Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1803/18.5T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VITOR AMARAL
Descritores: DECLARAÇÃO NEGOCIAL
SUA INTERPRETAÇÃO
DIREITO DE PROPRIEDADE
MODOS DE AQUISIÇÃO
POSSE
Data do Acordão: 07/08/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA – JUIZ 4
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 217º E 236º E SEGS.; 1316º DO C. CIVIL
Sumário: 1. - Perante documento escrito em que se declara que a sua filha está a “levar a cabo a construção de uma casa em terreno do ora declarante”, devendo tal casa passar “a figurar em nome dela, pois é a única e exclusiva dona e proprietária”, o apuramento sobre a real intenção do declarante – se apenas pretendeu autorizar a construção, conservando a propriedade do terreno, ou teve intenção de o doar – constitui, desde logo, matéria de facto, suscitando questão de averiguação de facto do domínio interior/psicológico, a esclarecer perante as provas, embora a merecer depois, já à luz do disposto nos art.ºs 217.º e 236.º e segs., todos do CCiv., adequada interpretação da declaração negocial.

2. - Admitida intervenção principal provocada (requerida pelo autor), “como parte ativa”, com vista a assegurar a legitimidade, em termos de litisconsórcio necessário ativo, de determinada pessoa, não pode esta, intervindo com dedução de articulado próprio, no qual confirma o alegado pelos réus na contestação – admitindo os factos por eles alegados –, ser tratada no processo como ré, atenta a sua intervenção pelo lado ativo da instância, devendo ser livremente apreciada a sua admissão de factos para efeitos probatórios.

3. - O reconhecimento, por via judicial, do direito de propriedade só pode assentar num dos modos de aquisição previstos no art.º 1316.º do CCiv., a ter de ser devidamente invocado e caraterizado pelo autor.

4. - Cabe, assim, ao demandante o ónus da alegação e prova dos factos tendentes a demonstrar o direito de propriedade que invoca sobre um imóvel, prova essa a ser efetuada através de factos que demonstrem a aquisição originária do domínio, por sua parte ou dos seus antecessores na posse.

5. - Quando, porém, a aquisição for derivada, terão de ser provadas as sucessivas aquisições dos antecessores até à aquisição originária, exceto nos casos em que ocorra presunção legal de propriedade, como a resultante da posse ou do registo definitivo de aquisição.

6. - A posse, adequada a fazer operar o instituto da usucapião, tem de traduzir-se num “corpus” – prática de atos materiais, sobre a coisa, correspondentes ao exercício do direito – e num “animus” – intenção e convencimento do exercício de um poder, sobre a coisa, correspondente ao próprio direito e na sua própria esfera jurídica –, devendo ser exercida por certo lapso temporal e revestir-se das caraterísticas da pacificidade, publicidade e continuidade.

Decisão Texto Integral:







Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

M..., com os sinais dos autos, intentou ([1]) ação declarativa condenatória, com processo comum, contra:

1.º - J... e

2.ª – A..., estes também com os sinais dos autos,

pedindo que «decretado o reconhecimento da qualidade sucessória do A.», seja «proferida sentença que:

A) Condene os RR. a reconhecer que o prédio (…) de Rés do chão destinado a habitação, com 3 divisões, cozinha, casa de banho e logradouro (…), atualmente inscrito na matriz predial sob o art.º ... e descrito na CR Predial sob o nº ... pertence à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de M... (em cumulação de bens de heranças distintas).

B) Declare nula a partilha para separação de meações formalizada pelos Réus em escritura pública lavrada em 07/07/2017 no Cartório Notarial da ... bem como declare nulos todos os negócios subsequentes que, incidindo sobre o referido imóvel venham eventualmente a ser celebrados por qualquer um dos RR. após a interposição da presente ação.

C) Ordene o cancelamento do registo de aquisição a favor dos RR. e de todos os registos a ele subsequentes.

D) Ordene à Administração Tributária que averbe em nome da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de C… o artigo matricial urbano n.º ...

E) Ordene à Conservatória do Registo Civil de ... que – nomeadamente para efeitos de emissão de futuras certidões – elimine/considere não escrita na relação de bens comuns apresentada pelos Réus a verba sob a qual foi relacionado o referido imóvel.

F) Condene os RR. a reporem os muros e vedação metálica (…) e o ramal de abastecimento de água ao prédio B tal como se encontravam à data do início das obras que efetuaram nos prédios da herança, e a absterem-se de realizar quaisquer outras obras nos prédios pertencentes à herança.».

Para tanto, alegou, em síntese:

- sendo o A. e o 1.º R. interessados na partilha daquela herança ilíquida e indivisa, os falecidos (pais do A.) possuíram diversos prédios, tendo consentido que a mãe do 1.º R. utilizasse uma casa construída em terreno pertencente à herança, como sua habitação própria e da sua família, da mesma forma que consentiram que, não estando a ser usada por ela, passasse a ser usada pelo filho dela e respetiva família;

- após o falecimento dos pais do A., com o consentimento de todos os herdeiros, ambos os RR., então casados entre si, continuaram a habitar o referido imóvel (casa), que veio a ser ampliado, nomeadamente com a construção de um primeiro andar;

- mostrando-se infrutíferos diversos procedimentos tendentes à partilha das heranças referidas, o 1.º R. executou um plano para registar o aludido imóvel em seu nome e resolver definitivamente a sua situação pessoal, em detrimento do A. e demais herdeiros, para o que se divorciou e declarou falsamente na relação de bens comuns do casal que o prédio pertencia a tal casal;

- depois, munido da certidão da relação de bens comuns, procedeu, conjuntamente com a 2.ª R., à partilha desse bem por escritura pública, o que permitiu a primeira inscrição do prédio no registo predial, metade em nome do 1.º R. e metade em nome da 2.ª R;

- os RR. têm vindo a realizar obras no prédio, com levantamento de um muro na estrema nascente do mesmo e demolição de um muro de suporte de terras e delimitação, causando danos em ramal de abastecimento de água, sendo que se trata de obras ilícitas, efetuadas em bens alheios (das heranças) sem o consentimento dos demais herdeiros.

Os RR. contestaram (conjuntamente), excecionando a ilegitimidade do A. (por não estarem na ação todos os herdeiros) e concluindo, por isso, pela absolvição dos demandados da instância ou, assim não se entendendo, pela sua absolvição de todos os pedidos, para o que afirmaram, em síntese, que:

- o prédio em causa foi objeto de doação verbal à mãe do 1.º R., que passou a possuí-lo, não sendo propriedade das aludidas heranças, antes pertencendo aos RR., por via de aquisição por usucapião;

- beneficiam estes ainda da presunção prevista no art.º 7.º do Código do Registo Predial, uma vez que o prédio se encontra inscrito a seu favor, desde 07/07/2017.

Respondeu o A., pugnando pela improcedência da matéria de exceção deduzida.

Admitida a intervenção principal – requerida pelo A. –, pelo lado ativo da instância, de M... e M... ([2]), também com os sinais dos autos, veio esta última declarar que confirma em absoluto o alegado pelos RR., concluindo pela improcedência da ação, enquanto aquela M... declarou fazer seus os articulados e prova oferecidos pelo A..

Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, julgando inútil, operada a intervenção principal aludida, o conhecimento da exceção de ilegitimidade ativa, e procedeu-se à definição do objeto do litígio e dos temas da prova.

Realizada depois a audiência final, foi proferida sentença, julgando a ação improcedente, com a consequente absolvição dos RR. do contra si peticionado.

De tal sentença vem a parte demandante, inconformada, interpor o presente recurso, apresentando alegação e as seguintes

Conclusões ([3]):

...

Os RR. contra-alegaram, pugnando pela total improcedência do recurso.

O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo ([4]), tendo neste Tribunal ad quem sido mantidos o regime e o efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito do Recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais ([5]) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, cabe saber ([6]):

a) Se a sentença padece de nulidade, por contradição, ambiguidade e/ou obscuridade [art.º 615.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv.];

b) Se ocorre erro de julgamento em sede de decisão da matéria de facto, obrigando à alteração do decidido (quanto aos impugnados pontos da factualidade julgada provada e da não provada, por se impor um diverso julgamento perante as provas convocadas), devendo ainda aditar-se novos factos ao quadro provado da sentença;

c) Se ocorre erro de julgamento de direito, com referência às seguintes questões jurídicas:

1. - Inexistência de doação do solo, por haver mera autorização para construção;

2. - Ausência de inversão do título de posse, impedindo a aquisição por usucapião (a favor dos RR.);

3. - Inoperância no caso da presunção de propriedade derivada do registo predial;

4. - Invalidade da partilha subsequente ao divórcio dos RR./Recorridos, por ter por objeto bem alheio, sendo ainda que o bem discutido nunca poderia ser considerado um bem comum do casal.

III – Fundamentação

A) Da nulidade da sentença

Invoca a parte recorrente, no seu iter impugnatório da sentença proferida, que esta encerra clara contradição, bem como ambiguidade e obscuridade, vícios que considera geradores da respetiva nulidade, o que resulta contestado pela contraparte e não foi acolhido pelo Tribunal a quo, que, por sua vez, deixou expresso não considerar haver tal nulidade.

Argumenta aquela parte recorrente (cfr. conclusões 2.ª a 4.ª) que os vícios procedem de, tendo em conta a motivação e o que se afirmou ter ficado provado e não provado, ser “negada a pertença e propriedade de um imóvel a quem o doou, dando como provada essa doação”, sendo “absolutamente incompreensível” e “totalmente ajurídico e contraditório, que os de cujus tenham dado ou possam ter dado (após autonomização) o que não tinham (o direito de propriedade sobre a parcela)”.

E finaliza a mesma parte expendendo que afirmar, relativamente a um bem concreto e determinado, não se ter provado a propriedade das pessoas que se afirma terem dado esse bem a outrem, usando-se essa doação para determinar o sentido da decisão, constitui ambiguidade e obscuridade inultrapassáveis, com contradição entre a fundamentação e os factos dados como provados.

Ora, o art.º 615.º, n.º 1, do NCPCiv. comina, quanto às suas al.ªs b) e c),  com a nulidade da sentença as situações em que, respetivamente, (i) faltem os fundamentos da decisão ou (ii) estes, existindo, estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

Trata-se de normação inovadora apenas quanto ao fundamento de nulidade da sentença traduzido na existência de ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, pois que no anterior art.º 668.º, n.º 1, al.ª c), do CPCiv. revogado apenas se aludia ao vício de oposição entre os fundamentos e a decisão e na al.ª b) desse dispositivo do Cód. revogado apenas se previa, como agora, a não especificação dos fundamentos, de facto e de direito, justificativos da decisão.

Em qualquer caso, serão vícios internos da decisão, no plano dos respetivos fundamentos e decorrente dispositivo, constituindo anomalia a extrair da leitura da sentença – vista em si própria –, ante a forma como se mostra elaborada.

Como é consabido, por ser orientação dos Tribunais Superiores, a nulidade da decisão (sentença ou despacho), tal como prevista no dispositivo legal citado – a problemática a considerar é sempre, com efeito, a dos fundamentos da decisão, seja pela sua falta ou contradição ou ainda por falta de sintonia com o dispositivo –, segundo o qual “a sentença é nula quando os fundamentos estejam em manifesta oposição com a decisão, sanciona o vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença. Como se sabe, a sentença deve conter os fundamentos, devendo o Juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes (art. 659º, nº2, do CPC). Ora, constituindo a sentença um silogismo lógico-jurídico, de tal forma que a decisão seja a conclusão lógica dos factos apurados, aquela nulidade – como tem sido unanimemente afirmado na doutrina e na jurisprudência – só se verifica quando das premissas de facto e de direito se extrair uma consequência oposta à que logicamente se deveria ter extraído” ([7]).

Do invocado facto do ponto 6 dado como provado apenas consta, quanto ao que agora importa, terem “M... e mulher C... dado a essa sua filha e enteada [L...] uma parcela do primitivo prédio, que dele tinham autonomizado”.

Na fundamentação da convicção quanto à prova foi exarado, relativamente ao que ora importa, que:

«O facto cuja formação da convicção mereceu uma mais aprofundada reflexão foi o respeitante ao título a que os falecidos pais do autor entregaram a L... a parcela de terreno para construção da sua casa.

Nessa sede, a versão apresentada pelos réus foi não apenas corroborada, por conhecimento pessoal e direto, pela testemunha L..., mas foi alvo de confissão expressa pela interveniente M..., no seu articulado de 16.03.2019.

(…)

E as regras da experiência comum dizem-nos que, ao tempo dos factos, nesta zona de País e em meio rural, era habitual os pais darem (a maioria das vezes, sem cuidarem de formalizar o ato jurídico) parcelas de terreno aos filhos, para aí construírem as suas casas (sem pretenderem beneficiar um ou outro filho, mas sempre no pressuposto de, mais tarde, serem equilibrados os respetivos quinhões hereditários).

E não faria sentido o investimento que, primeiramente, L... fez e, mais recentemente, que os réus fizeram, na construção, manutenção e ampliação da casa, se não estivessem convictos de estarem a despender o seu dinheiro em bem próprio.

Assim, com base no singelo raciocínio acabado de sumariar e considerando, por um lado, a confissão de uma das interessadas na herança (a interveniente M...), e, por outro lado, que nenhuma testemunha, de forma segura, credível e com conhecimento direto abalou, nessa parte, o depoimento da testemunha L..., ficou-se com a convicção segura de que os pais do autor não se limitaram a autorizar a construção da casa alvo do pedido em terreno seu, mas também abriram mão dessa parcela de terreno (deram-na à filha e enteada L...), para que a passasse a usar como sua.» (itálico aditado).

Já na fundamentação de direito pode ler-se que, «(…) percorridos os factos provados, conclui-se (…) que deles não emerge que ambos os de cujus (ou algum deles) tenham (tenha) adquirido o direito de propriedade sobre o descrito imóvel, por qualquer um dos modos de aquisição previstos no citado artigo 1316º.

Mais precisamente, não foi alegada, nem provada, a aquisição desse direito – sobre o prédio urbano, ou mesmo apenas quanto ao terreno em que se encontra implantado – por contrato (…); também não se está perante caso em que seja sequer alegada a aquisição por sucessão por morte, por acessão ou por ocupação, nem tão-pouco emerge dos factos assentes que os autores da herança – que se sabe que, em tempos, eram possuidores da parcela de terreno onde foi construído o prédio urbano alvo do pedido – tenham mantido essa posse ao longo dos anos, com as características necessárias para conduzir à aquisição do direito de propriedade por usucapião (…).

Ao invés do alegado pelo autor, o que se extrai da leitura dos factos provados é que foi, primeiramente, a mãe do réu e, mais tarde, este, a partir de dado momento, conjuntamente com a ré, quem, desde data próxima do ano de 1984, tem estado na posse do prédio em apreço (aqui incluído o terreno em que está edificada a casa).

Não tendo o autor demonstrado factos que permitam concluir que os seus pais eram proprietários do prédio urbano acima descrito, ou mesmo apenas do respetivo terreno (omissão esta que sempre inviabilizaria o reconhecimento da casa enquanto benfeitoria), há que concluir pela manifesta improcedência do seu primeiro pedido.» (destaques aditados).

Em consonância, foi a ação, em termos de dispositivo da sentença, julgada improcedente, desde logo quanto ao primeiro dos pedidos do A./Recorrente, o de que os RR. fossem condenados a reconhecer que o imóvel pertence à aludida herança indivisa.

Assim, nenhuma contradição há, que se veja, entre fundamentação jurídica e dispositivo (“decisão” em sentido estrito) da sentença, posto se ter considerado não estar demonstrada a titularidade do direito de propriedade imobiliária por parte dos falecidos (autores da sucessão), daí se partindo para a conclusão no sentido de não poder ser acolhido o pedido tendente ao reconhecimento de que o imóvel pertence à(s) respetiva(s) herança(s).

Também não ocorre contradição, salvo o devido respeito, entre a parte fáctica, onde se julgou provado que tais autores da sucessão “deram” a outrem – por se ter formado a convicção de que existiu declaração de doação – a parcela em causa, que para tanto haviam autonomizado (ponto 6 dos factos provados), e a fundamentação de direito, onde se considerou não demonstrada a existência do direito de propriedade – mas apenas a posse – na esfera jurídica daqueles autores da sucessão.

Com efeito, nada impedia, em vida, os autores da sucessão de emitirem declarações negociais, como a declaração verbal de dar(em) uma parcela de um imóvel a outrem, tanto mais que eram os (reconhecidos) possuidores dessa parcela e do respetivo imóvel.

Outra coisa é, claramente, o reconhecimento judicial do direito de propriedade sobre um determinado imóvel, matéria que tem de ser apreciada, à luz da causa de aquisição do direito dominial – a qual, por seu turno, tem de ser invocada e demonstrada –, na respetiva ação judicial.

Com efeito, é bem sabido que o direito de propriedade não se presume sem mais.

Diversamente, em ação de reivindicação – ou apenas de condenação no reconhecimento do direito de propriedade predial – caberá ao demandante o ónus da alegação e prova dos factos tendentes a demonstrar o pretendido direito de propriedade sobre a coisa/imóvel – cfr. art.º 342.º, n.º 1, do CCiv. ([8]) –, prova essa a ser efetuada através de factos dos quais resulte demonstrada a aquisição originária do domínio, por sua parte ou dos seus antecessores na posse.

Quando, porém, a aquisição for derivada, terão de ser provadas as sucessivas aquisições dos antecessores até à aquisição originária, exceto nos casos em que ocorra presunção legal de propriedade (cfr. art.ºs 349.º e 350.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CCiv.), como a resultante da posse ou do registo definitivo de aquisição ([9]).

Ora, é certo que na petição inicial foi alegada a posse pelos falecidos (cfr. o respetivo art.º 17.º), sem, porém, se invocar, a favor destes (ou da respetiva herança), o instituto da usucapião – jamais mencionado ([10]) –, tal como foi alegada a existência de “bens imóveis no seu acervo hereditário”, adquiridos “já no estado de casado” (art.º 5.º), com alusão a determinados “imóveis existentes”, “integrando as heranças” (art.ºs 12.º, 46.º, 51.º e 55.º), jamais se explicitando, todavia, o modo de aquisição do domínio/propriedade, a causa aquisitiva do direito ([11]), para o que não bastava invocar a posse, já que não poderia ser esta, sem mais, a causa aquisitiva do direito de propriedade, a qual não se confunde com a usucapião, embora esta última não possa operar sem aquela ([12]).

É que, se a posse é constituída por um corpus e por um animus ([13]), já quanto à usucapião (cfr. art.ºs 1287.º e 1299.º, ambos do CCiv.), enquanto modo de aquisição originária do direito de propriedade [cfr. art.ºs 1316.º e 1317.º, al.ª c), também do CCiv.] sobre bens imóveis ou móveis (sujeitos ou não a registo), dir-se-á que este instituto postula, no âmbito dos seus elementos integrantes, uma posse (art.º 1251.º do mesmo Cód.), a qual se traduz num “corpus” – consubstanciado na prática de atos materiais correspondentes ao exercício do direito –, tal como num “animus” – intenção e convencimento do exercício de um poder sobre a coisa correspondente ao próprio direito e na sua própria esfera jurídica –, posse essa que deve ser exercida por um certo lapso de tempo e que deve revestir as caraterísticas da pacificidade, publicidade e continuidade (cfr. art.ºs 1293.º e segs. e 1298.º e segs. ainda do CCiv.).

A posse assume, pois, relevância jurídica fundamental, não só pelos mecanismos legais adotados para a sua defesa (cfr. art.ºs 1276.º e segs. do CCiv.), mas também – a mais de poder abrir as portas da usucapião, se verificados todos os respetivos requisitos legais – por nela poder fundar-se a presunção da titularidade do respetivo direito, já que, com alude o art.º 1268.º, n.º 1, do CCiv., o possuidor goza da presunção da titularidade do direito, a não ser que exista presunção, a favor de outrem, fundada em registo anterior ao início da posse.

Porém, in casu, o A. também não invocou, que se veja, qualquer presunção de titularidade do direito de propriedade a favor da herança, fosse por via da posse, fosse por via registal.

Em suma, não invocado modo/causa aquisitivo da propriedade a favor da herança (ou dos falecidos), afastado ficou, na ótica da sentença, o pretendido reconhecimento judicial do domínio (direito de propriedade alegado pelo A.), inexistindo nesse âmbito qualquer contradição, obscuridade ou ambiguidade da sentença.

Mas tal não impedia que se reconhecesse que a posse repousava nos autores da sucessão e que estes (enquanto possuidores) declararam doar (transmitindo a posse) a outrem determinada parcela de um prédio, previamente autonomizada ([14]).

Improcede, portanto, a imputada nulidade da sentença, antes se notando que a parte recorrente dissente do sentido decisório adotado, pois considera, ao contrário da decisão recorrida, que devia ter-se julgado de forma oposta, isto é, não deveria ter-se pronunciado aquela decisão de absolvição do pedido de reconhecimento do direito de propriedade da herança (tal como dos demais pedidos deduzidos).

Tal, porém, configura uma oposição da parte recorrente face ao dispositivo da sentença, o que, como bem se vê, contende já com o mérito da decisão, com a bondade dos fundamentos e do corolário decisório, de que cabe, por isso, impugnação de direito, aliás, também empreendida no recurso.

Mas tal oposição entre o posicionamento da parte recorrente e a sentença, quanto aos fundamentos jurídicos desta, não significa, obviamente, oposição entre fundamentos da sentença (vistos em si mesmos) ou entre fundamentos e o respetivo dispositivo.

Donde que a crítica da parte recorrente se situe já, essencialmente, no plano substantivo ([15]), onde foi encontrada a solução para o caso (âmbito do mérito), e não no plano das contradições ou incoerências formais da decisão, razão pela qual não poderia defender-se a invocada nulidade da sentença.

Tudo visto, nada há a censurar à decisão recorrida em sede de nulidades da sentença.

B) Da impugnação da decisão de facto

A parte apelante, no âmago da sua alegação recursiva, vem manifestar inconformismo com a decisão relativa à matéria de facto, pretendendo que sejam sindicados pela Relação diversos pontos do quadro de facto julgado provado e do não provado, bem como o aditamento de outros factos, que considera provados e resultantes da instrução/discussão da causa, com as inerentes alterações.

Esperava-se, por isso, que essa parte, ao pretender impugnar a decisão da matéria de facto, esclarecesse/concretizasse, não só qual a factologia que, na sua ótica, o julgador julgou erradamente, como ainda quais as provas que, uma vez criticamente analisadas/valoradas, obrigavam a uma decisão diversa da adotada, no sentido de delimitar, de forma motivada, o âmbito probatório da impugnação de facto, sem deixar de sinalizar qual o sentido da decisão a ser proferido pelo Tribunal de recurso (cfr. art.º 640.º, n.º 1, do NCPCiv.).

Ora, tendo a parte recorrente observado suficientemente esses ónus a seu cargo, cumpre apreciar a sua impugnação no plano fáctico, a qual se mostra delimitada nas suas conclusões de recurso, sabido, porém, que, por um lado, a Relação deve formar a sua própria convicção relativamente aos factos objeto de impugnação, tendo em conta as provas convocadas, mas, também, por outro lado, que só à 1.ª instância assiste a total imediação perante as provas oralmente produzidas, estando, pois, a Relação em posição de algum desfavor, em termos de imediação, perante essas provas.

Ademais, e também por isso, é sabido que a Relação (apenas) deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto impugnada, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662.º, n.º 1, do NCPCiv.).

Vejamos, então.

1. - Quanto a factualidade considerada provada

Do impugnado ponto 4, dado como provado, consta:

«4. M... e C... eram possuidores de um prédio rústico, em parte do qual foi por eles construída uma fração autónoma composta por primeiro andar, para habitação, com uma divisão no rés-do-chão, sita na Rua ..., que se encontrava omissa na Conservatória e hoje tem descrição na CRP de ... sob o nº ... – B.».

Pretende a parte impugnante (cfr. conclusões recursivas 25.ª e segs.) que, diversamente, se dê como provado o seguinte conteúdo (mediante modificação daquele ponto 4 e aditamento de novos pontos, com os n.ºs 4A e 4B):

«4. Os falecidos M... e C... adquiriram um prédio rústico que veio a ser fraccionado em 3 partes.

4A Enquanto donos e possuidores desse prédio, construíram em parte deste uma fração autónoma composta por primeiro andar, para habitação, com uma divisão no rés-do-chão, sita na Rua ... (inscrita na matriz sob o artº ...-B/..., à data do 1º falecimento, .../UF ... à data do 2º falecimento), que se encontrava omissa na Conservatória e hoje tem descrição na CRP de ... sob o nº ... – B.

4B Outra dessa[s] partes veio a ser edificada pela L...».

Para tanto, argumenta que ocorreu acordo sobre os pertinentes factos em sede de articulados, por os RR. não terem impugnado o “invocado no artº 14º da p.i., daí o acordo das partes” (conclusões 27.ª e 28.ª).

E é certo que, sob o art.º 15.º da contestação, os RR. declararam ser verdadeiro o facto alegado no art.º 14.º da petição inicial, “apenas no que respeita à aquisição de um prédio rústico que veio a ser fraccionado em 3 partes”.

O invocado art.º 574.º do NCPCiv., no seu n.º 2, reporta-se a factos, prescrevendo que se consideram admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo, designadamente, se não for admissível confissão sobre eles ou só puderem ser provados por documento escrito.

Assim, tudo radica na questão da “propriedade dos de cujus sobre a parcela onde foi construída a edificação, à data da edificação, e como aliás já antes sucedia sobre o terreno fraccionado em 3 parcelas”.

Ora, a “aquisição” e “propriedade” de um imóvel, em ação onde se discute o domínio, não constitui matéria de facto (questão de facto, a ser objeto da prova), mas clara matéria de direito (questão de direito, a dirimir perante os factos de antemão estabelecidos como provados ou não provados).

É sabido que na parte fáctica da sentença não podem ter lugar juízos valorativos ou conclusivos contendentes com o desfecho da ação, só na fundamentação de direito se podendo extrair as conclusões jurídicas.

Assim, não se tratando de matéria fáctica, mas de direito, e não estando o Tribunal vinculado à apreciação jurídica (concordante ou discordante) das partes (o juiz é livre na qualificação jurídica, implicando a interpretação e aplicação do direito, como logo resulta do disposto no art.º 5.º, n.º 3, do NCPCiv.), não faz sentido, salvo o devido respeito, invocar o acordo das partes quanto a tais conteúdos, para os estabelecer como factos relevantes da causa (reitera-se que o convocado art.º 574.º de tal Cód. reporta-se, apenas, obviamente, a “factos”), tal como não fará sentido pretender inserir conteúdos valorativos/conclusivos, de feição jurídica, no quadro de factos provados ou não provados (cfr. art.º 607.º, n.ºs 3 a 5, do mesmo Cód.).

Por isso, não será de alterar nesta parte a matéria de facto impugnada.

E, consequentemente, também não será de acolher a pretensão conexa de eliminação, “por inúteis à boa decisão da causa, [d]os factos não provados a) e b), por estar provado o contrário, bem como todos os demais que com aqueles contendam” (conclusão 30.ª) ([16]).

Já do ponto 5 dos factos dados como provados consta:

«5. Na outra parte do prédio rústico, L... construiu, em vida de M... e C... e com o acordo destes, um prédio de rés-do-chão.».

Pretende-se na impugnação recursiva que o segmento “com o acordo destes” não significa/evidencia qualquer “intuito de transferência da propriedade do terreno”, nem “constitui uma posse apta a gerar a aquisição por usucapião” (conclusão 35.ª), o que integra matéria, como bem se vê, de interpretação e não matéria de prova.

E insiste a parte impugnante que não houve “qualquer transmissão de propriedade a favor da L...” (conclusões 38.ª e 39.ª), o que continua a consubstanciar matéria de direito, sem dimensão fáctica, para logo sublinhar que não pode dar-se como provada “a doação do terreno à mãe do Réu marido ou sequer posse boa para usucapião” (conclusão 44.ª), tudo para concluir pela alteração dos pontos 6 e 8, a deverem assumir agora a seguinte redação:

«6. Mais precisamente, por volta do ano de 1984, a mãe do primeiro réu, L..., que se encontrava emigrada em França, decidiu construir uma casa de habitação, tendo, para o efeito, M... e mulher C... autorizado essa sua filha e enteada a construir numa parcela do primitivo prédio, que dele tinham autonomizado.

(…)

8 - Desde então, foi L... quem passou a utilizar, como sua habitação própria e de sua família, e a cuidar da casa de habitação e da sua manutenção, sem interrupção no tempo, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém.».

O intuito da impugnação, nesta vertente, é, então, o de supressão dos segmentos “dado a essa sua filha e enteada uma parcela” (ponto 6) e “na convicção de agir como sua dona exclusiva e de não prejudicar direitos ou interesses de terceiros” (ponto 8). No escopo, assim, de afastar tudo o que exceda a mera “autorização” para construção, isto é, excluir qualquer intenção de “transferência da propriedade”.

O Tribunal a quo ponderou aturadamente esta problemática, afirmando, como já explicitado, que «ficou-se com a convicção segura de que os pais do autor não se limitaram a autorizar a construção da casa alvo do pedido em terreno seu, mas também abriram mão dessa parcela de terreno (deram-na à filha e enteada L...), para que a passasse a usar como sua».

Baseou-se no depoimento da “testemunha L...” (com “conhecimento pessoal e direto”) e na “confissão expressa pela interveniente M..., no seu articulado de 16.03.2019”, tudo ponderado à luz das ditas “regras da experiência comum”, a mostrarem “que, ao tempo dos factos, nesta zona de País e em meio rural, era habitual os pais darem (a maioria das vezes, sem cuidarem de formalizar o ato jurídico) parcelas de terreno aos filhos, para aí construírem as suas casas”, ao que acresce “que nenhuma testemunha, de forma segura, credível e com conhecimento direto abalou, nessa parte, o depoimento da testemunha L...».

Cabia, logicamente, à parte impugnante mostrar que esta leitura da prova é errada, de molde a impor-se uma decisão diversa.

Para tanto, reporta-se essa parte (conclusão 39.ª), desde logo, ao «documento emitido pelo pai do A. e avô do R. marido posteriormente à “doação” excepcionada pelos Réus (doc nº 4 da cont)».

Ora, esse documento, constante de fls. 62 v.º do processo físico, com assinatura correspondente ao nome “M...”, contém declaração deste, datada de 02/08/1985, referindo que a “sua filha L...” está a “levar a cabo a construção de uma casa (…) em terreno do ora declarante”, devendo tal casa passar “a figurar em nome dela, pois é a única e exclusiva dona e proprietária” ([17]).

Perante este texto declarativo, concorda-se – diga-se desde já – com a análise empreendida na sentença recorrida. A alusão a “terreno do ora declarante” visa apenas, na nossa perceção, identificar o imóvel onde ocorria a construção da casa de habitação, esclarecendo que se tratava de propriedade do declarante, mas que “a obra (…) pertence inteiramente à sua filha que a tem custeado totalmente” (como também se pode ler no documento).

Assim, concorda-se que a intenção de “pai” e “filha” (quanto ao acordo que fizeram) não era, naturalmente, a de construção por esta da sua casa em terreno alheio, empregando o seu capital numa construção, para sua habitação, em prédio que não fosse (ou não viesse a ser) seu (de sua pertença). Ao invés, o que se considera subjacente a uma tal concessão por esse “pai” à “filha” era a transmissão do domínio sobre o prédio/terreno onde era autorizada a construção, posto a filha se encontrar ausente em França, onde estava emigrada, o que dificultava a expedita realização dos trâmites burocráticos respetivos.

Não se vê, pois, em tal declaração uma corporizada intenção do “pai” de guardar para si a propriedade do terreno onde autorizava a filha a construir a sua casa, onde futuramente, quando regressasse de França, aquela haveria de ter o seu lar, termos em que se concorda, nesta perspetiva, com o expendido na justificação da convicção do Tribunal recorrido, afastando a perspetiva de meras “benfeitorias” em terreno alheio.

Por outro lado, na conclusão 42.ª invoca também a parte recorrente diversa prova testemunhal, sem exata indicação, nessa sede, das passagens da gravação em que se funda [cfr. ónus imposto pelo art.º 640.º, n.º 2, al.ª a), do NCPCiv.], mas referindo, ainda assim, ter apresentado transcrição dos excertos relevantes na antecedente alegação, donde que a estes se possa atender, sem que a contraparte tenha posto em causa o teor da transcrição, apenas aduzindo que se trata de “testemunhas de ouvir dizer, sem conhecimento directo dos factos, altamente comprometidas com a versão do recorrente”, razão pela qual “não mereceram muito crédito (…) para a sorte da prova produzida” (cfr. art.ºs 40.º e 41.º da contra-alegação).

Ora, começando pela testemunha L..., foi oferecida a seguinte transcrição da gravação áudio:

«5:21 – Pergunta: A Sra. construiu… quando, quando resolveu construir a casa, o que é que o seu pai lhe disse? Relativamente aos, ao terreno?

5:31 – Resposta: Portanto… disse-me “olha, tá aqui este terreno… fazes aí a tua casa…”

8:56 – Pergunta: Porque é que a Sra. diz que foi doado, que lhe foi dado?

9:00 – Resposta: Porque na altura, na altura… portanto eles, ele foi assim por boca, disse-me “olha fazes aqui o teu… a tua casinha” e… e… e pronto! Foi…

18:07 – Resposta: Portanto… sim… eles disseram “o terreno tá aqui, faz-se a casa” e depois o resto ficou, ficou assim pra… portanto pra jardim.».

Daqui retira a parte recorrente a convicção de que apenas se tratou de “mera autorização para construção” e nunca intenção de “doação”.

Porém, é outra a substância que a 1.ª instância retira da economia do depoimento, aludindo à testemunha como elemento de prova de elevada relevância, expondo assim na justificação da convicção:

«L...

Conforme decorria já dos autos, é a mãe do aqui réu e pessoa diretamente envolvida nos factos controvertidos, pelo que revelou ser a testemunha que melhor conhecimento direito tem daqueles factos.

Confirmou a versão que os réus trouxeram ao processo, tendo esclarecido o contexto em que (na sua versão) seu pai e madrasta lhe doaram uma parcela de terreno para construir a sua casa e afirmou ter sido ela quem suportou todo o custo dessa construção – enviando dinheiro para seu pai, em Portugal, pois estava emigrada – e chamou à colação o facto de, então, estar em processo de divórcio para justificar a existência de documentação em nome de seu pai.

Mais referiu ter construído a casa em parte do terreno doado e ter deixado uma área envolvente para jardim, a qual, como ela estava ausente no estrangeiro, era usada – com o seu acordo – pelo pai e pela madrasta, para cultivo de horta.

Acrescentou que, quando o seu único filho, aqui réu, veio residir para Portugal, passou a utilizar a casa, tendo, posteriormente, decidido doar-lha.

Prestou o seu depoimento de forma serena, coerente e que se valorou como sendo bastante credível.».

Donde que haja de proceder-se à audição do depoimento gravado, como forma de superar esta dissonância de leituras da prova.

Ouvida, pois, a gravação áudio respetiva, constata-se que a testemunha efetivamente afirmou que:

- o seu pai deu-lhe um terreno para a testemunha poder fazer a sua casa (ao lado da casa daquele);

- ele disse-lhe: «olha, está aqui este terreno, fazes aí a tua casa»;

- o seu pai construiu a casa (ele fazia tudo, encomendando materiais e contratando trabalhadores/técnicos), tendo sido a depoente quem pagou os respetivos custos, mediante o envio de dinheiro a partir de França, onde então trabalhava;

- assim, o terreno foi-lhe dado (doado) «por boca» (“fazes aqui a tua casinha”);

- ficou em nome do seu pai por razões que se prendem com o facto de então a testemunha “estar em divórcio”;

- uma parte do terreno foi para a construção e outra para jardim, sendo que o seu pai «ficava a tomar conta», tendo, inclusivamente, plantado árvores, por a testemunha estar ausente em França e não o poder fazer.

Concordando-se que esta testemunha depôs de forma clara e segura, com conhecimento direto dos factos e objetividade, mostrando-se, por isso, convincente – como também avaliado pelo Tribunal recorrido –, do seu depoimento não pode, salvo o devido respeito, retirar-se a convicção de que apenas se tratou de uma mera “autorização para construção”, antes resultando que o relato apresentado aponta no sentido de o terreno lhe ter sido “dado” por seu pai, «de boca», para construção da sua casa de habitação, do que o seu próprio pai se encarregou, embora os custos tenham sido suportados pela testemunha, que sempre considerou, a partir de então, que o terreno era seu, tendo ficado convencida disso.

Passando à testemunha ... ([18]), foi oferecida a seguinte transcrição da gravação áudio:

«6:52 – Pergunta: Olhe e a casa foi construída porquê? Sabe?

6:55 – Resposta: Foi porque a L... a… o pai disse-lhe assim, “olha”. Ela estava numa casa de renda e depois, aconteceu… acho que o divórcio dela, o divórcio ou o marido deixou-a e o pai disse, “olha vou-te dar aqui, deixar-te fazer aqui a casa neste bocadinho de terra.” Depois… foi, foi-se…

7:22 – Pergunta: Portanto, aquilo que sabia na altura e aquilo que… Vocês falavam disto nas reuniões de família? Falavam disto…

7:30 – Resposta: Falávamos pois. Falávamos. Ainda emprestei os meus papéis, que eu tive na França, ainda emprestei os meus papéis à L... para ela mandar dinheiro pós materiais, isso tudo, páquela casa. Portanto…

7:44 – Pergunta: Ninguém tinha dúvidas que as paredes foram feitas com dinheiro da…

7:48 – Resposta: Foi…

7:49 – Pergunta: … L...

7:50 – Resposta: … Da L...

7:51 – Pergunta: E que o terreno era de quem?

7:52 – Resposta: Do Sr. M...

(…)

16:04 – Pergunta: Sr. ..., o Sr. não tem dúvida nenhuma que o M... não deu aquele chão…

16:11 – Resposta: Ah não!

16:12 – Pergunta: À filha.

16:12 – Resposta: Não deu nada!

16:13 – Pergunta: Isso era tema de conversa nas reuniões de família? Vocês sabiam disso, sabiam que tinha que haver…

16:18 – Resposta: Exatamente! Exatamente! E não, a ela só lhe deu autorização para ela fazer a casa que ela não tinha mais… coisa nenhuma.

16:36 – Pergunta: Olhe, então vamos aqui esclarecer algumas coisas que o Sr. já disse... O Sr. disse ao meu colega que a casa da L... foi construída porque a L... e o pai, o pai da L... disse que deixou ela fazer a casa naquele bocadinho de terra.

(…)

20:13 – Pergunta: Certo, certo. Mas era, a casa era da L... Aqui não há dúvida!

20:18 – Resposta: Não! Não há dúvida de que a casa era da L... Só o terreno é que não!

20:21 – Pergunta: Então e porque é que o Sr. diz que o terreno não é dela, diga lá, tem que explicar lá bem isso.

20:24 – Resposta: Porque o Sr. A... pai, disse-lhe “deixo-te fazer a casa no terreno”.

20:29 – Pergunta: Mas o Sr. ouviu isso?

20:31 – Resposta: Como?

20:32 – O Sr. ouviu isso ou foi alguém que lhe disse?

20:33 – Resposta: Não, foi o Sr. M... que me disse. Sim Sr.

20:36 – Pergunta – Sim Sr. Pronto.

20:40 – Resposta: O homem quase até gostava mais de mim que a filha pá, para lhe dizer… falávamos assim da…».

Referiu de permeio, sob interrogação a propósito de um muro existente no local, que «só tinha-lhe dado o sítio para fazer a casa» (08:13 a 08:16), sendo que, a nosso ver, «dar o sítio» ou, apontando no mesmo sentido, a afirmação de que “olha vou-te dar aqui”, melhor se compagina com a tese – acolhida na sentença – de que se pretendeu «dar o terreno» (o espaço físico/predial), do que com a posição contrária – defendida pela parte recorrente – no sentido de apenas se tratar de «autorizar a construção», de «deixar fazer a casa em bocadinho de terra», mas reservando quem autoriza para si (pai) a propriedade desse terreno, com a consequência de a construção (pela filha) ser efetuada em terreno alheio.

Quanto à testemunha ..., foi oferecida a seguinte transcrição da gravação áudio:

«2:51 – Resposta: Uma casa de duas águas, uma casa simples.

2:53 – Pergunta: Não sabe se na altura lhe deu o terreno, se só deixou contruir… sabe alguma coisa acerca disso?

2:59 – Resposta: Daquilo que julgo saber, se deu o terreno, autorizou que fosse construída a casa ali, foi ele mesmo que a construiu.

3:07 – Pergunta: O que julga saber foi de conversas que o Sr. M..., já foi de conversas…

3:11 – Resposta: Na altura, na altura aquilo era tudo propriedade do Sr. A..., do Ti A..., que era assim que era designado.».

Assim, esta testemunha não é clara sobre o acordado, concretamente, entre a aludida L... e o seu pai, apenas julgando saber que foi autorizado que fosse construída a casa ali, tendo sido o próprio pai quem a construiu.

Por isso, concorda-se, em apreciação probatória, que esta testemunha não foi suficientemente esclarecedora e convincente – para o que lhe faltou riqueza de pormenores, conhecimento direto da factualidade referente ao concretamente acordado e afirmação perentória do teor do negócio, ao qual não assistiu –, razão pela qual se lhe não pode atribuir a força probatória pretendida pela parte impugnante.

Já relativamente à testemunha ..., foi oferecida apenas a seguinte transcrição da gravação áudio:

«3:36 – Pergunta: E não sabe se ele deu à filha, se deixou só construir…

3:39 – Resposta: Ele, acho que foi concedido autorização para a filha fazer lá a casa, pela parte do Sr. M...

3:45 – Pergunta: Chegou a falar isso com o Sr. M…?

3:48 – Resposta: Sim, algumas vezes quando a gente se encontrava, portanto… como eu também tinha construído lá a casa e o meu sogro tinha uma certa ligação com ele, foi através dele que eu…».

Ora, assim sendo, esta testemunha apenas disse achar que foi concedida autorização (pelo pai) para a filha fazer lá a casa, pelo que também não soube explicar o acordado, concretamente, entre a aludida L... e o seu pai, posto não ter assistido ao que foi negociado entre ambos (pai e filha), do que, por isso, não mostrou um conhecimento pessoal e direto.

Concorda-se, assim, também aqui, em apreciação probatória, que esta testemunha não foi suficientemente esclarecedora e convincente – para o que lhe faltou riqueza de pormenores, conhecimento direto da factualidade referente ao concretamente acordado e afirmação perentória do teor do negócio, ao qual não assistiu –, razão pela qual se lhe não pode atribuir a força probatória pretendida.

Quanto à invocada matéria de confissão – alude-se na sentença, como visto, à confissão de uma das interessadas na herança, a interveniente M... –, refere, ex adverso, o impugnante (conclusão 46.ª) que a respetiva parte contrária (em relação à pretensa confitente) são os AA. e não os RR., devendo, consequentemente, essa interveniente ser tratada no processo como R., com a conclusão de que não pode haver confissão que favoreça os RR., por não serem a sua contraparte.

Porém, cabe dizer, neste âmbito, que importa a posição processual em que intervém cada sujeito processual: se no lado ativo ou no lado passivo da instância. Assim, a posição substantiva que venha a adotar na lide (colocando-se ao lado dos interesses de uma ou outra das partes primitivas) não faz alterar o estatuto processual (do interveniente), a posição processual ocupada, sendo perante esta que deve aferir-se se houve, ou não, confissão de factos (esta reporta-se, obviamente, a factos desfavoráveis ao confitente, tendo em conta a sua veste processual, pelo lado ativo ou passivo da lide, e os inerentes interesses típicos de tal veste).

No caso, trata-se de admitida intervenção principal provocada (requerida pelo A.), “como partes ativas”, com vista a assegurar a legitimidade, estando-se «perante situação de litisconsórcio necessário» ativo (cfr. decisão incidental datada de 09/01/2019, a fls. 101 e seg. do processo físico, que, não tendo sido impugnada, transitou em julgado, fazendo caso julgado formal nos autos).

Assim, não pode, logo por isso, sustentar-se, como sustenta a parte impugnante, que essa interveniente (M...) deva ser tratada no processo como R., visto a sua intervenção provocada ter sido admitida no lado ativo da instância, em situação de litisconsórcio necessário ativo.

Aliás, foi o próprio A. quem, no final da sua petição inicial, veio requerer a intervenção provocada, para assumirem a posição de Autor, de M... e M..., como expressamente resulta de fls. 8 e v.º do processo físico.

Por isso, têm de improceder os argumentos da parte recorrente em contrário.

Mas esta esgrime ainda (conclusão 47.ª) que o articulado de adesão à contestação não contém qualquer facto desfavorável à interveniente, por lhe ser indiferente o acervo hereditário que “vendeu” ou permitiu aos RR. que dele dispusessem de forma irrestrita com outorga de procuração, sendo ainda que nenhuma das partes aceitou expressa, clara e inequivocamente tal confissão feita em articulado.

Ora, como resulta do articulado de fls. 106 e seg. do processo físico, a aludida M... expressou, para além do mais, que «Confirma em absoluto o alegado pelos RR. (…) em particular o alegado nos artigos 20.º a 60.º» da respetiva contestação.

E é sabido que o chamado a intervir, uma vez citado, pode oferecer o seu articulado ou declarar que faz seus os articulados do autor ou do réu, seguindo-se entre as partes os demais articulados admissíveis (art.º 319.º, n.º 3, do NCPCiv.), sendo ainda que a sentença que venha a ser proferida sobre o mérito da causa aprecia a relação jurídica de que seja titular aquele chamado e constitui caso julgado quanto ao mesmo (art.º 320.º do mesmo Cód.).

Assim sendo, afigura-se-nos, salvo o devido respeito, não estar vedado ao Tribunal valorar, no âmbito probatório, aquele sentido de algum modo “confessório” – de admissão de factos alegados em determinado articulado, atenta a posição processual da declarante no lado ativo da instância –, se não em termos de se considerar estar consubstanciada força probatória plena contra a “confitente” (cfr. art.º 358.º, n.º 1, do CCiv.), ao menos – isso sim – em moldes de admissão de factos alegados pelos RR., isto é, o reconhecimento que o sujeito processual faz da realidade de factos invocados pela parte que se encontra do lado oposto da lide, a poder (e dever) ser valorado livremente, enquanto declarações desse sujeito/parte no processo, pelo Tribunal, para formação da sua convicção sobre as provas admissíveis em direito.

Nada, pois, a censurar, nesta perspetiva, quanto ao aproveitamento probatório do assim declarado expressamente pela dita pessoa chamada a intervir, cujas declarações constituem meio de prova admissível em direito, a poderem ser livremente apreciadas pelo Tribunal no contexto do litígio entre A. e RR. – sem necessidade de aceitação expressa pelas demais partes do conteúdo declarado – e de molde a que a sentença faça caso julgado quanto a todos os sujeitos processuais implicados.

Donde, pois, que deva improceder esta parcela da impugnação da decisão da matéria de facto, não se mostrando que tenha o Tribunal recorrido incorrido em erro de julgamento ([19]).

Já quanto ao ponto 10 dos factos provados ([20]), conexionado com o ponto 23 ([21]), referentes à parte do logradouro, não ocupado pela construída moradia, enfatizou assim o Tribunal recorrido:

«4 –L...

(…)

Mais referiu ter construído a casa em parte do terreno doado e ter deixado uma área envolvente para jardim, a qual, como ela estava ausente no estrangeiro, era usada – com o seu acordo – pelo pai e pela madrasta, para cultivo de horta.

Acrescentou que, quando o seu único filho, aqui réu, veio residir para Portugal, passou a utilizar a casa, tendo, posteriormente, decidido doar-lha.

(…)

6 – ...

Disse ter uma relação de amizade com os réus, desde há cerca de 20 anos, sendo usual visitar a casa em discussão nos autos.

Referiu-se ao uso que viu ser dado, pelos réus, a parte do espaço envolvente da casa – nomeadamente, aquele que era ocupado por um cão –, assim como as muros e vedação que conheceu no local e àqueles que lá existem atualmente; revelou pouco saber acerca de quem e em que moldes cultivava uma parte do terreno.

O seu depoimento foi valorado, conjuntamente, com os restantes depoimentos, sempre de forma conjunta e crítica.

(…)» (itálico aditado).

A parte impugnante insiste em apenas ter sido autorizada a construção, sem abrir mão do respetivo terreno, portanto, incidindo a autorização apenas sobre o estrito terreno ocupado pela construção/casa (área de implantação). Daí que, invocando diversos depoimentos testemunhais, continue essa parte a asseverar que nada foi transmitido, autorizado e usado quanto ao terreno excedente às paredes exteriores da casa construída.

Ora, esta posição sobre os factos ficou, desde logo, posta em causa e, como tal, prejudicada e afastada ante o juízo probatório subjacente ao ponto 6 dos factos provados, já objeto de escrutínio, pelo que a convicção formada – e que, como visto, se sustenta, por não demonstrado erro de julgamento de facto – é no sentido de ter sido “dada (assim declarado verbalmente, com entrega respetiva) uma parcela do prédio primitivo, dele previamente autonomizada.

Donde, por isso, a convicção formada, também, no sentido de nesse âmbito territorial autonomizado (incluindo área de implantação da casa e logradouro respetivo) ter ocorrido o que consta do ponto 10.

Em suma, perante essa opção prévia em termos de juízo probatório, nada haverá a alterar, em coerência, e salvo sempre o devido respeito, à convicção assim formada, com as inerentes consequências, não obstante a prova testemunhal invocada na apelação, o que, mutatis mutandis, inclui também o dito ponto 23 e prejudica o aditamento dos pretendidos pontos 24 e 25, tal como enunciados sob a conclusão 58.ª do Apelante.

Relativamente aos pontos 11 e 12 dos factos dados como provados ([22]), vem exarado em termos de justificação da convicção:

«4 –L...

(…)

Acrescentou que, quando o seu único filho, aqui réu, veio residir para Portugal, passou a utilizar a casa, tendo, posteriormente, decidido doar-lha.

(…)

Mais se ficou com a convicção segura, após valoração conjunta de todo a prova produzida (mormente, da prova testemunhal), à luz das regras da experiência comum, que a referida L... e, posteriormente, o aqui réu, seu filho, sempre utilizaram a casa e se comportaram quanto a ela como seus únicos donos, nenhum meio de prova (nem mesmo as testemunha 1 a 3) tendo confirmado, minimamente, que tenham sido os falecidos pais do autor a comportar-se, quanto ao imóvel alvo do pedido, como seus donos e que a mãe do réu e, mais tarde, este e a ré apenas utilizassem a casa por os falecidos em tal haverem consentido (cf. Artigos 17º e 18º da petição inicial).

(…)

- Da ponderação conjunta e crítica de toda a prova testemunhal, valorada à luz das regras da experiência comum, extraiu-se a convicção da veracidade dos factos 12. e 14. (…).».

Refere o Apelante que a prova não é bastante para se dar como provada a doação, nem sequer uma verdadeira e operante intenção de doação, pelo que toda essa matéria fáctica deveria ser dada como não provada (conclusões 59.º a 61.º).

Que dizer?

Dir-se-á que é duma decisão de doar – e não mais – que se trata, por mãe a filho, e da decorrente habitação e uso sobre o imóvel pelo filho.

Ora, essa factualidade resulta, como diz o Tribunal recorrido, no essencial, do depoimento da mencionada L..., corroborado pela demais prova testemunhal indicada pelos RR. e que se pronunciou a respeito, maxime «... na qualidade de amigo do réu e visitante da casa, limitou-se a confirm[ar] o uso que este fazia da mesma (que fora a casa de sua mãe)» e «...», que «Disse ter uma relação de amizade com os réus, desde há cerca de 20 anos, sendo usual visitar a casa em discussão nos autos. // Referiu-se ao uso que viu ser dado, pelos réus, a parte do espaço envolvente da casa – nomeadamente, aquele que era ocupado por um cão –, assim como as muros e vedação que conheceu no local e àqueles que lá existem atualmente; revelou pouco saber acerca de quem e em que moldes cultivava uma parte do terreno».

Ouvida a gravação do depoimento da testemunha L..., constata-se que a mesma depôs – de forma coerente e convincente – no sentido de ter facultado ao seu filho (aqui R.), quando este veio para Portugal (para “a tropa”), a sua casa de habitação, que se encontrava desabitada, para aquele residir, sendo que posteriormente decidiu que lhe doaria esse bem, razão pela qual aquele veio, mais tarde, a fazer diversas obras edificativas.

Assim sendo, tendo o Tribunal a quo conferido credibilidade a esta prova, não vê esta Relação razões válidas para concluir que outras provas, com maior relevo, imponham decisão diversa, pelo que não pode ter-se por demonstrado o pretendido erro de julgamento de facto.

 2. - Quanto a factualidade considerada não provada

Na sua conclusão 20.ª pretende o Apelante, invocando “errada interpretação e aplicação do direito aos factos dados como provados”, que «o facto não provado d) seja dado como não escrito ou até como provado (tendo em conta o direito aplicável aos factos dados como provados), bem como a revogação da sentença».

Ao assim argumentar, está essa parte – salvo o devido respeito – a inverter as situações: um juízo quanto à prova de um facto (de modo a dá-lo como provado ou não provado) decorre da concreta prova produzida nos autos e não de conclusões sobre a matéria de direito (fundamentação jurídica da sentença, sendo que esta é necessariamente posterior ao estabelecimento do quadro factual da causa). Assim, o raciocínio do A./Recorrente parece ser viciado por este erro de perspetiva.

Donde que também não possa proceder esta vertente da impugnação, tal como não se acolheu, pelas razões já expostas, a impugnação direcionada para as al.ªs a) e b) do quadro julgado não provado.

3. - Quanto a factualidade a ser aditada

Resta mencionar que, como já anteriormente visto, ficou prejudicado o pretendido aditamento de novos pontos à factologia provada – reclamados pontos 24 e 25 ([23]) –, tal como enunciados sob a conclusão 58.ª do Apelante, termos em que também neste particular não colhe a pretensão recursiva.

C) Da Matéria de facto

1. - Inalterado pela Relação, como exposto, o juízo da 1.ª instância sobre a matéria de facto, é a seguinte a factualidade provada a considerar para a decisão:

...

2. - E resulta julgado não provado ([24]):

...

D) O Direito

1. - Da inexistência de intenção de doação, por haver mera autorização para construção

Confiante na procedência da sua impugnação da decisão de facto, o Apelante insiste, na via recursória, em matéria de direito, na inexistência de qualquer doação, ainda que meramente verbal, por apenas ter ocorrido uma autorização de construção (construção, assim, em prédio alheio).

Quer dizer, a aludida L... (mãe do R./Recorrido) teria construído a sua casa no terreno do seu pai, sem que este pretendesse transmitir para a filha a propriedade do espaço sujeito a edificação, apesar de ter autorizado a mesma filha a construir ali e para ela (a sua casa) e, assim, a ocupar em termos definitivos o espaço edificado, para nunca se tornar dona do solo, mas somente da construção (mera “benfeitoria”).

Dependia, pois, este segmento da impugnação de direito do acolhimento da impugnação da decisão referente à matéria de facto, o que o Recorrente não logrou conseguir, pois que se mantém, ainda agora, inalterado o quadro fáctico ilustrado na sentença recorrida. Situação que, logicamente, compromete tal segmento impugnatório de direito.

Assim, não poderá concluir-se, por falta de factos provados de suporte, no sentido de apenas ter ocorrido autorização de construção. Ao contrário, apurou-se que a intenção do proprietário do solo era a de o doar à filha mencionada, tratando-se da aludida parte autonomizada do primitivo prédio, a que se reporta o ponto 6 dos factos provados.

Em suma, o Recorrente apostou tudo, neste domínio da esfera recursiva, no triunfo da sua impugnação da decisão da matéria de facto, não tendo apresentado outros argumentos de molde a abalar a fundamentação de direito da sentença.

Donde que, nada havendo a censurar à argumentação/fundamentação jurídica do Tribunal a quo – aliás, clara e sucintamente exposta –, se imponha nesta parte, não demonstrada a invocada mera autorização para construção, a manutenção da decisão absolutória da 1.ª instância, improcedendo as conclusões em contrário do Apelante.

2. - Da não inversão do título de posse, impedindo a aquisição por usucapião

Fundado na dita mera autorização para construção, pretendia o Recorrente que a contraparte apenas beneficiava de uma simples detenção (art.º 1253.º do CCiv.), em nome de outrem, uma posse precária, nela não podendo, assim, fundar – por falta de uma verdadeira posse, em termos de direito de propriedade – o instituto da usucapião, o que afastaria a aquisição originária do direito dominial.

Com efeito – pugna o Apelante –, havendo uma posse precária, e não se ilustrando inversão do título da posse (cfr. art.º 1265.º do CCiv.), sempre faltaria uma posse verdadeira/efetiva (em nome próprio), a única que seria boa para usucapir.

Porém, é manifesto, ante a factualidade provada, que não se coloca a questão da inversão do título de posse, que tem de considerar-se prejudicada in casu.

É que, em vez se se apurar ter apenas ocorrido uma mera autorização para construção, ficou provado que os aludidos M... e mulher quiseram “dar” (doar) à mencionada L... a autonomizada parcela de terreno (facto 6).

Assim, ainda que a transmissão gratuita do bem haja sido meramente verbal e, como tal, inválida por vício de forma, a decorrente posse sobre o terreno, por essa via transmitida, é uma verdadeira posse – que passou a repousar na pessoa da dita L..., entrando, assim, na sua esfera jurídica – em termos de direito de propriedade, sendo que tal L... passou a agir e a comportar-se como tal (ela e, depois, a partir de 1994, o seu filho, aqui 1.º R., por autorização/concessão da mãe, que lhe transmitiu a posse).

Ultrapassada fica, portanto, a questão colocada da não inversão do título de posse.

3. - Da inoperância da presunção de propriedade derivada do registo predial

Provado que o discutido imóvel se encontra registado a favor dos RR. – tem inscrição de aquisição a seu favor (cfr. facto 18) –, pugna o A./Recorrente pela inoperância, no caso, da presunção de propriedade derivada do registo predial.

Porém, na sentença nada se mencionou, em matéria de direito e a este propósito, quanto à presunção de propriedade derivada do registo predial e sua operância em concreto.

Isto é, não se trata de matéria jurídica que houvesse sido apreciada na fundamentação de direito, termos em que não estamos perante questão tratada na sentença e que tenha influído no desfecho da ação.

Assim, se a questão não foi abordada na sentença – designadamente para reconhecer qualquer direito, ou afastá-lo, à luz da presunção derivada do registo –, também não cabe aqui conhecer dela, sendo certo que nenhum direito foi reconhecido, no dispositivo da decisão em crise, aos RR., antes se tendo concluído pela total improcedência da ação, para o que não foi convocada aquela presunção registal.

Nada, pois, a alterar nesta matéria, improcedendo as conclusões em contrário da parte recorrente.

4. - Da invalidade da partilha subsequente ao divórcio dos RR., não podendo o bem discutido ser considerado como um bem comum do casal

Resta a questão da invalidade da partilha, por divórcio, realizada entre os RR. (quanto a bens comuns do casal, onde foi incluído o imóvel em discussão nos autos, como consta do ponto 17 dos factos provados).

Ora, é patente que esta questão pressupunha que se houvesse reconhecido que se tratava de prédio alheio [pertença da(s) herança(s) indivisa(s)], desde logo por nunca ter sido transmitida a posse, nem jamais se ter pretendido transmitir a propriedade, ainda que por doação verbal, o que impediria, em qualquer caso, a operância da usucapião.

Todavia, já se verificou que esta argumentação não procede, tendo em conta o que resultou provado sob o ponto 6 do quadro fáctico apurado (de onde decorre uma intenção de doação, embora sem formalização por escrito, e consequente enquadramento transmissivo da posse, uma posse efetiva/verdadeira, como resulta dos pontos 7 e segs.), afastando a conclusão no sentido de se tratar de prédio de outrem, no caso da(s) herança(s) indivisa(s).

Cai, pois, por não demonstrado, o pressuposto de se tratar de partilha de imóvel alheio (de terceiro).

O que, como bem se pode ver, inviabiliza, nessa perspetiva, a conclusão no sentido da invalidade da realizada partilha para separação de meações.

Em derradeiro esforço, invoca a parte recorrente que nunca se poderia tratar de um bem comum do casal, por somente o 1.º R. (marido) poder ter adquirido o imóvel por usucapião, ficando aquele R., no limite, a ser proprietário exclusivo (bem próprio deste, em vez de bem comum).

A este propósito, apenas importa dizer que, tratando-se de inequívoca questão de direito, a mesma não vem analisada na sentença, em sede de fundamentação jurídica, posto ali apenas se ter aferido da pretendida invalidade da partilha para separação de meações por via de ter por objeto um bem alheio (alegadamente pertença de heranças), e não por se estar perante bem próprio de um dos cônjuges.

E compreende-se que a decisão em crise não tenha apreciado este específico fundamento de invalidade da partilha: é que o A. não o invocou, enquanto tal, na sua petição inicial, onde se referiu à construção efetuada pela mencionada L... como “benfeitorias feitas por terceiro em prédio da herança” (cfr. art.ºs 14.º a 16.º), jamais reconhecendo que o bem pertencesse àquela L... ou ao 1.º R., filho dela ([25]).

Donde, pois, a forçosa conclusão no sentido de o alegado sob as conclusões 15.ª a 18.ª se reconduzir a questão nova, só trazida aos autos, em derradeira tentativa perante a improcedência da ação, em sede de recurso.

E, realmente, é consabido que as questões a decidir no recurso não podem ser questões novas – exceto as de conhecimento oficioso –, mas apenas as já colocadas ao Tribunal recorrido e por este decididas. Na verdade, os recursos não servem para apreciar questões novas, não colocadas ao Tribunal recorrido, mas para reapreciar a decisão sobre questões/matérias por aquele julgadas ([26]).

Todavia, poderia dizer-se que se trata de matéria de conhecimento oficioso do Tribunal ad quem, por força do disposto no art.º 286.º do CCiv. (conhecimento oficioso das nulidades do negócio jurídico).

Deverá, ainda assim, notar-se que se trataria de uma nova/diversa causa de pedir tendente à procedência do pedido de nulidade da partilha, tal como enunciado na al.ª B) do petitório da ação, visto o invocado vício de nulidade substantiva por partilha de bem alheio – pertença de terceiro (no caso, as ditas heranças indivisas) – não poder confundir-se com o vício, necessariamente diferente, de partilha para separação de meações de um bem que não fizesse parte dos bens comuns, por ser propriedade exclusiva de um dos ex-cônjuges.

Nova causa de pedir essa que, por não invocada no tempo processual próprio, foi subtraída ao contraditório em 1.ª instância e, desse modo, ao julgamento do Tribunal recorrido.

Ora, é sabido que a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada – sempre a requerimento da parte (requerimento esse inexistente in casu) –, na falta de acordo, em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de dez dias a contar da aceitação (art.º 265.º, n.º 1, do NCPCiv.) ([27]).

Assim, por ilícita alteração (ou ampliação) da causa de pedir, não poderia conhecer-se agora – somente na fase de recurso – desse fundamento de nulidade da operada partilha para separação de meações.

Acresce, em qualquer caso, que os factos não são claros quanto à data de início da posse da 2.ª R. e decorrente decurso, ou não, do prazo de usucapião quanto a ela – desde o início da sua posse ([28]) –, visto poder retirar-se do factualismo provado que o 1.º R. passou a exercer a posse, por si próprio, a partir do ano de 1994 (pontos 11 e 12), enquanto a 2.ª R. passou a habitar o imóvel, conjuntamente com o 1.º R, apenas mais tarde, mas desde data não concretamente apurada (cfr. ponto 13), o que impede que se saiba quando se iniciou a posse por esta e se decorreu, quanto a si, ou não, o prazo da prescrição aquisitiva ([29]).

Donde que não possa, perante estas vicissitudes fácticas, levantar-se obstáculo relevante, salvo o devido respeito, à opção dos RR. de considerar que se tratava de bem comum (em vez de bem próprio de um deles), para efeitos de partilha subsequente ao seu divórcio, daí decorrendo não haver consubstanciado fundamento para se julgar no sentido da invalidade, por esse motivo, da celebrada partilha entre (ex-)cônjuges.

Em suma, improcede totalmente a apelação, devendo ser mantida a decisão recorrida.

          IV – Sumário (nos termos do art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - Perante documento escrito em que se declara que a sua filha está a “levar a cabo a construção de uma casa em terreno do ora declarante”, devendo tal casa passar “a figurar em nome dela, pois é a única e exclusiva dona e proprietária”, o apuramento sobre a real intenção do declarante – se apenas pretendeu autorizar a construção, conservando a propriedade do terreno, ou teve intenção de o doar – constitui, desde logo, matéria de facto, suscitando questão de averiguação de facto do domínio interior/psicológico, a esclarecer perante as provas, embora a merecer depois, já à luz do disposto nos art.ºs 217.º e 236.º e segs., todos do CCiv., adequada interpretação da declaração negocial.

2. - Admitida intervenção principal provocada (requerida pelo autor), “como parte ativa”, com vista a assegurar a legitimidade, em termos de litisconsórcio necessário ativo, de determinada pessoa, não pode esta, intervindo com dedução de articulado próprio, no qual confirma o alegado pelos réus na contestação – admitindo os factos por eles alegados –, ser tratada no processo como ré, atenta a sua intervenção pelo lado ativo da instância, devendo ser livremente apreciada a sua admissão de factos para efeitos probatórios.

3. - O reconhecimento, por via judicial, do direito de propriedade só pode assentar num dos modos de aquisição previstos no art.º 1316.º do CCiv., a ter de ser devidamente invocado e caraterizado pelo autor.

4. - Cabe, assim, ao demandante o ónus da alegação e prova dos factos tendentes a demonstrar o direito de propriedade que invoca sobre um imóvel, prova essa a ser efetuada através de factos que demonstrem a aquisição originária do domínio, por sua parte ou dos seus antecessores na posse.

5. - Quando, porém, a aquisição for derivada, terão de ser provadas as sucessivas aquisições dos antecessores até à aquisição originária, exceto nos casos em que ocorra presunção legal de propriedade, como a resultante da posse ou do registo definitivo de aquisição.

6. - A posse, adequada a fazer operar o instituto da usucapião, tem de traduzir-se num “corpus” – prática de atos materiais, sobre a coisa, correspondentes ao exercício do direito – e num “animus” – intenção e convencimento do exercício de um poder, sobre a coisa, correspondente ao próprio direito e na sua própria esfera jurídica –, devendo ser exercida por certo lapso temporal e revestir-se das caraterísticas da pacificidade, publicidade e continuidade.

V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação, na improcedência da apelação, em manter a sentença absolutória impugnada.

Custas da apelação pela parte recorrente.
Coimbra, 08/07/2021

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Vítor Amaral (relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro




([1]) Em 14/05/2018.
([2]) Deferida intervenção principal provocada, “como partes ativas”, como consta da decisão incidental datada de 09/01/2019, constante de fls. 101 e seg. do processo físico, conteúdo decisório esse que não foi objeto de impugnação.
([3]) Que se deixam transcritas, com destaques retirados.
([4]) Foi ainda entendido pela 1.ª instância não ocorrer nulidade da sentença.
([5]) Excetuando, logicamente, questões de conhecimento oficioso, não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([6]) Caso nenhuma das questões resulte prejudicada pela decisão de outras.
([7]) Cfr., por todos, o Ac. Rel. Lisboa, de 01/10/2013, Proc. 4638/08.0TCLRS.L1-7 (Rel. Maria do Rosário Morgado), em www.dgsi.pt. No mesmo sentido os Acs. do STJ, de 14/01/2010, Proc. 1885/04.7TBMTS.S1 (Cons. Alberto Sobrinho), da mesma data mas no Proc. 2299/05.7TBMGR.C1.S1 (Cons. Oliveira Vasconcelos) e de 25/03/2009, Proc. 09B0412 (Cons. Maria dos Prazeres Beleza), todos em www.dgsi.pt.
([8]) Assim já era entendido no distante Ac. TRL, de 09/02/1993, Proc. 0066831 (Rel. Joaquim Dias), em www.dgsi.pt.
([9]) Cfr. Ac. STJ, de 16/06/1983, BMJ, 328.º - 546, citado por Abílio Neto, em Código Civil Anot., 6.ª ed., Livraria Petrony, Lisboa, 1987, p. 771.
([10]) Da leitura conjugada dos articulados do A. (petição e “resposta às excepções deduzidas”, esta a fls. 89 v.º e segs. do processo físico), retira-se que este apenas aludiu à usucapião para afastar a aquisição do direito de propriedade pelos RR. (isto é, a usucapião enquanto modo de aquisição a favor destes últimos, no quadro do disposto no art.º 1316.º do CCiv.).
([11]) Sob o art.º 14.º da petição, quanto ao “direito de propriedade dos falecidos”, apenas se alude, sem mais, à “aquisição de um prédio rústico que veio a ser fraccionado”, sem, pois, qualquer caracterização fáctica (ou jurídica) da respetiva aquisição.
([12]) Se é certo que a usucapião, tal como definida no art.º 1287.º do CCiv., aproveita a todos os que podem adquirir (art.º 1289.º, n.º 1, do mesmo Cód.), também é manifesto que, para poder operar, tem de ser invocada (cfr. art.º 1288.º do dito Cód.). Assim, como referem Pires de Lima e Antunes Varela, é seguro “a usucapião, para ser eficaz, necessitar de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita” ou por um “seu representante”, assistindo ao possuidor somente “uma faculdade de adquirir”, sendo afastada, pois, “uma aquisição ipso jure” (cfr. Código Civil Anotado, vol. III, 2.ª ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 65).
([13]) Cfr., por todos, o Ac. STJ, de 07/02/2013, Proc. 1952/06.2TBVCD.P1.S1 (Cons. Serra Baptista), em www.dgsi.pt.
([14]) Questão totalmente diversa, obviamente, é a da (in)validade, por reporte a vício formal, de uma declaração verbal de doação como modo aquisitivo, por via negocial/contratual, do direito de propriedade.
([15]) Sem esquecer, desde logo, o quadro da impugnação da decisão da matéria de facto, âmbito em que também não ocorre qualquer contradição, ambiguidade ou obscuridade, restando apurar da pretendida existência de erro de julgamento de facto.
([16]) Dessas al.ªs a) e b) não provadas consta:
«a) - Que os falecidos pais do autor “tenham possuído a casa da L... ou, desde o momento em que foi iniciada a construção da casa, o terreno em que foi implantada”, por si e ante possuidores, durante mais de 20 e 30 anos,” detendo-os materialmente como coisas próprias, deles extraindo todas as suas utilidades, defendendo-o de intromissões alheias, pagando as respetivas contribuições e nele realizando obras de edificação conservação e transformação, o que sempre sucedeu à vista de toda a gente, sem interrupção, nem oposição de ninguém, com a consciência de não lesarem direitos alheios por exercerem os que lhe competiam.”
b) - Que tenham sido os identificados falecidos a consentir que L… usasse a casa e que consentiram que, não estando esta a ser usada pela L..., passasse a ser usada pelo filho desta e respetiva família e que tenham sido os herdeiros, após o falecimento dos pais do autor, que consentiram que ambos os réus continuassem a habitar o referido imóvel.».
([17]) Redação que logo nos remete para uma obra já em curso, com pressuposta anterior autorização/concessão pelo declarante.
([18]) Que se identificou como tendo sido casado com M... (divórcio em inícios dos anos 90 do século XX), com a qual não fala.
([19]) De notar, ainda, que o específico apuramento da vontade das partes, quanto à intenção que presidiu à celebração de determinado acordo/contrato – com reporte a factos do domínio interior/psicológico dos celebrantes (vontade/intenção de, por exemplo, apenas autorizar a construção de uma casa em terreno alheio, como mera concessão do uso, ou, ao invés, de transmissão da posse e propriedade sobre esse terreno) –, configura, desde logo, uma questão de facto, e não de direito, a dever ser objeto, por isso, de apuramento em concreto, perante as provas produzidas, sem prejuízo, obviamente, das normas – quanto ao seu campo de ação – previstas nos art.ºs 236.º e segs. do CCiv. (referentes à interpretação da declaração negocial, que pressupõem uma prévia determinação dessa declaração, nos termos em que exteriorizada).
([20]) Com o seguinte teor: «10. Na parte do logradouro, não ocupado pela moradia, cientes do referido em 6., por acordo entre L..., que continuava emigrada, e o seu pai e madrasta, estes continuaram aí a fazer culturas de várias espécies hortícolas e a cuidar das árvores aí existentes, assim como procediam à limpeza das ervas daninhas.».
([21]) Este assim redigido: «23. Desde o ano de 1984, foram sendo, primeiramente, a identificada L... e, posteriormente, o 1º réu, primeiramente por si e, mais tarde, conjuntamente com a 2ª ré, quem procedeu à construção da casa, às obras de beneficiação e ampliação, à sua manutenção e na parte descoberta, ao consentimento do seu uso por terceiros e, mais recentemente, à sua limpeza, à construção de jardim e muros, nos moldes acima melhor precisados, como em coisa própria, desconhecendo eventual lesão de direitos de outrem, sem intromissão ou oposição de alguém, sem qualquer interrupção e com o conhecimento das pessoas da zona.».
([22]) Com o seguinte teor: «11. O réu, que residia em França, regressou definitivamente a Portugal no decurso do ano de 1994, tendo L... decidido, então, doar a seu filho o imóvel acima aludido (a casa que construíra e respetivo logradouro). // 12. A partir desse ano, passou a ser o 1º réu a habitar o prédio e a agir como seu único proprietário, nos mesmos moldes que, até então, eram levados a cabo pela sua mãe.».
([23]) Com a seguinte redação proposta: «24. A parte desse terreno não ocupado pela moradia teve, até há 3 ou 4 anos atrás, uma divisão em rede que separava a casa do terreno. // 25. Recentemente o 1º réu, primeiramente por si e, mais tarde, conjuntamente com a 2ª ré procederam à limpeza, à construção de jardim e muros, nos moldes acima melhor precisados.».
([24]) Explicitou-se, na 1.ª instância, ter sido julgado que, “Com relevância direta para a decisão da causa, (…) não resultaram provados quaisquer outros factos integrados nos temas de prova”.
([25]) Veja-se até o alegado sob o art.º 62.º da petição: «A partilha do referido imóvel é nula, por se tratar de acto de disposição de bens alheios», sendo essa a nulidade invocada (cfr. art.º 66.º da mesma petição), o que foi retomado no art.º 5.º da resposta às exceções deduzidas.
([26]) Cfr., por todos, o Ac. STJ, de 06/07/2006, Proc. 06S1067 (Cons. Sousa Peixoto), e o Ac. Rel. Coimbra, de 08/11/2011, Proc. 39/10.8TBMDA.C1 (Rel. Henrique Antunes), ambos em www.dgsi.pt., sendo por demais pacífico que, salvo quanto a questões de conhecimento oficioso, os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais, e não meios de julgamento de questões novas.
([27]) Cfr., por todos, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1.º, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, ps. 527 e segs..
([28]) Falta de clareza essa, para o efeito agora pretendido, cuja ocorrência bem se compreende, por a questão não ter sido suscitada, com as inerentes consequências, no tempo processual próprio.
([29]) É certo que o casamento dos RR. ocorreu em 2012, mas a redação dada ao ponto 13 dos factos provados não afasta uma leitura no sentido de a 2.ª R. ter iniciado a coabitação com o 1.º R., no imóvel em causa, com composse, anteriormente ao casamento (em data não apurada).