Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
81/14.0TTCTB.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: PROCESSO DE CONTRAORDENAÇÃO
CONDENAÇÃO
PAGAMENTO
CRÉDITO LABORAL
CONTA
Data do Acordão: 01/28/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO – CASTELO BRANCO – INST. CENTAL – 1ª SEC. DE TRABALHO.
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 564º, NºS 2 E 3 DO CÓDIGO DO TRABALHO; 27º DA LEI Nº 107/2009, DE 14/09.
Sumário: I – A condenação no pagamento dos créditos laborais em dívida para com os trabalhadores resulta do preceituado no artº 564º do C. Trabalho.

II – Existem alguns preceitos legais que, quando conjugados, levam a concluir que os créditos laborais em que o empregador tenha sido condenado no âmbito do processo contraordenacional, devem ser considerados na conta final do processo, com a emissão das competentes guias para a sua liquidação.

III – Uma dessas normas encontra-se inserida no nº 4 do artº 27º da Lei nº 107/2009, de 14/09 (Regime jurídico processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social); outra é o artº 564º, nºs 2 e 3 do Código do Trabalho.

IV – Interpretando conjuntamente os dispositivos citados, afigura-se que resulta da lei que sempre que ocorra, em processo contraordenacional laboral, uma condenação do empregador em créditos laborais em dívida a trabalhadores, nos termos do artº 564º CT, deve a quantia em causa ser levada à conta final do processo, correspondendo a um pagamento que é devido a ‘outras entidades’ – artº 30º, nº 3, al. c) do R.C.Processuais, aplicável ex vi do artº 59º da Lei nº 107/2009 -, por força da decisão condenatória e, como tal devem ser emitidas as respectivas guias para liquidação.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

A..., Lda., devidamente identificada nos autos, impugnou judicialmente a decisão da Autoridade Para as Condições do Trabalho.

Recebida tal impugnação, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a impugnação parcialmente procedente e, em consequência, condenou a impugnante pela prática das contraordenações descritas nos autos:

- no pagamento da coima única no montante de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), a que acrescem custas legais, sendo solidariamente responsáveis pelo pagamento da coima os legais representantes da arguida, B... e C... , nos termos do n.º 3 do artigo 551º do Código do Trabalho.

- no pagamento das quantias em dívida aos trabalhadores, no montante de 21.459,27 euros, de acordo com o disposto no artigo 564º, n.º 2, do Código do Trabalho.

Desta decisão foi interposto recurso pela impugnante, sobre o qual incidiu o acórdão que faz fls. 430 a 449 dos autos que negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.

Tendo os autos descido à 1ª instância, foi aberta conclusão com a informação, prestada por Escrivão Adjunto, “de que ao pretender elaborar a conta de custas nos presentes Autos, verifiquei que a soma das quantias a pagar aos trabalhadores não corresponde à constante de fls. 425 e 425º vº, pelo que V. Exª ordenará o que tiver por conveniente”.

Na sequência, foi proferido o seguinte despacho (referência nº 26009822):

«Compulsada a decisão proferida, verifica-se que a mesma padece efetivamente de um erro de cálculo, já que a soma das várias parcelas inscritas a fls. 424 e fls. 425, não corresponde à quantia de 21.459, 27, mas sim ao montante de 23.071,78€.

Assim sendo, retifica-se a sentença proferida, nos termos referidos, devendo passar a ler-se 23.071,78€, onde antes se lia 21.459,27€.»

Foi, então, elaborada a conta final do processo, devidamente notificada às partes, nos termos previstos pelo artigo 31º do Regulamento das Custas Processuais.

A impugnante requereu a reforma da conta e reclamou da mesma.

A Meritíssima Juíza a quo proferiu o seguinte despacho (referência nº 26285687):

«Veio a arguida recorrente reclamar da conta de custas elaborada nos autos, pretendendo que sejam retirados da conta de custas os valores que foi condenada a pagar aos seus trabalhadores; e que sejam autonomizados na conta de custas os valores por cujo pagamento responde apenas a empresa, daqueles em que existe solidariedade na responsabilidade pelo pagamento.

Acompanhando a douta promoção que antecede, bem com a informação lavrada pela Secção, entende-se, em primeiro lugar, que a conta de custas deve conter – como na realidade contém – quer o valor da coima, quer os valores referentes aos créditos dos trabalhadores em que a arguida foi condenada.

Tal entendimento decorre da interpretação que se faz do disposto no art. 27º, nº 4, da Lei nº 107/2009, do qual se extrai que aqueles últimos créditos integram a conta de custas, sendo, inclusivamente, pagos em primeiro lugar na hipótese de pedido de pagamento em prestações.

De referir que, a circunstância de os créditos dos trabalhadores integrarem a conta de custas, tal não significa que, na hipótese de pagamento, voluntário ou coercivo, o respetivo montante seja entregue ao Estado, pois o que sucede é que esse montante é entregue a cada um dos trabalhadores, como resulta, aliás, da própria conta de custas sob a designação “Pagamento a entidades – Outros pagamentos”.

De modo que, embora devam constar da conta de custas, o certo é que devem nessa mesma conta surgir autonomamente relativamente à conta referente ao valor da coima e custas processuais, já que poderão ser diferentes as pessoas ou entidades responsáveis, que pelo pagamento, quer pela cobrança coerciva, como aliás, defende a reclamante.

Assim sendo, e na senda do doutamente promovido, determina-se a manutenção na conta dos valores dos créditos dos trabalhadores, mas com autonomia relativamente à coima e custas processuais.


*

Sem custas.»

Não se conformando com este despacho, veio a impugnante interpor recurso do mesmo, finalizando as suas alegações com as conclusões que se transcrevem:

[…]

Nestes termos e nos que serão certa e doutamente supridos, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o Douto Despacho Recorrido, determinando-se assim a não passagem da guia corresponde aos montantes inerentes aos créditos dos trabalhadores e/ou declarar a guia que se encontra emitida nula, só assim se entendendo ser feita a desejada e habitual justiça.»

O recurso foi admitido pelo tribunal de 1ª instância.

O Ministério Público respondeu à motivação de recurso, propugnando pela improcedência do mesmo.

Tendo os autos subido à Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, manifestando a sua concordância com o decidido.

Não foi oferecida resposta a tal parecer.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


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II. Objeto do Recurso

É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso.

Em função destas premissas, a única questão que importa apreciar consiste em saber se as guias para liquidação dos créditos dos trabalhadores deveriam ou não ter sido emitidas.


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III. Matéria de Facto

A matéria de facto a atender é a que consta do relatório supra, para a qual remetemos, sem necessidade da sua repetição.


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IV. Enquadramento jurídico

Conforme referido supra, a questão suscitada em sede de recurso consiste em saber se as guias para liquidação das quantias devidas aos trabalhadores, em que a recorrente foi condenada, deveriam ou não ter sido emitidas.

Na concreta situação dos autos, a recorrente foi condenada, por decisão transitada em julgado, no pagamento de uma coima única pela prática de ilícitos contraordenacionais, bem como no cumprimento do dever omitido que se traduziu no pagamento dos quantitativos apurados, que se mostram em dívida aos trabalhadores, que totalizam o valor de 23 071,78 €.

A condenação no pagamento dos créditos laborais em dívida para com os trabalhadores, resulta do preceituado no artigo 564º do Código do Trabalho.

Deveria ou não esta quantia em dívida ter sido levada à conta final do processo, com a consequente emissão das guias para liquidação da mesma?

Esta é a questão nuclear dos autos.

E existem alguns preceitos legais que, quando conjugados, levam a concluir que os créditos laborais em que o empregador tenha sido condenado no âmbito do processo contraordenacional, devem ser considerados na conta final do processo, com a emissão das competentes guias para a sua liquidação.

Uma dessas normas, encontra-se inserida no nº4 do artigo 27º da Lei nº 107/2009, de 14 de setembro (Regime jurídico processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social).

Estipula este normativo que «[n]os casos em que seja autorizado o pagamento da coima em prestações, são pagos com a primeira prestação e pela seguinte ordem:

a) Créditos laborais em que o empregador tenha sido condenado;

b) Dívidas à segurança social e respetivas custas.»

Ou seja, resulta desta norma que o empregador que tenha sido condenado no pagamento de créditos laborais em dívida a trabalhadores tem de proceder ao seu pagamento em tribunal juntamente com a primeira prestação da coima (salvo se tiver demonstrado que tais créditos já se mostram liquidados, naturalmente). Infere-se da norma que o tribunal deve integrar a condenação do dever omitido na conta de custas e emitir a respetiva guia para liquidação, pois é através da mesma que o devedor pode liquidar a quantia em falta.

Também dos nºs 2 e 3 do artigo 564º do Código do Trabalho, se infere a ligação entre o pagamento da coima e a condenação no cumprimento do dever de pagamento de créditos laborais em dívida aos trabalhadores.

Consagra o nº2 do dispositivo: «A decisão que aplique a coima deve conter, sendo caso disso, a ordem de pagamento de quantitativos em dívida ao trabalhador, a efetuar dentro do prazo estabelecido para o pagamento da coima.»

Por sua vez, o nº3 do mencionado artigo 564º, estipula: «Em caso de não pagamento, a decisão referida no número anterior serve de base à execução efetuada nos termos do artigo 89º do regime geral das contraordenações, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de setembro (…).»

Ora, nos termos do referenciado artigo 89º do regime geral das contraordenações, a execução por falta de pagamento de créditos laborais em que o empregador tenha sido condenada é proposta pelo Ministério Público.

Interpretando conjugadamente os dispositivos legais referidos, afigura-se-nos que resulta da lei que sempre que ocorra, em processo contraordenacional laboral, uma condenação do empregador em créditos laborais em dívida a trabalhadores, nos termos do artigo 564º do Código do Trabalho, deve a quantia em causa ser levada à conta final do processo, correspondendo a um pagamento que é devido a “outras entidades” [artigo 30º, nº3, alínea c) do Regulamento das Custas Processuais, aplicável ex vi do artigo 59º da Lei nº 107/2009] por força da decisão condenatória e, como tal devem ser emitidas as respetivas guias para liquidação. Não sendo a quantia paga no prazo legal, compete ao Ministério Público interpor a ação executiva para satisfação dos aludidos créditos.

Deste modo, por força da solução legal consagrada é o Estado que atua, cobrando a satisfação dos créditos laborais dos trabalhadores (que posteriormente serão entregues aos seus destinatários), procedendo, se necessário, através do Ministério Público, à interposição da ação judicial competente para liquidação de tais créditos (artigo 219º da Constituição da República Portuguesa).

Por conseguinte, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida e a consequente consideração do crédito devido aos trabalhadores na conta de custas, com a emissão das competentes guias para liquidação de tal crédito.

Acresce que conforme é referido na decisão posta em crise, o crédito em causa não fica para o Estado, pois o mesmo é considerado na conta como “Pagamentos a outras entidades- Outros pagamentos”, encontrando-se o crédito de cada trabalhador devidamente discriminado no descritivo da conta.

Quanto à alegada impossibilidade do pagamento dos aludidos créditos laborais em prestações, por força do preceituado no artigo 27º da Lei nº 107/2009 e 33º do Regulamento das Custas Processuais, foi manifesta opção do legislador impedir o pagamento faseado sempre que a sua liquidação só se efetive por via da intervenção do Estado.

No caso em apreço nos autos, a recorrente não demonstrou ter firmado qualquer acordo com os trabalhadores para pagamento dos créditos laborais em que foi condenada, pelo que as guias para liquidação de tais créditos foram devidamente emitidas, inexistindo fundamento para declarar a sua nulidade.

Concluindo, o recurso mostra-se improcedente.


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V. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar o recurso improcedente, e consequentemente, confirmam a decisão recorrida.

Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

Coimbra, 28 de janeiro de 2016

 (Paula do Paço)

 (Ramalho Pinto)