Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
74/11.9TBFCR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: PROCESSO URGENTE
PRAZO
ACTO PROCESSUAL
INTERPRETAÇÃO
LEI DE PROCESSO
Data do Acordão: 01/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE FIGUEIRA DE CASTELO RODRIGO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTºS 144º, Nº 1 E 143º, Nº 2 DO CPC
Sumário: 1. Os arts.144º, nº 1 e 143º, nº 2 do CPC (redacção do DL nº 35/2010 de 15/4) devem ser interpretados, não de forma autónoma, mas segundo o critério da complementaridade das normas, em função do mesmo fim (prevenção do dano).

2. Num processo urgente, a prática de um acto processual das partes (por ex., contestação), cujo prazo termine em férias judiais ou período equiparado (15 a 31 de Julho), não pode ser diferida para o primeiro dia útil após férias.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
I - RELATÓRIO
1.1. – Os Autores – F…, Lda, M… e marido J… - instauraram (8/6/2011) na Comarca de Figueira de Castelo Rodrigo acção declarativa, com forma de processo sumário, contra os Réus – C… e marido A…
Alegaram, em resumo:
Por contrato escrito de 1/9/1991, a Ré tomou de arrendamento rural para agricultor autónomo os prédios rústicos descritos nos arts.1º (de que o primeiro Autor é usufrutuário) e 2º (de que a segunda Autora é proprietária) da petição.
Por acordo verbal, a Ré tomou de arrendamento os prédios identificados nos arts. 3º, 4º e 5º da petição, sendo nulo por falta de forma.
A Ré deixou de pagar as rendas, cederam o gozo de alguns dos prédios, trataram-nos com incúria, com grave prejuízo, conferindo aos Autores do direito de resolução do contrato (art. 21 da LAR).
Pediram cumulativamente:
- A declaração de nulidade do contrato verbal de arrendamento sobre os prédios referidos nos arts. 3º, 4º e 5º;
- A condenação dos Réus, mercê da nulidade, a indemnizar os Autores no valor do gozo de tais prédios, no montante de € 2.295,00 (correspondente ao período em que não foram pagas as rendas), acrescido do valor que seria devido a título de renda, até entrega efectiva do prédio;
- Ser reconhecida a existência de justa causa para a resolução do contrato e a devolução imediata dos prédios;
- A condenação dos Réus no pagamento do valor de € 7.019,99, a título de rendas vencidas e não pagas e ainda rendas vincendas, e respectivos juros de mora, no montante de € 247,22, e ainda os vincendos.

1.2. - Por despacho de 8/6/2011 ( fls.68 ), transitado em julgado, declarou-se a natureza urgente do processo ( art.35 nº2 do DL nº 294/2009 de 13/10 ).

1.3. - Os Réus contestaram ( em 31/8/2011 ), defendendo-se por impugnação motivada.

1.4. - Por despacho de 28/9/2011 ( fls.118 ) decidiu-se ordenar o desentranhamento da contestação, por ser extemporânea.

1.5. - Inconformados, os Réus recorreram de apelação, com as seguintes conclusões:
...
Não houve contra-alegações.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. - Porque documentados, relevam os seguintes elementos processuais:
Por despacho de 8 de Junho de 2011, transitado em julgado, foi declarada a natureza urgente do processo, nos termos do art.35 nº2 do DL nº 294/2009 de 13/10;
Os Réus foram citados em 21 de Junho der 2011.
A contestação foi apresentada em 31 de Agosto de 2010.

2.2. - Problematiza-se no recurso o termo do prazo para os Réus apresentarem a contestação, se em 21 de Julho de 2011 ( tese do despacho ) ou em 1 de Setembro de 2011 ( tese dos Apelantes ).
A opção depende da resposta à questão de saber se, em face da natureza urgente do processo ( declarada, com trânsito em julgado ) e terminando o prazo da contestação em férias ou período equiparado ( de 15 a 31 de Julho ), o articulado deve ser obrigatoriamente apresentado nesse período de tempo, ou se é diferido para o primeiro dia útil subsequente às férias judiciais.
Sabe-se que a resposta pressupõe a compatibilização entre as normas dos arts.144 nº1 e 143 nº2 do CPC ( redacção do DL nº 35/2010 de 15/4 ) já que a continuidade do prazo se aplica aos “processos urgentes”, enquanto que para a prática do actos a lei refere “ actos que se destinem a evitar dano irreparável “ ( art.143 ), com duas posições diferentes:

a) Critério da autonomia das normas:
Segundo determinado entendimento, dentro dos processos urgentes há actos que não se destinam a evitar dano irreparável, significando que não basta a natureza urgente do processo em que se integra o acto, sendo, para além disso, exigível a demonstração do dano irreparável, com o argumento da autonomia das normas, dado contemplarem realidades diferentes: o art.143 CPC ao dispor sobre o momento da prática dos actos processuais e o art.144 CPC reportando-se ao modo da contagem dos prazos ( cf., por ex., Ac STJ 24/11/2004 ( proc. nº 04S2851 ) de 28/9/2006 ( proc. nº 06S2453), Ac RC de 22/6/2004 ( proc. nº 1786/04 ), disponíveis em www dgsi.pt ).

b) Critério da complementaridade das normas:
Ambas as normas confluem para o mesmo fim ( a prevenção do dano ) pelo que a expressão “ actos que se destinem a evitar dano irreparável” ( art.143 nº2 CPC) deve ser interpretada como acto inserido na tramitação de um processo que a lei qualifica como urgente.
Neste sentido, LOPES DO REGO para quem - “ a expressão “actos que se destinem a evitar dano irreparável” deverá ser interpretada e aplicada como significando acto integrado na tramitação de um processo que a lei explicitamente configura e qualifica como "urgente" - sem que deva ter lugar a concreta alegação e demonstração da virtualidade do acto em questão para produzir um (concreto) "dano irreparável". Na base da qualificação legal de um processo como urgente está a ideia de que o conjunto das diligências a realizar nele tem como fim ou função última a prevenção de um dano que o legislador presumiu irreparável para uma das partes (…)”( Comentários ao Código de Processo Civil, 1999, pág.122 ).
No plano jurisprudencial, por ex., Ac STJ de 9/1/2008 ( proc. nº 07S4222 ), Ac STJ de 30/3/2011 ( proc. nº4611/07 ), Ac RP de 30/1/2003 ( proc. nº 0300142 ), Ac RP de 16/12/2009 ( proc. nº 5800/08 ), disponíveis em www dgsi.pt.

Entendemos ser de acolher esta corrente jurisprudencial, com base nos seguintes argumentos:
Em relação aos processos legalmente qualificados como urgentes vigora a regra da continuidade total do prazo, porque não se suspende durante o período de férias, nem durante o período compreendido entre 15 e 31 de Julho, salvo se, por despacho fundamentado, o juiz o determinar a suspensão ( art.144 nº1 e 5 b) CPC ).
Ora, uma vez que o prazo processual significa “ o período de tempo fixado para se produzir um determinado efeito processual”( A. REIS, Comentário, II, pág.52 ) e sabido que o decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto ( art.145 nº3 CPC ), seria contraditório a lei prever a não suspensão do prazo em férias, mas simultaneamente suspender os actos nesse período de tempo, ou seja, paralisar a actividade processual. Por isso, a ratio do art.144 nº1 e 5 b) CPC é no sentido de que os actos inseridos em processo que a lei considera urgente sejam também eles ( todos eles) praticados no período correspondente às férias, a qual se projecta no art.143 nº2 CPC.
Por outro lado, a opção pela tese contrária, teria o inconveniente de, no âmbito do próprio processo urgente, impor a indagação casuística dos actos que se destinem a evitar dano irreparável e os actos que não se propõem a esse efeito, o que redundaria num conceito bipolar de processo urgente.

Vejamos a situação dos autos:
O processo foi declarado urgente, nos termos do art.35 nº2 do DL nº294/2009 de 13/10, por despacho de 8/6/2011 ( fls.68 ), transitado em julgado.
Conforme se anotou no despacho recorrido e está processualmente documentado, os Réus foram citados em 21 de Junho de 2011, e sendo o prazo da contestação de 20 dias ( art.783 CPC ), com a dilação de 5 dias, terminou em 21 de Julho de 2011 ( já com os três dias adicionais do art.145 nº5 CPC ), mas a contestação foi entregue em 31 de Agosto de 2011.
Como a prática do acto teria de ser feita no decurso de tal período ( até 21 de Julho de 2011 ) não se transferindo para o primeiro dia útil após as férias, verifica-se, de acordo com a orientação adoptada, que a apresentação da contestação se mostra extemporânea, porque já decorrera o prazo, com a consequente preclusão para a prática do acto.
Improcede a apelação, confirmando-se o despacho recorrido.

2.3. - Síntese Conclusiva:
1. Os arts.144 nº1 e 143 nº2 do CPC ( redacção do DL nº 35/2010 de 15/4 ) do CPC devem ser interpretados, não de forma autónoma, mas segundo o critério da complementaridade das normas, em função do mesmo fim ( prevenção do dano ).
2. Num processo urgente, a prática de um acto processual das partes ( por ex., contestação ), cujo prazo termine em férias judiais ou período equiparado ( 15 a 31 de Julho ), não pode ser diferida para o primeiro dia útil após férias.
III – DECISÃO
         Pelo exposto, decidem:
1)
         Julgar a apelação improcedente e confirmar o despacho recorrido.
2)
         Condenar os Apelantes nas custas, sem prejuízo do apoio judiciário.
        
Jorge Arcanjo (Relator)
Teles Pereira
Manuel Capelo