Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
760/19.5TBACB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: INSOLVÊNCIA
ADMINISTRADOR JUDICIAL PROVISÓRIO
AVERBAMENTO DA NOMEAÇÃO AO REGISTO CIVIL
Data do Acordão: 11/13/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DE COMÉRCIO DE ALCOBAÇA – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 222º-C, NºS 1, 2, 4 E 5 DO CIRE.
Sumário: 1. O despacho de nomeação de administrador judicial provisório previsto no nº 4 do artigo 222º-C do CIRE, implicando o impedimento para o devedor de praticar atos de especial relevo, envolve restrições à capacidade de exercício de direitos por parte do devedor/requerente.

2. A remissão que o nº 5 do artigo 222º-C faz para o disposto no artigo 38º, significa que o despacho de nomeação do administrador judicial provisório se encontra sujeito a averbamento no registo civil.

Decisão Texto Integral:









Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - RELATÓRIO

Nos presentes autos de Processo Especial para Acordo de Pagamento, instaurados por O... e mulher, E..., proferido que foi despacho liminar a nomear administrador judicial provisório, vêm os requerentes, por requerimentos de 24 de maio e de 21 de junho, de 2019, alegando ter sido levada ao registo a menção da “nomeação de administrador judicial provisório da insolvência”,  e de que, no âmbito de um PEAP, não há lugar ao registo da nomeação de administrador provisório, requerer que  tal menção seja retirada do respetivo registo.

Pelo juiz a quo foi proferido o seguinte despacho, de que agora se recorre:

“Requerimento de 21-6-2019:

Conforme já se havia vertido no despacho que antecede, entende-se que se impõe o registo da nomeação de AJP e da existência de PEAP (a menção a PER no despacho anterior decorreu de lapso do subscritor) no registo civil dos requerentes de tal processo especial aquando da prolação do despacho de nomeação de AJP, por força de aplicação adaptada do art. 38º do CIRE, por remissão do artigo 222º-C, n.º 5 do mesmo Código.

No entanto, o registo a elaborar deverá mencionar apenas a nomeação de AJP em processo especial para acordo de pagamento, e não a nomeação de AJP em processo de insolvência (que não é a forma processual dos presentes autos), pelo que o registo realizado no registo civil do requerente é erróneo, em face da certidão por si junta no requerimento agora em apreço.

Diligencie assim a Secção pela correção de tal registo, nos termos supra mencionados, diligenciando ainda por tal registo no tocante à requerente.

Notifique.”

Não se conformando com tal decisão, os Requerentes dela interpõem recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões:

A. O regime especial para a aprovação de planos de recuperação de cidadãos, pessoas reais, instituído no art 249º e ss do CIRE nunca permitiu que mesmo depois de declarada a insolvência, se o devedor chegasse a acordo com os seus credores, então nada seria registado no seu assento de nascimento.

B. Assim sendo, o PEAP, um regime ainda mais extra judicial, aplicável apenas a cidadãos, pessoas reais, também neste regime não deverá nada ser registado no assento de nascimento dos devedores na respetiva Conservatória,

C. E assim determina a lei, o art. 222º-C, nº5 do PEAP-CIRE.

D. Lei que apenas ordena a notificação do DEVEDOR da nomeação do seu APJ, nada dizendo quanto à conservatória

E. Lei, o art 222º-C nº5 que manda aplicar o art 38º de forma ADAPTADA.

F. Tendo a secretaria aplicado o art 38º CIRE de forma direta e completa.

G. Pois a adaptação a fazer ao art 38º CIRE é quanto ao DESTINATÁRIO, servido o art 38º apenas para determinar o CONTEÚDO da comunicação a fazer ao Devedor.

H. Neste termos solicita-se o completo eliminar, (não é apenas corrigir) de qualquer referência ao PEAP e ao AJP do assento de nascimento do Devedor, na sua respetiva conservatória do registo Civil.

Pelo que, nestes termos, e nos demais de direito, deve o presente Recurso ser admitido e, por consequência:

a) Ser corrigido o Douto despacho de 8-7-2019 Ref.... onde se determina o registo conservador da nomeação do Sr AJP em PEAP, na certidão de nascimento do Devedor

b) Deve ser determinado que nenhum registo seja efetuado no assento de nascimento dos devedores, e que o mesmo só poderá ser realizado se o devedor for declarado insolvente, e ainda assim só se não apresentar Pano de Pagamentos conforme ao art 249º CIRE .

Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos legais ao abrigo do nº4 do artigo 657º CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.  
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr. artigos 635º e 639º do Código de Processo Civil –, a questão a decidir é uma só:
1. Se a nomeação de administrador provisório efetuada no âmbito de um PEAP se encontra sujeita a registo.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

 A primeira decisão judicial a proferir, quer no Processo Especial de Revitalização (PER), quer no Procedimento Especial de Apresentação a Pagamento (PEAP), é o despacho de nomeação do administrador judicial provisório, que equivale a um despacho de deferimento ou de abertura do processo[1].

Segundo o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 222º-C[2] do CIRE, recebido o requerimento pelo qual o devedor manifesta a sua vontade de encetar negociações conducentes à elaboração de acordo de pagamento, é proferido despacho a nomear, de imediato, administrador judicial provisório, despacho que é de imediato notificado ao devedor, “sendo-lhe aplicável o disposto nos artigos 37º e 38º, com as devidas adaptações”.

Antes de mais, cumpre salientar que o nº5 do artigo 17º-C do CIRE igualmente prevê, para o caso de apresentação de devedor/Empresa a Processo Especial de Revitalização, que ao despacho que proceda à nomeação de administrador judicial provisório seja aplicável “o disposto nos artigos 37º e 38º, com as necessárias adaptações”, remissão esta que já constava de tal norma, antes das alterações introduzidas pelo DL nº 179/2019.

 A adoção de igual redação ao nº 2 do aditado artigo 222º-C, levar-nos-á a concluir ter o legislador pretendido sujeitar a publicidade da decisão de prosseguimento e nomeação de administrador judicial provisório a um regime único, independentemente de nos encontramos perante um PER ou perante um PEAP.

Ora, no âmbito do anterior nº4 do artigo 17ºC (atual nº5), tal questão nunca suscitou quaisquer dúvidas, sendo pacífico o entendimento de que o despacho de admissão é notificado de imediato ao devedor, sendo-lhe aplicável o disposto nos artigos 37º e 38º, em matéria de registo e publicidade:

“O despacho é objeto de publicidade nos termos do artigo 38º: é registado na conservatória de registo civil, se o devedor for uma pessoa singular [nº2, al. a)], na conservatória do registo comercial, se houver factos sujeitos a esse registo [nº2, al. b)], na conservatória do registo predial [nº2, al. c)][3]”.

É certo que as als. i) e j) do artigo 69º do  Código de Registo Civil apenas preveem o averbamento ao registo de nascimento dos seguintes atos:

“i) A declaração de insolvência, o indeferimento do respetivo pedido e o encerramento do processo de insolvência;

j) A nomeação e cessação de funções do administrador judicial e do administrador judicial provisório da insolvência, a atribuição ao devedor da administração da massa insolvente, bem como a proibição da prática de certos actos sem o consentimento do administrador da insolvência e a cessação dessa administração;”

Apesar de a al. f) apenas prescrever o averbamento da nomeação e cessação do administrador provisório da insolvência (a redação de tal alínea é anterior à criação do Procedimento de Revitalização, pelo Decreto-Lei nº 16/2012, de 20 de abril), é compreensível a opção do legislador de alargamento da sujeição a tal registo aos procedimentos de recuperação do devedor prévios ao processo de insolvência – PER para as empresas e PEAP para os devedores pessoas singulares.

A necessidade de publicitar a decisão de prosseguimento do processo e de nomeação de administrador provisório, nomeadamente através do averbamento no registo (no Registo Civil ou no Registo Comercial conforme se trate de pessoa singular ou coletiva), tem uma justificação óbvia que radica na situação económica do devedor e às restrições aos negócios jurídicos – impostas pelo nº2 do artigo 17º-E, relativamente ao devedor/empresa e pelo nº2 do artigo 222º-E, quanto ao devedor/pessoa singular – e consequente interesse de terceiros que celebrem ou possa celebrar negócios jurídicos com o devedor[4].

A prolação do despacho de prosseguimento e de nomeação de administrador judicial provisório tem por efeito necessário que “o devedor fica impedido de praticar atos de especial relevo, tal como vêm definidos no artigo 161º[5], sem que previamente obtenha autorização para a realização da operação pretendida por parte do administrador judicial provisório” (nº2 do art. 17º-E e nº2 do art. 222º-E)[6].

 E os ns. 7 e 8 do artigo 222º-E preveem ainda outros efeitos substantivos sobre os contratos em curso, tais como a suspensão de todos os prazos de prescrição e caducidade oponíveis pelo devedor, bem como o impedimento de suspensão da prestações dos serviços públicos essenciais aí elencados.

Concluindo, o averbamento ao registo civil da nomeação de administrador judicial provisório justifica-se na medida em que tal despacho importa uma limitação à capacidade de exercício de direitos por parte do devedor/requerente, restrição que lhe é imposta com vista a proteger o interesse dos credores.

A Apelação é de improceder sem outras considerações.

IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a suportar pelos Apelantes.

                                                                 Coimbra, 13 de novembro de 2019

V – Sumário elaborado nos termos do artigo 663º, nº7 do CPC.

1. O despacho de nomeação de administrador judicial provisório previsto no nº 4 do artigo 222º-C CIRE, implicando o impedimento para o devedor de praticar atos de especial relevo, envolve restrições à capacidade de exercício de direitos por parte do devedor/requerente.

2. A remissão que o nº 5 do artigo 222º-C faz para o disposto no artigo 38º, significa que o despacho de nomeação do administrador judicial provisório se encontra sujeito a averbamento no registo civil.

 


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[1] Neste sentido, Catarina Serra, “Lições de Direito da Insolvência”, Almedina, p.378.
[2] Aditado pelo Decreto-Lei nº 79/2017, de 30 de junho
[3] Maria do Rosário Epifânio, “O Processo Especial de Revitalização”, Almedina, 2015, p.30.
[4] Nuno Salazar Casanova e David Serqueira Dinis, “PER, O Processo Especial de Revitalização, Comentários aos artigos 17º-A a 17ºI do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, Coimbra Editora, p. 38.
[5] Aqui se incluindo a venda da empresa, de estabelecimento ou da totalidade das existências, a aquisição de imóveis, a celebração de novos contratos de execução duradoura, a assunção de obrigações de terceiros e a constituição de garantias, etc.
[6] Como salientam Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, a nomeação do administrador envolve sempre a aplicação da restrição imposta pelo nº2 do art.17º- E. – “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 2ª ed., Quid Iuris, p. 152.