Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
773/13.0T2OVR.P1.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: EXECUÇÃO DE SENTENÇA PENAL
COMPETÊNCIA
CONDENAÇÃO LÍQUIDA
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
TRIBUNAL CRIMINAL
JUÍZO DE EXECUÇÃO
REGIME
INCOMPETÊNCIA
Data do Acordão: 02/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA – OVAR – JUÍZO DE EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 102.ºA/2 DA LOFTJ, NA REDACÇÃO DA LEI N.º 42/2005, E ART. 126.º/2 DA NLOFTJ, NA REDACÇÃO DA LEI 52/2008, DE 28-08
Sumário: 1 - O tribunal/juízo criminal é, mesmo em circunscrição territorial em que há juízo de execução, o competente para a execução das suas próprias condenações decorrentes de pedido de indemnização cível, apenas devendo decorrer perante o tribunal cível a execução das condenações do tribunal criminal decorrentes de pedido de indemnização cível quando a condenação for em indemnização que exija uma liquidação prévia.
2 - Ocorrendo incompetência do juízo de execução, embora a NLOFTJ qualifique os tribunais como de competência especializada, ou seja, em razão da matéria, deve a mesma seguir o regime da incompetência relativa, ou seja, julgada procedente a excepção, o processo deve ser remetido para o tribunal competente.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

Relatório
A..., residente na (...) , em Esmoriz, intentou, no Juízo de Execução de Ovar – Comarca do Baixo Vouga, execução para pagamento de quantia certa contra B... e C, ambos com os sinais dos autos; dando à execução, como título, uma sentença (proferida no processo comum singular 10/12.5GCOVR) que condenou solidariamente ambos os executados a pagar-lhe a “quantia de € 20.000,00 a título de danos patrimoniais e a quantia de € 2.500,00 a título de danos não patrimoniais”.
Conclusos os autos – após os executados haverem sido citados e terem sido efectuadas diligências de penhora – o Exmo. Juiz declarou o Juízo de Execução incompetente em razão da matéria para preparar e decidir a execução e indeferiu liminarmente o requerimento executivo.
Antecedeu o decidido da seguinte fundamentação:
A competência dos Juízos de execução definida no art. 102.º-A da LOFTJ, na redacção dada pela Lei n.º 42/2005, de 29 de Agosto, não foi alterada ou modificada pelo art. 126.º da NLOFTJ, que manteve as mesmas soluções legais.
Os juízos de execução passaram a ter a sua competência material delimitada quer pela espécie de acção (executiva), quer pela natureza da causa (cível).
A parte líquida da indemnização é da competência do Juízo criminal (vide acórdão do TRP de 09/02/2006, in CJ, tomo I, pág. 176; acórdão do TRP de 20/01/2009, in www.dgsi.pt; e acórdão do TRP de 13/09/2007, in www.dgsi.pt).
Os Juízos de execução não são, pois, materialmente competentes para conhecer e decidir as execuções com fundamento em sentença penal que condenou o arguido em pedido de indemnização civil.
A incompetência material é do conhecimento oficioso (art. 278.º n.º 1, al. a), 577.º, al. a) e 578.º todos do CPC) e pode ser suscitada até ser proferido despacho saneador (art. 97.º, n.º 2, 99.º e 576.º todos do CPC).

Inconformado com tal decisão, interpôs o exequente o presente recurso, visando a revogação do decidido.
Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:
1. Com o presente recurso pretende o Recorrente, A... , que seja revogado o Douto Despacho recorrido com fundamento na má interpretação do direito.
2. O recorrente está, pois, convicto que Vossas Excelências, reapreciando a matéria de direito e, subsumindo-se nas normas legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de revogar o Douto Despacho, revogando a douta decisão do
Meritíssimo Juiz “a quo”.
3. Alega o Juiz a quo que os Juízos de execução não são materialmente competentes para conhecer e decidir as execuções com fundamento em sentença penal que condenou o arguido em pedido de Indemnização Civil.
4. Com o presente recurso pretende o Recorrente, A... , que seja revogado o despacho recorrido com fundamento, salvo melhor opinião, na má apreciação do direito.
5. O titulo executivo dos autos baseia-se em sentença condenatória judicial proferida no Juízo de Instância Criminal de Ovar, no âmbito do processo crime n.º 10/12.5 GCOVR (…)
6. Ora, quiçá por lapso, o Juiz a quo referiu o artigo 126.º da Lei n.º 62/2013 de 26 de Agosto que regula a competência cível nas Secções do trabalho. Provavelmente, o Juiz a quo queria referir-se ao artigo 129.º da lei supra mencionada que regula a competência das secções de execução.
7. Todavia, o artigo 129.º da NLOFTJ ainda não entrou em vigor pelo que, se mantém na íntegra o artigo 102.º-A da LOFTJ na redacção dada pela Lei n.º 42/2005, de 29 de Agosto.
8. Nos termos dos Artigos 467.º e seguintes do Código de Processo Penal, os tribunais criminais são competentes para executar as decisões penais condenatórias em matéria criminal e não da matéria civil, mais concretamente, os pedidos de indemnização civil. E neste sentido, o artigo 102.º A da LOFTJ e futuramente, os n.º 1 e 2 do artigo 129.º da NLOFTJ.
9. O principal objectivo da reforma da acção executiva foi o de libertar os tribunais que declaram o direito da actividade executiva, sendo propósito confesso do legislador atribuir as questões executivas aos juízos de execução, segundo o princípio da especialização, libertando os demais tribunais que declaram o direito/independentemente da jurisdição (cível ou penal).
10. As circunscrições não abrangidas pela competência dos juízos de execução, os tribunais de competência especializada e de competência específica são competentes para exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil, quanto às decisões que hajam proferido.
11. Desde que na respectiva circunscrição exista um juízo de execução, o que é o presente caso, os tribunais de competência especializada e os de competência específica deixarão de ser competentes para exercer, no âmbito do processo de execução (independentemente da origem e natureza do título executivo) as competências previstas no Código de Processo Civil.
12. Não pode, pois, ser outra a interpretação a extrair deste preceito: todas as execuções de decisões judiciais, com tramitação regulada pelo Código de Processo Civil, que seriam da competência de qualquer tribunal de competência especializada ou específica, seja ele qual for, passam a ser da competência do juízo de execução, desde que este exista na circunscrição respectiva à semelhança do estabelecido para o tribunal de competência genérica.
13. No Douto Despacho recorrido o Juiz a quo refere que a incompetência material é do conhecimento oficioso e pode ser suscitada até ser proferido despacho saneador.
14. Estamos perante uma acção executiva, os executados foram devidamente citados, não se opuseram, não havendo lugar a despacho saneador.
15. A acção executiva deu entrada em 27 de Fevereiro de 2013, já foram praticados inúmeros actos e existem bens penhorados à ordem deste processo.
16. O facto de só agora, em 02 de Setembro de 2013, o Juiz a quo vir indeferir liminarmente o requerimento executivo sem aproveitar os actos nele praticados é uma manifesta injustiça para quem foi vitima de um crime.
17. E neste sentido, vai a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09 de Março de 2010, Processo n.º 325/03.S4LSB-B.L1-5
18. Por tudo isto, o Douto Despacho recorrido, decidindo, como decidiu, não fez correcta interpretação e adequada aplicação do Direito.
19. Pelo exposto, outra decisão do Meritíssimo juiz a quo se impunha, pelo que nunca deveria ter sido indeferido liminarmente o requerimento executivo pelos motivos alegados e em último caso, mesmo que o fosse, deveriam ter sido aproveitados os actos praticados pela boa realização da justiça.
Não foi apresentada qualquer contra alegação.
Remetidos aos autos ao T. da Relação do Porto, foi nos mesmos proferida decisão a julgar tal T. da Relação do Porto territorialmente incompetente para o conhecimento do recurso e a ordenar a sua remessa a este T. da Relação de Coimbra.
Recebidos os autos neste T. R. Coimbra, dispensados os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.
*

II – Fundamentação
A – Os factos pertinentes são os que já emergem do relatório precedente.
B – Quanto ao direito:
Está em causa saber, numa circunscrição territorial em que há juízo de execução, qual é o tribunal competente para a execução duma indemnização cível imposta numa sentença penal; o juízo de execução ou o tribunal/juízo criminal que condenou na indemnização cível?
Trata-se de questão – é justo observá-lo e reconhecê-lo – que não tem merecido resposta unânime nos nossos tribunais superiores; o que, a nosso ver e com o devido respeito, é imputável às sucessivas e contínuas alterações à organização judiciária, que transformam questões que deviam ser claras e incontroversas em questões complexas e de desfecho imprevisível e aleatório – gerando um inevitável “ping pong” entre tribunais[1], com prejuízos quer para a imagem da Justiça quer para as partes.
Questão cujo dificuldade – indo directamente ao âmago da questão – está na interpretação do segmento final do art. 126.º/2 da Lei 52/2008, de 28-08; em que se excepciona da competência dos juízos de execução “as execuções de sentenças proferidas por juízo criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante um juízo cível”.
Segmento cujo sentido não é imediata e objectivamente apreensível, mas que por interpretação se admite que queira dizer, numa linguagem assaz elíptica, que o tribunal criminal é via de regra o competente para a execução das suas próprias condenações decorrentes de pedido de indemnização cível, apenas devendo decorrer perante o tribunal cível as execuções das condenações do tribunal criminal decorrentes de pedido de indemnização cível quando a condenação for em indemnização a liquidar em execução de sentença (agora, mais exactamente, em incidente de liquidação).
Expliquemo-nos:
A LOFTJ, na redacção inicial da Lei n.º 3/99, de 13-01, consagrava o princípio de que o decisor é o seu executor, estabelecendo no artigo 103.º[2] a regra de que os tribunais de competência especializada e de competência específica eram competentes para executar as respectivas decisões.
Em 2003, pelo DL 38/03, de 08-03, foram introduzidas diversas alterações à LOFTJ, destacando-se, no que aqui interessa, a possibilidade de criação de juízos de competência específica de execução (cfr. art. 96/1/g), aos quais passava a competir (nas circunscrições em que fossem criados e instalados) exercer, irrestritamente, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no CPC[3]
Entretanto, em 2005, foi a LOFTJ de novo alterada, pela Lei 42/2005, de 29-08, sendo conferida, em face da nova redacção dada aos arts.102.º-A e 103.º[4], uma competência com algumas restrições aos juízos de execução. O artigo 103.º voltou a estabelecer o princípio geral de que o decisor deve ser o executor, com a ressalva “sem prejuízo da competência dos juízos de execução…”, entretanto criados e instalados em algumas comarcas; e, em consonância, o artigo 102.º-A – continuando a estabelecer no n.º1 a regra geral da competência dos juízos de execução – introduziu exclusões a essa regra, excluindo da competência dos juízos de execução (n.º2) “(…) os processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais do trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos e as execuções de sentenças proferidas por tribunal criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante o tribunal civil”.
E é justamente aqui – no art. 102.º-A/2 da Lei 42/2005, de 29-08 – que surge o segmento que hoje constitui a parte final do art. 126.º/2 da Lei 52/2008, de 28-08 (diploma ao caso aplicável)[5]; segmento que tem sido alvo de controvérsia interpretativa.
Há quem entenda que a menção a “execuções de sentenças proferidas por juízo criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante um juízo cível” se reporta ao disposto nos artigos 467.º e seguintes do CPP, ou seja, à execução das decisões penais.
O que – tal entendimento – não parece que faça muito sentido.
Efectivamente, as competências que (segundo o art. 102.ºA/2 da LOFTJ, na redacção da Lei n.º 42/2005, e o art. 126.º/2 da NLOFTJ, na redacção da Lei 52/2008,de 28-08) são excluídas da competência dos juízos de execução são as previstas no “número anterior”, ou seja, as competências previstas no Código de Processo Civil, no âmbito dos processos de execução de natureza cível; o que significa que a exclusão de competência para os juízos de execução não pode dizer respeito a algo – execução da sentença penal propriamente dita – que, claramente, não podia pertencer aos juízos de execução.
Daí que – procurando encontrar um sentido e alcance úteis para o número 2 em causa (quer do art. 102.ºA da LOFTJ, na redacção da Lei n.º 42/2005, quer do art. 126.º da NLOFTJ, na redacção da Lei 52/2008, de 28-08) – se venha entendendo[6] que a lei, ao aludir às “execuções de sentenças proferidas por juízo criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante um juízo cível”, está a pensar e a ter em vista as execuções em que a condenação numa indemnização cível é em quantia certa, porque em relação às outras, em que a condenação é em montante indemnizatório a “liquidar em execução de sentença”, a execução, nos termos do art. 82º/1/2ª parte, CPP, corre perante o tribunal cível[7].
Em síntese, num caso como os dos autos/recurso – em que o pedido cível, deduzido em processo penal, deu lugar a uma condenação/indemnização em quantia certa – vale a “exclusão” (constante do art. 102.ºA/2 da LOFTJ, na redacção da Lei n.º 42/2005, e do art. 126.º/2 da NLOFTJ, na redacção da Lei 52/2008, de 28-08), ou seja, a execução corre perante o tribunal/juízo criminal que proferiu tal condenação (estando assim excluída a competência regra dos juízos de execução[8]); diversamente, a execução correrá perante o juízo cível caso o pedido cível, deduzido em processo penal, tenha dado lugar a uma condenação numa indemnização no que se vier a “liquidar em execução de sentença”.
Daí que, antecipando a solução, tenhamos afirmado que o tribunal/juízo criminal é via de regra o competente para a execução das suas próprias condenações decorrentes de pedido de indemnização cível, apenas devendo decorrer perante o tribunal cível a execução das condenações do tribunal criminal decorrentes de pedido de indemnização cível quando a condenação for em indemnização a liquidar em execução de sentença[9].
Rematando, integra a competência do juízo de instância criminal de Ovar a execução da condenação indemnizatória por si proferida e aqui executada; pelo que bem andou a decisão recorrida ao dizer e declarar que o juízo de execução de Ovar é incompetente para conhecer e decidir a presente execução fundada em sentença penal que condenou o arguido/executado em montante certo.
O que não significa que concordemos com a totalidade do decidido.
A nosso ver – e trata-se de tema por certo também controverso – não estaremos, como também decorre da decisão recorrida, perante uma incompetência sujeita ao regime da incompetência absoluta e que implique a “absolvição da instância ou o indeferimento liminar” (cfr. 99.º/1 do NCPC).
Como refere Rui Pinto[10], “podem existir em dada comarca juízos de execução. São tribunais cuja competência é determinada pelo tipo de processo: execuções, seja qual for o valor e a matéria, em regra. Por isso, e bem, a LOFTJ/99 prevê-os no art. 96.º/1/g) como tribunais de competência específica, enquanto a LOFTJ/2008, já menos bem, prevê-os no art. 74.º/2/h) como juízos de competência especializada. (….). Se esta arrumação implica ou não com o regime de incompetência, ou seja, se gera incompetência absoluta ou incompetência relativa, é algo que veremos mais adiante.
E mais adiante[11] refere que “a violação das regras de competência fundadas no valor da causa, na forma de processo aplicável, na divisão judicial do território ou decorrentes de um pacto de competência executiva gera incompetência relativa. (….)” Acrescentando logo a seguir que “a preterição da competência de um juízo de execução na LOFTJ/99 constitui incompetência relativa, por se tratar de tribunal de competência específica, e, portanto, em razão da forma de processo. Na LOFTJ nova o legislador qualifica esses tribunais como de competência especializada, ou seja, em razão da matéria, mas nem por isso deixará de seguir-se o regime da incompetência relativa (…)”.
É este também o nosso ponto de vista.
As várias e profundas alterações legislativas com repercussão na distribuição horizontal da competência dos tribunais judiciais devem ser acompanhadas da devida adaptação dos contornos conceituais; e, na ausência de tal adaptação por iniciativa do legislador, compete ao intérprete fazê-la[12].
Situações como a dos autos, em que a acção executiva deu entrada em 27/02/2013 e decorreu, sem perturbação, com citações e penhoras até 02/09/2013, ocasião em que foi declarada a incompetência do tribunal, não podem/devem ter como desfecho o indeferimento do requerimento executivo (ex vi art. 99.º/1 do NCPC).
Como já se referiu, a NLOFTJ (ao caso aplicável) qualifica “tudo” como tribunais de competência especializada, ou seja, em razão da matéria, porém, o regime a seguir, em casos como o presente, detectada e declarada a incompetência, deve ser o da incompetência relativa, ou seja, julgada procedente a excepção, o processo deve ser remetido para o tribunal competente (cfr. 105.º/3 do NCPC).
É este o desfecho final.
Embora por razões diversas das invocadas pelo exequente/apelante, a apelação procede na parte em que o apelante reclama[13] (última conclusão) algum aproveitamento do que foi praticado.
*

III – Decisão
Pelo exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente e, em consequência, confirma-se a declaração de incompetência do juízo de execução de Ovar e revoga-se a parte restante da decisão que se substitui por decisão em que se declara ser competente para a presente execução o juízo de instância criminal de Ovar (mais concretamente, o processo comum 10/12.5GCOVR), para onde os autos devem ser remetidos após o trânsito deste acórdão.
Quanto a custas: na 1.ª Instância, são devidas custas do incidente, a cargo do exequente, fixando-se a TJ em 1 UC; nesta instância, as custas a cargo do exequente/apelante são apenas de ½.
*
Coimbra, 18/02/2014

 (Barateiro Martins - Relator)

(Arlindo Oliveira)

 (Emídio Santos)

[1] O caso dos autos é disto bem paradigmático. O próprio recurso – no percurso entre o tribunal a quo e a sua apreciação neste tribunal ad quem – conheceu as seguintes vicissitudes: foi interposto pelo exequente/recorrente para o T. R. de Coimbra; o Exmo. Juiz a quo mandou-o enviar para o T. R do Porto, por, em seu entender, ser o territorialmente competente; chegado ao T. da R. do Porto, este declarou-se territorialmente incompetente e remeteu-o a este T. R. de Coimbra: aqui recebido – não fosse o caso julgado formal e o disposto no art. 105.º/2 do NCPC – também nós teríamos declarado este tribunal territorialmente incompetente.
Tudo, a nosso ver e com o devido respeito, imputável às sucessivas, contínuas e descuidadas alterações à organização judiciária.
[2] Artigo 103.º (competência): “Os tribunais de competência especializada e de competência específica são competentes para executar as respectivas decisões
[3] Passou a dizer-se no novo artigo 102.º-A (juízos de execução) que “compete aos juízos de execução exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil”; passando a constar do artigo 103.º (competência) que “nas circunscrições não abrangidas pela competência dos juízos de execução, os tribunais de competência especializada e de competência específica são competentes para exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil, quanto às decisões que hajam proferido
[4] O artigo 102.º-A passou a ter a seguinte redacção:
“1-Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil.
2 – Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais do trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos e as execuções de sentenças proferidas por tribunal criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante o tribunal civil.
3 – Compete também aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução por dívidas de custas cíveis e multas aplicadas em processo cível, as competências previstas no Código de Processo Civil não atribuídas aos tribunais de competência especializada referidos no número anterior”.
E o artigo 103.º a seguinte:
“Sem prejuízo da competência dos juízos de execução, os tribunais de competência especializada e de competência específica são competentes para executar as suas próprias decisões”.
[5] A Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, com que se iniciou a primeira fase da reforma do mapa judiciário, manteve no artigo 134.º o princípio de que os tribunais de competência especializada são competentes para executar as respectivas decisões, sem prejuízo da competência dos juízos de execução, sendo que o artigo 126.º dispõe, identicamente ao referido art. 102.º-A, o seguinte:
1 - Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil.
2 - Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos aos juízos de família e menores, aos juízos do trabalho, aos juízos de comércio, aos juízos de propriedade intelectual e aos juízos marítimos e as execuções de sentenças proferidas por juízo criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante um juízo cível.
3 - Compete também aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução por dívidas de custas cíveis e multas aplicadas em processo cível, as competências previstas no Código de Processo Civil não atribuídas aos juízos de competência especializada referidos no número anterior.
[6] Cfr. Acórdãos do S.T.J. de 10.09.2009, processo 76/09.5YFLSB, e de 17.12.2009, processo 09P0612; Acórdãos da R. Lisboa de 7.12.2010, processo 3230/04.2TDLSB-A-5 e de 17.02.2011, processo 1187/92.0SELSB-A.L1-9; e Acórdão da R. Lisboa de 01/10/2013, in CJ., Tomo IV, pág. 146.
[7] Entendimento este que está reflectido nas regras da Portaria 114/2008, de 6 de Fevereiro (que regula a tramitação electrónica dos processos judiciais nos tribunais de 1.ª instância, processados de acordo com as disposições do Código de Processo Civil), e da Portaria que lhe há-de suceder no âmbito da nova Lei da Organização do Sistema Judiciário (Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto), de cujo âmbito se excluem expressamente os pedidos de natureza civil deduzidos na acção penal e também os processos de execução de natureza cível deduzidos no âmbito de um processo penal.
[8] “Exclusão” que se mantém na nova (e futura, na entrada em vigor) Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei 62/2013, de 26-08), em cujo art. 129.º se dispõe:
1 - Compete às secções de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil.
2 - Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos ao tribunal de propriedade intelectual, ao tribunal da concorrência, regulação e supervisão, ao tribunal marítimo, às secções de família e menores, às secções do trabalho, às secções de comércio, bem como as execuções de sentenças proferidas por secção criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante uma secção cível.
3 - Para a execução das decisões proferidas pela secção cível da instância central é competente a secção de execução que seria competente caso a causa não fosse da competência daquela secção da instância central em razão do valor.
[9] Em idêntico sentido, ainda, Rui Pinto, Manual da Execução e Despejo, pág. 265.
[10] Obra citada, pág. 264 e 265.
[11] Pág. 277.
[12] Dando um exemplo extremo, compete ao intérprete estabelecer, pese embora o disposto no art. 74.º da NLOFTJ (que considera todos os juízos criados como de competência especializada), que uma incompetência entre uma Grande, Média e Pequena Instância Civil não deve conduzir, por causa da qualificação do referido art. 74.º, ao indeferimento liminar ou à absolvição da instância.
[13] “Reclamação” essa, se bem entendemos, que, em termos úteis, até será o mais relevante para o exequente; efectivamente, para o exequente, entre o juízo criminal de Ovar e o juízo de execução de Ovar, tanto faz, embora, naturalmente, a execução deva correr no tribunal que a lei designa como o competente.