ou um fundos público, não lhe era aplicável o regime do Dec. Lei 427/89 de 07/12 (diploma que definiu o regime de constituição modificação e extinção da relação jurídica de emprego na administração pública) por força do artigo 2º deste diploma que definia o âmbito de aplicação do mesmo diploma.

Nem lhe era aplicável o regime da Lei 23/04 de 22/06[1] (que definiu o regime jurídico do contrato individual de trabalho nas pessoas colectivas públicas) que revogou os artigos 18º a 21º do DL 427/89 que versavam sobre o contrato de trabalho a termo certo.

Desde logo porque esta Lei, aquando da celebração do 1º contrato (01.06.04) ainda não se encontrava em vigor pois apenas iniciou a sua vigência em 22/07/04 (v. artigo 118º).

Portanto, aquando da celebração do 1º contrato, não estava a relação laboral sujeita ao regime do já referido Dec. Lei 427/89 (designadamente na parte em que poderia inviabilizar a conversão de contratos de trabalho celebrados a termo certo em contratos por tempo indeterminado), nem tão pouco a Lei 23/04, regendo-se integralmente o seu vínculo laboral pelas regras do Cód. Trabalho (de 2003), aliás em conformidade com o nº 1 do artigo 14º do citado Dec. Lei 286/02.

A sentença seguindo precisamente aquele regime decidiu que “tendo sido celebrado entre o autor e o réu em 1.06.2004, um contrato de trabalho a termo certo, pelo prazo de 3 anos, lhe era aplicável o disposto pelos artigos 127º e seguintes do CT/03.

Atentando, assim, no contrato celebrado, e face à arguição do autor, da ausência de concretização de motivo justificativo para a aposição de termo, constatamos que efectivamente na sua cláusula 8ª apenas consta “Este contrato vigorará pelo prazo estabelecido na cláusula anterior em razão do seguinte motivo justificativo; Acréscimo excepcional de actividade da empresa.”

Conforme vinha já sendo entendido no âmbito do Código de Trabalho de 2003, a exigência da lei na justificação do termo, não se basta pela referência genérica à expressão consignada na lei, porquanto esta nada traduz dos reais e concretos motivos do mesmo, consubstanciando-se aquela numa mera conclusão despida da concretização factual que se exige seja explicitada no escrito que titula o contrato, designadamente, especificando o tipo de actividade em que se verifica a intensificação, e a causa desta, sendo que tal indicação concreta dos motivos constitui uma formalidade ad substanciam cuja omissão importa a nulidade do termo, com a consequência de ter de considerar-se o trabalhador, ora autor, vinculado por contrato de trabalho por tempo indeterminado”.

Sufraga-se integralmente este entendimento. A justificação do motivo da contratação a termo mais não passa do que o plasmar da fórmula consignada na lei que, como por todos é entendido, é manifestamente insuficiente para dar cumprimento à exigência legal de concretização daquele motivo justificativo.

Na verdade, a falta de menção expressa dos factos do justificativo do motivo da aposição do termo inviabiliza que se possa estabelecer uma relação entre essa justificação e o termo estipulado, tal como exigia o nº 3 do artigo 131º do Cód. do Trabalho/03.

Por isso dispensamo-nos, por desnecessário, de tecer quaisquer outras considerações sobre o tema, ficando assente que o 1º contrato se converteu em contrato por tempo indeterminado.

Do 2º contrato:

A este contrato é aplicável o regime que decorre do Cód. do Trabalho (de 2009).

Isso mesmo estatui o diploma que o transformou em Entidade Pública Empresarial (E.P.E) – artigo 14º nº 1 do Dec. Lei 233/05.

Ora, à semelhança do que acontecia no Cód. do Trabalho/03 o contrato de trabalho a termo resolutivo só pode, nos termos do disposto no artigo 140º, ser celebrado para satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação das necessidades; e considera-se sem termo o contrato em que a estipulação de termo tenha por fim iludir as disposições regulam o contrato sem termo – artigo 147º nº 1 alínea a) do Cód. do Trabalho.

No caso, encontramo-nos perante uma sucessão de contratos a termo que, com as prorrogações, fez com que recorrido fosse trabalhador subordinado do réu durante 8 anos.

A sucessão de vários contratos a termo, faz desde logo indiciar que as necessidades do empregador não eram temporárias mas sim permanentes, obedecendo a necessidades que ocorriam todos os dias durante o período de vigência contratual.

Ora, esta ideia de necessidade permanente sai reforçada e demonstra-se com o facto de ter sido celebrado o 2º contrato mesmo antes de ter terminado o primeiro (embora as partes tivessem acordado reportar o seu início para data posterior ao fim do termo do primeiro).

É verdade que quadro de Administradores Hospitalares do réu era composto de dois administradores, encontrando-se preenchido.

Todavia (factos 27 e 28), na ausência destes, têm vindo a exercer essas funções no réu outros administradores hospitalares, entre os quais o ora A., tendo chegado a estar três administradores hospitalares ao mesmo tempo em exercício dessas funções na ré; e que após a saída do A. para exercer as funções de director executivo, em 27 de Abril de 2009 passou a exercer funções como administrador hospitalar na ré, o Dr. E..., através de protocolo de cedência temporária.

Este circunstancialismo, aliado ao facto de entre o 1º e 2º contrato não ter inexistido qualquer hiato temporal, indicia ou permite concluir que as necessidades do réu no desempenho por parte do autor das funções de administrador hospitalar não eram temporárias mas antes permanentes.

Por isso, pode-se concluir, salvo melhor opinião, que o réu com o recurso à contratação a termo visou tornear ou iludir as disposições que regem a contratação sem termo pelo que este 2º contrato se deverá considerar como contrato sem termo visto o disposto no artigo 147º nº 1 alínea do Cód. do Trabalho/09 com referência ao artigo 140º do mesmo diploma.

Acresce que, também neste 2º contrato a justificação da aposição do termo não se encontra devidamente concretizada de forma a permitir estabelecer uma relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, tal como exige o nº 3 do artigo 141º do Cód. do Trabalho/09.

Com efeito, deu-se como justificativo da aposição do termo a cedência de interesse público em função do Despacho de nomeação da Srª Ministra da Saúde, datado de 08 de Outubro de 2009.

Desta justificação, por si só vaga e genérica, pouco ou nada se retira quanto à verificação de um nexo de causalidade entre o motivo invocado e a duração do contrato. Esta justificação não cumpre a exigência da concretização formal do motivo que permite a contratação a termo que, com se sabe, não se basta pela sua simples descrição.

O despacho da Srª Ministra da Saúde não é só por si idóneo para que dele se possa concluir que a cedência de interesse público era autorizada devido a necessidades meramente transitórias ou temporárias e não a necessidades permanentes. Aliás, a cedência, se bem estamos a ver, tanto se pode destinar a satisfazer necessidades temporárias como necessidades permanentes.

Assim, também por esta razão, o 2º contrato deve ser considerado como contrato sem termos por força da aplicação do regime dos artigos 141º nº 3 e 147º nº 1 alínea d) parte final do Cód. do Trabalho/09.

Mas ainda que assim não fosse, ou seja, subsidiariamente[2], sempre se verificaria uma sucessão de contratos a termo como acima ficou dito.

Em primeiro lugar, no nosso caso, o 1º contrato cessou por vontade do réu que, para o efeito, invocou a sua caducidade, disso dando conhecimento ao autor. A cessação não ocorreu por facto imputável ao trabalhador; disso nenhuma dúvida pode haver.

Em segundo lugar, o 2º contrato a termo foi celebrado para o mesmo posto de trabalho aferido este pelas funções concretas que o autor passou a desempenhou no âmbito deste contrato[3].

Tanto no primeiro como no segundo dos contratos o autor foi contratado para desempenhar as funções de Administrador Hospitalar.

Ainda durante a vigência do 1º contrato, em Abril de 2009, por acordo entre as partes e por efeito da cedência de interesse público, o autor passou a desempenhar as funções de Director Executivo no Agrupamento de C..., precisamente as mesmas funções para as quais foi contratado da segunda vez (v. clª 1º, 2 do contrato celebrado em 21.05.10)

Em terceiro lugar não ocorreu qualquer intervalo ou hiato temporal entre a celebração dos dois contratos verificando-se uma total e coincidente solução de continuidade entre os mesmos.

A situação enquadra-se inteiramente no disposto no artigo 143º nº 1 do Cód. do Trabalho/09. E por não estarmos perante qualquer das excepções previstas no nº 3 do artigo deve ter-se considerar-se este 2º contrato como contrato sem termo atento disposto na alínea d) do nº1 do artigo 147º do Cód. do Trabalho 

Aqui chegados, importa decidir se nos encontramos perante uma única relação contratual ou perante duas relações diferentes.

Na decisão recorrida entendeu-se tratar-se um único contrato sem termo na medida em que “tendo-se o contrato inicial convertido em contrato sem termo, todas as sucessivas renovações (dentro do mesmo objecto contratual) se tornam inócuas e não afectam a relação de trabalho estabelecida em 2004, decorrente daquele primeiro contrato

E assim tem de ser entendido.

Efectivamente, toda a relação laboral ocorreu sem qualquer hiato temporal, desempenhando o autor as mesmas funções, numa total e coincidente solução de continuidade, aglutinadora da relação laboral, que sempre se desenvolveu entre as mesmas partes, no âmbito do mesmo objecto contratual, desempenhando o autor sempre iguais funções sem qualquer elemento de distinção entre o 1º e o 2º contratos.

Quer isto dizer, salvo melhor opinião, que a relação contratual deve ser considerada una e não como constituindo dois contratos diferentes, tanto mais que ainda não tinha cessado a relação emergente da celebração do 1º contrato e já as partes tinham celebrado um outro de igual índole.

De facto, a celebração sucessiva de vários contratos, não prejudica a sua unidade substancial desde que se verifique a continuidade da relação de trabalho

Quer dizer que se as partes celebram um novo contrato sem qualquer hiato temporal e sem referência ao contrato anterior, mas com subsistência dos pressuposto do anterior negócio jurídico, maxime, motivo e funções a exercer, estes casos devem ser considerados ou entendidos como uma contratação unitária pois apenas se trata de dar continuidade a uma relação jurídica já estabelecida apesar de formalmente surgir como nova – Cfr. P. Romano Martinez, Cód. do Trabalho anotado, 8ª edição, págª 592 e 593 e jurisprudência aí citada.

Daí que juridicamente, embora não se trate de um caso de renovação e, por isso, não lhe ser aplicável o disposto no nº 4 do artigo 149º do Cód. do Trabalho, se deva entender ter havido apenas um contrato e não dois, contrato este que, pelas razões que supra se aduziram, se deve considerar sem termo, ou seja, por tempo indeterminado.

Tratando-se do mesmo e único contrato sem termo a sua cessação só ocorreu em 31.05.12.

Como a presente acção deu entrada em Abril de 2012 não há que falar em prescrição dos créditos emergentes do alegado 1º contrato, pelo que a apreciação da questão atinente à prescrição fica necessariamente prejudicada.

O contrato que vinculou as partes findou por vontade unilateral do réu, que o fez cessar através da carta de 27/03/12 com efeitos reportados a 31/05/12.

Como a vinculação era já por tempo indeterminado, não podia licitamente o réu fazer cessar o contrato do modo como o fez cessar.

Na ausência de prévio procedimento disciplinar a cessação operada revela-se ilícita nos termos do artigo 381º alínea b) do Cód. do Trabalho.

Uma das consequências da declaração de ilicitude é a reintegração do trabalhador, salvo se o contrato for declarado nulo: não se pode, como é óbvio, fazer operar a reintegração quando o contrato não é válido; a isso se opõe a própria natureza das coisas.

E a indagação sobre a validade do contrato leva-nos à questão de saber se a contratação do autor estava sujeita a um processo prévio de selecção que, por via de regra, é o concurso.

É que a omissão desse processo de selecção ou concurso gera a nulidade do contrato

Ora, nos termos do nº 2 do artigo 47º da Constituição da Rep. Portuguesa “todos os cidadãos têm direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso”

Esta norma, que colhe a sua razão de ser no respeito pelo princípio da igualdade (artigo 13º) conexiona-se com os princípios da legalidade, da proporcionalidade, da justiça e da boa-fé (artigo 266º nº 2)

Segundo Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da Rep. Portuguesa, anotada, Tomo I. págª 477) “a Constituição fala em “função pública” também no artigo 165º nº 1 alínea t), e na epígrafe do artigo 269º; em “funções públicas” no artigo 15º nº 2; e em “funcionários” (e agentes) nos artigos 22º e 271º.

Tendo e conta todos estes preceitos, função pública significa qualquer trabalho ou serviço de carácter profissional, seja qual for a sua qualidade ou estabilidade, prestado a uma entidade pública; significa qualquer emprego público (artigo 269º nº 5) E funcionários e agentes são os “trabalhadores da Administração Pública” (artigo 269º nº 1) seja qual for o ramo desta (directa, indirecta autónoma; administração conexa com órgãos de soberania; ou através de “ entidades administrativas independentes”) e seja qual for a natureza jurídica do vínculo (público ou privado)”.

Como se decidiu tratar-se de apenas uma relação contratual, interessa saber qual o regime aplicável à data da sua constituição, (01.06.2004) e não outro que entretanto tenha vindo a ocorrer.

Em 01.06.2004 o réu encontrava-se constituído sob a forma de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos regendo-se pelo regime do Dec. Lei 286/02, pelos seus Estatutos, pelo regime jurídico do sector empresarial do Estado e pela lei reguladora das sociedades anónimas, bem como pelas normas especiais cuja aplicação decorra do seu objecto social e do seu regulamento (artigo 5º do Dec. Lei 286/02).

Também nesta data, se encontrava em vigor o já acima referido DL Lei 427/89 de 07/12 (diploma que definiu o regime de constituição modificação e extinção da relação jurídica de emprego na administração pública).

Por força do seu artigo 2º, este diploma aplicava-se aos serviços e organismos da Administração Central, bem como aos institutos públicos nas modalidades de serviços personalizados do Estado e de Fundos públicos.

A forma jurídica como o réu se encontrava constituído à data do início da relação contratual não se enquadra na previsão deste artigo 2º, nem o réu nessa data pertencia à administração directa ou indirecta do Estado pelo que não estava a contratação sujeita a prévio processo prévio de selecção ou de concurso.

Em consequência, embora a contratação do autor tivesse sido realizada sem precedência de consulta pública ou qualquer publicitação para contratação, o facto é que tal não era legalmente exigido não sendo nulo o contrato celebrado.

O tribunal a quo, na sequência da declaração de ilicitude do despedimento, ordenou a reintegração do autor, tendo julgado improcedente a oposição à reintegração invocada pelo réu na sua contestação porquantoembora a lei faculte à entidade empregadora, relativamente a trabalhador que ocupe cargo de administração, como sucedia com o autor – administrador hospitalar - a possibilidade de se opor à reintegração desde que justifique que o regresso do trabalhador é gravemente prejudicial e perturbador para a prossecução da actividade empresarial, entendemos não ter logrado a ré provar, como lhe competia, tal prejuízo e perturbação (vide factos não provados sob o n.4º) (…). Se por um lado se nos afigura apodíctico que a função de administrador hospitalar consubstancia um cargo de administração para os efeitos consignados no n.1 do artigo 392º do CT/09 e que, conforme aliás resulta do facto provado em 25º, o exercício de tais funções naturalmente implica a existência de um bom relacionamento com o Conselho de Administração do Hospital, por outro, impunha-se ao réu alegar e provar factos concretos que permitissem concluir que a reintegração do autor, coloca em causa esse relacionamento de forma grave e prejudicial à prossecução dos fins e princípios de gestão da unidade hospitalar em questão [e para os quais não relevam circunstâncias como a de o quadro de administradores estar completo, ter sido contratado um outro administrador para o lugar que fora ocupado pelo autor ou razões ligadas à conjuntura económica/dotação orçamental do réu, ou mesmo, que o autor não faz parte da lista oficial de administradores hospitalares, facto que não relevou aquando da contratação do autor em 2004, momento a que se reporta o contrato em apreço - vide a propósito, João leal Amado, Contrato de Trabalho, 3ª ed., págs. 416/417], factos esses que manifestamente o réu não provou, o que inviabiliza o pedido de oposição formulado pelo réu à reintegração do autor”.

Nesta sede processual, vem novamente o réu opor-se à reintegração invocando em abono da sua pretensão novos argumentos, a saber “o D.L. 101/80, de 8 de Maio que regulamentou a carreira de Administrador Hospitalar, aprovou um quadro único nacional para os Administradores Hospitalares.

Apenas os profissionais que integram esse quadro, a que poderão aceder por concurso, podem ser Administradores Hospitalares no serviço nacional de saúde.

Em 7 de Abril de 2000 foi aberto concurso para preenchimento das vagas criadas conforme Aviso n.º 6428/2000 (2ª série), publicado no respectivo Diário da República, 2ª série, desse dia.

O A. concorreu e foi admitido como candidato conforme lista publicada no D.R., 2º série, de 20/7/2000, Aviso n.º 11393/2000 (2ª série).

O A. não foi, no entanto, admitido no quadro único, não constando dos candidatos nomeados (D.R. de 10/1/02, 2º série, Aviso 326/2002 (2ª série).

Esta realidade foi espelhada no facto provado n.º 26: “O A. não faz parte do quadro único de Administradores Hospitalares”.

Assim, por impedimento legal, não pode o A. ser Administrador Hospitalar no R.., ou exercer essas funções, pelo que a sentença não pode decretar a sua reintegração nessa categoria e funções”.

O Código do Trabalho estipula que no caso de trabalhador que ocupe cargo de administração ou de direcção, o empregador pode requerer que exclua a reintegração, com fundamento em factos e circunstâncias que tornem o regresso do trabalhador gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa - nº 1 do artigo 392º do CT.

O juízo que o tribunal tem de fazer em face da requerida oposição à reintegração tem a ver com a gravidade dos prejuízos e com a perturbação que o regresso do trabalhador possa vir a trazer para empresa.

Só verificando-se o circunstancialismo previsto no referido normativo é que o tribunal não deve ordenar a reintegração e, como se deixou consignado na sentença o recorrente não logrou provar a materialidade donde pudesse resultar esse circunstancialismo.

O alegado pelo réu não constitui fundamento de oposição à reintegração, ou seja, não é o facto do autor não pertencer ao quadro dos Administradores Hospitalares que pode inviabilizar, em face das leis laborais, a reintegração na sua entidade empregadora.

Insurge-se ainda a o recorrente com a sua condenação no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais que a 1ª instância relegou para execução de sentença.

Alega que o autor “ só em sede de liquidação teria de alegar e provar os danos concretos e a sua consequência do facto ilícito.

Mas em sede de petição teria sempre de alegar e provar os restantes pressupostos, pois não têm a ver com a liquidação, mas sim com a condenação e não estavam dependentes de qualquer facto posterior.

Não o fez em relação à culpa, sobre que nada diz. Não demonstrou a existência de nexo de imputação do facto ilícito ao lesante traduzido num juízo de culpa.

Sobre a matéria o que temos na douta sentença, a fls. 38, ainda que a propósito da Má Fé processual é: “… do que se trata verdadeiramente é da existência de entendimentos jurídicos diferenciados sobre os factos …”.

Temos, então, que o R. fez cessar o contrato do A. no pleno convencimento de estar a exercer um direito, conforme ao seu entendimento jurídico da situação e dos factos, tudo equacionado em perfeita boa fé.

Assim sendo, não existiu e muito menos o A. provou existir, qualquer culpa do R. na produção do facto agora considerado ilícito do despedimento.

Não havendo culpa não há direito a indemnização por danos não patrimoniais”.

Na sentença considerou-se que “no caso concreto o autor formula um pedido genérico (art. 471 n.1 al.b) do CPC) porquanto inexistem ainda elementos para fixar as consequências do facto ilícito, ou seja, os danos decorrentes do despedimento ilícito efectuado pelo réu, o que resulta desde logo da circunstância de a acção ter sido proposta imediatamente após a comunicação do mesmo.

Destarte, por não estarem coligidos elementos suficientes quanto aos danos não patrimoniais resultantes para o autor decorrentes do despedimento, não se conhecendo ainda as consequências que para ele advieram do facto ilícito, deverá a indemnização por danos não patrimoniais ser relegada para liquidação em execução de sentença, nos termos do n.2 do artigo 661º do CPC, conforme peticionado”.

Decidindo:

Sendo o despedimento declarado ilícito, o trabalhador tem direito a ser ressarcido dos danos não patrimoniais por si sofridos (artigo 389º nº 1 alínea a) do Cód. do Trabalho).

À verificação dos danos não patrimoniais aplicam-se as regras gerais da responsabilidade civil extracontratual. Para que tais danos sejam susceptíveis de ressarcimento, para além de serem graves para merecerem a tutela do direito estão sujeitos ao regime geral da prova, cabendo ao trabalhador não só a prova da sua existência, assim como a relação causal com o despedimento ilícito.

Embora no domínio extracontratual não exista norma semelhante ao do artigo 799º do Cód.Civil (presunção de culpa), provada a ilicitude do despedimento, como é o caso, tal pressupõe já a prática de um facto ilícito e culposo por parte do empregador.

Daí que, salvo melhor entendimento, a demonstração da culpa no que concerne ao ressarcimento dos danos não patrimoniais decorra da própria declaração de ilicitude do despedimento, não estando o autor obrigado a fazer mais nada para a demonstrar.

Consequentemente, a condenação do réu no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais a liquidar em execução de sentença deve manter-se.

Por último resta decidir se são devidos os denominados salários intercalares.

Declarada a ilicitude, o trabalhador tem direito aos denominados salários intercalares ou de tramitação (artigo 390º nº 2 alínea b) do Cód. do Trabalho)

Como acima dissemos a propósito da questão atinente à invocada nulidade da sentença, pelas razões aí aduzidas, entendemos que estes salários não foram peticionados.

Como os mesmos são livremente disponíveis, considerando que o tribunal não pode condenar além do pedido pois não está verificado o circunstancialismo aludido no artigo 74º do CPT , decide-se que tais salários não são devidos procedendo, assim, nesta parte, a apelação.

***

VI Termos em que se delibera julgar a apelação parcialmente procedente em função do que se decide revogar a sentença na parte em que condenou o réu no pagamento dos salários intercalares, no mais se confirmando a sentença impugnada.

*

Custas a cargo do recorrente e do recorrido, na proporção da sucumbência.

*

(Joaquim José Felizardo Paiva -- Relator)

(José Luís Ramalho Pinto)

(Luís Miguel Ferreira de Azevedo Mendes)


[1] Mais particularmente o disposto no nº 2 do seu artigo 10º que proibia que o contrato de trabalho a termo resolutivo celebrado por pessoas colectivas públicas se convertesse em contrato por tempo indeterminado.
[2] A proibição de sucessão de contratos a termo é subsidiária  em relação às outras situações  de transformação de contratos a termo em por tempo indeterminado – P. Romano Martinez e outros , Cód. do Trabalho anotado, 8ª edição, págª 398.
[3] Embora tirado no âmbito do artigo 132º do Cód. do Trabalho/03, mas que mantém a sua actualidade em face do artigo 143º nº 1 do Cód. do Trabalho/09 vale aqui o decidido no Ac. STJ de 10.03.011, procº 539/07.7TTVFr.P1.S1 onde se lê que “para o conceito de posto de trabalho acolhido no n.º 1 do artigo 132.º do Código do Trabalho de 2003, que rege a celebração de contratos de trabalho sucessivos a termo, relevam as concretas tarefas desempenhadas pelo trabalhador a substituir, o que acentua a «ideia de individualização do posto de trabalho”..