Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
444/16.6T8GRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
VIOLAÇÃO
DECISÃO-SURPRESA
NULIDADE
FACTOS CONSTITUTIVOS DO DIREITO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 09/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA, GUARDA, JUÍZO LOCAL CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 195.º DO NCPC E ARTIGO 342.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. A omissão de prévia notificação às partes de que na sentença a proferir se tencionava conhecer de um fundamento ainda não discutido, configura uma violação do princípio do contraditório, que se traduz, a nível processual, na nulidade prevista no artigo 195.º do NCPC, com evidente influência no desfecho da causa, o que acarreta a sua nulidade e dos actos subsequentes.

2. Para ser processualmente reconhecido um crédito por benfeitorias, têm que estar alegados e provados os factos constitutivos do direito a que se arroga o autor, nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.

Decisão Texto Integral:

           

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

A... , residente no (...) Guarda, Intentou a presente ação comum contra B... , residente em (...) , Guarda, peticionando a sua condenação no pagamento do seu crédito no valor de 12.711,43, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a interpelação.

Alega, em suma, (aqui se incluindo o alegado após o convite ao aperfeiçoamento que lhe foi dirigido) que tiveram um relacionamento amoroso e, idealizando uma vida familiar em comum, decidiram construir uma casa num terreno que já pertencia à Ré.

Para financiarem a construção, contraíram, conjuntamente, um empréstimo bancário (credito hipotecário). Uma vez que pretendiam iniciar a obra e a primeira tranche do financiamento não estava disponível o Autor foi adiantando dinheiro seu para despesas e encargos com a obra no valor global do montante peticionado, na condição e expectativa de que as mesmas lhe seriam reembolsadas com os montantes mutuados pelo banco.

Tais montantes que adiantou destinaram-se à fase inicial da construção, nomeadamente ao pagamento ao empreiteiro para a execução da moradia, pagamento de materiais de construção, como por exemplo pedra e outros, que discrimina.

Sucede, porém, que a relação entre ambos terminou e o Autor deixou de ter a posse e direcção da obra e nunca veio a beneficiar da moradia.

Solicitou à Ré a restituição do dinheiro, já que o dinheiro do mútuo bancário foi sendo recebido por ela, o que não sucedeu até à data.

Contesta a Ré dizendo (aqui incluindo o requerimento de resposta à p.i aperfeiçoada) que todas as despesas com a construção da casa foram pagas por si, admitindo apenas que o A. possa ter pago alguma despesa de pequena monta; nunca chegaram a residir juntos, a construção da casa não foi uma decisão conjunta mas pessoal e exclusiva sua, tendo sido ela quem decidiu e pagou tudo quanto esteve relacionado com a construção da casa, não lhe devendo, com certeza, os valores peticionados.

Impugna o pagamento da pedra, já quem tratou de tudo foi o empreiteiro por si contratado e bem assim o pagamento ao empreiteiro, já que era ela quem pagava e se relacionava com o mesmo.

*

Como já se referiu, foi dirigido ao A. um convite a aperfeiçoamento da p.i e para juntar documentos, seguindo-se o contraditório.

*

Realizou-se audiência prévia, na qual, além do mais foi elaborado saneador, fixado o objeto do litígio, factos assentes e temas da prova – vide fls 92 e segs.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal, tendo-se procedido à gravação dos depoimentos prestados, finda a qual foi proferida a sentença de fl.s 129 a 143, na qual se decidiu o seguinte:

“Pelo exposto, o tribunal decide julgar a ação parcialmente provada e procedente e em consequência condena a Ré a pagar ao A. a quantia de 9.019,86€ acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da interpelação (19/11/2014).

Condenam-se o A. e R. nas custas do processo, na proporção do decaimento – art.º 527º do CPC e art.º 6º do RCP.

*

Mais fica a Ré notificada para, em 10 dias se pronunciar quanto à litigância de má-fé

Após, conclua para decisão, a qual fará parte integrante desta sentença.”.

Inconformada com a mesma, interpôs recurso a ré B... , recurso, esse, admitido, como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 174), finalizando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Douto Tribunal Judicial da Guarda, em 29 de Março de 2017, a qual decidiu julgar a ação parcialmente provada e procedente e em consequência condenar a Ré (ora Recorrente) a pagar ao Autor a quantia de € 9.109,86 (nove mil cento e nove euros e oitenta e seis cêntimos) acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data de interpelação – 19 de Novembro de 2014.

2. Para sustentar tal pretensão foi alegado pelo Autor que manteve um relacionamento amoroso com a Recorrente até finais do ano de 2011 e que idealizando uma vida familiar em comum decidiram edificar uma casa um terreno que já era pertencia à Ré para no futuro instalarem a casa morada de família.

3. Terminado o relacionamento amoroso pretende o Autor que lhe seja restituído o montante que despendeu e configura tal crédito como sendo crédito por benfeitorias, nos termos do artigo 1273.º do Código Civil.

4. Contudo, à margem de tal entendimento e com arrimo no disposto no nº3 do artigo 5.º do Código de Processo Civil - “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” - a MM. Juiz do Tribunal a quo não perfilhou do enquadramento jurídico feito pelas Partes de que o direito de crédito do Autor seria um crédito de por benfeitorias.

5. Antes sim, que tinha sido celebrado entre o Autor e a Ré de um contrato atípico com figuras de mútuo e de cláusula de compensação entre dinheiro próprio e comum e que seria o seu incumprimento a fonte de tal crédito.

6. O que representou uma verdadeira “decisão surpresa” na medida em que as partes assentaram ao longo do processo o seu enquadramento jurídico-factual de forma totalmente diversa da plasmada na sentença.

7. Ora, estabelece o n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil que: "O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem".

8. Pondo o enfoque no plano das questões de direito, a norma proíbe, desde logo, as decisões-surpresa, isto é, as decisões baseadas "em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes".

9. Propendemos a entender que a sentença não poderia ter decidido a questão do crédito do Autor com um fundamento frontalmente diverso e não ponderado, por qualquer forma, pelas partes nos seus articulados, sem antes ter convidado a Recorrente a pronunciar-se e tomar posição sobre essa questão de direito.

10. Note-se que confrontando a petição inicial não podemos deixar de concluir que o Autor indica expressamente que o seu direito a receber da Ré determinado montante deriva do seu crédito por benfeitorias.

11. De modo que, não podia o Tribunal a quo julgar procedente a ação com base no incumprimento de um contrato atípico com figuras de mútuo e com uma cláusula de compensação, quando o Autor não configurou a ação como sendo uma situação de mútuo mas sim de crédito por benfeitorias.

12. A sentença baseou a decisão num fundamento que não foi previamente considerado pela Recorrente (nem pelo Autor). E, dada a importância do contraditório, é indiscutível que a sua não observância pelo tribunal é suscetível de influir no exame ou decisão da causa. Assim, a omissão do convite às partes para tomarem posição, gera a nulidade da decisão, nos termos do n.º 1 do artigo 195.º do Código de Processo Civil.

13. Não obstante a alegada nulidade da sentença, por razões de mera cautela de patrocínio, importa passar à abordagem do enquadramento jurídico feito pelo Tribunal a quo, em relação ao qual não podemos deixar de mostrar a nossa discordância.

14. Entendeu a Mmª Juiz do Tribunal a quo que estaríamos perante uma situação de incumprimento contratual, porquanto no âmbito da liberdade contratual das partes, legalmente consagrada no artigo 405.º do Código Civil, tinha sido celebrado um contrato atípico com figuras do contrato de mútuo e de cláusula de compensação entre dinheiro próprio e comum e, portanto, seria este contrato, rectius, o seu incumprimento o facto constitutivo do direito de crédito do Autor.

15. A Recorrente discorda da subsunção dos factos ao direito operada pelo Tribunal a quo na medida em que não vislumbra os traços ou elementos constitutivos de um verdadeiro acordo de partes bilateral em que se consubstanciaria o dito contrato atípico com figuras de mútuo e de cláusula de compensação.

16. Movendo-nos no âmbito do contrato de mútuo verificamos que o primeiro elemento constitutivo do contrato de mútuo está prejudicado - a entrega -, o que torna impossível a verificação do segundo elemento a restituição, pois só se pode restituir o que efectivamente se recebeu e nada foi entregue, o que fragiliza de imediato o enquadramento jurídico feito pelo Tribunal a quo.

17. De facto, não tendo havido a entrega desse dinheiro à Ré a mesma nunca ficaria obrigada a proceder à sua restituição, nem tão pouco podia entender-se que foi fixada uma cláusula de compensação que adiantou as quantias que deveriam ser suportadas por dinheiro comum.

18. Analisada a sentença, em momento algum da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo se retira a existência de um contrato ou acordo de vontades bilateral entre Autor e Ré que é pressuposto da solução jurídica definida na sentença.

19. A sentença é omissa quanto ao acordo da Ré à vontade do Autor de suportar despesas e adiantar valores para posteriormente lhe serem restituídos a qual é um elemento fundamental para se poder pressupor a relação contratual em que assenta a solução jurídica plasmada na sentença.

20. Inexiste, por isso, qualquer relação contratual que tenha estado na base do comportamento do Autor.

21. A entrega voluntária desses valores pelo Autor para o início da construção daquela que seria a futura casa morada de família ocorreu em função da existência de um vínculo amoroso, conforme alegado pelo próprio Autor na sua Petição Inicial, pelo que é a separação que revela a causa justificativa de tal restituição, e não a existência de qualquer contrato.

22. A contribuição monetária de um dos membros do casal para a construção da casa morada de família tem como causa jurídica a relação que entre estes se estabeleceu e apenas com o término da relação (separação) é que se extinguiu a sua causa jurídica.

23. Aliás, apesar de algumas despesas terem sido suportadas pelo Autor em momento muito anterior ao da separação, só após a concretização da separação é que o Autor solicitou o reembolso das mesmas, o que mostra bem o que é que foi determinante para o seu comportamento.

24. A orientação jurisprudencial dominante no sentido de considerar tais contribuições feitas ao abrigo de uma relação amorosa como benfeitorias é a solução mais correta e a que mais se adequa ao caso vertente.

25. Acontece que, o Autor na sua Petição Inicial não requer o levantamento dessas mesmas benfeitorias, não alega a impossibilidade do seu levantamento, nem sequer indica em que é que tais benfeitorias se materializaram de modo a podermos saber se tais benfeitorias podiam ou não ser levantadas.

26. O Autor também não alega os elementos relevantes e constitutivos do seu direito à indemnização de acordo com as regras previstas para o enriquecimento sem causa, conforme o disposto no nº 2 do artigo 1273º do C. Civil.

27. Assim sendo, deverá ser revogado o segmento decisório proferido pelo Tribunal a quo, devendo a Recorrente ser absolvida do pedido formulado pelo Autor.

Termos em que requer a V. Exas, Venerandos Desembargadores da Relação de Coimbra, que o presente recurso seja julgado procedente e, consequentemente, que seja determinada a revogação da decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, sendo a mesma substituída por outra que absolva a Recorrente do pedido Assim decidindo farão V. Exas. a melhor JUSTIÇA.

Contra-alegando, o autor, pugna pela manutenção da decisão recorrida, com o fundamento em que não se verifica a invocada nulidade, uma vez que, nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 3, do CPC, o Tribunal não está sujeito às alegações das partes no que se refere à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, sem necessidade de contraditório e; relativamente ao mérito, concorda que se trata de um contrato atípico, de mútuo, que consistiu no adiantamento de dinheiro à ré para a construção da moradia, na condição de ser compensado através do empréstimo contraído junto da CGD, tendo, por isso, direito a receber as quantias que despendeu e; mesmo que se enquadre a situação sub judice na figura das benfeitorias, são as mesmas de qualificar como necessárias ou úteis, pelo que sempre terá direito a haver da ré as quantias pedidas, nos termos do disposto no artigo 1273.º, n.º 2 do Código Civil.

Respondendo à invocada nulidade, cf. fl.s 173 e  174, a M.ma Juiz, propugna no sentido de que a sentença não  padece da mesma, porque “não se desviou dos factos alegados por ambas as partes, antes tendo considerado, em termos de subsunção jurídica, que em causa não estava um crédito de benfeitorias mas o incumprimento de um contrato atípico”.

Para além de que a ré, na contestação e alegações orais, teve oportunidade de fazer o mesmo enquadramento jurídico feito pelo tribunal e se o não fez foi por “estratégia”.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.          

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

A. Se a sentença recorrida constitui uma “decisão-surpresa”, violadora do princípio do contraditório, ao ter configurado a situação sub judice, como um “contrato atípico com figuras de mútuo e cláusulas de compensação entre dinheiro próprio e comum”, quando o autor configurou a acção com base no direito a ser indemnizado, com base nas alegadas benfeitorias que realizou em imóvel próprio da ré e sem que tal diferente enquadramento jurídico tenha sido invocado pelas partes ou, sequer, discutido na audiência de discussão e julgamento e;

B. Se a presente acção tem de improceder, tendo em conta a causa de pedir e o pedido formulado pelo autor, com o fundamento em este não ter alegado e, consequentemente, não demonstrou, os factos necessários para que possa ser aplicado o regime das benfeitorias, designadamente o disposto no artigo 1273.º, n.º 2, do Código Civil.

É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

1) O Autor e a Ré mantiveram desde 1998 um relacionamento amoroso. – admitido por acordo.

2) Que terminou, em definitivo, no final do ano de 2011, data em que deixaram totalmente de conviver.

3) No âmbito dessa relação e idealizando um projecto de vida em família, tomaram a decisão de assentar a futura casa de morada de família na freguesia de (...) , concelho da Guarda, de onde a Ré é natural.

4) Decidiram-se, em concreto, pela construção duma moradia no terreno de que a Ré era e é proprietária,

5) sito naquela freguesia, lugar do (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial da (...) sob o número (...) e inscrito na matriz predial sob o número de artigo (...) – doc de fls 12.

6) Foi neste contexto que, apesar de não ser formalmente proprietário do terreno, o Autor assumiu papel activo nos processos de decisão quanto à configuração da moradia, ao seu modo de financiamento e passou a acompanhar a execução e desenvolvimento da obra.

7) De forma a financiarem a referida construção, o Autor e a Ré contraíram conjuntamente, em 4 de Julho de 2011 e junto da Caixa Geral de Depósitos, um crédito hipotecário no valor global de € 145.000,00 – admitido por acordo e documento de fls 15 a 18.

8) Destinando-se esse mútuo a financiar uma moradia por construir, os termos do contrato previam a disponibilização de valores aos mutuários em proporção às parcelas da obra que se revelassem progressivamente concluídas. – admitido por acordo

9) Este regime de financiamento significava que o arranque das obras de construção ficaria dependente duma disponibilização inicial de fundos pelas próprias partes.

10) Em face dessa falta de liquidez, prévia à disponibilização da primeira tranche do crédito, o Autor, que assumira papel activo na execução da obra, adiantou e suportou pessoalmente um conjunto de despesas e encargos directamente destinados à construção da moradia.

11) Essas despesas foram assumidas pelo Autor na condição e na expectativa de que as mesmas lhe fossem reembolsadas aquando da disponibilização dos montantes mutuados pelo Banco.

12) Em 04-07-11 pagou pelo registo da hipoteca a quantia de 325,00 € - docs de fls 19, 20 e extrato de fls 28.

13) Em 25/07/2011 pagou ao empreiteiro da obra, C... , a quantia de 5.000€ - cheque de fls 49, informação bancária de fls 125 e extracto de fls 29.

14) Entre Julho e Outubro de 2010 pagou materiais de construção – pedra – à empresa E... Lda, destinada à construção da moradia as quantias de 784,41€, 1.202,17€, 899,70€ e 808,58€ - vendas a dinheiro e listagem de fls 116 a 120 e extrato bancário de fls 25

15). O A. sempre exigiu da Ré que todas as todas as despesas que fazia para a casa lhe fossem reembolsadas do dinheiro do empréstimo.

16) A partir da data do terminus da relação foi a Ré quem passou a assumir em exclusivo a direção do processo de construção da moradia – admitido por acordo.

17) A qual ainda não está concluída, e, por isso, habitável.

18) E foi a Ré quem passou, desde então (da separação) a receber o dinheiro do empréstimo.

19) Por carta registada datada de 15 de Novembro de 2014 e enviada à Ré a 19/11/2014 o Autor, através de Advogado, reclamou da Ré o pagamento da quantia de 10.661,46€ do “investimento em benfeitorias realizadas no imóvel de que é proprietária”.

20) Até à presente data tal restituição não ocorreu, nem quando houve disponibilização do valor mutuado pelo Banco entretanto ocorrido.

21) O Banco não tem libertado mais dinheiro porque a obra se encontra parada.

4.2) Factos não provados, com interesse para a decisão da causa, e que não estejam já em contradição com os provados:

a) O Autor suportou ainda as seguintes despesas com vista à construção da casa ou com ela relacionados:

-  12-05-10 Material de Construção Compra 310,00 €

- 21-09-10 Material de Construção Transferência 75,00 €

- 29-09-10 Material de Construção Compra 39,20 €

- 03-05-11 Impostos Pagamentos ao Estado 198,17 €

- 03-05-11 Material de Construção Cheque 180,00 €

- 01-06-11 Material de Construção Cheque 214,20 €

- 13-06-11 Diversos Levantamento 200,00 €

- 13-06-11 Levantamento 200,00 €

- 14-06-11 Diversos Levantamento 140,00 €

- 14-06-11 Diversos Transferência 130,00 €

- 18-06-11 Material de Construção Compra 24,80 €

- 17-10-11 Diversos Pagamento de Serviços 220,00 €

- 22-10-11 Material de Construção Compra 41,56 €

A. Se a sentença recorrida constitui uma “decisão-surpresa”, violadora do princípio do contraditório, ao ter configurado a situação sub judice, como um “contrato atípico com figuras de mútuo e cláusulas de compensação entre dinheiro próprio e comum”, quando o autor configurou a acção com base no direito a ser indemnizado, com base nas alegadas benfeitorias que realizou em imóvel próprio da ré e sem que tal diferente enquadramento jurídico tenha sido invocado pelas partes ou, sequer, discutido na audiência de discussão e julgamento.

No que a esta questão concerne, alega a recorrente que a sentença recorrida fez tábua rasa do pedido e causa de pedir alegada pelo autor, para, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 3, do CPC, perspectivar e enquadrar a pretensão do autor, numa figura jurídica completamente diversa daquela que o autor invocou, sem disso dar prévio conhecimento às partes, assim; defende, violando o princípio do contraditório, plasmado no artigo 3.º do CPC.

De referir, ainda, que compulsada a acta da audiência de discussão e julgamento, dela nada consta no sentido de que qualquer das partes se tenha querido aproveitar de qualquer outro facto que resultasse da instrução da causa, nos termos do disposto no artigo 5.º do NCPC.

Não obstante isso, como já referido, na sentença recorrida veio a considerar-se como decisivo para a procedência da acção, o facto de se vir a fazer um diferente enquadramento jurídico, à luz da qual, veio a ser apreciada e decidida a pretensão do autor.

O que ocorreu, reitera-se, sem que disso se tenha dado qualquer conhecimento prévio às partes, principalmente à ré, o que, segundo cremos, constitui uma “decisão-surpresa”, que viola, frontalmente, o princípio do contraditório, plasmado no artigo 3.º, n.º 3, do NCPC.

Princípio, este que decorre do disposto nos artigos 3.º e 4.º do NCPC, de acordo com os quais o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição, impondo-se, por isso, como regra e em consequência, a audição da parte, devendo o juiz, ao longo de todo o processo, observar e fazer cumprir, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta necessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem – artigo 3.º, n.º 3, do NCPC.

Sendo de salientar que este princípio mais não é do que uma decorrência do princípio da igualdade das partes plasmado no citado artigo 4.º, segundo o qual as partes, entre o mais ali referido, têm direito, ao longo de todo o processo, a lançar mão dos meios de defesa legalmente admissíveis.

Como refere M. Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, pág.s 46/47, o princípio do contraditório “possui um conteúdo multifacetado: ele atribui à parte não só o direito ao conhecimento de que contra ela foi proposta uma acção e, portanto, um direito à audição prévia antes de contra ela ser tomada qualquer decisão ou providência, mas também um direito a conhecer todas as condutas assumidas pela contraparte e a poder tomar posição sobre elas, ou seja, um direito de resposta.

(…) O direito de resposta consiste na faculdade, concedida a qualquer das partes, de responder a um acto processual (requerimento, alegação ou acto probatório) da contraparte.”.

De notar, ainda, que, como opina Lopes do Rego, in Comentários …, Vol. I, 2.ª edição, Almedina, 2004, a pág. 30, todo o processo civil tem necessariamente como pano de fundo a vigência do princípio do contraditório, incumbindo ao juiz observá-lo e fazê-lo cumprir ao longo de todo o processo e mesmo que a propósito de uma certa norma não esteja expressamente prevista a sua actuação, ele decorre, genericamente, do preceituado no artigo 3.º (NCPC), só podendo ser derrogado ou limitado quando, excepcionalmente, se estabeleça regime diferente, v.g., nos casos dos procedimentos cautelares.

A omissão de prévia notificação às partes de que na sentença a proferir se tencionava conhecer de um fundamento ainda não discutido configura, pois, nos termos expostos, uma violação do princípio do contraditório, que se traduz, a nível processual, na nulidade prevista no artigo 195.º do NCPC, com evidente influência no desfecho da causa, o que, como regra, se impõe remediar, mediante a anulação dos actos subsequentes a tal omissão, cf. n.º 2 do preceito em referência, devendo as partes serem notificadas, a fim de, querendo, se possam pronunciar acerca da fundamentação tida em vista pela M.ma Juiz para apreciar a acção: in casu, que não se tratava da figura das benfeitorias mas sim da existência do referido contrato atípico, acima já referido.

Mas será que por se tratar apenas de uma diferente “questão de direito”, não estando o tribunal adstrito à alegação das partes no que toca à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, como decorre do disposto no artigo 5.º, n.º 3, do CPC, já não se impõe o respeito pela regra contida no seu artigo 3.º, n.º 3?

A resposta que, desde já, se antecipa, não pode deixar de ser negativa.

Efectivamente, é comummente aceite que a acção é caracterizada pelo pedido, que se consubstancia na providência requerida, e pela causa de pedir, que se traduz nos fundamentos por que se solicita essa providência – o que, mais não é do que a concretização da designada “necessidade do pedido”, referida na epígrafe do citado artigo 3.º, pedido, esse, que é conformado pela causa de pedir a que recorre o autor.

E nesta conformação, não pode, também, deixar de se incluir a perspectiva jurídica incutida pelo autor, o fundamento de direito em que a parte alicerça a sua pretensão, sendo sobre esse binómio – descrição dos factos em que se baseia a acção e enquadramento jurídico adoptado – que o tribunal se tem de pronunciar.

É certo que acerca da interpretação e aplicação das regras de direito, pode o tribunal divergir da “leitura” feita pela parte, mas não o poderá fazer, por força do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, sem dar à parte a possibilidade de sobre ela (diferente interpretação e/ou aplicação das regras de direito) as partes se pronunciarem.

Como refere Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais…, Coimbra Editora, 1999, pág. 96, hoje em dia, estamos perante “uma noção mais lata de contrariedade, com origem na garantia constitucional do “rechtliches Gehör” germânico, entendida como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontram em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão. O escopo principal do princípio do contraditório deixou de ser assim a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo”.

Do que deriva que, como refere Lopes do Rego, ob. cit.,pág. 31, “o juiz deve dar a conhecer às partes e com elas discutir as possibilidades de solução do pleito, quer no plano da apreciação da prova, quer no do direito a aplicar, prevenindo assim as “decisões surpresa”.

Acrescentando, a fl.s 32 que “O entendimento amplo da regra do contraditório, afirmado pelo n.º 3 do artigo 3.º, não limita obviamente a liberdade subsuntiva ou de qualificação jurídica dos factos pelo juiz – tarefa em que continua a não estar sujeito às alegações das partes relativas à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (…); trata-se apenas e tão somente, de, previamente, ao exercício de tal “liberdade subsuntiva” do julgador, dever este facultar às partes a dedução das razões que considerem pertinentes, perante um possível enquadramento ou qualificação jurídica do pleito, ou uma eventual ocorrência de excepções dilatórias, com que elas não tinham razoavelmente podido contar”.

Salvaguardando-se as hipóteses em que a parte, ao expor a sua pretensão, omite ou alega deficientemente, as razões de direito e em que a decisão se mova “dentro dos próprios institutos jurídicos em que as partes no essencial haviam situado as suas pretensões” – cf. Lopes do Rego, ob. cit., pág. 34.

Lebre de Freitas, in ob. cit., pág. 102, defende que, no plano das questões de direito, o respeito pelo princípio do contraditório, implica que “tratando-se de fundamento de direito na disponibilidade exclusiva das partes, a possibilidade de discussão resulta necessariamente da sua invocação (necessária) pelo interessado e do direito de resposta da parte contrária”.

Colocando-se, com mais acuidade, nas questões de direito material ou processual, de conhecimento oficioso (o que não é o caso), se nenhuma das partes as tiver suscitado.

Também Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao NCPC, Almedina, 2014. 2.ª Edição, a pág.s 31 e 32, defendem que para que o juiz decida uma questão com base numa norma não invocada pelas partes, tem de lhes dar a possibilidade de se pronunciar sobre esse enquadramento jurídico, designadamente em casos, em que “o enquadramento legal realizado seja manifestamente diferente do sustentado pelos litigantes”.

A nível jurisprudencial, no sentido que vem sendo exposto, podem ver-se, por último, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 05 de Abril de 2016, Processo n.º 1538/11.0TBFIG.C1, (ambos disponíveis no respectivo sítio do itij), no qual se decidiu inexistir decisão surpresa quando, mantendo-se dentro da causa de pedir invocada, a aplicação das regras de direito fundamentadoras dessa mesma decisão seja efectuada num quadro que as partes prognosticaram ou tinham o dever de prognosticar.

E o de 27 de Setembro de 2011, Processo n.º 2005/03.0TVLSB.L1.S1, em que se refere que o juiz pode decidir sem estar condicionado pelas alegações de direito feitas pelas partes. Porém, se enveredar por uma solução jurídica que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, tem de exercer o contraditório.

Ora, in casu, como resulta da leitura da petição inicial, o autor, configurou a acção e pedido deduzido, tendo como fundamento o facto de ter um projecto de vida em comum com a ré, que não veio a consolidar-se mas a que, deu causa, ao ter contribuído, monetariamente, para a construção de uma casa, edificada num terreno só pertença da ré, onde pretendiam vir a viver em conjunto.

Gorados tais intentos, pretende reaver da ré aquelas quantias, com base na indemnização por benfeitorias, sendo este o único fundamento/enquadramento jurídico em que assenta a sua pretensão.

Não estamos, como acima já referido, perante matéria de conhecimento oficioso.

Pelo que, salvo o devido respeito, não podia a M.ma Juiz a quo “convolar” a apreciação jurídica do modo como o fez, na decisão recorrida, sem disso dar conhecimento às partes, para que, as mesmas, em respeito pelo disposto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, quanto a tal se pronunciassem.

De resto, a alteração em apreço, na prática, até se traduz numa alteração da causa de pedir, não consentida – cf. artigo 265.º, n.º 1, do CPC.

No entanto e no que ora se impõe decidir, temos de concluir que a sentença recorrida, nos termos expostos, viola o princípio do contraditório, pelo que sofre da invocada nulidade.

Como acima já referido, a omissão de prévia notificação às partes de que na sentença a proferir se tencionava conhecer de um fundamento ainda não discutido configura, pois, nos termos expostos, uma violação do princípio do contraditório, que se traduz, a nível processual, na nulidade prevista no artigo 195.º do NCPC, com evidente influência no desfecho da causa, o que acarreta a sua nulidade e dos actos subsequentes, cf. n.º 2, do preceito ora em referência.

O que levava a que fosse declarada a nulidade da sentença e se ordenasse a baixa dos autos para que as partes se pronunciassem acerca do diferente enquadramento jurídico que relevou para a decisão.

No entanto, aqui chegados, importa ter em linha de conta que se deve obstar à prática de actos inúteis.

Como resulta do teor das alegações e contra-alegações, tanto a ré, ora recorrente, como o autor, ora recorrido, se pronunciam sobre a solução jurídica que veio a ser defendida na sentença em recurso, defendendo, este, a manutenção da mesma, aderindo ao novo enquadramento jurídico vertido na sentença recorrida e pugnando a recorrente para que a decisão recorrida seja revogada, à luz dos fundamentos – de direito e de facto – invocados pelo autor ao longo dos autos.

Não sendo despiciendo referir que o próprio autor, prevenindo a hipótese de se vir a enquadrar a sua pretensão, à luz da figura das benfeitorias, defende, mesmo assim – como sempre o fez – a manutenção da decisão recorrida, agora, com base na fundamentação de direito e de facto que para tal invocou na petição inicial e petição corrigida.

Por isso, parece-nos que não obstante a nulidade de que padece a sentença recorrida, reúnem os autos todos os elementos para que se passe a conhecer do mérito do recurso, numa situação, ao que cremos, semelhante, à prevista no artigo 665.º, n.º 1, do CPC, não se vislumbrando como necessário a baixa dos autos para as partes se pronunciarem acerca deste novo enquadramento jurídico, o que, como referido, já fizeram.

Consequentemente, não obstante, quanto a esta questão, ter o recurso de proceder, passamos a conhecer da questão acima elencada em B.

B. Se a presente acção tem de improceder, tendo em conta a causa de pedir e o pedido formulado pelo autor, com o fundamento em este não ter alegado e, consequentemente, não demonstrou, os factos necessários para que possa ser aplicado o regime das benfeitorias, designadamente o disposto no artigo 1273.º, n.º 2, do Código Civil.

No que a esta questão concerne, alega a recorrente, na esteira do que na sentença recorrida se escreveu para fundamentar a improcedência da acção, com fundamento nas invocadas benfeitorias, que a acção tem, efectivamente, de improceder, por o autor não ter descrito quais as obras que realizou, a fim de se poder concluir qual a classificação das alegadas benfeitorias e correspondente modo de, por elas, ser indemnizado.

Efectivamente, na decisão recorrida, defendeu-se que a acção teria de improceder, com o fundamento em que o autor não descreveu os factos que permitam caracterizar as benfeitorias que fez no prédio da ré, as concretas obras que fez; bem como não alegou qual o enriquecimento da ré, nem o seu empobrecimento, o valor da coisa antes das benfeitorias e o valor actual, o que impossibilita que se lance mão do disposto no artigo 1273.º, n.º 2, do Código Civil.

Somos de opinião que a construção de uma casa, por parte de dois cônjuges, de duas pessoas que vivam em união de facto ou na prossecução de objectivos comuns, em terreno próprio de um deles, é de qualificar como benfeitoria, dado que em resultado dessa construção, se verifica um aumento do valor do prédio em que foi erigido o imóvel.

Construir uma casa nova, em bem próprio de um dos cônjuges, também é uma benfeitoria – neste sentido o Acórdão desta Relação, de 13 de Maio de 2014, Processo n.º 1068/08.7TBTMR-B.C1 (e onde se cita outra jurisprudência no mesmo sentido).

E, ainda, no mesmo sentido, o Acórdão do STJ de 10 de Janeiro de 2013, Processo n.º 1346/10.5.TBTMR.C1.S1.

E para o caso de união de facto, o Acórdão da Relação do Porto, de 09 de Junho de 2015, Processo n.º 210/12.8TBVNG.P1 (todos disponíveis no respectivo sítio do itij).

Também no caso em apreço, fora de dúvidas, a causa da deslocação patrimonial da esfera do autor para a da ré foi a relação amorosa que tiveram e projecto de vida em comum que perspectivavam e a construção da casa, também custeada pelo autor, traduz-se num aumento do valor do prédio pertença da ré e, por isso, constitui uma benfeitoria.

Estas, como resulta do disposto no artigo 216.º do Código Civil, podem ser necessárias, úteis ou voluptuárias, correspondendo as primeiras às que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa e as segundas às que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam o valor.

Nos termos do disposto no artigo 1273.º do Código Civil:

“1. Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.

2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa”.

Pressuposto da aplicação deste preceito é, desde logo, que se saiba perante que espécie de benfeitorias estamos e se é possível ou não o levantamento das mesmas, incumbindo ao beneficiário da pretendida indemnização o ónus de provar os respectivos requisitos  - nesse sentido, P. de Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª Edição Revista e Actualizada (Reimpressão), Coimbra Editora, pág. 42.

Como se refere nos Acórdãos do STJ, de 06 de Fevereiro de 2007, Processo n.º 06A4036 (citado na sentença recorrida) e de 05 de Março de 2009, Processo n.º 08B3677, (ambos disponíveis no respectivo sítio do itij), no caso de indemnização por benfeitorias, incumbe ao autor alegar e provar, o enriquecimento do réu, o seu empobrecimento, nexo causal entre um e outro e a falta de causa justificativa daquele enriquecimento.

Tudo isto, só pode resultar da alegação e prova de quais as obras que, em concreto, foram feitas, possibilidade ou impossibilidade do seu levantamento, o que tudo, incumbe ao autor alegar e provar.

Como defendido no Acórdão desta Relação, de 10 de Fevereiro de 2015 (em que o ora Relator interveio como 1.º Adjunto), disponível no mesmo sítio dos anteriores, para ser processualmente reconhecido um crédito por benfeitorias têm que estar alegados e provados elementos factuais que as permitam classificar como necessárias ou úteis; o custo de cada uma delas, o valor que cada uma delas acrescentou à coisa e a medida do seu benefício na data da entrega.

Ora, o autor nada disto alegou, limitando-se a referir que adquiriu materiais de construção, que foram aplicados na construção da casa, o que nos impossibilita de as enquadrar no disposto no artigo 1273.º do Código Civil, por não ser possível proceder à classificação das obras em cada uma das classes de benfeitorias legalmente previstas e acima referidas.

Uma vez que, como já referido, se trata dos factos constitutivos do direito a que se arroga o autor, nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, tem a acção de improceder, como havia sido referido (e decidido) na sentença recorrida.

Entendemos que a pretensão do autor tem de ser apreciada e decidida à luz dos fundamentos que este invocou para tal, o que, nos termos expostos, acarreta a improcedência da acção.

Por outro lado, não concordamos com a conclusão de que se trata de um contrato atípico de mútuo e cláusula de compensação entre dinheiro próprio e comum.

A causa de deslocação patrimonial foi a intenção, comum, a ambas as ora partes, de contribuírem para a construção da casa onde pretendiam viver, para o que o autor também contribuiu e para o que, ambos, solicitaram a concessão de empréstimo bancário.

Empréstimo, este, pelo qual, ficariam ambos responsáveis perante a CGD (cf. item 4.º), sendo, por isso, irrelevante, o que consta em 11.º.

A não ser assim, existiria uma “dupla penalização” para o autor que tinha já pago para que se desse início às obras (cf. itens 9.º e 10.º) e teria, ainda, de pagar o empréstimo, na mesma proporção da ré.

Não se tratou de emprestar nenhuma quantia à ora ré, mas sim de financiar as obras da casa onde pretendiam viver em conjunto de que, agora, não tem qualquer benefício, por se situarem em prédio que pertence à ré.

Pelo que, tal como o autor configurou a acção, o direito a que este se arroga terá de ser apreciado como um crédito que detém sobre a ré, à luz do direito a ser indemnizado pelas benfeitorias que realizou mas, exigindo-se, para tal, que alegue e demonstre os factos constitutivos desse direito, o que, como já referido, não se verificou, assim, acarretando, a improcedência da acção (situação que já se verificava findos os articulados).

Assim, não pode manter-se a decisão recorrida, o que acarreta a procedência desta questão do recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar procedente a apelação deduzida, em função do que se revoga a decisão recorrida, absolvendo-se a ré do pedido.

Custas pelo autor, em ambas as instâncias.

Coimbra, 12 de Setembro de 2017.