Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1130/09.9PBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
FALTA
FUNDAMENTO DE FACTO
Data do Acordão: 12/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1.º JUÍZO CRIMINAL DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: NULIDADE DA SENTENÇA
Legislação Nacional: ARTIGOS 374.º, N.º2 E 379.º, N.º 1, ALÍNEA A), DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: 1.- A sentença recorrida, na parte da fundamentação, ao limitar-se a mencionar, quanto aos factos provados, que “ Não se provaram quaisquer factos da acusação pública” e, quanto aos factos não provados, ao fazer consignar “ Todos os factos da acusação pública”, não satisfaz minimamente o dever constitucional de fundamentação da decisão, uma vez que remete elementos essenciais para outra peça processual, no caso a acusação do Ministério Público.
2.- A falta de indicação dos concretos factos provados e não provados na sentença, impede o recorrente de impugnar os concretos pontos da factualidade constantes da sentença;
3.- A sentença omissa quanto à indicação de tais factos é nula, determinando a declaração da nulidade e a devolução do processo ao tribunal que a proferiu a fim de elaborar uma nova sentença em que seja suprida a nulidade.
Decisão Texto Integral: Pelo 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, o arguido 

   A..., solteiro, residente na Rua … , em Viseu, 

imputando-se-lhe a prática de factos constantes de folhas 151 a 153, pelos quais teria praticado, em autoria material, um crime violência domestica, p. e p. pelo art.152.º, n.º 1, al. b), e n.º 2 do Código Penal.

   Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 20 de Abril de 2012, decidiu julgar improcedente a acusação do Ministério Público e, em consequência, absolver o arguido A... da prática do crime de que vinha acusado.

            Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso a assistente B..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1) O presente recurso versa sobre a absolvição do arguido A..., da prática do crime de abuso de confiança, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 152.º n.º 1 al. b) e n.º 2 do CP. A decisão do Tribunal “a quo” padece de um erro notório na apreciação da prova.

3) A prova realizada em audiência de discussão e julgamento foi suficiente para prova dos factos da acusação púb1ica.

4) Isto porque o arguido negou a prática dos factos que lhe eram imputados, o arguido aproveitou a oportunidade favorável à prática dos ditos ilícitos dado que beneficiava da confiança da ofendida.

5) As declarações da assistente, prestadas em audiência de discussão e julgamento foram credíveis, que confirmou os factos constantes da acusação, além de se ter reportado às consequências da actuação dada como não provada, patenteado espontaneidade e segurança.

6) Do depoimento das testemunhas resulta claro que os factos ocorreram conforme resulta da acusação pública.

1) No julgamento foi feita prova quanto ao envolvimento do arguido A... na prática dos factos de que vinha acusado, pelo que não pode o Tribunal “a quo”, basear-se num raciocínio conforme as regras da lógica e da experiência aplicadas aos factos probatórios e, aplicando o Princípio do In Dubio pró Reo para absolver o arguido.

8) A decisão do Tribunal “a quo” padece de um erro notório na apreciação da prova para a decisão de facto encontrada, ou seja a prova realizada em julgamento foi suficiente para que fosse provado que o arguido praticou os factos de que vinha acusada.

9) Em relação aos factos dados como não provados, foi feita em relação ao arguido prova suficiente para os considerar como provados.

10) As regras da experiência comum, em processo crime não servem para provar factos, para que alguém seja condenado tem de existir provas concretas de tais factos, estabelecendo uma relação de imediação entre o tribunal e a prova produzida em audiência e, adoptando o tribunal um raciocínio conforme às regras da lógica e da experiência aplicadas aos factos probatórios, verifica-se que se encontram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime de abuso de violência doméstica, p.p. pelo art.152.º n.º1, al. b) e n.º 2 do CP.

11) Em conformidade com o atrás exposto, deve, o arguido ser condenado pela prática de um crime de violência doméstica.

Nestes termos, nos melhores de Direito e sempre com mui douto suprimento de V.Ex.as, deve a sentença proferida nos presentes autos, no concerne ao arguido A..., ser revogada e, consequentemente ser o arguido condenado pela prática de um crime de violência doméstica.

O Ministério Público na Comarca de Viseu respondeu ao recurso interposto pela, assistente pugnando pela sua rejeição, por manifesta improcedência, nos termos do art.420.º, n.º1, al. a) do C.P.P., não merecendo o recurso provimento.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso e confirmada a douta decisão recorrida.

            Dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P., respondeu o arguido, concluído que o recurso de ser rejeitado.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

     Fundamentação

            A matéria de facto apurada e respectiva convicção constantes do acórdão recorrido é  a seguinte:

Os factos provados (thema decidendum).

Não se provaram quaisquer factos da acusação pública

Os factos não provados.

Todos os factos da acusação pública.

A convicção do julgador para a afirmação dos factos provados; o substrato racional que conduziu à convicção a partir dos meios de prova (thema probandum). 

A prova[1] produzida em julgamento reconduziu-se às declarações do arguido, da assistente, ao depoimento das testemunhas, como consta das respectivas actas de audiência de julgamento, e à prova documental que aí também foi analisada.

Esta prova foi analisada criticamente entre si, foram sopesadas as regras da experiência[2] da lógica e senso comum, sempre segundo a livre convicção do julgador. Tudo decorreu num processo lógico-racional, iniciado com a percepção cognitiva dos meios de prova e dos factos probatórios por aqueles trazidos ao julgamento, passando pelos elementos que não são racionalmente explicáveis[3] resultantes da imediação na produção da prova testemunhal.

Materializou-se, então, a racionalização prático-histórica[4] dos factos probandos na consideração do seguinte:

O arguido negou a prática dos factos, com particular ênfase para a circunstância de que tivesse mantido com assistente B… uma relação análoga à dos cônjuges e dando a sua versão desse relacionamento, versão essa que não mereceu qualquer reparo, segundo juízos de normalidade das circunstâncias e foi secundado pelo depoimento das testemunhas de defesa, a saber,  …….., todos pessoas que se revelaram ser próximas do arguido, prestaram os seus depoimentos sem que nenhuma falta (pelo menos aparente) de isenção e objectividade se lhe possa apontar, todos sendo unânimes em afirmar que não conheceram, jamais, a assistente como a companheira do arguido. Pelo contrário: a  … o arguido apresentou-a como amiga;  … disse que nunca tinha visto a assistente senão em audiência;  … disse que nunca lhe conheceu, sequer, namorada, frequentando esta a casa do arguido nunca tendo visto sinais de que este vivia com outra pessoa, o que seria normal e não poderia deixar de ver, tal o carácter ostensivo da convivência análoga à dos cônjuges. Aliás, não se vê como seria possível o arguido esconder a assistente pelo tempo que esta descreveu como sendo o da convivência.

A assistente, por sua vez deu uma versão diversa do relacionamento, equiparando-a à dos cônjuges como se descrevia na acusação, assim como também descreveu situações em que supostamente teria sido agredida. Todavia, não logrou convencer o julgador no que disse por lhe ter quedado, por completo, a credibilidade do que disse: quer intrinsecamente – sobretudo pela forma como disse viver com o arguido, como supostamente deixou para trás a filha menor a cargo de terceiro, mantendo ao memos - quer porque contrariada por outros meios de prova, nomeadamente testemunhal, como se referiu supra.

No aspecto da falta de credibilidade intrínseca, assinala-se, para além de outros aspectos – como a morada que a assistente foi dando nos inquéritos em que era interveniente, documentados nos autos e, em concreto, cf. fls. 2 verso da certidão apensa, em 5.8.2008 -  que é de sobremaneira estranho que, num período tão lato de suposta convivência, a assistente e o arguido, como aquela o afirmou, nunca tenham comprado nada em comum. Assinala-se ainda que descrição da vivência diária feita pela assistente foi de tal forma vaga e temperada por comentários e considerações laterais numa tentativa manifesta de desviar o discurso para outro assunto que nada se pôde aproveitar, com epílogo na afirmação de que não trabalhava porque o arguido não deixava, que passava, no início da convivência, muito tempo no escritório da testemunha … , o que este negou, por completo, e que, para final da convivência, estava sempre em casa (convenientemente, diga-se, porque assim explicaria porque não era vista pelos amigos e conhecidos do arguido) com a justificação (já banalizada neste tipo de julgamentos) de que o arguido era ciumento e afastava-a da convivência com os seus amigos por via do seu aparentemente “bom aspecto” ao mesmo passo que diria que não valia nada e que era mesmo só “aspecto”; mas, em simultâneo, não se coibiu de sugerir que o arguido chegou a ter outra mulher, o que é estranho, para quem tem sentimentos de posse!  Ainda no aspecto da credibilidade intrínseca, assinala-se que a assistente não conseguiu explicar de forma clara como deixou para trás uma filha menor para vir viver com o arguido e em que circunstâncias concretas o fez – e, é claro, que aquela veio dizer, descuidando-se, que a assistente, sua mãe, manteve a casa no “Porto”, onde vivia antes de estar com o arguido, o que é compatível com os descritos encontros ocasionais, como o arguido descreveu, sobretudo aos fins de semana. Ao que ficou por explicar - neste aspecto como noutros, como a intenção de desistir do procedimento contra o arguido, como manifestara no processo a fls. 30 e que mais estranho se torna quando, também em inquérito, chegou a não querer prestar declarações, como se alcança de fls. 51 - assistente ia entremeando fracções de factos com expressões do tipo “... geralmente era ...”, no contexto das suas declarações nitidamente indiciadoras da construção de um discurso e não do relato de factos. Isto ocorreu sobretudo e mais insistentemente quando descrevia as supostas agressões. Nunca foi suficientemente precisa, o que não se compreende no “drama” que descreveu, nem em termos de modo da suposta actuação do arguido, nem em termos de circunstâncias temporais ou de contexto histórico temporal. Igualmente, nunca foi clara quanto às supostas motivações do arguido par que pudesse  agir como agiu, pese embora, quando se começou a insistir em pormenores viesse sugerir, como se disse, que o arguido estivesse afinal com ciúmes.

É claro que estão nos autos disponíveis exames médicos e episódios de urgência, a fls. 66 e seg., 78 e seg. e 96. Contudo, as lesões em si não são inequívocas quanto à fonte possível: podem ter resultado de agressão, como também poderiam não ter resultado. E sendo a fonte da autoria a informação prestada pela assistente, não pode aquela informação deixar de estar ferida da mesma falta de credibilidade. Aliás, neste aspecto das agressões, é iconográfico o facto de a assistente ter relatado que numa das agressões, em 2009, não se lembrando da data, o arguido lhe tenha deslocado o maxilar. Estranhamente uma consequência tão grave não foi observada nem no episódio de urgência.

Se isto não bastasse, os documentos de fls. 21 e seguintes do apenso, dão um fundo de verdade à versão do arguido quanto á data em que os contactos terminaram, sendo plausível que, por via de um evento desses, tivesse terminado qualquer contacto, já que o arguido aí se queixou da assistente por factos consubstanciadores de crimes de furto, ameaça e coacção.

Os documentos que o arguido juntou já em julgamento relativamente aos contactos que a assistente vem mantendo consigo, via SMS, apesar de esta o negar, dão também um fundo de verdade à sua sugestão feita pelo arguido de que o que a assistente quer, afinal, é dinheiro, e que essa a sua motivação para se queixar de si, desta e de outras vezes[5]. É claro que a assistente impugnou esses documentos. Todavia, nenhuma prova apresentou que infirmasse a origem desses documentos e tão pouco que os mesmos não documentassem mensagens SMS recebidas no telemóvel do arguido, mensagens estas, aliás, que o julgador pôde confirmar, aleatoriamente, pela observação em audiência e confrontação do que constava impresso nos documentos e o que estava no telemóvel. E dessa observação resultou que o documento expressava mensagens recebidas no telemóvel do arguido.

Mais ainda, os documentos fazem referencia a um NIB de uma conta titulada pela filha da assistente, como resulta de fls. 379, e tratam de assuntos que manifestamente só fazem sentido se a emissora das mensagens for a assistente, como o acto de pedir dinheiro e depois dar o NIB da filha (cf. fls. 372 a 375) , ou como a referencia aos pagamentos a uma advogada, ao julgamento, a um possível acordo nesse julgamento e a encontros – incluindo o acto de dormir juntos fora de casa. Não se vê como o arguido pudesse fabricar esses documentos com tamanho detalhe e diversidade, tudo apontando, antes, para a assistente tenha sido a sua emissora.

Finalmente cumpre dizer que também nenhuma credibilidade mereceu o que disse a filha da assistente, a testemunha … .

Não deixa de ser estranho que a assistente tenha, em tempo (29 de Janeiro de 2010), subscrito um documento junto ao processo a fls. 70 onde declara que pretende desistir da queixa, alem do mais, por não ter testemunhas e agora apresente a filha em juízo como testemunha com conhecimento directo dos factos.

Tendo-se ficado de sobreaviso, veio a confirmar-se que, efectivamente, nada do que a sua filha veio transmitir se pôde aproveitar. Apontam-se-lhe exactamente as mesmas falhas que  se encontraram nas declarações da assistente e que aqui é inútil repetir.  A tentativa de repetir o que a mãe dissera foi manifesta. As generalidades e o discurso fugidio às questões menos sabidas foi inequívoco. Também ela foi contrariada num particular aspecto do que disse – convivência da assistente com pessoas amigas do arguido -  pelo depoimento do já referido … . Também ela negou que a mãe mantivesse contactos com o arguido ou que lhe pedisse dinheiro, contra a evidência de ser sua a conta a que as já referidas mensagens fazem referencia.

  Eis porque, na falta de outra qualquer prova, se veio a julgar não provada a factualidade imputada ao arguido, na acusação.

*
                                                                        *
                                                  
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [6] e de 24-3-1999 [7] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [8], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos, face às conclusões da motivação da assistente B... as  questões a decidir são as seguintes:

- se foi feita prova em julgamento quanto ao envolvimento do arguido Paulo Salvador na prática dos factos de que vinha acusado e que foram dados como não provados, pelo que a decisão recorrida padece de um erro notório na apreciação da prova para a decisão de facto encontrada; e

- se, em conformidade com o exposto, deve o arguido ser condenado pela prática de um crime de violência doméstica.

            Embora sejam estas as questões suscitadas no recurso depara-se-nos uma questão prévia, que é a da nulidade da sentença, e que a proceder impedirá o conhecimento do recurso, ficando o mesmo prejudicado.


-

Questão prévia

            O art.374.º do Código de Processo Penal manda estruturar a sentença penal em três partes: o relatório, a fundamentação e o dispositivo.

De acordo como o n.º 1, deste preceito processual penal, no relatório procede-se, nomeadamente, à identificação do arguido ( al.a) e à indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada ( al.d)..

A inobservância do estabelecido no relatório da sentença integra uma mera irregularidade ( art.118.º, n.º2 do C.P.P.), a arguir no apertado prazo a que alude o art.123.º do C.P.P..

Segue-se a fundamentação, «…que consta da enumeração dos factos provados e não provados , bem como de uma exposição , tanto quanto possível completa , ainda que concisa , dos motivos de facto e de direito , que fundamentam a decisão , com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal .» ( n.º2). 

Na fundamentação há que distinguir, por um lado, os fundamentos de facto e por outro, os fundamentos de direito da decisão.

A fundamentação de facto começa pela enumeração dos factos provados e não provados; continua com uma exposição de motivos que fundamentam a decisão; e finda com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.  
Para saber quais os factos provados e não provados que devem constar da fundamentação da sentença importa atender ao disposto no art.368.º do Código de Processo Penal, que dispõe, designadamente, o seguinte:
« 1. O tribunal começa por decidir separadamente as questões prévias e incidentais sobre as quais ainda não tiver recaído decisão.
    2. Em seguida, se a apreciação do mérito não tiver ficado prejudicada, o presidente enumera discriminada e especificadamente e submete a deliberação e votação os factos alegados pela acusação e pela defesa , e bem assim os que resultarem da discussão da causa relevantes para as questões de saber:
a) se se verificaram os elementos constitutivos do tipo de crime; b) se o arguido praticou o crime ou nele participou; c) se o arguido actuou com culpa; d) se se verificou alguma causa que exclua a ilicitude ou a culpa; e) se se verificaram quaisquer outros pressupostos de que a lei faça depender a punibilidade do agente ou a aplicação a este de uma medida de segurança; f) se se verificaram os pressupostos de que depende o arbitramento da indemnização civil.».

Os factos provados e não provados são, assim, “… todos os constantes da acusação e da contestação, quer sejam substanciais quer instrumentais ou acidentais, e ainda os não substanciais que resultarem da discussão da causa e que sejam relevantes para a decisão e também os substanciais que resultarem da decisão da causa, quando aceites nos termos do art.359.º, n.º2.”. [9]

A fundamentação de direito da sentença consiste na subsunção dos factos ao direito, e indicação das razões de direito que conduzem à decisão.
A sentença termina no dispositivo ( n.º3), que contém essencialmente as disposições legais aplicáveis e decisão condenatória ou absolutória, e a indicação do destino a dar às coisas ou objectos relacionados com o crime, a ordem de remessa do boletim ao registo criminal, e a data e assinatura dos membros do tribunal.
A fundamentação e o dispositivo ( n.ºs 2 e 3, alínea b) do art.374.º do C.P.P.) são requisitos que devem ser observados sob pena de nulidade da sentença.

É o que resulta do art.379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, ao estabelecer que é nula a sentença « Que não contiver as menções referidas no n.º2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas  a) a d) do n.º1 do artigo 389.º-A e 391.º-F».
Esta nulidade é conhecimento oficioso em sede de recurso, como resulta do n.º3 do art.379.º do C.P.P..[10]
Retomando ao caso concreto, verificamos no relatório da sentença identifica o arguido como o “ A...” e que este contestou, negando a prática dos factos.
Passando à fundamentação de facto da sentença verificamos que, quanto à enumeração dos factos provados e não provados, o Tribunal a quo se limita a mencionar, quanto aos factos provados que “ Não se provaram quaisquer factos da acusação pública” e, quanto aos factos não provados “ Todos os factos da acusação pública.”.
Para além da mera irregularidade, que apenas se anota, consistente na mera menção do nome do arguido quando consta dos autos a sua identificação completa, impõe-se deixar claro que a sentença, tal como resulta estruturada do art.374.º do Código de Processo Penal, é uma peça processual que deve bastar-se a si própria, não sendo admissível que elementos indispensáveis à sua compreensão, como são a enumeração dos factos provados e não provados, sejam objecto de remissão para outras peças processuais.
A sentença, que é o culminar do processo dirigido à descoberta da verdade material, deve permitir, por si só, convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça.
A sentença recorrida, na parte da fundamentação, ao limitar-se a mencionar, quanto aos factos provados, que “ Não se provaram quaisquer factos da acusação pública e, quanto aos factos não provados, ao fazer consignar “ Todos os factos da acusação pública”, não satisfaz minimamente o dever constitucional de fundamentação da decisão, uma vez que remete elementos essenciais para outra peça processual, no caso a acusação do Ministério Público.
Por outro lado, o arguido não se limitou, na contestação que apresentou, a negar a prática dos factos.
Acrescentou alguns factos em sua defesa e enumerou circunstâncias relativas ao seu comportamento, os quais não foram objecto de qualquer menção nem entre os factos provados, nem entre os factos não provados.
Os artigos 368.º, n.º2 e 374.º, n.º2 do Código de Processo Penal impõem que sobre eles se pronuncie. Mesmo quanto aos relativos ao comportamento do arguido, pois, por um lado, a sua enumeração deve ter lugar antes da subsunção dos factos ao direito e, por outro, sempre eles serão necessários se o tribunal de recurso vier a alterar a matéria de facto.
A falta de indicação dos concretos factos provados e não provados na sentença, teve como consequência que a recorrente não impugnou concretos pontos da factualidade constantes da sentença, mas sim os factos da acusação.  
A nulidade da sentença por falta de fundamentação, nos termos conjugados dos artigos 374.º, n.º2 e 379.º, n.º1, alínea a), do Código de Processo Penal, determina a devolução do processo ao tribunal que a emitiu a fim de suprir a nulidade. 
Fica prejudicado o objecto do recurso.

            Decisão

            Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar procedente a questão prévia suscitada oficiosamente e, declarando a nulidade do acórdão nos termos do art.379.º, n.º1, alínea a), do C.P.P., por falta de fundamentação, determina-se ao Tribunal a quo que em nova sentença supra a nulidade. 

Fica prejudicado o conhecimento do recurso interposto pela assistente B....

             Sem custas.

                                                                         *

                                                                         *

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). 

                                                                                             

   *

                                                                                        Coimbra,


[1] Que se pode definir como o esforço metódico para demonstrar os factos relevantes para a existência do crime, a punibilidade do agente, a determinação da pena e da medida da pena ou das medidas de segurança.
[2] As máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece, assentes em factos do conhecimento geral, ainda que, em alguns casos, carecidas de alguma explicação técnica ou científica susceptível de ser obtida por via da prova pericial.
[3] A convicção assenta não só na actividade puramente cognitiva mas também em elementos racionalmente não explicáveis, como a credibilidade que se dá a determinado meio de prova, e mesmo puramente emocional, nem sempre objectivável.
[4] No processo não se procura uma verdade absoluta, esta que, sabemos, escapa à capacidade de conhecimento humano. Procura-se, antes, uma verdade prático-jurídica, uma verdade processualmente possível ou objectivável.

[5] Aliás, a postura do arguido, durante o inquérito, recusando até a suspensão provisória do processo – cf. fls. 86 – é compatível com essa sua percepção, assim como o é, também, a posição titubeante da assistente, que ora declarou desistir da queixa ora declarou não querer prestar declarações, o que não se compreende, se a gravidade fosse como a descreveu , sendo certo que não se vislumbrou qualquer tipo de relação de domínio do arguido sobre ela e que esta tão pouco justificou, sequer por motivos afectivos, que pudesse querer estar com o arguido durante tanto tempo se era vítima de maus tratos.  

[6]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[7]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[8]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.
[9] Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Verbo, 2.ª edição, Vol.III, pág. 292.
[10] Neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ, de 14-5-2003, proc. n.º 518/03-3.ª Secção, e de 22-3-2006, proc. n.º 06P560, in www.dgsi.pt/jstj.