Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1923/17.3T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
OPOSIÇÃO
CREDOR
HOMOLOGAÇÃO
PLANO DE RECUPERAÇÃO
Data do Acordão: 01/23/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU, VISEU, JUÍZO DE COMÉRCIO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 196.º, 197.º E 216.º, N.º 1, AL. A), DO CIRE
Sumário: 1. O CIRE tem como objectivo principal, a recuperação, a revitalização da empresa em estado de pré-insolvência, relegando para segundo plano a respectiva liquidação. Dá-se relevância à recuperação da empresa, em detrimento do anterior objectivo primordial, que era o de, em primeira linha, obter a satisfação dos direitos dos credores, por sobreposição às possibilidades de recuperação da devedora.

2. Daqui resulta que os credores, melhor dito, da sua maioria, dispõem de uma ampla autonomia quanto à forma como podem recuperar os seus créditos, ponderando a possibilidade de liquidação da empresa ou a sua viabilidade/recuperação, de acordo com o plano aprovado, sem que, como é óbvio, possam violar o princípio da igualdade entre credores, consagrado no artigo 194.º do CIRE.

3. Deve ser recusada a homologação do plano, se tal for solicitado por algum credor que se lhe haja oposto, se a sua situação ao abrigo de tal plano for previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano.

Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A... , L.da, com sede na Rua (...) , intentou o presente processo especial de revitalização, tendo em vista a promoção da respectiva revitalização através da aprovação de plano de recuperação.

Foi nomeado administrador judicial provisório, que apresentou a lista provisória de créditos a que alude o art. 17.º- D do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

A lista foi objecto de impugnações, oportunamente decididas, por decisão transitada em julgado.

Decorrido o prazo de negociações, acrescido de prorrogação por trinta dias, a devedora remeteu ao tribunal o plano de recuperação, acompanhado de documento elaborado e assinado pelo administrador judicial provisório contendo o resultado da votação, bem como dos votos emitidos. Requereu a homologação do plano de recuperação aprovado.

Conclusos os autos ao M.mo Juiz, foi proferida a decisão de fl.s 258 e 259, que se passa, parcialmente, a transcrever:

“Cumpre apreciar e decidir:

As negociações encetadas foram concluídas no prazo legal previsto no artigo 17.º-D, n.º 5.

No prazo a que alude o n.º 3, do artigo 17.º-G nenhum interessado solicitou a não homologação do plano.

Não se verifica a violação de normas imperativas e não resulta demonstrada qualquer violação não negligenciável de regra procedimental ou relativa ao conteúdo do plano e não se vislumbra qualquer situação de prejuízo ou desigualdade injustificada para os credores, nem a omissão de qualquer ato prévio à homologação, pelo que deve ser homologado por sentença o plano de recuperação aprovado.

3.

Pelo exposto, de harmonia com o preceituado no n.º 7, do artigo 17.ºF do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, homologo por sentença o plano de recuperação junto a fls. 203 (duzentos e três) a 228 (duzentos e vinte e oito), da sociedade A... , Lda., pessoa coletiva n.º 508 923 620, com sede na Rua (...) , plano esse que vincula os credores, mesmo os que não hajam participado nas negociações.

Custas a suportar pela devedora (art.º 17.ºF, n.º 11).

Registe, notifique e publicite (art.º 17.ºF, n.º 10).”.

Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso, o credor reclamante, B... , SA, o qual foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 284), finalizando as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:

1- No dia 18 de Fevereiro de 2014 foi celebrado entre a recorrente e a devedora um contrato de locação financeira, no qual foi convencionado um prazo de 72 meses para a locação, com 72 rendas mensais (incluindo IVA), no valor de 433,87€, cada, e o valor residual de 4,99€, a que acresce IVA, com inicio a 18 de Fevereiro de 2014 e termo em 01 de Fevereiro de 2020.

2- O referido contrato, a que coube o número 10581, à data da apresentação da referida reclamação de créditos e conforme consta no seu teor, estava em curso e a ser cumprido pela devedora, pelo que não foi, nem se encontrava resolvido.

3- Quanto à recorrente, o plano apresentado estipula o seguinte: “…a dívida existente à data do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano e o crédito vincendo será paga em 58 prestações mensais e sucessivas, com juros vincendos à taxa Euribor a 12 meses, se positiva, acrescida de um spread de 3,00% (nas mesmas condições do PER). O vencimento da primeira prestação ocorre 30 dias após o trânsito em julgado da sentença de homologação. Relativamente às demais questões aqui não estipuladas, mantém-se as condições contratualizadas…”.

4- Logo, de imediato verifica-se um aumento das prestações vincendas que à data da reclamação de créditos eram 34, para 58.

5- A recorrente votou contra o plano apresentado e considerou que a devedora deveria manter os termos do contrato celebrado.

6- A homologação do plano de revitalização traduz-se numa alteração ao contrato de locação financeira celebrado com a devedora.

7- O plano de revitalização apresentado, no que se refere aos contratos bilaterais, como é o caso do contrato em crise nestes autos, não se suspendem no seu decurso, nem o devedor pode optar pela sua recusa ou cumprimento.

8- Isto significa que, não se encontrando resolvido o contrato de locação financeira celebrado com a devedora, mantém-se as obrigações recíprocas e sinalagmáticas.

9- Logo, não tendo o plano sido aprovado pela recorrente, a sua homologação consubstancia uma alteração unilateral ao contrato celebrado, a qual não é acolhida pelo disposto no art. 437º do CC.

10- Como tal “…a modificação unilateral do contrato consubstanciaria a imposição ao credor, contra a sua vontade, de uma diferente relação jurídica e posição contratual, o que seria uma afronta grave e injustificável aos seus direitos…”.

11- Pelo exposto, o plano de revitalização aprovado não deverá produzir efeitos quanto ao contrato de locação financeira celebrado com a recorrente, mantendo-se os termos do mesmo.

Com o que V. Exas farão JUSTIÇA!

Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.         

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639, n.º 1, ambos do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se o plano de revitalização da requerente não deve ser homologado, por conter violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo e ainda, porque a sua aprovação é menos favorável do que a que resultaria sem a sua existência, com o fundamento em que o mesmo se traduz numa alteração unilateral ao contrato celebrado com a requerente, com o consequente aumento das prestações vincendas.

A factualidade a ter em conta é a que consta do relatório que antecede, acrescida do seguinte:

1. Do Plano de Recuperação proposto e aprovado pela maioria dos credores, junto de fl.s 204 a 215 v.º, aqui dado por reproduzido, consta, sob a designação de “9. Plano de Pagamento Proposto”, o seguinte:

“9.1.1. Créditos privilegiados

Segurança Social

Pagamento de acordo com o que consta do plano de pagamento prestacional n.º 1921/2017 já alcançado e em curso no âmbito de Processo Executivo n.º 1801201400197017 e apensos, com a manutenção das garantias nele prestadas (isenção de garantia). Tal implicará o pagamento da dívida em 120 prestações.

Autoridade Tributária

Pagamento da quantia reclamada e reconhecida de 283,77 euros, acrescido de juros e legais acréscimos, até ao final do mês seguinte à data da sentença homologatória.

De natureza laboral

Considera-se a carência de capital por 12 meses contados a partir do trânsito em julgado da sentença de homologação do PER e reembolso da totalidade da dívida reconhecida em 96 prestações mensais. Foi considerado apenas e só para efeitos da elaboração deste plano de recuperação (e não constituindo vínculo para a recuperanda perante os credores em cumprir o início dos pagamentos nessa mesma data), que a primeira prestação será paga em outubro de 2018.

9.1.2. Créditos Comuns

Instituições Bancárias

Considera-se a consolidação da dívida, capital (totalidade) e juros vencidos não pagos, à data do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano. Os juros (remuneratórios e moratórios) vencidos até à data do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano serão calculados à taxa contratada.

Pagamento de juros vincendos à taxa Euribor a 12 meses, se positiva, acrescida de um spread de 3,00%. Na hipótese de a taxa de referência ser negativa ou igual a zero, para efeitos de cálculo da taxa, considera-se como sendo de valor igual a zero.

Carência de capital por 12 meses contados a partir do trânsito em julgado da sentença de homologação do PER.

Reembolso da dívida consolidada de capital e juros em 108 prestações mensais, correspondendo as primeiras 107 a 80% da divida e a 108.ª prestação “bullet” correspondente a 20% do crédito consolidado à data do trânsito em julgado da sentença homologatória do PER;

O vencimento da primeira prestação de juros ocorre 30 dias após o trânsito em julgado da sentença de homologação do PER e a primeira amortização de capital no 13.º mês após essa mesma data.

Nos contratos de locação financeira mobiliária, (sublinhado nosso) a dívida existente à data do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano e o crédito vincendo será paga em 58 prestações mensais e sucessivas, com juros vincendos à taxa Euribor a 12 meses, se positiva, acrescida de um spread de 3,00% (nas mesmas condições do PER). O vencimento da primeira prestação ocorre 30 dias após o trânsito em julgado da sentença de homologação. Relativamente às demais condições aqui não estipuladas, mantêm-se as condições contratualizadas.

Serão mantidas todas as garantias existentes.

Os créditos sob condição em que se tenha verificado ou venha a verificar a condição resolutiva terão exactamente o tratamento dos créditos da mesma natureza.

Foi considerado apenas e só para efeitos da elaboração deste plano de recuperação (e não constituindo vínculo para a recuperanda perante os credores em cumprir o início dos pagamentos nessa mesma data), que o primeiro pagamento de juros ocorrerá em outubro de 2017 e a primeira amortização de capital em outubro de 2018.

Fornecedores

Considera-se perdão de juros vencidos e vincendos, carência de capital por 12 meses contados a partir do trânsito em julgado da sentença de homologação do PER e reembolso da totalidade do capital reconhecido em 108 prestações mensais, correspondendo as primeiras 107 a 80% da divida e a 108.ª prestação “bullet” correspondente a 20%, vencendo-se a primeira prestação no 13.º mês após a data do trânsito em julgado da sentença homologatória do PER.

Foi considerado apenas e só para efeitos da elaboração deste plano de recuperação (e não constituindo vínculo para a recuperanda perante os credores em cumprir o início dos pagamentos nessa mesma data), que a primeira prestação será paga em outubro de 2018.”.

Se o plano de revitalização da requerente não deve ser homologado, por conter violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo e ainda, porque a sua aprovação é menos favorável do que a que resultaria sem a sua existência, com o fundamento em que o mesmo se traduz numa alteração unilateral ao contrato celebrado com a requerente, com o consequente aumento das prestações vincendas.

No que a esta questão respeita, alega, em súmula, a recorrente que em virtude de lhe ser imposto um maior número de prestações, com vista a recuperar a quantia correspondente aos bens locados, ao passo que a requerente continua a usufruir destes, tendo-se oposto ao plano aprovado, não deve o mesmo aplicar-se em relação a si, sob pena de se verificar uma violação não negligenciável e ainda porque se verifica a situação prevista no artigo 216.º, n.º 1, al. a), do CIRE, porquanto fica numa situação menos favorável do que aquela em que estaria na ausência de qualquer plano, dado que como o contrato não foi resolvido, nem o pode ser, no âmbito do PER, o número de prestações acordadas é inferior ao que resulta do plano.

Nos termos do disposto no artigo 215.º do CIRE refere-se que “O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza…”.

Assim, impõe-se uma abordagem do que se deve entender por “violação não negligenciável” (e, no reverso da situação, o que se entende por violação negligenciável) dos procedimentos ou de normas substantivas aplicáveis ao plano de recuperação apresentado.

Por outro lado, importa não esquecer que a possibilidade de conformação do plano de recuperação aprovado pelos credores, limita, restringe, ou pode fazê-lo, a esfera dos direitos de cada um, ou alguns, dos credores da devedora, na medida em que o plano fixa em que medida se opera a redução ou o perdão dos créditos e juros, a constituição de garantias e validade e relevância das anteriormente constituídas, nos termos do disposto nos artigos 196.º e 197.º do CIRE.

Isto porque, como se refere, entre outros, nos Acórdãos do STJ, de 10/04/2014, Processo 83/13.3TBMCD-B.P1.S1 e de 25/03/14, Processo 6148/12.1TBBRG.G1.C1, disponíveis no respectivo sítio do itij, depois da reforma operada pela Lei 16/2102, de 20/4, o CIRE tem como objectivo principal, a recuperação, a revitalização da empresa em estado de pré-insolvência, relegando para segundo plano a respectiva liquidação.

Dá-se relevância à recuperação da empresa, em detrimento do anterior objectivo primordial, que era o de, em primeira linha, obter a satisfação dos direitos dos credores, por sobreposição às possibilidades de recuperação da devedora.

Como refere Menezes Cordeiro, in “Perspectivas Evolutivas do Direito da Insolvência”, Thémis, Ano XII, n.os 22/23, 2012, pág.s 40 a 42, como linha inovadora da citada reforma surge “a primazia da satisfação dos credores; a ampliação da autonomia privada dos credores; a simplificação do processo … a recuperação surge à frente como mera eventualidade, totalmente dependente da vontade dos credores. Mas esta primazia não funciona apenas em detrimento da empresa: ela exige, também, o sacrifício de terceiros que tenham contratado com a entidade insolvente.”.     

É no âmbito dos poderes de conformação do plano por parte da maioria dos credores de uma empresa em estado de pré-insolvência que surge a possibilidade de, nos termos do disposto no artigo 196.º do CIRE, lançar mão das (ou alguma (s)) providências nele referidas, designadamente o perdão ou redução do valor dos créditos, de capital ou de juros; condicionamento de reembolso de créditos; modificação de prazos de vencimento e taxas de juros; constituição de garantias e cessão de bens aos credores e outras ali não previstas, uma vez que, cf. seu n.º 1, se refere que “O plano de insolvência pode, nomeadamente, conter as seguintes providências …”, o que, fora de dúvidas faz transparecer a ideia de que será possível usar outras providências, para além das ali expressamente indicadas, desde que contidas e descritas no plano de recuperação.

Por idênticas razões, se permite, conforme estipulado no artigo 197.º do CIRE, desde que expressamente estatuído no plano de insolvência, a afectação dos direitos decorrentes de garantias reais e de privilégios creditórios que versem sobre bens da empresa pré-insolvente.

Como se refere no Acórdão do STJ, de 25/03/14, acima já citado “A expressão “na ausência de estatuição expressa em sentido diverso constante do plano de insolvência”, atribui cariz supletivo ao preceito, o que implica que pode haver regulação diversa, contendendo com os créditos previstos nas al.s a) e b) o que deve ser entendido como afloração do princípio da igualdade e reconhecimento que, dentro da legalidade exigível, o plano pode regular a forma como os credores estruturam o Plano de Insolvência. Só assim não será se não houver expressa adopção de um regime diferente.”.

No mesmo sentido se pronunciam Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, 2.ª Edição, Quid Juris, 2013, a pág. 762 que ali defendem que “sendo o plano um meio alternativo de prossecução do interesse dos credores, que afasta o recurso à liquidação universal do património do devedor, ele deve conter, na plenitude, a regulação sucedânea dos interesses sob tutela, seja para evitar incertezas que sempre poderiam advir da concorrência de acordos ou estipulações estranhas ao instrumento geral, seja por razões de transparência, que aconselham que tudo fique devidamente explicitado para todos os credores poderem conhecer plenamente a situação e assim apreciá-la e valorá-la de modo a melhor fundamentarem a sua opção.

Adrede, está ainda a salvaguarda do princípio da igualdade.”.

Ali acrescentando a fl.s 762 e 763 que “Corolário fundamental do regime fixado no preceito é o de que os direitos decorrentes de garantias reais e de privilégios creditórios existentes podem ser atingidos, desde que a afectação conste do plano, e nos termos nele especialmente previstos (…)

Naturalmente, a exigência da dispensa do acordo de cada um dos credores que perca garantias ou privilégios, bastando a observação da maioria comum, constitui um importante instrumento de facilitação da aprovação de planos de insolvência.”.

Daqui resulta que os credores, melhor dito, da sua maioria, dispõem de uma ampla autonomia quanto à forma como podem recuperar os seus créditos, ponderando a possibilidade de liquidação da empresa ou a sua viabilidade/recuperação, de acordo com o plano aprovado, sem que, como é óbvio, possam violar o princípio da igualdade entre credores, consagrado no artigo 194.º do CIRE.

Princípio, este que, como já referido, não tem um carácter absoluto, uma vez que na parte final do n.º 1 do artigo 194.º do CIRE se estabelece a possibilidade de o mesmo poder ser derrogado por “razões objectivas”.

Derrogação, esta, que assenta em razões de proporcionalidade, princípio que, igualmente, goza de matriz constitucional, baseado em razões de adequação das medidas aos fins; necessidade ou exigibilidade das medidas e proporcionalidade em sentido estrito ou “justa medida”.

Como refere Jorge Reis Novais in “Princípios Estruturantes da República Portuguesa”, pág. 171, citado no Acórdão do STJ, em referência, “a observância ou a violação do princípio da proporcionalidade dependerão da verificação da medida em que essa relação é avaliada como justa, adequada, razoável, proporcionada ou, noutra perspectiva, e dependendo da intensidade e sentido atribuídos ao controlo, da medida em que ela não é excessiva, desproporcionada, desrazoável.”.

Por último, nesta sede, de considerar que, como defende Gisela Fonseca in “Direito da Insolvência – Estudos”, Coordenação de Rui Pinto, Coimbra Editora, 2011, no texto “A Natureza do Plano de Insolvência”, o plano de insolvência tem uma natureza complexa, configurável como uma transacção, um verdadeiro contrato, que não exige, para ter eficácia, a concordância de todos os intervenientes, bastando para tal a aprovação ou consentimento de uma simples maioria deles.

Como ali se refere “A concretização do plano de insolvência permite aos credores a composição dos interesses emergentes do processo, de acordo com a sua própria vontade, revestindo-se, assim, de uma natureza negocial.”.

Esta ponderação de interesses, tendo em vista a salvaguarda do princípio da igualdade entre credores, violado este, no plano aprovado, deve conduzir a que o juiz recuse oficiosamente a aprovação do plano sempre que exista uma violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, conforme se acha disposto no artigo 215.º do CIRE, em que se enquadra a injustificada, desadequada, arbitrária ou injusta, violação do direito à igualdade entre credores, nos moldes em que este se encontra consagrado no artigo 194.º, n.º 1, do CIRE.

Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., de pág.s 826 a 828, devem considerar-se “não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza. Diversamente, são desconsideráveis as infracções que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem, todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido.

(…)

O que importa é, pois, sindicar se a nulidade observada é susceptível de interferir com a boa decisão da causa, o que significa valorar se interfere ou não com a justa salvaguarda dos interesses protegidos ou a proteger – nomeadamente, no que respeita à tutela devida à posição dos credores e do devedor nos diversos domínios em que se manifesta.

(…)

Apenas cabe uma nota complementar para alertar não poder deixar de se ponderar o facto de a lei propender a pôr nas mãos dos credores a decisão sobre o destino do processo, e, nessa medida, o tribunal deve mostrar generosidade na sindicação da bondade do por ele deliberado, na ponderação de que ninguém melhor do que os credores saberá o modo de mais adequadamente defender os seus próprios interesses.”.

Ora, tendo em vista o que ora se deixou dito e analisando o que consta do plano de recuperação aprovado, relativamente ao plano de pagamentos proposto, verifica-se que relativamente a todos eles se fixa o pagamento em prestações e em relação ao créditos comuns de instituições bancárias até se acordou num período de carência de capital, pelo que, sob este prisma (e em bom rigor nem a requerente, pelo menos, expressamente, o refere), nada impedia/impede a aprovação do plano.

Mais concretamente sobre a alegada situação menos favorável do que a que resultaria sem a sua existência, com o fundamento em que o mesmo se traduz numa alteração unilateral ao contrato celebrado com a requerente, com o consequente aumento das prestações vincendas, também, a mesma, salvo o devido respeito, não se verifica.

De acordo com o disposto no artigo 216.º, n.º 1, al. a), do CIRE, deve ser recusada a homologação do plano, se tal lhe for solicitado por algum credor que se lhe haja oposto, se a sua situação ao abrigo de tal plano for previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano.

No entanto, como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., a pág.s 832 e 833, para aferir de tal situação, importa proceder “a um exercício intelectual de prognose, frequentes vezes complexo, que se traduz em comparar o que se antevê resultar da homologação do plano, para o reclamante, com aquilo que aconteceria na ausência dele.

Relativamente aos credores, isto reconduz-se a cotejar quanto recebem com o plano e quanto se estima que receberiam sem ele.

(…)

Ora, é exactamente a concretização da comparação que muitas vezes se revelará de extrema dificuldade exatamente porque importa avaliar a priori o que a massa insolvente pode render no caso de venda universal.

(…)

Bem vistas as coisas, pois, o que substancialmente importa é a comparação entre a situação emergente da homologação do plano e a que interviria na sua ausência.”.

Ora, quanto a tal prognose, a requerente nada alega nem concretiza, pelo que, desde logo, não se poderá ter como verificada a situação prevista no citado artigo 216.º, n.º 1, al. a).

Como se refere no Acórdão do STJ, de 03/03/2015, Processo n.º 1480/13.0TYLS.L1.S1, disponível no respectivo sítio do itij, o plano de recuperação, que se impõe mesmo aos que o não aprovaram e mesmo aos que não participaram das negociações, cf. artigo 17.º-F, n.º 6, do CIRE “não vai deixar tudo na mesma, sob pena de ser inútil. Implicará alterações no que respeita aos prazos de cumprimento das obrigações a que o devedor estava vinculado e, porventura, nos montantes pecuniários devidos, seja na sua globalidade, seja quanto ao valor e ao número de prestações parcelares.”.

Ali se acrescentando que:

“É natural que um plano de recuperação implique alterações, designadamente, quanto aos prazos de cumprimento das obrigações a que o devedor esteja vinculado, aos montantes devidos e ao número de prestações parcelares.

Assim, o simples facto de não se concordar com tais alterações não justifica o pedido de não homologação do plano em causa. E muito menos se justifica a não homologação oficiosa, a não ser que se verifique algum dos condicionalismos previstos no artigo 215.º”.

E sem esquecer que se é verdade que o recorrente fica com os contratos de locação pendentes e impossibilitado de retoma dos bens locados, fica com a possibilidade de receber as rendas contratualizadas.

Ou seja, se com a aprovação do plano em causa, recebe as rendas contratadas mais tardiamente – mercê do aumento do número de prestações – o certo é que poderá receber as rendas futuras à homologação ou vir a retomar os bens locados em caso de incumprimento do plano.

Sem esquecer que, sem a aprovação do plano, se cairia, de imediato, numa situação de insolvência do devedor, com a consequente venda universal dos bens que constituiriam a massa insolvente e sem que a ora recorrente tenha garantias que lhe possibilitassem, em tal caso, o ressarcimento, integral ou sequer parcial, do seu crédito.

Como, na mesma senda, se decidiu no Acórdão da Relação do Porto, de 15/12/2016, Processo n.º 1542/16.1T8STS.P1, disponível no respectivo sítio do itij:

“Obtido o quórum legalmente exigido de mais de dois terços dos créditos do devedor, podem os credores dissidentes, em condições de paridade, vir a ficar vinculados ao acordo obtido pela maioria dos credores, ainda que a fonte dos créditos dos credores não aderentes ao acordo seja um contrato de locação financeira.

Esta vinculação dos credores dissidentes por força do acordo obtido por uma maioria qualificada constitui precisamente um dos casos em que a lei permite a modificação do contrato, independentemente do acordo das partes, tal como é consentido no n.º 1 do artigo 406.º do Código Civil.”.

Sem esquecer que resta incólume o direito de propriedade da recorrente sobre os bens locados, repercutindo-se o plano tão só sobre os créditos emergentes desse contrato e correspondentes à remuneração do gozo concedido e reiterando-se que a recorrente é um credor comum a concorrer com os demais, o que não lhe garantiria que fosse ressarcida do seu crédito, em caso de insolvência do devedor.

E como acima já se aludiu, o reescalonamento da dívida foi aprovado relativamente a todos os credores e constitui a condição para que estes tenham a possibilidade de virem a obter a melhor satisfação possível dos seus créditos, relativamente às possibilidades concretas do devedor, em que radica a suprema finalidade do PER.

Para mais, repete-se, sem que no caso em apreço, se vislumbre, em resultado do plano de pagamentos proposto, um tratamento mais favorável, discriminatório ou injustificado de algum ou alguns dos credores.

Do que decorre não violar a decisão recorrida os invocados preceitos.

Assim, face ao exposto, é de manter a decisão recorrida, improcedendo o presente recurso.

            Nestes termos se decide:      

            Julgar improcedente o presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

            Coimbra, 23 de Janeiro de 2018.