Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
954/13.7TBLSA-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: DÍVIDAS EM PRESTAÇÕES. INCUMPRIMENTO. FIADOR. PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO. BENEFÍCIO DA EXCUSSÃO . RENUNCIA
Data do Acordão: 01/23/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.627, 631, 632, 634, 638, 781, 782 CC
Sumário: 1. O art.º 634º, do CC, estabelece a regra segundo a qual a fiança tem o conteúdo da obrigação principal relativamente à mora, excepcionando-se, contudo, no art.º 782º do mesmo Código, que a perda do benefício do prazo por parte do devedor principal não é extensível ao fiador, o que, tendo natureza supletiva, poderá ser afastado pelas partes de acordo com o princípio da liberdade contratual.

2. A expressa renúncia ao benefício de excussão por parte do fiador não determina por si só o afastamento do regime previsto no art.º 782º, do CC, não tendo o alcance nem se traduzindo na renúncia ao benefício do prazo.

3. Do facto de as partes terem consignado que a entidade bancária mutuária “reserva-se o direito de resolver o contrato considerando o crédito imediatamente vencido”, nomeadamente, “nos casos de falta de cumprimento pela parte devedora de qualquer das obrigações assumidas neste contrato”, não decorre a renúncia ao benefício do prazo por parte do fiador.

4. Não tendo o fiador renunciado ao benefício do prazo, vigorando o regime do art.º 782º, do CC, e não tendo o exequente alegado ou demonstrado a interpelação do fiador (com a indicação do montante em dívida, da data do incumprimento e, sobretudo, do prazo de que o fiador dispunha para proceder ao pagamento), terá de se concluir que a execução deverá prosseguir quanto a este apenas para cobrança das prestações vencidas pelo decurso do prazo e não realizadas pelo devedor principal.

Decisão Texto Integral:     






       

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

            I. Em 11.12.2013[1], H (…), S. A., intentou contra S (…) (1º executado), A (…)  e M (…) (2ºs executados), acção executiva para pagamento da quantia certa, alegando, em síntese, que celebrou com os executados dois contratos de mútuo, em 22.3.2006, e que o 1º executado (devedor principal) e os restantes executados (fiadores), tendo utilizado a totalidade da importância mutuada (€ 140 000), cessaram o pagamento das prestações de reembolso (capital e respectivos juros), em 22.9.2010 e 22.10.2010, não mais o tendo retomado, pelo que nos termos acordados e das normas aplicáveis os empréstimos em causa venceram-se antecipadamente e na íntegra, ascendendo a dívida exequenda ao montante total de € 169 528,24 (a título de capital, juros vencidos, cláusula penal, imposto de selo e despesas), sendo ainda devidos os juros vincendos, à taxa e sobretaxa aplicáveis, sobre os respectivos valores líquidos, com o acréscimo do imposto de selo e até integral pagamento.

            Os 2ºs executados deduziram oposição à execução por embargos, alegando, nomeadamente: nas escrituras celebradas com a Caixa (…) ( ...) em que intervieram como fiadores e renunciaram ao benefício da excussão prévia não foi estipulada qualquer cláusula quanto ao vencimento imediato da dívida em caso de não pagamento de uma prestação, pelo que será aplicável o art.º 781º do CC supletivamente e não se poderá afastar a aplicabilidade do art.º 782º do CC; não renunciaram ao benefício do prazo e a exequente não demonstrou a interpelação admonitória dos fiadores; inexistindo tal interpelação admonitória, apenas se poderá exigir dos mesmos o pagamento das quantias já vencidas pelo decurso normal do prazo sem qualquer tipo de antecipação por incumprimento do devedor principal.

            A exequente contestou, negando a falta de interpelação e afirmando que há mora do devedor independentemente de interpelação uma vez que a obrigação tinha prazo certo, sendo que o 1º executado se obrigou a proceder ao pagamento das prestações no dia 22 de cada mês, a partir de 22/4/2006, pelo que a falta de pagamento ocorrida desde 22/9/2010, quanto ao contrato 22 (...) e desde 22/10/2010 quanto ao contrato 22 (...), levaram ao vencimento de toda a dívida; no entanto, interpelou o 1º executado em 23/8/2010, 28/5/2011, 28/10/2011 e 23/4/2012 quanto ao contrato 22 (...) e em 28/5/2011, 21/9/2011 e 28/10/2011 quanto ao contrato 22 (...), e interpelou os fiadores em 23/8/2010, 28/5/2011, 28/10/2011 e 23/4/2012 quanto ao contrato 22 (...) e em 28/5/2011, 21/9/2011, 28/10/2011 e 23/4/2012 quanto ao contrato 22 (...), considerando que basta a interpelação do devedor, pelo que os embargantes estão em mora desde 23/8/2010 quanto ao contrato 22 (...) e 28/5/2011 quanto ao contrato 22 (...), datas das 1ªs cartas enviadas e que, em último caso, sempre teria de se entender que pela citação ocorreu a interpelação. Concluiu pela improcedência dos embargos e consequente prosseguimento da execução.

            Os executados impugnaram a prova documental junta com a contestação.

            Foi proferido despacho saneador; identificou-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.

            Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 12.6.2017, julgou parcialmente procedentes os embargos e, em consequência, declarou inexigível a obrigação exequenda no que exceda as prestações vencidas e não pagas e respectivos juros de mora, à data da propositura da execução, com o prosseguimento da execução nos restritos termos indicados

            Inconformados e reafirmando o pedido nos embargos, os embargantes/2ºs executados apelaram formulando as seguintes conclusões:

            (…)

            A exequente respondeu, invocou o preceituado nos art.ºs 636º e 640º do Código de Processo Civil (CPC)[2] e apresentou as seguintes conclusões:

            (…)

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar: a) impugnação da decisão sobre a matéria de facto (erro na apreciação da prova); b) decisão de mérito, cuja modificação depende, sobretudo, da eventual alteração daquela decisão.            


       *  

            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

            a) Por escritura pública de compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança, celebrada em 22/3/2006, no Cartório Notarial de (…) lavrada de fls. 69 a 71 verso do livro de notas para escrituras diversas n.º 55, M (…9 e J (…), como primeiros outorgantes, S (…), residente na Rua (...), como segundo outorgante, a Exequente, como terceira outorgante e A (…) e M (…) como quartos outorgantes, residentes na mesma morada do segundo, declararam, na parte que agora releva: “(…) Que, pela presente escritura, vendem ao segundo outorgante pelo preço de € 125.000 que já receberam o prédio urbano (…) sito em (...), inscrito na respectiva matriz sob o artigo 11(...).º (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 00(...)/ x(...). (…) Pelo segundo outorgante foi dito que aceita o presente contrato e que o prédio ora adquirido se destina à sua habitação própria e permanente. (…) Pelo segundo e terceiro outorgantes, nas respectivas qualidades, foi dito: Que, ao abrigo da linha de crédito à habitação – (...) habitação (…) celebram o presente contrato de mútuo com hipoteca, nos termos das cláusulas constantes do documento complementar anexo, que expressamente declaram conhecer e aceitar, pelo que é dispensada a sua leitura, e que faz parte integrante da presente escritura e, ainda das seguintes cláusulas: 1.ª O segundo outorgante confessa-se devedor à ... da quantia de € 125.000, que neste acto dela recebe a título de empréstimo para aquisição do prédio atrás identificado e adiante hipotecado. 2.ª O capital mutuado vence juros, durante o primeiro trimestre, à taxa anual de 3,8151% (…) a qual é calculada, aplicada e revista trimestralmente, nos termos da cláusula segunda do documento complementar anexo. 2. (…) a taxa anual efectiva na presente data (…) é de 3,8323 % (…). 3. Por acordo entre ambos os outorgantes e unicamente para efeito de registo de hipoteca, é fixada a taxa de 7,8000 %. 3.ª 1. Para garantia do integral cumprimento das obrigações assumidas no presente contrato, a parte devedora constitui a favor da ... hipoteca voluntária sobre o prédio atrás identificado e ora adquirido (…) 4. O montante máximo de capital e acessórios garantido pela hipoteca é de € 169.250. 4.ª Os quartos outorgantes confessam-se e constituem-se solidariamente fiadores e principais pagadores das dívidas contraídas pela parte devedora no âmbito do presente contrato, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia[3] que igualmente conhecem o conteúdo do referido documento complementar pelo que é dispensada a sua leitura. Pelo terceiro outorgante foi dito que (…) aceita a confissão de dívida, a fiança e a hipoteca nos termos acima exarados. (…)”.

            b) No escrito intitulado “documento complementar”, aludido em A), consta: Cláusula 1.ª (prazo): este contrato é celebrado pelo prazo de quarenta e cinco anos a contar da presente data. Cláusula 2.ª (taxa de juro): 1. A taxa nominal prevista no n.º 1 da cl. 2.ª da escritura resulta da média aritmética das taxas diárias Euribor a 3 meses (…), taxa que é de 2,7500 % no início da vigência do presente contrato, acrescida, nesta data, de um “spread” de 1,0000 %. (…) Cláusula 3.ª (reembolso): 1. O presente empréstimo será reembolsado em quinhentas e quarenta prestações mensais, constantes e sucessivas, de capital e juros. 2. A primeira das referidas prestações vence-se um mês após a data da escritura e as restantes em igual dia dos meses seguintes, ou no último dia do respectivo mês se neste não houver dia correspondente. 3. Sem prejuízo do disposto nas cláusulas relativas às alterações do presente contrato, cada uma das prestações será no montante de € 479,57. (…) Cláusula 6.ª (cláusula penal): 1. Em caso de incumprimento de qualquer obrigação contratual e se a ... recorrer a juízo para recuperação dos seus créditos será devida, além dos juros remuneratórios, uma indemnização com natureza de cláusula penal no montante que resultar da aplicação da sobretaxa de 4% ao ano, calculada sobre o capital em dívida à data da mora. (…) Cláusula 7.ª (despesas): 1. Ficam por conta da parte devedora todas as despesas que a ... faça relativas ao presente contrato, serviços prestados pela ..., comissões, despesas anuais de gestão ou outros encargos inerentes ao presente contrato, os quais se encontram afixados nos balcões da ..., incluindo as da escritura, bem como do respectivo registo da hipoteca, seu reforço, distrate ou cancelamento e as de qualquer avaliação do imóvel hipotecado, encargos de ordem fiscal, e ainda, de todas as despesas que a ... faça para manter, garantir ou haver o seu crédito. (…) Cláusula 8ª (autorização de débito): 1. Todos os pagamentos a que a parte devedora fique obrigada pelo presente contrato serão efectuados através da conta de depósito à ordem nº 22 (...), constituída no balcão da ... em y(...), em nome da parte devedora, obrigando-se a manter a citada conta com provisão suficiente para o efeito. (…) Cláusula 10.ª: 1. Quaisquer comunicações escritas que a ... remeta à parte devedora serão enviadas por meio de carta simples e sem aviso de recepção, para o endereço por esta indicado no contrato, que se obriga desde já a manter actualizado, o qual, para efeitos das referidas comunicações, incluindo citação ou notificação judicial, se considera ser o domicílio convencionado. 2. Qualquer alteração ao domicílio convencionado, deve ser comunicado à ..., no prazo de 30 dias após essa alteração, por meio de carta registada com aviso de recepção. Cláusula 11.ª (direito de resolução): 1. A ... reserva-se o direito de resolver o contrato considerando o crédito imediatamente vencido se o imóvel hipotecado for alienado, arrendado ou de qualquer forma cedido ou onerado sem o seu consentimento escrito, se lhe for dado fim diverso do estipulado, e ainda, nos casos de falta de cumprimento pela parte devedora de qualquer das obrigações assumidas neste contrato. (…)”.

            c) Por escritura pública de mútuo com hipoteca e fiança, celebrada em 22/3/2006, no Cartório Notarial de (…), lavrada de fls. 72 a 74 do livro de notas para escrituras diversas n.º 55, a Exequente, como primeiro outorgante, o S (…), residente na Rua (...), como segundo outorgante, e A (…) e M (…) como terceiros outorgantes, residentes na mesma morada do segundo, declararam, na parte que agora releva: “(…) Que, por esta mesma escritura, é celebrado o presente contrato de mútuo com hipoteca, nos termos das cláusulas constantes do documento complementar anexo, que expressamente declaram conhecer e aceitar, pelo que é dispensada a sua leitura, e que faz parte integrante da presente escritura e, ainda das seguintes cláusulas: 1.ª O segundo outorgante confessa-se devedor à ... da quantia de € 15.000, que neste acto dela recebe a título de empréstimo e que se destina a ser utilizada em necessidades relacionadas especificamente com o lar. 2.ª O capital mutuado vence juros, durante o primeiro trimestre, à taxa anual de 3,8151% (…) a qual é calculada, aplicada e revista trimestralmente, nos termos da cláusula segunda do documento complementar anexo. 2. (…) a taxa anual efectiva na presente data (…) é de 3,8977 % (…). 3. Por acordo entre ambos os outorgantes e unicamente para efeito de registo de hipoteca, é fixada a taxa de 7,8000 %. 3.ª 1. Para garantia do integral cumprimento das obrigações assumidas no presente contrato, a parte devedora constitui a favor da ... hipoteca voluntária sobre o prédio urbano (…) sito em (...), inscrito na respectiva matriz sob o artigo 11(...).º (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 00(...)/ x(...). (…) 4.ª Os terceiros outorgantes confessam-se e constituem-se solidariamente fiadores e principais pagadores das dívidas contraídas pela parte devedora no âmbito do presente contrato, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia que igualmente conhecem o conteúdo do referido documento complementar pelo que é dispensada a sua leitura. Pelo primeiro outorgante foi dito que (…) aceita a confissão de dívida, a fiança e a hipoteca nos termos acima exarados. (…)”.

            d) No escrito intitulado “documento complementar”, aludido em C), consta: Cláusula 1.ª (prazo): este contrato é celebrado pelo prazo de quarenta e cinco anos a contar da presente data. Cláusula 2.ª (taxa de juro): 1. A taxa nominal prevista no n.º 1 da cl. 2.ª da escritura resulta da média aritmética das taxas diárias Euribor a 3 meses (…), taxa que é de 2,7500 % no início da vigência do presente contrato, acrescida, nesta data, de um “spread” de 1,0000 %. (…) Cláusula 3.ª (reembolso): 1. O presente empréstimo será reembolsado em quinhentas e quarenta prestações mensais, constantes e sucessivas, de capital e juros. 2. A primeira das referidas prestações vence-se um mês após a data da escritura e as restantes em igual dia dos meses seguintes, ou no último dia do respectivo mês se neste não houver dia correspondente. 3. Sem prejuízo do disposto nas cláusulas relativas às alterações do presente contrato, cada uma das prestações será no montante de € 58,98. (…) Cláusula 6.ª (cláusula penal): 1. Em caso de incumprimento de qualquer obrigação contratual e se a ... recorrer a juízo para recuperação dos seus créditos será devida, além dos juros remuneratórios, uma indemnização com natureza de cláusula penal no montante que resultar da aplicação da sobretaxa de 4% ao ano, calculada sobre o capital em dívida à data da mora. (…) Cláusula 7.ª (despesas): 1. Ficam por conta da parte devedora todas as despesas que a ... faça relativas ao presente contrato, serviços prestados pela ..., comissões, despesas anuais de gestão ou outros encargos inerentes ao presente contrato, os quais se encontram afixados nos balcões da ..., incluindo as da escritura, bem como do respectivo registo da hipoteca, seu reforço, distrate ou cancelamento e as de qualquer avaliação do imóvel hipotecado, encargos de ordem fiscal, e ainda, de todas as despesas que a ... faça para manter, garantir ou haver o seu crédito. (…) Cláusula 8ª (autorização de débito): 1. Todos os pagamentos a que a parte devedora fique obrigada pelo presente contrato serão efectuados através da conta de depósito à ordem nº 22 (...), constituída no balcão da ... em y(...), em nome da parte devedora, obrigando-se a manter a citada conta com provisão suficiente para o efeito. (…) Cláusula 11.ª: 1. Quaisquer comunicações escritas que a ... remeta à parte devedora serão enviadas por meio de carta simples e sem aviso de recepção, para o endereço por esta indicado no contrato, que se obriga desde já a manter actualizado, o qual, para efeitos das referidas comunicações, incluindo citação ou notificação judicial, se considera ser o domicílio convencionado. 2. Qualquer alteração ao domicílio convencionado, deve ser comunicado à ..., no prazo de 30 dias após essa alteração, por meio de carta registada com aviso de recepção. Cláusula 12.ª (direito de resolução): 1. A ... reserva-se o direito de resolver o contrato considerando o crédito imediatamente vencido se o imóvel hipotecado for alienado, arrendado ou de qualquer forma cedido ou onerado sem o seu consentimento escrito, se lhe for dado fim diverso do estipulado, e ainda, nos casos de falta de cumprimento pela parte devedora de qualquer das obrigações assumidas neste contrato. (…)”

            e) A hipoteca referida em A) encontra-se registada a favor da exequente pela Ap. 7 de 7/3/2006, convertida em definitiva pela Ap. 13 de 3/4/2006, assegurando o montante máximo de € 169.250, referente a € 125.000 de capital para garantia de empréstimo ao juro anual de 7,80 %, acrescida de 4 % ao ano na mora, a título de cláusula penal.

            f) A hipoteca referida em C) encontra-se registada a favor da exequente pela Ap. 8 de 7/3/2006, convertida em definitiva pela Ap. 14 de 3/4/2006, assegurando o montante máximo de € 20.310, referente a € 15.000 de capital para garantia de empréstimo ao juro anual de 7,80 %, acrescida de 4 % ao ano na mora, a título de cláusula penal.

            g) Quanto ao crédito referido em A), contrato 22 (...), o Executado S (…) não liquidou a prestação vencida em 22.9.2010.

            h) Quanto ao crédito referido em C), contrato 22 (...), o Executado S (…) não liquidou a prestação vencida em 22.10.2010.

            i) A Exequente enviou ao Executado S (…), para a morada referida em A), carta, datada de 23/8/2010, com a seguinte refª “cont nº 22 (...)” onde fez constar que “(…) O contrato em referência foi afecto ao departamento de recuperação de crédito. Todavia, não desejamos instaurar, desde já, a competente acção judicial sem tentar, uma vez mais, a regularização extrajudicial. Aguardamos por isso que até ao dia 6/9/2010 V. Exª proceda à regularização da dívida que, à data de emissão desta carta ascende a € 1.437,74 (…)”.

            j) A Exequente enviou ao Executado S (…), para a morada referida em A), carta, datada de 28/5/2011, com a seguinte refª “cont n.º 22 (...)” onde fez constar que “(…) O contrato em referência foi afecto ao departamento de recuperação de crédito. Todavia, e porque não desejamos instaurar, desde já, a competente acção judicial sem procurar, uma vez mais, a regularização extrajudicial, solicitamos que até ao (…) dia 13/6/2011 V. Exª proceda à regularização da dívida que, à data de emissão desta carta ascende a € 284,83 (…)”.

            k) A Exequente enviou ao Executado S (…), para a morada referida em A), carta, datada de 28/5/2011, com a seguinte refª “cont nº 22 (...)” onde fez constar que “(…) O contrato em referência foi afecto ao departamento de recuperação de crédito. Todavia, e porque não desejamos instaurar, desde já, a competente acção judicial sem procurar, uma vez mais, a regularização extrajudicial, solicitamos que até ao (…) dia 13/6/2011 V. Exª proceda à regularização da dívida que, à data de emissão desta carta ascende a € 1.981,53 (…)”.

            l) A Exequente enviou ao Executado S (…), para a morada referida em A), carta, datada de 21/9/2011, com a seguinte refª “cont nº 22 (...)” onde fez constar que “(…) O contrato em referência foi afecto ao departamento de recuperação de crédito. Todavia, e porque não desejamos instaurar a competente acção judicial sem procurar, uma vez mais, a regularização extrajudicial, solicitamos que até ao (…) dia 6/10/2011 V. Exª proceda à regularização da dívida que, à data de emissão desta carta ascende a € 756,99 (…)”.

            m) A Exequente enviou ao Executado S (…), para a morada referida em A), carta, datada de 28/10/2011, com a seguinte refª “cont nº 22 (...)” onde fez constar que “(…) Considerando que não tiveram êxito as diligências já realizadas com vista à regularização do contrato em epígrafe, fui incumbido de, pela via judicial, recuperar os créditos devidos pelo seu incumprimento. Não desejaria, todavia, instaurar a competente acção judicial sem tentar, pela última vez, a regularização extrajudicial da sua situação contratual, para a qual lhe concedo o prazo de 10 (dez) dias. A regularização pode ser feita através da conta D.O. 22 (...) ou utilizando a opção pagamento de serviços abaixo indicada (…)”.

            n) A Exequente enviou ao Executado S (…), para a morada referida em A), carta, datada de 28/10/2011, com a seguinte refª “cont nº 22 (...)” onde fez constar que “(…) Considerando que não tiveram êxito as diligências já realizadas com vista à regularização do contrato em epígrafe, fui incumbido de, pela via judicial, recuperar os créditos devidos pelo seu incumprimento. Não desejaria, todavia, instaurar a competente acção judicial sem tentar, pela última vez, a regularização extrajudicial da sua situação contratual, para a qual lhe concedo o prazo de 10 (dez) dias. A regularização pode ser feita através da conta D.O. 22 (...) ou utilizando a opção pagamento de serviços abaixo indicada (…)”.

            o) A Exequente enviou ao Executado S (…) para a morada referida em A), carta, datada de 23/4/2012, com a seguinte refª “cont nº 22 (...)” onde fez constar que “(…) O contrato em referência foi afecto ao K(...) recuperação de crédito ACE. Todavia, e porque não desejamos instaurar a competente acção judicial sem procurar, uma vez mais, a regularização extrajudicial, solicitamos que até ao (…) dia 9/5/2012 V. Exª proceda à regularização da dívida que, à data de emissão desta carta ascende a € 1.757,19 (…)”.

            p) A Exequente enviou aos Embargantes, para a morada referida em A), cartas, datadas de 23/8/2010, com a seguinte refª “cont nº 22 (...) – S (…)” onde fez constar que “(…) O contrato em referência foi afecto ao departamento de recuperação de crédito. Todavia, não desejamos instaurar, desde já, a competente acção judicial sem tentar, uma vez mais, a regularização extrajudicial. Aguardamos por isso que até ao dia 6/9/2010 V. Exª proceda à regularização da dívida que, à data de emissão desta carta ascende a € 1.437,74 (…)”.

            q) A Exequente enviou aos Embargantes, para a morada referida em A), cartas, datadas de 28/5/2011, com a seguinte refª “cont nº 22 (...) – S (…) onde fez constar que “(…) O contrato em referência foi afecto ao departamento de recuperação de crédito. Todavia, e porque não desejamos instaurar, desde já, a competente acção judicial sem procurar, uma vez mais, a regularização extrajudicial, solicitamos que até ao (…) dia 13/6/2011 V. Exª proceda à regularização da dívida que, à data de emissão desta carta ascende a € 1.981,53 (…)”.

            r) A Exequente enviou aos Embargantes, para a morada referida em A), cartas, datadas de 28/10/2011, com a seguinte refª “cont nº 22 (...)S (…)” onde fez constar que “(…) Considerando que não tiveram êxito as diligências já realizadas com vista à regularização do contrato em epígrafe, fui incumbido de, pela via judicial, recuperar os créditos devidos pelo seu incumprimento. Não desejaria, todavia, instaurar a competente acção judicial sem tentar, pela última vez, a regularização extrajudicial da sua situação contratual, para a qual lhe concedo o prazo de 10 (dez) dias. A regularização pode ser feita através da conta D.O. 22 (...) ou utilizando a opção pagamento de serviços abaixo indicada (…)” (matéria do art. 20.º da contestação);

            s) A Exequente enviou aos Embargantes, para a morada referida em A), cartas, datadas de 23/4/2012, com a seguinte refª “cont nº 22 (...)– S (…)” onde fez constar que “(…) O contrato em referência foi afecto ao K(...) recuperação de crédito ACE. Todavia, e porque não desejamos instaurar a competente acção judicial sem procurar, uma vez mais, a regularização extrajudicial, solicitamos que até ao (…) dia 9/5/2012 V. Exª proceda à regularização da dívida que, à data de emissão desta carta ascende a € 1.757,19 (…)”.

            t) A Exequente enviou aos Embargantes, para a morada referida em A), cartas, datadas de 28/5/2011, com a seguinte refª “cont nº 22 (...)– S (…)” onde fez constar que “(…) O contrato em referência foi afecto ao departamento de recuperação de crédito. Todavia, e porque não desejamos instaurar, desde já, a competente acção judicial sem procurar, uma vez mais, a regularização extrajudicial, solicitamos que até ao (…) dia 13/6/2011 V. Exª proceda à regularização da dívida que, à data de emissão desta carta ascende a € 284,83 (…)”.

            u) A Exequente enviou aos Embargantes, para a morada referida em A), cartas, datadas de 21/9/2011, com a seguinte refª “cont (…)– S (…)” onde fez constar que “(…) O contrato em referência foi afecto ao departamento de recuperação de crédito. Todavia, e porque não desejamos instaurar a competente acção judicial sem procurar, uma vez mais, a regularização extrajudicial, solicitamos que até ao (…) dia 6/10/2011 V. Exª proceda à regularização da dívida que, à data de emissão desta carta ascende a € 756,99 (…)”.

            v) A Exequente enviou aos Embargantes, para a morada referida em A), cartas, datadas de 28/10/2011, com a seguinte refª “cont nº (…)– S (…) onde fez constar que “(…) Considerando que não tiveram êxito as diligências já realizadas com vista à regularização do contrato em epígrafe, fui incumbido de, pela via judicial, recuperar os créditos devidos pelo seu incumprimento. Não desejaria, todavia, instaurar a competente acção judicial sem tentar, pela última vez, a regularização extrajudicial da sua situação contratual, para a qual lhe concedo o prazo de 10 (dez) dias. A regularização pode ser feita através da conta D.O. (…)ou utilizando a opção pagamento de serviços abaixo indicada (…)”.

            w) A Exequente enviou aos Embargantes, para a morada referida em A), cartas, datadas de 23/4/2012, com a seguinte refª “cont nº (…)1 – S (…)” onde fez constar que “(…) O contrato em referência foi afecto ao K(...) recuperação de crédito ACE. Todavia, e porque não desejamos instaurar a competente acção judicial sem procurar, uma vez mais, a regularização extrajudicial, solicitamos que até ao (…) dia 9/5/2012 V. Exª proceda à regularização da dívida que, à data de emissão desta carta ascende a € 258,54 (…)”.

            2. E deu como não provado:

            a) Que a ... nunca emitisse qualquer comunicação aos Embargantes.

            3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

            a) Os embargantes/recorrentes insurgem-se contra a decisão sobre a matéria de facto, invocando, sobretudo, a prova pessoal produzida em audiência de julgamento, pugnando para que se dê como não provada toda a matéria indicada em II. 1. G) a W), supra e se considere provada a factualidade mencionada em II. 2. a), supra, como se refere na “conclusão 23ª” (ponto I, supra).

            Por seu lado, a embargada/exequente, baseada na prova produzida nos autos e em audiência de julgamento, pretende que se dê como provada a matéria levada à “conclusão 2ª” da resposta à alegação de recurso (cf. o ponto I, supra).

            Antolha-se assim fundamental saber se outra poderia/deveria ser a decisão do Tribunal a quo quanto à factualidade em causa.

            b) Esta Relação procedeu à audição da prova pessoal produzida em audiência de julgamento, conjugando-a com a prova documental junta aos autos.

            c) Pese embora a maior dificuldade na apreciação da prova (pessoal) em 2ª instância, designadamente, em razão da não efectivação do princípio da imediação[4], afigura-se, no entanto, que, no caso em análise, tal não obstará a que reanalise, designadamente, a credibilidade da testemunha e verifique se o depoimento foi apreciado de forma razoável e adequada.

            E na reapreciação do material probatório disponível por referência à factualidade em causa, releva igualmente o entendimento de que a afirmação da prova de um certo facto representa sempre o resultado da formulação de um juízo humano e, uma vez que este jamais pode basear-se numa absoluta certeza, o sistema jurídico basta-se com a verificação de uma situação que, de acordo com a natureza dos factos e/ou dos meios de prova, permita ao tribunal a formação da convicção assente em padrões de probabilidade[5], capaz de afastar a situação de dúvida razoável.

            d) Partindo da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e tendo em atenção o objecto do recurso, destacamos os seguintes excertos:

            «O tribunal fundou a sua convicção na análise crítica da toda a prova produzida e examinada em audiência.

            As respostas positivas aos pontos A) a F), I) a W) resultaram da conjugação dos documentos dos autos e do depoimento da testemunha.

            As respostas G), H) da própria admissão no articulado de petição inicial de embargos.

            (…)

            Dos documentos juntos de escrituras públicas, bem como cópia dos registos prediais e extractos, e ainda das cartas dirigidas aos executados resultam os factos dados como provados, constando documentalmente a constituição das obrigações e garantias, bem como as últimas prestações pagas, a interpelação para pagamento pela Exequente.

            A testemunha ouvida (…) referiu o procedimento do banco quando há falta de pagamento da prestação na data devida, com emissão de cartas automáticas, para além do próprio balcão desencadear contactos, telefónicos e até por escrito, tendo sido juntos aos autos exemplos desses mesmos documentos, alguns datados até de pouco tempo após a celebração do empréstimo, quando o pagamento sofreu atrasos.

            A falta de alegação do pagamento resulta do próprio articulado de petição inicial dos embargantes.

            (…) foi impugnada a letra ou assinatura bem como a exactidão da reprodução mecânica, e o apresentante, no caso, arrolou testemunha que, de forma credível, explicou os documentos emitidos automaticamente pelos serviços centrais, considerando pois os documentos juntos atendíveis por fazerem prova das declarações emitidas.

            Quanto ao montante devido, a terem havido pagamentos parciais adicionais por parte dos executados, para além dos alegados pela própria exequente nos autos, o ónus da prova da realização dos mesmos incumbia-lhes a eles (…), tratando-se de excepção peremptória ao direito invocado e que não lograram fazer.

            Relativamente aos factos não provados, a matéria constante do ponto 1) da prova contrária ou reduzida produzida, nomeadamente as respostas I) a W).»

            e) Na verdade, resulta do depoimento da dita testemunha – (…) (fls. 49) -, nomeadamente:

            Nas datas de vencimento das prestações são/eram enviadas automaticamente cartas referentes ao pagamento (trata-se de um procedimento automático/informático dos serviços centrais do banco), sendo que em caso de cobrança da prestação, havendo saldo, “envia-se a dizer que está cobrado”, e, na falta de pagamento, a respectiva comunicação menciona tal facto e o montante devido.

            Confrontada com os documentos (cartas) juntos com a contestação destes autos, confirmou que algumas deles são de “envio automático”, nomeadamente, a carta reproduzida a fls. 14 do apenso C (fls. 20 verso do apenso B).

            “Quando o processo entra em incumprimento vai para o Departamento de Recuperação de Crédito que o banco tem”, situação em que passam a ser enviadas aos devedores missivas não automáticas, ou seja, não provenientes do procedimento informático.

            O banco/ ... sempre fez diligências no sentido da regularização da dívida enviando, na mesma data, cartas ao devedor principal e aos fiadores.

            Da consulta ao processo, conseguiu localizar algumas dessas cartas enviadas pelo balcão em causa (do banco) na sequência do incumprimento (razão pela qual a testemunha exibiu, e foram juntos aos autos, os documentos de fls. 64 e 65 do apenso B, datados de 28.12.2006, referentes a incumprimento então verificado).

            No final do depoimento, à pergunta do Exmo. Mandatário dos executados “A Sr.ª sabe se - falou em termos gerais… - neste caso concreto essas missivas foram ou não enviadas? (reportando-se, em especial, às ditas missivas “enviadas automaticamente”)”, respondeu que “Não sei porque no balcão não temos essa informação, não lhe sei dizer. Admito que sim, mas não sei!”.

            f) Tendo presente a factualidade assente referente ao acordado entre as partes, verifica-se que “quaisquer comunicações escritas” que o banco viesse a remeter “à parte devedora” seriam enviadas “por meio de carta simples e sem aviso de recepção, para o endereço por esta indicado no contrato”, e nada nos diz que assim não tenha sucedido com o envio das missivas, dirigidas aos executados/embargantes, reproduzidas a fls. 14 a 17 do apenso C e fls. 20 verso a 31, 64 e 65 do apenso B, cujo conteúdo foi levada à factualidade que agora se impugna.

            Ou seja, será de considerar que tais cartas foram enviadas para o domicílio convencionado e nenhuma razão se vislumbra ou existe para que os executados não tenham tomado conhecimento do seu conteúdo, sendo certo que apenas lhes era transmitida a realidade que já deviam conhecer, pelo menos, no tocante ao vencimento e ao não pagamento das prestações dos empréstimos (ademais, estando-se perante uma obrigação com prazo certo, mesmo que as referidas cartas não tivessem sido remetidas, tal eventual falha não significaria, por si só, que o recorrente estivesse em cumprimento…[6]), sendo que, se nenhuma dúvida se suscita quanto à existência dos contratos de mútuo bancário e à forma da sua amortização, era fundamental a alegação e prova, por parte dos embargantes, de tais pagamentos (art.º 342º do CC) e constata-se que em momento algum vieram os recorrentes alegar o cumprimento das prestações em dívida que deram lugar ao incumprimento dos contratos juntos aos autos!

            Ademais, na oposição à execução as regras do jogo fazem carregar primordialmente sobre os escutados os ónus de alegação e de prova dos factos com a virtualidade de obstaculizar o direito exequendo, sendo a eles que desaproveita a dúvida…[7]

            4. Tendo em atenção o objecto do litígio, o que decorre da prova documental e a dita prova pessoal, afigura-se assim correcto o decidido e a fundamentação apresentada pela Mm.ª Juíza a quo, e não vemos motivo para modificar a decisão sobre a matéria de facto no sentido defendido pelos embargantes.

            A factualidade dada como provada (e como não provada) respeita a prova produzida nos autos e em audiência de julgamento, sendo que, até em razão da exigência de (especial) prudência na apreciação da prova pessoal[8], a Mm.ª Juíza a quo não terá desconsiderado regras elementares desse procedimento, inexistindo elementos seguros que apontem ou indiciem que não pudesse ou devesse ponderar a prova no sentido e com o resultado a que chegou, pela simples razão de que não se antolha inverosímil e à sua obtenção não terão sido alheias as regras da experiência e as necessidades práticas da vida[9]

            A Mm.ª Juíza analisou criticamente as provas e especificou os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, não se mostrando violados quaisquer normas ou critérios segundo a previsão dos n.ºs 4 e 5 do art.º 607º do Código de Processo Civil (CPC), sendo que a Relação só poderá/deverá alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662º, n.º 1 do CPC).

            Mantém-se assim o decidido em 1ª instância.

            5. Toda a execução tem por base um título, que além de determinar o seu fim e, consequentemente, o seu tipo, estabelece os seus limites objectivos e subjectivos (art.º 10º, n.º 5, do CPC de 2013).

6. O título executivo apresenta-se como requisito essencial da acção executiva e há-de constituir instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda, i. é, documento susceptível de, por si só, revelar, com um mínimo aceitável de segurança, a existência do crédito em que assenta o pedido exequendo.

Dito doutra forma, tal documento constituirá prova do acto constitutivo da dívida na medida em que nos dá a relativa certeza ou probabilidade julgada suficiente da existência da dívida (a existência da obrigação por ele constituída ou nele certificada), sem prejuízo de o processo executivo comportar certa possibilidade de o executado provar que apesar do título a dívida não existe (a obrigação nunca se constituiu ou foi extinta ou modificada posteriormente).

Meio probatório da relação obrigacional creditícia existente entre as partes, o título executivo avulta como condição necessária [sem título não pode ser instaurada acção executiva; se for instaurada, deve ser indeferida liminarmente; se o não for, pode ser objecto de oposição à execução], mas também suficiente da acção executiva, posto que apresente os requisitos externos de exequibilidade que a lei prevê - verificados esses requisitos, por reconhecida se tem a exequibilidade, presumindo-se a existência do direito que o título corporiza (a obrigação exequenda tem de constar do título e a sua existência é por ele presumida/o título executivo constitui base da presunção da existência – e titularidade – da obrigação exequenda e não apenas da existência do facto que a constituiu), só susceptível de ser afastada pela prova da inexigibilidade ou inexistência do direito, a alegar e provar pelo executado em oposição à execução.

Assim, a análise do título deve demonstrar, sem necessidade de outras indagações, tanto o fim como os limites da acção executiva.[10]

            7. Relativamente ao 1º executado (devedor principal) foi decidido em 1ª instância e confirmado nesta Relação[11] que, tratando-se in casu de obrigações com prazo certo, podíamos concluir pela exigibilidade de todas as prestações vencidas à data da instauração da acção executiva e demais valores devidos segundo o acordado entre as partes - foram celebrados dois contratos de mútuo hipotecário, que consubstanciam os títulos executivos dados à execução, e ficou demonstrado que as prestações mensais (capital e juros) para reembolso dos referidos empréstimos bancários deixaram de ser pagas a partir de 22.9 e 22.10.2010.

            Esta mesma obrigação, vencida, estende-se aos aqui embargantes/2ºs executados, dada a fiança prestada.

            Porém, no que concerne aos demais valores reclamados e ao que em relação ao 1º executado se considerou exigível e vencido com a sua citação para os termos da execução (como se decidiu em 1ª instância e confirmou nesta Relação[12]), consequência diversa deriva para os aqui embargantes/2ºs executados.

            8. A fiança é o vínculo jurídico pelo qual um terceiro (fiador) se obriga pessoalmente perante o credor, garantindo com o seu património a satisfação do direito de crédito deste sobre o devedor (art.º 627º, n.º 1, do CC); é o contrato pelo qual uma pessoa se obriga para com o credor a cumprir a obrigação de outra pessoa, no caso de esta o não fazer. O fiador compromete-se a pagar uma dívida de outrem – o devedor principal. O seu compromisso é acessório (art.º 627º, n.º 2 do CC[13]).

            A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor (art.º 634º do CC), de onde se conclui que a responsabilidade do fiador, salvo estipulação em contrário (art.º 631º, n.º 1 do CC), se molda pela do devedor principal e abrange tudo aquilo a que ele está obrigado, não só a prestação devida, mas também a reparação dos danos resultantes do incumprimento culposo (art.º 798º do CC) ou a pena convencional que porventura se haja estabelecido (art.º 810º do CC).

            Como características fundamentais deste instituto, costuma a doutrina sublinhar a acessoriedade e a subsidiariedade.

            A fiança tem natureza subsidiária, pois só terá de ser cumprida caso o não seja a obrigação do devedor principal, e acessória, porque a sua validade depende da validade daquela, extingue-se com ela, não a podendo, mesmo, exceder, nem ser contraída em condições mais onerosas (art.ºs 631º e 632º do CC).

            O fiador poderá renunciar ao benefício da excussão (art.º 638º do CC), e, nesse caso, retirar à fiança a característica subsidiária; em todo o caso, a fiança continuará dependente da obrigação principal, em termos de validade e de eficácia; será sempre uma garantia acessória.[14]

            9. Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas (art.º 781º do CC).

            A perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia. (art.º 782º do CC).

            Decorre do aludido regime jurídico que a perda do benefício do prazo não afecta terceiros que tenham garantido o cumprimento da obrigação – a lei não distingue entre garantias pessoais e reais, aplicando-se o art.º 782º do CC, não só ao fiador como a terceiros que tenham constituído uma hipoteca, um penhor, ou uma consignação de rendimentos; qualquer destas garantias só pode ser posta a funcionar depois de atingido o momento em que a obrigação normalmente se venceria.

            O referido normativo, quanto às obrigações a prazo, estabelece assim um princípio que é extensivo aos co-obrigados do devedor e a terceiro que tenham constituído qualquer garantia a favor do crédito; não lhes pode ser imposta a perda do benefício do prazo, o que traduz um desvio da regra do art.º 634º do CC.[15]

            A perda do benefício do prazo traduz-se no facto de a lei consentir que em determinadas circunstâncias o credor possa exigir antecipadamente o cumprimento da obrigação, apesar de o devedor ser beneficiário exclusivo ou conjunto do prazo estipulado, não sendo extensiva aos garantes da obrigação (cit. art.º 782º).

            A lei abrange nesta excepção mesmo os co-obrigados solidários, o que logo decorre do regime de solidariedade, maxime a respeito dos meios de defesa pessoais.[16]

            10. Por conseguinte, face ao disposto no art.º 782º do CC, aos embargantes (fiadores) não é extensiva a perda do benefício do prazo, norma que tem natureza supletiva - vigorando nesta matéria o princípio da liberdade contratual (art.º 405º do CC) -, considerando-se afastada sempre que as partes convencionem de modo diverso, o que ocorreria in casu se os fiadores (opoentes) tivessem consignado nos títulos a renúncia ao aludido benefício.[17]

11. E dúvidas não restam de que a renúncia ao benefício de excussão prévia feita pelos recorrentes (fiadores) não implica automaticamente a renúncia ao benefício do prazo - renunciando ao benefício de excussão, o fiador “equipara-se, do ponto de vista do credor, a um verdadeiro devedor solidário”; contudo, “[a] posição do fiador que se obrigou como principal pagador não se identifica com a do condevedor solidário. Na verdade, a obrigação daquele, embora não seja subsidiária em face do credor, continua a ser acessória em relação à do devedor afiançado”.[18]

A renúncia ao benefício de excussão tem apenas como consequência o afastamento da regra da subsidariedade, traduzida no direito que assiste ao fiador de, nada sendo estipulado em contrário, recusar o cumprimento enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal. Tal renúncia nada tem a ver com o benefício do prazo, já que, como vimos, a perda de tal benefício não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que garanta a obrigação (art.º 782º do CC), salvo se houver estipulação em contrário – daí, as garantias, constituídas por terceiro, de obrigação relativamente à qual se opere a perda do benefício do prazo, só podem ser postas a funcionar depois de atingido o momento em que a obrigação normalmente se venceria.[19]

12. Ou seja, reportando-nos ao caso em análise, o direito ao benefício do prazo invocado pelos recorrentes (fiadores) só se encontraria afastado se dos títulos dados à execução constasse a expressa renúncia (àquele benefício) por parte do fiador, o que, in casu, não ocorreu.

13. Estipulando as partes um regime idêntico ao previsto no art.º 781º do CC (imediata exigibilidade das prestações futuras no caso de incumprimento de qualquer obrigação contratual e, assim, de qualquer prestação), daí não se poderá concluir - sem mais - que visaram afastar o regime previsto no art.º 782º do mesmo Código, ou, dito de outra forma, que os fiadores renunciaram ao benefício do prazo que a lei lhe garante.[20]

Na verdade, não resulta da factualidade provada que os embargantes/fiadores tenham renunciado ao benefício do prazo (cf., sobretudo, II. 1. a) e c), supra), pelo que a interpelação dos fiadores tornava-se necessária, interpelação que não se verificou, sendo que nela se deveria mencionar, designadamente, o montante em dívida, a data do incumprimento e, sobretudo, a indicação do prazo de que o fiador dispunha para proceder ao pagamento da quantia em dívida.

Porque nada nos diz que os oponentes/fiadores tenham renunciado ao benefício do prazo, a interpelação tornava-se necessária para lhes dar a possibilidade de, para além de pagar as prestações vencidas (pelas quais são imediatamente responsáveis), assumirem a posição do devedor principal, pagando as prestações que se fossem vencendo.[21]

Não tendo sido afastado o regime previsto no art.º 782º do CC e não se estendendo aos fiadores/embargantes a perda do benefício do prazo (veja-se, ainda, que não se demonstrou a realidade levada pela embargada à “conclusão 2ª” da resposta à alegação de recurso/cf. os pontos I. e II. 4., supra), na execução dos autos principais, apenas deverão responder pelas prestações vencidas, sem qualquer antecipação por incumprimento do devedor principal[22] - apenas lhes podem ser exigidas as prestações que se venceram pelo decurso do prazo e até à propositura da execução, acrescidas de juros.

14. Improcedem, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso e a pretensão deduzida pela exequente ao abrigo do disposto no art.º 636 do CPC.  


*

III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

            Custas, nas instâncias, na proporção de 15 % pelos embargantes (sem prejuízo do benefício do apoio judiciário eventualmente concedido – cf. fls. 95) e 85 % pela embargada/exequente.         


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23.01.2018




           

Fonte Ramos ( Relator )

Maria João Areias

Alberto Ruço


[1] Cf. o documento de fls. 116 do apenso B.
[2] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.
[3] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.

[4] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 284 e 386 e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, 4ª edição, 2004, págs. 266 e seguinte.
[5]Refere-se no acórdão da RP de 20.3.2001-processo 0120037 (publicado no “site” da dgsi): A prova, por força das exigências da vida jurisdicional e da natureza da maior parte dos factos que interessam à administração da justiça, visa apenas a certeza subjectiva, a convicção positiva do julgador. Se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação da justiça.   
[6] Cf., a propósito - numa situação com alguma similitude -, o acórdão da RC de 22-10-2013-processo 518/11.0TBFIG-A.C1, publicado no “site” da dgsi.

[7] Cf. os acórdãos da RP de 10.12.2012-processo 6586/11.7TBMTS-B.P1 e da RC de 25.3.2014- processo 102/11.8TBTMR-A.C1, publicados no “site” da dgsi.
[8] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 277.
[9] Vide, nomeadamente, Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 192 e nota (1) e Vaz Serra, Provas (Direito Probatório Material), BMJ, 110º, 82.
[10] Cf., entre outros, Manuel de Andrade, ob. cit., págs. 60 e seg.; Alberto dos Reis, Processo de Execução, Vol. 1º, 3ª edição (reimpressão), Coimbra Editora, 1985, pág. 174; Antunes Varela, e Outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, págs. 87 e segs. e, designadamente, os acórdãos do STJ de 10.11.2011-processo 4719/10.0TBMTS-A.S1 e da RL de 27.6.2007-processo 5194/2007-7, publicados no “site” da dgsi.
[11] Acórdão proferido no apenso C.
[12] Apenso C.
[13] Estatui o mencionado n.º: “A obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor”.
[14] Cf., entre outros, o acórdão do STJ de 28.9.2006-processo 06A2412, publicado no “site” da dgsi.
[15] Vide Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 621 e Vol. II, 4ª edição, Coimbra Editora, 1997, pág. 33; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, Reimpressão da 7ª edição, Almedina, págs. 55 e seguinte.
[16] Vide M. J. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª edição, 2011, Almedina, págs. 1014 e seguintes.

[17] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 10.5.2007-processo 07B841; da RL de 06.6.2002- processo 0013967 e de 19.11.2009-processo 701/06.0YXLSB.L1-6 e da RC de 03.7.2012-processo 1959/11.8T2OVR-A.C1, publicados no “site” da dgsi.
[18] Vide M. J. Almeida Costa, ob. cit., pág. 896.

[19] Cf., entre outros, os acórdãos da RL de 06.6.2002-processo 0013967, 15.01.2008-processo 10365/2007-7 e 17.11.2011-processo 1156/09.2TBCLD-D.L1-2, publicados no “site” da dgsi, e o cit. acórdão da RC de 03.7.2012-processo 1959/11.8T2OVR-A.C1.
[20] Cf., neste sentido, o mesmo acórdão da RC de 03.7.2012-processo 1959/11.8T2OVR-A.C1.
[21] Idem.
   Cf., ainda, de entre vários, os acórdãos da RL de 12.5.2009-processo 463/07.3TVLSB.L1-7, 15.9.2009-processo 1448/07.5TVLSB.L1-7 e 20.10.2009-processo 1535/09.5YRLSB-7, publicados no “site” da dgsi.

[22] Cf., entre outros, os acórdãos da RL de 11.10.2002-processo 0049998 e de 19.11.2009-processo 701/06.0YXLSB.L1-6, publicados no “site” da dgsi e o referido acórdão da RC de 03.7.2012-processo 1959/11.8T2OVR-A.C1, concluindo-se, neste aresto, que esta solução é “juridicamente a mais sustentável, a que melhor garante a natureza acessória do instituto da fiança (que se mantém mesmo sem a subsidariedade afastada pela renúncia ao benefício da excussão), porque o prazo também é estabelecido a favor do fiador, que terá interesse em ser alertado (interpelado) pelo banco, no sentido de pagar as prestações vencidas e as que se forem vencendo pelo decurso do tempo, em vez de ser abruptamente confrontado com uma dívida de centenas de milhares de euros”.