Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
997/08.2TAACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: RECURSO RETIDO
ÓNUS
ESPECIFICAÇÃO
INTERESSE PROCESSUAL
Data do Acordão: 12/20/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 412º, N.º 5, DO C. PROC. PENAL
Sumário: O ónus de especificação da subsistência do interesse processual na apreciação dos recursos retidos, a que se reporta o art.º 412º, n.º 5, do C. Proc. Penal, impõe-se também ao recorrente intercalar que é recorrido no recurso principal, apesar da inexistência de um ónus de resposta à motivação apresentada pelo recorrente, assim como de um ónus de recorrer subordinadamente.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO

                   1. No Processo comum singular nº 997/08.2TAACB, do Tribunal Judicial de Alcobaça, após audiência de discussão e julgamento, o arguido A...,  com domicílio profissional na Rua … na Marinha Grande,
foi absolvido da autoria de um crime de um crime de coacção, p. e p. pelo art 154°, n° 1 do Cód. Penal, que o MP lhe imputou na acusação deduzida.
*
2. RECURSO DO MP
Inconformado com a decisão o MP interpôs recurso e formulou as seguintes conclusões:
1a — Vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público da Sentença que absolveu o arguido A... pela prática de 1 (um) crime de coacção, p. p. pelo artigo 154°, n° 1, do Código Penal.
2a — Foram incorrectamente julgados como provados:
“e) - Perante a reacção negativa de B..., o arguido disse-lhe que se não assinasse o documento indicado em c), não receberia o cheque com o valor do vencimento mensal e os respectivos proporcionais.
Apenas e tão-só o segmento do facto: "f) - “Para não perder o direito àquela quantia
3a — Foram incorrectamente julgados como não provados:
“4 - O arguido tenha agido com a intenção concretizada de constranger B... a assinar o documento indicado em c).
5- O arguido soubesse que a sua conduta não era permitida por lei. ”
4a — O documento de fls. 274 e 275, conjugado com os depoimentos das testemunhas B... e C... são válidos, deviam e devem ser tidos em conta, dado que as mesmas “depuseram de modo espontâneo, coerente e verosímil ”.
5a — Contrariamente às declarações do arguido, "que começou por negar ter proferido a expressão que consta da factualidade provada ... declarações que careceram da mesma espontaneidade ... demonstrou pensar de forma calculada nas afirmações que fez que em audiência de julgamento, demonstrando falta de precisão no relato dos factos, pouco consentânea com a intervenção que teve nos mesmos ”.
6a — Pelo que se impõe e requer, nos termos do disposto no artigo 412°, n° 3, als. a), b) e c) e 4, do Código de Processo Penal a renovação de tais meio de prova, nos termos acima transcritos.
7a -- Dessa renovação deverá resultar provado que:
“(...) e) - Perante a reacção negativa de B..., o arguido retirou, de forma não concretamente apurada, o cheque que havia entregue à ofendida B... nos termos mencionados em b) e disse-lhe que se não assinasse o documento indicado em c), não receberia o cheque com o valor do vencimento mensal e os respectivos proporcionais.
f) - “Para receber pelo menos aquela quantia, em vez da quantia de 2.415,42 € (dois mil, quatrocentos e quinze Euros), quantia que lhe era devida, B...assinou o Acordo indicado em c) do qual constavam declarações contrárias à sua vontade e susceptíveis de afectar os seus direitos salariais. ”
j) — O arguido agiu com a intenção concretizada de constranger B... a assinar o documento indicado em c), o que conseguiu;
k) — O arguido sabia que a sua conduta era proibida por lei. ”
8a — Isto porque “o dolo pertence à vida interior de cada um e é, portanto de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge, com maior representação, o preenchimento dos elementos integrantes da infracção. Pode, de facto, comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral da experiência ” - sombreado e sublinhado nossos.
9a — A conduta do arguido, Advogado de profissão, assumiu carácter doloso, na sua modalidade mais grave: — o dolo directo.
10a -- A conduta do arguido, praticada no exercício da sua profissão de advogado, foi claramente reprovável e manifestamente censurável;
11a -- O “mal importante”, elemento constitutivo do crime de coacção, p. e p. pelo artigo 154°, n° 1, do Código Penal, é “só a actividade susceptível de causar um mal importante, ou seja um mal que tenha um acentuado relevo, um mal que a comunidade repele e censura pelo dano relevante que causa ou pode causar ”,
12a — O critério para o juízo sobre a dependência, ou não, do mal é objectivo-individual, ou seja, o mesmo é feito segundo a perspectiva do homem comum, isto é, da pessoa adulta e normal, não podendo deixar de se ter em conta — como factor correctivo do critério objectivo do “homem médio ” — as características individuais da pessoa ameaçada.
13a — A questão do elemento do tipo objectivo da coacção “ameaça com mal importante” é uma questão prévia e autónoma da questão da “censurabilidade” ou não da coacção, só se colocando esta questão depois de se ter concluído pela existência de uma “ameaça com mal importante”.
14a — A cláusula da não censurabilidade pressupõe uma decisão positiva sobre a verificação da “ameaça com mal importante”.
15a — Juízo positivo esse que a Sentença tacitamente emitiu, concluindo a final, de forma errada, pela não censurabilidade da conduta do arguido.
16a — É “mal importante aquele mal” que, nas circunstâncias do caso concreto, é susceptível ou adequado a fazer “dobrar” avontade do ameaçado”. Mal importante é igual a mal adequado a constranger o ameaçado, e mal adequado é igual a mal que, tendo em conta as circunstâncias concretas (idade, pobreza, dependência económica do coagido face ao ameaçante, sensibilidade individual e social do ameaçado, etc.) do ameaçado, é visto pelo homem comum como susceptível de coagir o ameaçado.
17a -- O critério da importância do mal reconduz-se ao critério da sua adequação a constranger, e este, tal como aquele, é um critério objectivo-individual.
a) Objectivo, na medida em que se apela ao juízo do homem comum;
b) Individual, uma vez que se tem de ter em conta as circunstâncias concretas em que é proferida a ameaça, nomeadamente as sub-capacidades (económicas, mentais, etc.) e sobre-capacidades do ameaçado (quando conhecidas ou quando, se não conhecidas, o agente tinha o dever de as conhecer).
18a -- Ao actuar da forma referida na 7a conclusão e, ainda, ao pretender pagar menos de metade dos direitos da trabalhadora B... (1.146,45 € em vez dos devidos 2.415,42 €!) anunciou o arguido àquela um mal importante; um mal com grande relevo; um mal que a Comunidade claramente repele e censura pelo relevante e grave dano que causa e, causou àquela.
19a — Na medida em que o arguido provocou na trabalhadora B... “um estado de temor tal, que foi induzida a escolher, como saída menos gravosa, a realização de determinado comportamento querido pelo agente ”, ou seja a assinatura do “Acordo” indicado em
c) do qual constavam declarações contrárias à sua vontade e susceptíveis de afectar os seus direitos salariais”, depois de previamente “lhe ter retirado o cheque que lhe havia entregue nos termos descritos em b), de forma não concretamente apurada, e lhe ter dito “que se não assinasse o documento indicado em c), não o receberia com a quantia nele titulada (1.146,45 €) correspondente a menos de metade daquela a que tinha direito (2.415,42 €).
20a — Ao assim não ter decidido, violou a douta Sentença a quo o disposto nos artigos 14°, n° 1, 26° e 154°, n° 1, todos do Código Penal, 127°, 412°, n°s. 3, als. a), b) e c) e 4, este “a contrario sensu”, ambos do Código de Processo Penal.
21a - Perante tais fundamentos de facto e de direito, deverão Vas. Exas. substituir a Sentença por douto Acórdão que condene o arguido A... pela prática, em autoria material, de 1 (um) crime de coacção, p. e p. pelos artigos 14°, n° 1, 26° e 154°, n° 1, todos do Código Penal, de acordo com a gravidade e exigências cautelares de prevenção geral e especial que no caso se impõem.
Em caso de não provimento, subsidiariamente, sempre se dirá aue:
22a -- “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas nos termos da lei.
23a — Sendo “nula a sentença que não contiver as menções referidas no n° 2 e na alínea b) do n°3 do artigo 374o”, designadamente “quando não contenha indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. ”
24a — Após a elencação dos factos provados e não provados, tem o Tribunal de alinhar razões de facto e de direito que estão na base da convicção formada pelo tribunal de que aquela versão dos acontecimentos é a correcta, indicando os factos que a fundamentam e enunciando os motivos por que não atende a provas de sentido contrário.
25a — A fundamentação tecida na douta Sentença quanto aos factos não provados — “na ausência de produção de prova suficientemente convincente da sua realidade
a) Não indica/refere, elenca, qual foi a prova produzida que, mesmo produzida, não foi suficiente da sua realidade;
b) Não refere quais foram os concretos motivos que conduziram a que o Tribunal não tivesse atendido para que os factos julgados como não provados assim tivessem sido julgados, em vez de os julgar provados;
c) “Não permite o reexame do processo lógico e racional que lhe subjaz”;
d) Não “é uma fundamentação racionalizada”',
e) Não permite convencer e legitimar o poder jurisdicional;
f) Retira qualquer garantia de possibilidade de controlo democrático do exercício do poder judicial em face dos cidadãos e do próprio Estado de direito.
26a - Pelo que a mesma é clara e manifestamente nula, senão mesmo inexistente, por ter violado o disposto nos artigos 374°, n° 2 e 379°, n° 1, al. a), ambos do Código de Processo Penal, aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 2o e 205°, n ° 1, ambos da Constituição da República Portuguesa;
27a - E, por via dessa nulidade, deverá anular-se o Julgamento, ordenando-se o reenvio dos Autos para novo julgamento, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 426° e 426o- A, ambos do Código de Processo Penal.
Em caso de não provimento, subsidiariamente, sempre se dirá. ainda, que:
28a — Existe contradição insanável da fundamentação quando do texto da decisão, e só deste em conjugação com outros elementos de prova carreados para os Autos, resulta uma contradição chocante que não escapa ao observador comum, sendo que estamos em presença dessa contradição quando o julgador dá como provados certos factos e numa súbita e inesperada reviravolta dá como assentes certos factos contraditórios com aqueles, os quais obrigatoriamente se excluem, ou seja, se uns se passaram não podem ter ocorrido outros; poderá ainda existir contradição insanável entre factos provados e não provados e entre uns e outros e a fundamentação e, até entre esta mesma fundamentação;
29a — A douta Sentença a quo enferma das seguintes contradições:
a) Se arguido entregou à trabalhadora ... um cheque” (facto provado b) e lhe “disse que não receberia o cheque ” (facto provado e) é porque o arguido, depois de lho ter entregue nos termos referidos em b) lho retirou ! sendo os factos provados b) e e) contraditórios com o facto não provado em n° 3;
b) Se arguido disse à arguida que “se não assinasse ... não receberia o cheque” {factoprovado
e) ) e se do documento pela mesma assinado “constavam declarações contrárias à sua vontade e susceptíveis de afectar os seus direitos salariais ” (facto provado fj), tais factos são contraditórios com a fundamentação tecida quando expressamente se refere “não se descortina de que forma ocorre a lesão do bem jurídico” (fundamentação constante do ponto 1.6 acima transcrita);
c) Se se dá como provado que “o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente ” (facto
provado h), tal facto é contraditório com o facto não provado “o arguido tenha agido com intenção concretizada de constranger B... a assinar o documento assinado em c) ” (facto não provado 4));
d) O facto provadodocumento intitulado “Acordo de Cessação de Contrato de Trabalho”
- entre aspas (facto provado a)) — é contraditório com a fundamentação tecida relativamente ao conteúdo do Acordo de Cessação do Contrato de Trabalhosem aspas (fundamentação constante do ponto 1.7 acima transcrita) — isto porque o facto “Acordo de Cessação de Contrato de Trabalho”entre aspas (facto provado a) contém “declarações contrárias à vontade de B... e susceptíveis de afectar os seus direitos salariais(facto provado /))” enquanto que o conteúdo do Acordo de Cessação do Contrato de Trabalhosem aspas
(fundamentação constante do ponto 1.7 acima transcrita) — não contém, face a essa mesma fundamentação, declarações contrárias à vontade de B..., nem susceptíveis de afectar os seus direitos salariais, isto se, bem entendido, o mesmo tivesse sido outorgado de livre e espontânea vontade e o seu clausulado correspondesse à verdade, facto que não foi manifestamente o caso.
30a — Face ao mencionado em 29a, enferma/padece a douta Sentença a quo do vício da contradição insanável da fundamentação, nela se tendo violado o disposto nos artigos 127° e 410, n° 2, al. b), ambos do Código de Processo Penal.
31a — E, em consequência, por via do referido em 28a a 30a, deverá anular-se o julgamento e Sentença ora recorrida, ordenando-se o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 426° e 426°-A, ambos do Código de Processo Penal.
Em caso de não provimento, subsidiariamente, sempre se dirá. ainda. para finalizar.
32a — Se o Tribunal valorar a prova contra todos os ensinamentos da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados ou apesar de proibições legais, incorre em erro na apreciação da prova.
33a -- Sendo que o erro na apreciação da prova é aquele que se mostra ostensivo, de tal modo chocante que não passa desapercebido ao comum dos observadores, ou seja, aquele erro de que o cidadão médio dele facilmente se dá conta.
34a -- Só haverá erro na apreciação da prova, quando, entre outros:
“Houver erro na crítica dos factos.
- Se emitir juízo sobre a verificação ou não de certa matéria de facto e se torne inaceitável a existência de tal erro de julgamento sobre a prova produzida;
Se retirar de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável',
- Se valorizar prova contra regras da experiência comum ou critérios legalmente fixados;
- Se for um erro de raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da sentença. As provas revelam, claramente um sentido e a decisão ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria de facto ou excluindo dela, algum facto essencial
35a - Se:
Se dá como provado que o “arguido, na qualidade de advogado ... tendo entregue à trabalhadora um documento para esta assinar intitulado “Acordo de Cessação de Contrato de Trabalho”... e um cheque” {facto provado b));
Se dá como provado que o arguido disse a B... que “se não assinasse ... não receberia o cheque ” {facto provado b))
Se dá como provado que do documento entregue pelo arguido a B... “constavam declarações contrárias à sua vontade e susceptíveis de afectar os seus direitos salariais” e ela o assinou para poder receber, pelo menos, a quantia titulada no cheque {facto provado f);
Se dá como provado que “o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente” (facto provado h)
Se, na fundamentação tecida acerca da matéria de facto provada e, sobretudo, da matéria de facto não provada, se diz, relativamente à prova testemunhal (de B... e C...) e das declarações do arguido A...., respectivamente, que: - B...: — “explicitou de forma espontânea e coerente o que ocorreu”', C...: — “depôs de igual modo, de forma espontânea, coerente e verosímil, logrando formar a convicção do Tribunal quanto aos factos que relatou A....: — “que começou por negar ter proferido a expressão que consta da factualidade provada ... declarações que careceram da mesma espontaneidade ... demonstrou pensar de forma calculada nas afirmações que fez que em audiência de julgamento, demonstrando falta de precisão no relato dos factos, pouco consentânea com a intervenção que teve nos mesmos
A critica dos factos, o juízo sobre a verificação da matéria de facto aceitável, a conclusão logicamente aceitável, as regras da experiência comum, o sentido que as provas revelam, assim como a decisão logicamente possível,
Seriam as de que:
- O arguido, advogado, “tivesse agido com intenção concretizada de constranger B... a assinar o documento assinado em c), o que conseguiu
-  O arguido, Advogado, “sabia que a sua conduta era proibida por lei
- A fundamentação tecida na douta Sentença acerca da matéria de facto não provada - (“na ausência de produção de prova suficientemente convincente da sua realidade”) - teria precisamente de ser a oposta, ou seja, que os factos de que o arguido se encontrava acusado foram integralmente provados, em virtude de ter “produzido prova indubitavelmente convincente da sua realidade”
36a — Ao ter decidido de forma diversa, evidencia a Sentença a existência dos erros de apreciação da prova descritos em 35a, erros esses que são notórios e perceptíveis a um cidadão de média formação, nela se tendo violado o disposto nos artigos 127°, 365°, n° 3 e 410, n° 2, al. c), todos do Código de Processo Penal.
37a — E, em consequência, por via do referido em 32a a 36a, deverá anular-se o julgamento e Sentença ora recorrida, ordenando-se o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 426° e 426°-A, ambos do Código de Processo Penal.
Contudo, Vas. Exas. Decidirão Conforme for de LEI e JUSTIÇA.”
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3. RESPOSTA DO RECORRIDO
a) Na contra-motivação, o arguido responde ao recurso interposto e declarando manter interesse na apreciação, retoma os dois recursos interlocutórios que incidem sobre os despachos de fls 222 e de fls 306 a 308, e
I - Declara que mantém interesse nos recursos interlocutórios por si interpostos em 20-09-2010 e 08-11-20101 (artigo 412°, n.° 5 do CPP, com a devidas adaptações), os quais deverão ser apreciados previamente àquele;
II - Apresenta resposta ao recurso interposto pelo MP acautelando a hipótese dos por si interpostos improcederem, nos termos que se transcrevem:
“Primeira nota prévia
Em primeiro lugar, não pode deixar de lamentar-se que, na motivação, o M.P., com subtil destaque dado em nota de rodapé (vide nota 22, p. 13, e o comentário respectivo, fazendo uso de negrito e ponto de exclamação), para fundamentar a condenação do arguido, enalteça o seu requerimento de suspensão provisória do processo, contrariando, dessa forma, os princípios de diversão e consenso subjacentes a esse instituto e afastando-se dos princípios de legalidade e objectividade informadores do processo penal. - Posição que só se compreenderá num quadro de fragilidade argumentativa e de desprezo pelo princípio in dubio pro reo.
Segunda nota prévia
Em segundo lugar, o direito criminal não pode ser visto, nem utilizado, como um instrumento de tutela e salvaguarda de interesses manifestamente civilísticos, funcionando mais como um meio de defesa de interesses estritamente particulares/pessoais do que como garante último e excepcional daquele núcleo essencial de bens jurídicos dignos da sua especial protecção.
Como assinala Alberto Silva Franco, (in RPC, 1996, ano 6, fasc.2°, pp. 175 e segs.), se o mecanismo penal, com sua pesada máquina punitiva, fosse destinado a solucionar todos os atritos ou desvios de conduta, o convívio social seria sufocante, insuportável mesmo. Daí a necessidade de se fixar o carácter e os limites da intervenção penal. Só assim será possível legitimar a sua actuação. O controlo social penal deve estar predisposto, antes de tudo, à tutela dos bens de máxima importância para o indivíduo e para a comunidade. Por isso, afirma-se que o direito penal somente protege os bens jurídicos mais valiosos para a convivência, e o faz, além disso, exclusivamente em face dos ataques mais intoleráveis de que possam ser objecto (natureza fragmentária da intervenção penal) e quando não existam outros meios eficazes, de natureza não penal, para os salvaguardar (natureza subsidiária do direito penal).
No contexto da facticidade em análise, os pressupostos do recurso subvertem estes conceitos e princípios, colocando o direito criminal à disposição discricionária daqueles que, alegadamente descontentes com uma opção que tenham tomado num dado momento das suas vidas, pretendam, depois, corrigi-la, atribuindo aos factos uma dimensão jurídico-penal que não comportam em absoluto (por contraposição à natureza fragmentária e subsidiária, temos aqui - dizemos nós - o carácter oportunístico e instrumental do direito penal).
A ser susceptível de tutela, o problema sub judice deveria ser tratado no foro civilístico-laboral. Nunca nesta dimensão criminal (18°, n.° 2 da CRP).
Com efeito, o que os autos nos transmitem, desde logo, com meridiana clareza, e antes de entrarmos numa apreciação mais aprofundada.
A resposta a esta questão é simples:
Diversamente do que defende o M.P., a não cessação do acordo permitiria à trabalhadora receber em duplicado as mesmas parcelas pecuniárias, conforme de infere de fls. 274 e 275: aquando da assinatura daquela e, posteriormente, em sede de processo de insolvência.
Pegando, precisamente, nos valores inscritos a fls. 274 e 275, preconiza o M.P. constituir factor determinante da existência de um “mal importante” a circunstância da proposta negocial contemplar apenas o pagamento de € 1.146,45, em vez de € 2.415,42 (vide, neste sentido, 29a nota de rodapé, p. 15).
Com todo o respeito, esta visão traduz uma completa inversão dos princípios da necessidade, subsidiariedade e fragmentariedade do direito criminal, aos quais vimos aludindo, e uma total negação do regime jurídico da cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo (artigo 349° do Cód. Trabalho).
Na verdade, o M.P. parece ignorar as seguintes premissas que, com relevância, se retiram da prova documental e testemunhal produzida (inclusive a que sustenta o recurso na parte relativa à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de direito), e que descaracterizam a existência de qualquer conduta ilícita por parte do arguido:
a) Como já ficou dito, a não cessação do acordo de revogação do contrato por parte da trabalhadora, nos termos previstos no artigo 350° do Cód. Trabalho;
b) O carácter renunciável, no plano negocial, do direito à indemnização por antiguidade;
c) A circunstância de, nesse plano, as quantias que foram disponibilizadas à trabalhadora - ante a sua aceitação em cessar o contrato de trabalho por mútuo acordo - corresponderem exactamente aos seus direitos retributivos indisponíveis (aqueles em relação aos quais é a lei laboral que estabelece como presuntivamente pagos havendo contrapartidas pecuniárias - cfr. artigo 349°, n.° 5 do Cód. de Trabalho);
d) A circunstância da trabalhadora ter recebido, não só o cheque que lhe foi entregue aquando da outorga da cessação por mútuo acordo, como também os € 2.415,42 através do Fundo de Garantia Salarial pagos no âmbito da falência da empresa, e nos quais se incluíam - duplicando-os -, os valores já anteriormente integrados no referido cheque (sem que ela, repete-se, tenha cessado o acordo de revogação do contrato de trabalho).
Assim, prevalecendo o propugnado pelo M.P., abre-se um precedente inigualável que permitirá qualificar como coactores todos os advogados que, em representação de empresas, apresentem aos seus trabalhadores propostas negociais com vista à cessação dos seus contratos de trabalho - o que é manifestamente desconforme aos princípios que vimos invocando.

III.
Questões de fundo
A) Da impugnação sobre a decisão de facto
Entende o M.P. que a decisão proferida sobre a matéria de facto deverá ser modificada, de modo a que a factualidade dada como provada seja reconfigurada nos seguintes termos (vide p. 1):
...Pausa.
P: Tente lá precisar. Isto é importante.
R: Se agarro no cheque?
...Pausa.
Eu não me recordo bem. Sei que ele o puxou para trás.
P: Pronto. Mas puxou para trás de onde?
R: Se foi da minha mão?
P: Se foi da mesa ou da sua mão?
R: À, a diferença é? Ahff.... (suspiro)
P: A Sra. estava a ver...
R: É capaz de ter sido de cima da mesa, porque eu estava com a carta de despedimento na mão. Puxou-o para trás, e prontos, disse que já não recebia.
P: Portanto, mas a pergunta é se, em algum momento, chegou a ter o cheque na sua mão?
...Pausa.
R: Não me recordo, se estava com o cheque e com a carta; se estava só com a carta.
Em cima da mesa eu tenho a certeza que ele coloca à minha frente, mas depois recuou para trás. Agarrou nele e recuou para trás.
P: Então, recuou, agarrou no cheque, mas que estava em cima da mesa?
R: Sim. Talvez, em cima da mesa.
P: Talvez. Olhe, é assim: a resposta tem de ser sincera D. Marinela.
R: Pois tem.
P: Se a Sra. não se lembra...
R: Eu não tenho bem a certeza se o tinha na mão. Ah...então, eu estou sentada, com a carta. Penso que em cima da mesa.
P: Olhe: pense com calma. Reflicta o tempo que tiver de reflectir. A resposta é importante. Pense com calma. E depois já me diz quando estiver em condições de responder, está bem?
Mas pense!
...Pausa longa.
R: Eu penso que foi em cima da mesa. Eu não cheguei a agarrar bem o cheque. Já lá estava para mim, para me darem, mas ... (pausa)
P: O que eu quero perguntar, só uma vez mais, e peço desculpa se me estou a repetir: a Sra. não pode garantir aqui ao tribunal que o cheque lhe tenha sido retirado das mãos?
R (Mma. Juíza): Não Dr., já disse que não pode.
Ora, não é possível dar-se como provado que o arguido tenha retirado à B... um cheque que, previamente, esta declarou não lhe ter sido entregue, mas apenas mostrado/colocado em cima da mesa, para que o analisasse conjuntamente com o acordo que lhe estava a ser proposto.
E não se pode censurar a conduta do arguido consistente em apenas proceder à referida entrega depois de estar consumada a assinatura do acordo.
Renovamos a questão colocada no título II: o que pretendia o M.P.:
- Que o cheque fosse entregue, antes de verificada a certeza de que o acordo seria efectivamente outorgado?
- Que o arguido, em violação dos deveres de patrocínio para com a sua cliente (empresa), comunicasse à trabalhadora que, mesmo não assinando o acordo, o cheque ser-lhe-ia entregue?
> Integral alteração da ALINEA F):
Afigura-se-nos inviável o defendido pelo M.P., por dois motivos:
a) Porque contém um juízo conclusivo, quando se afirma assertivamente, que era devida a quantia de €2.415,42 Anote-se, uma vez mais, que a conduta do arguido é integrada num contexto de negociações conducentes à cessação de um contrato de trabalho por mútuo acordo, no âmbito das quais, nesse concreto momento, não estava em discussão aquilo a que potencialmente a trabalhadora teria direito, mas sim aquilo que a empresa tinha disponível para lhe dar, e o que ela estaria disposta a aceitar, ou não, ainda que o valor correspondente fosse inferior aos indicados € 2.415,42.
O que a prova testemunhal e documental nos transmite é uma realidade bem diferente daquela delimitada na ALÍNEA F) dos factos provados, quer na versão do Tribunal a quo, quer na versão agora apresentada pelo M.P.
b) Porque é, novamente, a própria B... a referir um dos outros motivos que a levaram a assinar o acordo (motivo que, aliás, se considera aceitável e plausível): a garantia, por parte do arguido, de poderia aceder ao fundo de desemprego, conforme depoimento que também se transcreve:
- 3a gravação, do dia 23-11-2010 (a partir do minuto 1,5):
Resposta: ... Então, eu depois perguntei-lhe: o Sr. garante-me que esta carta me dá direito, pelo menos, ao fundo de desemprego. Ele disse que sim. “Então não há-de dar direito porquê!? Pronto. E eu acabei por assinar.
Em consequência, no que respeita à realidade abordada nessa ALINEA F), nenhuma outra prova foi produzida senão a de que:
F) - A fim de receber o cheque mencionado em b) e porque o arguido lhe garantiu que ela poderia aceder ao fundo de desemprego, a B...assinou o acordo indicado em c), tendo-lhe sido entregue aquele cheque.
Coerentemente, neste particular, nada mais poderá ser dado como provado.
Designadamente, não poderá ser dado como provado o que consta da parte final da ALÍNEA F), na configuração que lhe foi atribuída pelo Tribunal a quo, e na parte em que se alude a ... do qual constavam declarações contrárias à sua vontade e susceptíveis de afectar os seus direitos salariais, quando se constata que a trabalhadora não fez cessar o acordo de revogação do contrato de trabalho, nos termos previstos no artigo 350°, n.° 1 do Cód. do Trabalho.
Na verdade, apreciadas as coisas à luz das regras da experiência comum, se a B... tivesse, de facto, outorgado acordo que contemplasse declarações contrárias à sua vontade e susceptíveis de afectar os seus direitos salariais: (i) antes de tudo, não o teria assinado, porque sempre teve esta possibilidade ao seu alcance; mas, assinando-o, tê-lo-ia, certamente, revogado nos 7 dias seguintes (ii). Porém, não o fez. Ficando de posse do cheque que lhe foi entregue (fazendo dele o que bem entendesse) e reclamando, posteriormente, na acção especial de insolvência da empresa, os créditos que considerou deverem ser-lhe reconhecidos e pagos pelo Fundo de Garantia Salarial (que o foram, sem que alguém se tivesse oposto).
> Aditamento das ALÍNEAS:
J) - O arguido agiu com a intenção concretizada de constranger B... a assinar o documento indicado em c), o que conseguiu;
K) - O arguido sabia que a sua conduta era proibida por lei.
Pelas razões expostas no título II, esta matéria não encontra cabimento na prova produzida.
Todavia, admitindo que, por hipótese, os enunciados factos devem fazer parte do elenco dos provados, questiona-se se os mesmos, quando conjugados com os outros, terão a virtualidade de sustentarem a condenação do arguido pela prática do crime de coacção.
Cremos que a resposta terá de ser, necessariamente, negativa.
O crime de coação, para o seu preenchimento, e no que ao caso sub judice concerne, exige, com já ficou acima referido, a existência de uma “ameaça com mal importante”. Exige, portanto, uma “ameaça grave”.
In casu, do comportamento do arguido, que se limita a transmitir, em representação da sua cliente, aos trabalhadores desta, que a não outorga do acordo de cessação do contrato de trabalho implicará o não pagamento das quantias que seriam devidas por força dessa cessação, ainda que os trabalhadores, tendo em vista o recebimento das mesmas, se vissem constrangidos a assiná-lo, não vemos, sob essa óptica estritamente criminal, onde esteja a tal “ameaça grave”. Até porque esta gravidade terá também de ser apurada em função do carácter irreversível ou reversível da decisão supostamente tomada em constrangimento e formulando ou juízo de prognose, consistente em saber se, colocada a vítima perante a solução de revogar essa decisão em momento ulterior e não o tendo feito, deverá considerar-se que ela foi, de facto, coagida, devendo aplicar-se o princípio in dubio pro reu no caso afirmativo, como sucede nos presentes autos.
B) Da nulidade da sentença
Preconiza o M.P. que o Tribunal a quo não efectuou o exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção, relativamente aos factos não provados, incorrendo na violação do disposto no artigo 374°, n.° 2 do CPP e afectando a sentença de nulidade, por aplicação do disposto no artigo 379°, n.° 1-a) do mesmo código.
Não tem razão.
Conforme é jurisprudência pacífica dos tribunais superiores, o artigo 374°, n.° 2 do CPP, não exige, relativamente aos factos não provados, a minúcia imposta para a fundamentação dos factos provados.
In casu, é possível apreender de que modo foram analisadas e valoradas as provas pelo Tribunal a quo, e aquelas que se reputaram como determinantes para a definição dos factos provados e não provados, relevando-se inútil e desnecessária a explicitação do juízo negativo incidente sobre as provas, por confronto com a sua valoração positiva. Isto é: se o Tribunal a quo esclareceu os motivos pelos quais atendeu a certos meios de prova em detrimento de outros, no sentido da prova dos factos em discussão, não lhe será exigível que preste os mesmos esclarecimentos no que se refere à não prova de certos factos, quando os meios de prova são os mesmos e não existem outros que imponham decisão diversa daquela que foi tomada.
B) Dos vícios previstos no artigo 410°. n.° 2-b) e c) do CPP
O vício previsto na alínea b) do n.° 2 do artigo 410° do CPP, pressupõe, conforme estatui este normativo, uma contradição insanável, irredutível, que não possa ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo e lançando mão das regras da experiência.
Por seu turno, o vício previsto na alínea c) ocorre quando as provas revelam claramente um sentido e a decisão contempla uma ilação contrária, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial (neste sentido, Simas Santos e Leal-Henriques, ob. cit. p.66 e 68 c Acórdão do STJ, de 03/06/98, processo n.° 272/98, citado pelos mesmos AA.).
Cotejando a sentença recorrida, verificamos que a mesma não padece de nenhum dos invocados vícios, encontrando-se a delimitação dos factos provados e não provados, no essencial, compatível com as provas produzidas e tendo sido correctamente efectuada a subsunção do direito a esses factos, de forma suficientemente esclarecedora e fundamentada, ainda que outros argumentos pudessem ser trazidos para efeitos de sustentação da absolvição, com aqueles que expusemos no título II e no subtítulo A) do presente título III.
Deve, pois, prevalecer, também nesta instância de recurso, a solução absolutória.
E conclui que:
1a - O arguido mantém interesse nos recursos interlocutórios por si interpostos em 20-09-2010 e 08-11-20101 (artigo 412°, n.° 5 do CPP, com a devidas adaptações), os quais deverão ser apreciados previamente ao presente.
2a - Improcedendo tais recursos, deverá o Tribunal ad quem confirmar a decisão absolutória.
*
4. RECURSOS INTERLOCUTÓRIOS:
A - Na motivação do recurso interposto do despacho de fls 222, o arguido  formula as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES
1ª - Como decorrência do princípio inscrito no artigo 32º, nºs 1 e 3 da CRP, e de harmonia com o disposto nos artigos 61º, n.º 1-e) e f) e 63º, n.º 1, ambos do CPP, a regra consagrada no artigo 113º, n.º 9 do CPP, impõe que uma notificação devida ao arguido deverá ser sempre efectivada na pessoa do seu advogado.
2ª – Esta é a interpretação que melhor se adequa, às garantias de defesa que informam o processo penal – contempladas no primeiro grupo dos citados dispositivos legais –, e ao ordenamento jurídico considerado na sua totalidade.
3ª – Com efeito, à luz dos critérios definidos no artigo 9º do Código Civil e atendendo à regra prevista no artigo 253º do CPC, outro não poderia ser o sentido interpretativo conferido àquele artigo 113º, n.º 9 do CPP.
4ª – Suscitando-se, desde já – por violação do artigo 32º, nºs 1 e 3 da CRP – a inconstitucionalidade do artigo 113º, n.º 9 do CPP, na medida em que este possa ser interpretado e aplicado em sentido contrário a matriz expressa na conclusão 1ª.
5ª – In casu, entre o requerimento para a abertura da instrução e a notificação das datas designadas para o julgamento, o advogado signatário não foi notificado de qualquer acto processual, conforme resulta do próprio cotejo dos autos e dos 3 documentos ora juntos – facto do qual o signatário só teve conhecimento quando foi confrontado com a notificação do despacho que designou a data do julgamento (Docs. nºs 1 a 3).
6ª – Todavia, por exigência dos invocados normativos, deveria tê-lo sido.
7ª – Em consequência, o Tribunal a quo, em vez de o ter indeferido, deveria ter deferido o requerimento apresentado pelo arguido em 21-06-2010, por correio electrónico (carimbo do Tribunal com data de 24-06-2010), e, bem assim, não deveria ter considerado transitado em julgado o despacho de fls. 206.
8ª – Porque contrária à linha interpretativa enunciada nas conclusões anteriores, essa decisão – ainda que fluindo de uma deficiente e grave actuação omissiva da secretaria –, não pôde deixar de conduzir o Tribunal a quo para uma situação de violação dos citados normativos e, ainda, adicionalmente:
a) Do artigo 677º do CPC, ex vi artigo 4º do CPP;
b) Por via indirecta, do disposto nos artigos 286º, nº 1, 287º, n.º 1-a), em conjugação com o artigo 281º, todos do CPP;
c) Por omissão de aplicação, do disposto no artigo 119º-d); ou, pelo menos, o disposto no artigo 120º, n.º 2-d), conjugados com os artigos 118º, nºs 1 e 2 e 123º, nº 1, todos do CPP.
9ª – Destarte, e no provimento do presente recurso, deve revogar-se a decisão recorrida e determinar-se a sua substituição por uma outra, que, em conformidade com o requerimento que a originou, declare a invalidade e anulação de todos os actos processuais praticados até ao requerimento de abertura da instrução, devendo os mesmos ser notificados ao advogado signatário, em cumprimento do disposto no artigo 113º do CPP (mormente o seu nº 9), procedendo-se, designadamente, e em primeiro lugar, à notificação a que alude o artigo 80º, nº 2 do CCJ (isto se o Tribunal a quo mantiver o entendimento de que é este o regime jurídico aplicável, e não o artigo 8º, n.º 5 do RCP, ex vi artigo 5º do CPP).
B - Na motivação do recurso interposto do despacho de fls 306 e 307, formula as seguintes conclusões:
“1a - Ao consignar-se no despacho recorrido que “resulta provada a factualidade” nele elencada, formulando-se, dessa forma, um juízo conclusivo de prova efectiva e positiva dessa mesma factualidade, que, no entendimento do Tribunal a quo, consubstancia alteração não substancial daquela que consta da acusação, foram violados os princípios da presunção de inocência, das garantias de defesa e do contraditório, consagrados no artigo 32°, n°s 1, 2 e 5 da CRP e no artigo 358°, n° 1 do CPP.
2a - Com efeito, uma coisa é dizer-se que da prova produzida até um determinado momento da audiência de discussão e julgamento poderão extrair-se factos susceptíveis de contribuir para uma alteração daqueles que são imputados ao arguido na acusação - pressuposto que é compatível com o regime dos citados normativos.
3a - Outra coisa, bem diferente, é dar, desde logo - previamente à apresentação da defesa por parte do arguido -, esses factos como “resultando provados” - o que não é compatível com tal regime.
4a - Em consequência, o despacho recorrido deverá ser revogado, e determinada a sua substituição por um outro que se harmonize com os princípios consagrados no artigo 32° da CRP, em conjugação com o artigo 358°, n.° 1 do CPP.
5a- Impondo-se, subjacentemente, que os invocados preceitos sejam interpretados no sentido de que, na comunicação da alteração não substancial dos factos constantes da acusação, deverá ser formulado um juízo de indiciação relativamente aos mesmos e não logo (até à apresentação da defesa e prolação da sentença) um juízo conclusivo de prova efectiva e positiva daqueles.
*
5. Respondeu o Ministério Público nos seguintes termos:
I - OBJECTO DOS RECURSOS:
Vêm os presentes recursos interpostos:
a) O de fls. 230 a 243, do douto despacho de fls. 222;
b) O de fls. 337 a 342, do douto despacho de fls. 306 a 308.
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II - DESENVOLVIENTO:
A - Do recurso interlocutório de fls. 230 a 243.
Conforme resulta de fls. 206, foi proferido o douto despacho que, nos termos do disposto no artigo 80°, n° 3, do Código das Custas Judiciais, declarou o requerimento de abertura de instrução sem efeito.
O douto despacho proferido a fls. 206 foi notificado ao ilustre subscritor do recurso: - cfr. fls. 208.
Depois de ter transitado em julgado, veio dele o ilustre subscritor arguir a sua nulidade, com fundamento de o Tribunal ter “ignorado” o requerimento de instrução: -- cfr. fls. 218 a 219.
Demonstram os Autos que não assiste razão ao recorrente, pelo que o recurso interlocutório de fls. 230 a 243 deverá improceder.
B - Do recurso interlocutório de fls. 337 a 342.
É verdade que os termos linguísticos utilizados no douto despacho a quo (cfr. fls. 306 a 308) não foram os mais correctos[1], pois, à melhor forma de estilo, talvez nele se devesse ter sido dito:
“Da prova produzida em Audiência poderá vir a resultar provado que ....
Constituindo tal factualidade uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, comunica-se a mesma ao arguido nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 358°, n° 1, do Código de Processo Penal. ”
Não foi violado, de forma alguma, o princípio da presunção de inocência do arguido.
Os Autos demonstram, à saciedade, material e processualmente, o INVERSO.
Estranhamos do ilustre recorrente o apego, quase desmesurado [2], ao sentido literal das palavras dado no douto despacho a quo , assim como o recurso ao formalismo processual civil, na sua forma pura!
Não foi requerido pelo arguido a possibilidade de se defender dessa factualidade? [3]
Não deferido o requerido pelo arguido de se defender dessa factualidade?[4]
Não se defendeu o arguido, efectivamente, dessa factualidade, por escrito e requerendo a inquirição de testemunhas? [5]
Não foi o requerimento por si apresentado deferido por douto despacho produzido na Audiência?[6]
Não foi a prova por si requerida produzida na Audiência?[7]
Foi essa factualidade susceptível de ser julgada como provada, julgada integralmente provada na douta Sentença?[8]
Ou, parcialmente, como não provada na douta Sentença a quo?9
E, mesmo assim, considera, ainda que foi violado o princípio da presunção da inocência do arguido!
Os Autos demonstram, repita-se, à saciedade, MATERIAL e PROCESSUALMENTE, o INVERSO, pelo que o recurso interlocutório de fls. 347 a 342 deverá, igualmente, improceder.
*
III- ASSIM e em CONCLUSÃO:
1a - Vêm os presentes recursos interpostos:
b) O de fls. 230 a 243, do douto despacho de fls. 222;
c) O de fls. 337 a 342, do douto despacho de fls. 306 a 308.
2a - O douto despacho de fls. 206 declarou o requerimento de abertura de instrução sem efeito, por força do disposto no artigo 80°, n° 3, do Código das Custas Judiciais;
3a - Tal despacho, não enferma de qualquer nulidade;
4a - Para além do facto de, quando arguida tal nulidade, o mesmo já havia transitado em julgado;
5a -- Pelo que o recurso interlocutório de fls. 230 a 243 deverá ser julgado manifestamente improcedente;
6a - Pese embora os termos linguísticos utilizados no douto despacho a quo de fls. 306 a 308 não tenham sido os mais correctos do ponto de vista técnico-jurídico, na vertente processual penal, o certo é que nele não foi violado o princípio da presunção de inocência do arguido, na medida em que, constitucional, material e processualmente:
a) Tais factos foram dados a conhecer ao arguido;
b) Deles lhe foi dada a possibilidade de se defender, quer por escrito, quer arrolando testemunhas, uma delas até, ouvida em Audiência de Discussão e Julgamento, por duas vezes;
c) Essa mesma factualidade foi, em parte dada como provada, com base nos documentos de que o próprio arguido se muniu para prestar declarações e, por isso, ordenada a sua junção aos Autos e, noutra parte, foi dada como não provada.
7a - Pelo que no douto despacho de fls. 306 a 308 não se violou o princípio da presunção da inocência e, em consequência, o recurso interlocutório de fls. 347 a 342 deverá, igualmente, ser julgado manifestamente improcedente.
Contudo, Vas. Exas.
Decidirão Conforme for de LEI e JUSTIÇA.
A douta Sentença julgou como não provados os restantes factos: - cfr. fls. 307, al. d) e n° 3 de fls. 359.
*
6. Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte PARECER:
I. - Recursos Intercalares
A – Inconformado, o arguido A... veio interpor dois recursos intercalares de decisões proferidas pelo Mm° Juiz, a fls 222 e na audiência de discussão e julgamento datada de 27/10/2010.
Porém, tratando-se de recursos intercalares a subir juntamente com o que vem interposto da decisão final e sendo-lhes atribuído efeito meramente devolutivo, nos termos do art° 407° n°3 do C.P.P., tais recursos sobem e são julgados com o recurso da decisão que tiver interposto termo à causa.
Ora, como o arguido não interpôs recurso da decisão que pôs termo à causa, tais recursos não podem nem devem ser conhecidos, ainda que tivessem sido admitidos, conforme consta de fls 450, uma vez que, tal decisão não vincula o tribunal superior, nos termos do art° 414° n°3 do C.P.P.
II. Recurso da Sentença
B - Louvamo-nos na argumentação expendida pelo Magistrado do Ministério Público na 1a instância, na Motivação do recurso interposto, que integralmente sufragamos, nada mais de relevo para a decisão a proferir, se nos oferecendo aduzir em abono do que em tal peça processual vem e bem sustentado.
Nessa medida, convocando os argumentos ali expendidos, somos de parecer que ao recurso interposto deve ser concedido provimento.
*
7. O arguido apresentou a seguinte resposta ao parecer do M.P
“I.
Quanto aos recursos intercalares que interpôs
(invocação, subsidiária, da inconstitucionalidade do artigo 407°, n.° 3 do CPP)
1. Preconiza o M.P. que os mesmos não devem ser conhecidos, uma vez que o arguido não interpôs recurso da decisão final.
Não tem razão.
O direito do arguido ver apreciados os recursos interlocutórios que interpôs - ainda que não tenha recorrido da decisão final -, encontra-se consagrado no artigo 412°, n.° 5 do CPP, ex vi artigo 413°, n.° 4.
Sendo essa a única interpretação dos citados normativos que respeita as garantias de defesa e de recurso, previstas no artigo 32°, n.° 1 da CRP. [Neste sentido, por todos, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 3a edição actualizada, págs. 1123, nota 17 e segs., e 1124, nota 2].
Efectivamente, se tais recursos têm a virtualidade de - em caso de procedência - conduzirem à anulação de todos os actos processuais, subsequentes ao requerimento de abertura da instrução (no qual o arguido pugnou pela aplicação do instituto da suspensão provisória do processo), ou do despacho de comunicação da alteração não substancial dos factos descritos na acusação e actos subsequentes, constituiria grave violação das invocadas garantias a não obtenção de uma decisão por parte deste tribunal superior que versasse sobre as mencionadas questões. Facilmente de percebe porquê, bastando configurar o seguinte cenário:
- Os recursos interlocutórios não são apreciados;
- Parte-se directamente para análise do recurso interposto pelo M.P., que vem a ser declarado procedente, resultando daqui a condenação do arguido;
- No entanto, admitamos que, sendo apreciados previamente ao do M.P., aqueloutros recursos interpostos pelo arguido viriam a ser providos;
Como é óbvio, este provimento obstaria à condenação do arguido, e/ou evitaria a sua submissão a um novo julgamento, na hipótese de, retornando os autos à fase da instrução, ser aplicado o instituto da suspensão provisória do processo.
Destarte, e a título subsidiário, suscita-se a inconstitucionalidade do artigo 407°, n.° 3 do CPP, por violação do artigo 32°, n.° 1 da CRP, quando interpretado em sentido contrário ao explanado anteriormente - isto é: quando interpretado no sentido de que os recursos interlocutórios interpostos pelos sujeitos processuais só poderão ser apreciados e decididos quando aqueles interponham recurso da decisão final; e já não quando, não interpondo recurso da decisão final, manifestem interesse - na resposta ao recurso interposto da decisão final por parte de outro sujeito processual (artigos 413°, n.° 4 e 412°, n.° 5, do CPP) -, em que os referidos recursos interlocutórios sejam apreciados e decididos.
II
Quanto ao recurso da sentença
Mantém tudo o que alegou na resposta ao recurso interposto pelo M.P. na primeira instância, que aqui dá por reproduzido.”
*
8. Colhidos os vistos e realizada a audiência cumpre decidir.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Delimitação do âmbito do recurso
De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].
No caso em apreço, no recurso principal, para além da invocada nulidade da sentença por insuficiência de fundamentação, insurge-se o recorrente contra a matéria de facto que vem dada por assente, invocando enfermar a sentença recorrida dos vícios de insuficiência da matéria de facto para a decisão absolutória, contradição insanável da fundamentação e entre os factos provados e não provados e a fundamentação e de erro notório na apreciação da prova.
Nos recursos interlocutórios, suscita-se a nulidade insanável por falta da notificação ao advogado do arguido para efeitos de cumprimento do disposto no art 80º, nº 2, do CCJ - fls 198 - e por falta da notificação do despacho de fls 206, de que resultou a não realização da instrução, assim como o vício da comunicação da alteração não substancial dos factos constantes da acusação, por não se limitar a juízos indiciários, antes contendo um juízo conclusivo da prova efectivo e positivo dos factos.
*
2. QUESTÃO PRÉVIA – do conhecimento dos recursos intercalares.
Estes recursos foram admitidos com subida diferida, com o que fosse interposto da decisão final, tendo-lhe sido fixado efeito devolutivo, nos termos dos art. 406º, nº 1, 407º, nº 3, 408º, a contrario, todos do CPP.
tratando-se de recursos intercalares a subir juntamente com o que vem interposto da decisão final e sendo-lhes atribuído efeito meramente devolutivo, nos termos do art° 407° n°3 do C.P.P., tais recursos sobem e são julgados com o recurso da decisão que tiver interposto termo à causa.
Ora, como o arguido não interpôs recurso da decisão que pôs termo à causa, tais recursos não podem nem devem ser conhecidos, ainda que tivessem sido admitidos, conforme consta de fls 450, uma vez que, tal decisão não vincula o tribunal superior, nos termos do art° 414° n°3 do C.P.P.
Determina o nº 5 do art. 412º do C.P.P. que, no caso de recursos retidos, - recursos interlocutórios cujo conhecimento foi deferido para momento posterior, - o recorrente deve especificar nas conclusões, obrigatoriamente, quais os recursos em que mantém interesse, identificando os recursos que pretende sejam conhecidos e decididos pelo tribunal superior.
O não cumprimento desta regra, por falta de especificação, no recurso final, daqueles outros recursos em cuja decisão mantém o recorrente mantém interesse, legitima que se considere que perdeu o interesse em tais recursos, em consequência da evolução processual entretanto ocorrida. Perda de interesse a traduzir desistência com o consequente não conhecimento dos recursos interlocutórios. “Com tal regime pretende-se evitar que o tribunal superior se pronuncie sobre questões já ultrapassadas pelo fluir do processo - e seus reflexos nas estratégias dos sujeitos processuais - obstando ainda ao risco de que, em processos extensos e complexos, o tribunal ad quem possa omitir a apreciação de algum recurso intercalar constante dos autos. Ninguém melhor que o próprio recorrente estará em condições de ajuizar quais os recursos que efectivamente interpôs e qual a utilidade na sua apreciação final. O referido ónus de especificação e a apontada cominação para a respectiva omissão persistem quando o recorrente intercalar é recorrido da decisão final, quer responda ao recurso desta, quer não. “ac STJ de 21-6-2006, processo 05P064.
No caso presente o arguido interpôs dois recursos interlocutórios mas não recorreu da decisão final, que por ser absolutória, lhe estava vedado por falta de legitimidade conforme norma do art 401º, nº 1, al. b), a contrario – CPP.
É claro que pelas razões subjacentes ao regime supra referido, o ónus de especificação se impõe também ao recorrido no recurso principal ( acórdão do TC nº 476/2006), apesar da inexistência de um ónus de resposta à motivação apresentada pelo recorrente, assim como de um ónus de recorrer subordinadamente.
No presente processo o arguido pronunciou-se sobre a subsistência de interesse processual na apreciação dos recursos retidos, na resposta ao recurso interposto pelo MP.
Outro entendimento, conduziria à inconstitucionalidade da interpretação do art 412º, nº 5, do CPP, tendo em consideração o disposto no art 401º do CPP.
Admite-se pois, o conhecimento dos recursos intercalares.
*
3. Da sentença recorrida:
Estão provados os seguintes factos:
A) FACTUALIDADE PROVADA
Discutida a causa, resultaram provados, com relevância para a decisão final, os seguintes factos:
a) No dia 16-10-2008, a gerência da empresa “…, Lda”, com sede em …, Alcobaça, representada por …., determinou o encerramento da empresa, sem o respectivo aviso prévio.
b) No dia 15-10-2008 a trabalhadora da empresa “….,Lda”, B... reuniu com o arguido, no escritório da gerência da empresa, tendo o arguido, na qualidade de Advogado da empresa, entregue à trabalhadora um documento para esta assinar, intitulado “Acordo de Cessação de Contrato de Trabalho”, no qual figuravam, como primeiro outorgante, a empresa e como segunda outorgante B..., e um cheque, sacado sobre o Banco Espírito Santo, com o n.° … , à ordem de B..., assinado pela gerência da empresa “…,Lda, com a quantia de €1.146,45.
c) Do Acordo indicado em b), constavam, entre outros, os seguintes dizeres: “ A primeira outorgante entidade empregadora e o segundo outorgante trabalhador, declaram revogar por mútuo acordo o contrato de trabalho entre ambos celebrado (...) a fim de obstar à cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho que efectivamente ocorreu e que o segundo outorgante reconhece.
(...) Tal acordo de cessação de contrato de trabalho tem início na data da sua assinatura e produz efeitos em 15 de Outubro de 2008.
A primeira outorgante paga ao segundo outorgante a quantia total de €1.146,45 (...) a título de compensação global pecuniária por cessação do contrato.
O segundo outorgante declara nada mais ter a receber da primeira outorgante por efeito da cessação do contrato de trabalho, renunciando a qualquer direito de acção judicial, uma vez que a primeira outorgante liquida todos os direitos incluindo o período de aviso prévio, pagando também este direito à trabalhadora.
Este acordo de cessação do contrato de trabalho integra-se num estudo elaborado pela primeira outorgante de reestruturação do sector comercial com redução de um posto de trabalho, nos termos do nº 5 do art.° 7o do DL 119/99 de 14 de Abril, extinguindo o posto de trabalho do segundo outorgante”.
d) O documento indicado em c) contém as assinaturas da gerência da empresa “…,Lda” e de B....
e) Perante a reacção negativa de B..., o arguido disse- lhe que se não assinasse o documento indicado em c), não receberia o cheque com o valor do vencimento mensal e os respectivos proporcionais.
f) Para não perder o direito àquela quantia, B... assinou o Acordo indicado em c), do qual constavam declarações contrárias à sua vontade e susceptíveis de afectar os seus direitos salariais.
g) Após obtenção de informação sobre os seus direitos laborais, B... não procedeu ao levantamento da quantia aposta no cheque indicado em b).
h) O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente.
i) O arguido não tem antecedentes criminais.
B) FACTUALIDADE NÃO PROVADA
Não se provou, com relevo para a decisão a proferir, que:
1 - No dia 10 de Outubro de 2008 o arguido se encontrasse no escritório da empresa “…,Lda", ao qual foi chamada B..., para discutirem os termos da rescisão ou alteração dos contratos de trabalho.
2 - Do documento indicado em c) constasse uma declaração de despedimento por parte da signatária B....
3 Na ocasião indicada em b), o arguido tivesse retirado o cheque das mãos de B....
4 O arguido tenha agido com a intenção concretizada de constranger B... a assinar o documento indicado em c).
5 O arguido soubesse que a sua conduta não era permitida por lei.
A restante alegação não concretamente indicada, constante da Acusação, consubstancia conceitos conclusivos ou conceitos de direito ou nenhum relevo apresenta para a decisão da causa.
C) MOTIVAÇÃO
O tribunal formulou a sua convicção, para a determinação da matéria de facto dada como provada, no seguinte:
Alíneas a), b), e), f), g) e h): No teor das declarações das testemunhas B... e C... A primeira das testemunhas, de 36 anos, casada, empregada fabril, afirmou conhecer o arguido por ser o advogado da empresa “…,Lda”, onde trabalhou 18 meses, de Junho de 2007 até ao encerramento da mesma em 16 de Outubro de 2008.
Explicitou de forma espontânea e coerente o que ocorreu no escritório da empresa “…,Lda” no dia 15 de Outubro de 2008, indicando que documentos o arguido lhe entregou, qual o teor do “Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho”, o que respondeu ao arguido perante a solicitação deste para que assinasse tal documento, qual a exacta expressão proferida pelo arguido na sequência da resposta da testemunha.
No entanto não soube precisar se o arguido lhe terá retirado o cheque das mãos ou se o mesmo se encontrava em cima da secretária no escritório e o arguido o terá guardado.
De qualquer forma, a ofendida esclareceu ter levado consigo o cheque quando saiu do escritório da “…,Lda”, só não tendo procedido ao seu desconto após ter obtido informação sobre os seus direitos salariais.
Mais referiu a que correspondia, em termos de direitos salariais, a quantia aposta no cheque.
Explicitou quais as dúvidas que transmitiu ao arguido, relacionadas com a cessação do contrato de trabalho.
Explicitou, por último que motivos determinaram a aposição da sua assinatura no “Acordo de cessação do Contrato de Trabalho” e o consequente recebimento do cheque.
Atenta a razão de ciência da testemunha, decorrente da sua qualidade de interlocutora do arguido na data dos factos, conjugada com a espontaneidade e coerência do seu depoimento, determinaram a valoração das suas declarações pelo Tribunal, sendo certo que tais declarações vieram ainda a ser confirmadas pela testemunha C..., de 51 anos, casada, desempregada, trabalhadora da fábrica “Embalemos”, a qual afirmou conhecer o arguido como advogado da empresa “Embalemos” e que esteve presente no dia 15 de Outubro de 2008 no escritório de tal empresa, tendo presenciado a conversa entre o arguido e a testemunha anterior.
Depôs de igual modo, de forma espontânea, coerente e verosímil, logrando formar a convicção do Tribunal quanto aos factos que relatou.
Alíneas c) e d): No teor do documento de fls. 269 e 270.
Alínea i): No teor do CRC junto aos autos.
No que respeita às declarações do arguido, o mesmo começou por negar ter proferido a expressão que consta da factualidade provada, tendo posteriormente admitido como possível dizer tal expressão mas sem que em momento algum tivesse tido a intenção de constranger B... a assinar qualquer documento.
As declarações do arguido careceram da mesma espontaneidade das testemunha indicadas, já que o mesmo demonstrou pensar de forma calculada nas afirmações que fez em audiência de julgamento, demonstrando falta de precisão no relato dos factos, pouco consentânea com a intervenção que teve nos mesmos.
Assim, o Tribunal só valorou as suas declarações, na parte em que as mesmas obtiveram confirmação das testemunhas indicadas, tanto mais que estas, por não terem contacto com o arguido, nada tinham contra o mesmo que pudesse colocar em crise a valoração dos respectivos depoimentos.
Já no que tange às testemunhas … , de 47 anos, casada, desempregada, funcionária da “…,Lda” durante 8 anos, e … , de 36 anos, divorciada, desempregada, trabalhadora da “…,Lda”, durante 3 anos, apesar dos respectivos depoimentos serem espontâneos e coerentes, o certo é que estas testemunhas não presenciaram a conversa entre o arguido e B..., tendo apenas descrito quais os procedimentos do arguido em relação aso próprias testemunhas no que concerne aos respectivos contratos de trabalho, razão pela qual, por falta de conhecimento directo da matéria vertida na Acusação, o Tribunal não valorou os respectivos depoimentos.
Após a comunicação da alteração não substancial dos factos descritos na Acusação, o arguido arrolou como testemunha, a ser inquirida a tal matéria  … e … , tendo esta última sido prescindida após a inquirição da primeira.
A testemunha inquirida, sócia-gerente da empresa “…,Lda” e entidade patronal da ofendida, esteve presente no escritório da empresa, na data e hora em que o arguido reuniu com a ofendida para lhe transmitir os termos do acordo de rescisão do contrato de trabalho.
Assim, a testemunha presenciou os factos constantes da Acusação.
No entanto e apesar da sua razão de ciência, o Tribunal não valorou o depoimento desta testemunha, já que o mesmo se mostrou reticente e intrinsecamente contraditório. Como exemplo de tal contradição destaca-se o facto da testemunha começar por referir que a trabalhadora C… não esteve presente naquela data, no escritório da empresa e em momento ulterior do seu depoimento afirmar que a mesma trabalhadora foi das últimas a ser recebida pelo arguido em tal escritório na mesma data.
Mais demonstrou a testemunha, no decurso das suas declarações, ressentimento para com os trabalhadores, o que retirou objectividade ao seu depoimento.
Pelos motivos apontados, o Tribunal não valorou o depoimento em análise.
A apreciação dos depoimentos supra indicada não sofreu alteração com a primeira das acareações realizadas em julgamento.
A primeira acareação realizou-se entre B..., C... e o arguido, tendo todos os intervenientes mantido a versão dos factos que relataram aquando da prestação dos respectivos depoimentos/declarações.
A segunda acareação, realizada entre as testemunhas B..., C... e  … teve a virtualidade de permitir o esclarecimento, por parte de B..., acerca do circunstancialismo envolvendo a retirada do cheque, sendo que a esta matéria, a mesma afirmou não se lembrar se o arguido efectivamente lhe retirou o cheque das mãos ou apenas se o recolheu da secretária que se encontrava no escritório.
O tribunal formulou a sua convicção, para a determinação da matéria dada como não provada, no seguinte:
- Na ausência de produção de prova suficientemente convincente da sua realidade.
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4. DECIDINDO
RECURSO DO DESPACHO de 7-09-2010 (notificada por correio registado em 8-09-2010) que indeferiu o requerimento DO ARGUIDO de 21-06-2010 para declaração de invalidade e consequente anulação do acto processual de remessa e distribuição dos autos para julgamento e todos os seus termos subsequentes, incluindo o despacho que designou as datas para o julgamento.
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Por correio electrónico, em 21-06-2010 (o carimbo de entrada do competente original é de 24-06-2010), o arguido apresentou o seguinte requerimento
“A..., arguido nos autos de processo comum singular supra identificados, tendo sido notificado das datas designadas par julgamento, vem
Arguir nulidade processual
1 – Em 01-03-2010 (mediante peça processual enviada por correio electrónico) requereu a abertura da instrução (o que se pode facilmente comprovar através da consulta histórica do processo na plataforma citius).
2 – Porém, esse requerimento foi ignorado.
3 – Tal omissão constitui nulidade insanável, nos termos do artigo 119º-d) do CPP; ou, pelo menos, nulidade relativa, nos termos do artigo 120º, n.º 2-d); ou, no limite, irregularidade, nos termos do artigo 123º, n.º 1; a qual, em qualquer dos casos, determinada a invalidade e consequente anulação do acto processual de remessa e distribuição dos autos para julgamento e todos os seus termos subsequentes, incluindo o despacho que designou as datas para o julgamento (artigos 122º, n.º 1 e 123º, n.º 1 do CPP) – o que se requer seja declarado, ordenando-se a devolução dos autos à secção central, a fim de ser autuado e redistribuído com instrução.”
Aberta vista ao M.P, promoveu se indeferisse o referido requerimento “por manifesta falta de fundamento legal, dado que, contrariamente ao alegado, foi proferido o douto despacho de fls. 206, notificado a fls.208, já transitado em julgado.”
Aderindo à promoção do M.P., o Tribunal a quo decidiu “ Como bem alega o Digno Magistrado do M.P., não assiste razão ao requerente (arguido) já que o Tribunal se pronunciou, a fls. 206 sobre o requerimento de abertura de instrução, despacho esse notificado a fls. 208, razão pela qual se indefere o ora requerido.”
Ora o requerimento reproduzido supra, foi apresentado pelo arguido porque, entre o requerimento para a abertura da instrução e a notificação das datas designadas para o julgamento, o seu advogado não foi notificado de qualquer acto processual.
Com efeito, o advogado do arguido NÃO FOI NOTIFICADO:
a) Da notificação que foi dirigida ao arguido (apenas e exclusivamente a este), para efeitos de cumprimento do disposto no artigo 80º, n.º 2 do CCJ (fls. 198). Basta compulsar os autos para comprovar a mencionada omissão.
b) Do despacho de fls. 206 (supostamente, notificado a fls. 208). O que se mostra comprovado pela certidão emitida pela Exma. Senhora Escrivã do 2º Juízo, da qual consta que, no dia 19-04-2010 (data aposta no documento de fls. 208), não foi enviada ao advogado do arguido qualquer notificação, - cfr fls 246.
Importa então decidir a quem deve ser feita a notificação a que alude o art.º 80 nº 2 do Código das Custas Judiciais.
Este preceito estipula que na falta de apresentação de documento comprovativo de autoliquidação da taxa de justiça condição de seguimento de recurso, “a secretaria notifica o interessado para proceder à sua apresentação no prazo de 5 dias, com acréscimo de taxa de justiça de igual montante”.
Sendo obviamente o arguido um dos interessados que a lei prevê, cumpre analisar segundo a lei processual como deve efectuar-se a notificação do “interessado”, se na pessoa do mandatário (advogado constituído ou nomeado) ou, e apenas excepcionalmente e quando expressamente previsto na lei, pessoalmente.
As regras gerais sobre as notificações - em processo penal - estão estabelecidas no art. 113º do CPP. A redacção do preceito tem vindo a ser alterada, nomeadamente no ponto aqui relevante, sendo inicialmente regulada inicialmente pelo nº 5, posteriormente pelo nº 7, vigorando actualmente o nº 9 (antigo nº 7).
Operando a aplicação desta regra processual penal, resulta que esta notificação não se enquadra nas excepções previstas na segunda parte do preceito. E só as notificações dessas matérias devem ser feitas ao arguido e defensor/mandatário.
Tal como se defende no Ac desta Relação de 09-04-22 (relator Jorge Dias), e com o qual estamos totalmente de acordo, “ A interpretação do actual nº 9 do art. 113 deverá ser no sentido de que uma notificação devida ao arguido, regra geral, pode/deve ser feita na pessoa do advogado (entendendo-se o termo «podem» como um poder/dever, dada até a facilidade de enviar a notificação postal para o endereço do advogado, pelo que a regra é a notificação na pessoa do defensor, representante/mandatário, sendo a notificação válida); porém há as excepções previstas na segunda parte em que as notificações respeitantes às matérias aí previstas devem (têm obrigatoriamente) de ser notificadas também ao advogado ou defensor nomeado, resultando que devem ser notificadas ao arguido e seu advogado ou defensor, sendo que o prazo para a prática do acto se conta a partir da notificação efectuada em último lugar.” (sublinhado nosso.)
Consequentemente, esta notificação não se enquadra na excepção prevista na segunda parte do nº 9 do art. 113, do CPP.
Aliás, como se assinala no dito acórdão, é este o entendimento da jurisprudência, no sentido de que as decisões que não devam ser notificadas pessoalmente ao arguido, o devem ser preferencialmente ao advogado nomeado ou constituído. O advogado é que conhece o direito e melhor entenderá o conteúdo e significado da notificação.
Também a Relação do Porto (ac de 01-07-1997, in www.dgsi.pt, processo 9740973,) em caso em que apenas se notificou o arguido, entendeu que deveria ser notificado o advogado (mas não os dois). Aí se conclui que “a primeira parte do nº 5 (actual nº 9), do art. 113º, do Código de Processo Penal não posterga a regra de que todas as notificações são feitas aos mandatários, nomeados ou constituídos. Esse dispositivo consagra a mera insubstituibilidade da notificação, pessoal, do arguido pela do defensor, não dispensando, todavia, a deste último, em consonância com o teor do art. 253, do Código de processo Civil”.
E no Ac. da Rel. de Évora, de 06-06-1995, in Col. Jurisp. tomo III, pág. 308, “apesar da ambiguidade do nº 5 (actual nº 9) do art. 113 do CPP, deve entender-se que, havendo advogado constituído, devem-lhe ser notificados todos os despachos proferidos; nos casos específicos apontados no segundo período desse nº 5, além do advogado, deve ser pessoal e obrigatoriamente notificado o arguido”. (apud Ac Rel Coimbra )
A omissão da notificação do advogado determinou a prolação do despacho de fls 206, que nos termos do art 80º, nº 3, do CCJ considerou o requerimento de abertura de instrução sem efeito.
Ora, o STJ por acórdão de 2-02-94, BMJ nº 434, pág 423 já entendia que o art 119º, al. d) do CPP, ao considerar nulidade a falta de instrução, quer referir-se aos casos em que, podendo haver instrução, ela foi requerida em tempo, por quem tem legitimidade.” - apud Germano Marques da Silva in " Curso de Processo Penal II, página 77, nota 2  e PP Albuquerque, Com CPP, pág 304, nota 10.
De notar que também o despacho que julgou sem efeito o requerimento de abertura da instrução não foi notificado ao advogado do arguido.
Aquela omissão constitui pois uma nulidade insanável. Mas ainda que de mera irregularidade se tratasse, foi arguida tempestivamente – cfr fls 218 – e afecta de forma grave o valor do acto praticado, o que determina a repetição do processado desde então.
Haverá então que declarar a nulidade insanável p.p. art 119º, com os efeitos previstos no art 122º,nºs 1 e 2 ambos do CPP.
As restantes questões e recursos resultam prejudicados.

III – DISPOSITIVO

Nos termos e com os fundamentos expostos, julga-se procedente o primeiro recurso intercalar e declara-se ferido de nulidade insanável do art.º 119.º, al. c), do CPP o despacho de fls 206, datado de 16-04-2010, anulando-se todos os posteriores actos processuais praticados, devendo ser notificado o advogado do arguido nos termos e para os efeitos do artigo 80º, nº 2 do CCJ, em cumprimento do disposto no artigo 113º do CPP (mormente o seu nº 9) reatando-se o processado.
Sem tributação.
 









Isabel Valongo (Relatora)
Paulo Guerra




 

[1]     Do ponto de vista técnico-jurídico processual penal e de justiça material.
[2]  Não fosse a compreensível emoção da defesa dos interesses do seu constituinte.
[3]  Demonstram os Autos, claramente, que o requereu: — cfr. fls. 308.
[4]  Demonstram os Autos, claramente, que o foi: — cfr. fls. 308.
[5]  Demonstram os Autos, claramente, que o fez: — cfr. fls. 332 a 331.
[6]  Demonstram os Autos, claramente, que o foi: — cfr. fls. 346.
[7]  Demonstram os Autos, claramente, que o foi: — cfr. fls. 346.
[8]  A douta Sentença julgou provados factos constantes dos documentos de fls. 269 e 270, a que o próprio arguido fez uso no decurso do seu interrogatório (cfr. fls. 286) e, por isso, doutamente ordenada a sua junção aos Autos (cfr. fls. 286).