Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
368/12.6TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA INÊS MOURA
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
CONTRADITÓRIO
Data do Acordão: 01/07/2015
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - VISEU - INST. CENTRAL - SEC.COMÉRCIO - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 3º Nº 3 E 281º CPC
Sumário: 1.- Para ser julgada deserta a instância, nos termos do artº 281 nº 1 do CPC é necessário não só que o processo esteja parado há mais de seis meses a aguardar o impulso processual da parte, mas também que tal se verifique por negligência da mesma em promover o seu andamento.

2.- Não sendo automática a deserção da instância pelo decurso do prazo de seis meses, o tribunal, antes de proferir o despacho a que alude o nº 4 do artº 281 do CPC., deve ouvir as partes de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável a comportamento negligente.

Decisão Texto Integral:
O recurso é o próprio quanto à espécie, efeitos e modo de subida.

A questão a decidir é simples, pelo que se justifica o julgamento sumário do recurso, nos termos do disposto nos artº 652 nº 1 c) e 656 do C.P.C.

                                                           *

I. Relatório

No âmbito da presente acção declarativa de condenação com a forma de processo ordinário que C (…), por si e na qualidade de legal representante dos seus filhos menores J (…) e C (…) vem intentar contra a V (…), Ldª, foi proferido despacho a 17/06/2014 a declarar deserta a instância, nos termos do artº 281 do C.P.C., por ter decorrido o prazo de seis meses sem que as partes tenham impulsionado o processo.

A acção começou por ser intentada apenas contra a R. V (…), Ldª, tendo sido mais tarde requerida e admitida, por despacho de 31/08/2012, a intervenção principal, como associados aos RR. de F (…) e mulher O (…), F (…) , e M (…), J (…) e M (…), J (…) e L (…).

Por despacho de 04/02/2013 foi declarada suspensa a instância por estar comprovado nos autos o óbito dos L (…) e J (…) até os falecidos serem habilitados.

Por ter sido deferido o pedido de escusa apresentado pela Ilustre Patrona do A., bem como por diversos outros patronos entretanto nomeados, foi nomeado novo patrono a 17/11/2013.

A A. vem a 09/12/2013 apresentar requerimento ao processo, solicitando a realização de diversas diligências com o objectivo de identificar os herdeiros dos falecidos, com vista à instauração do incidente de habilitação de herdeiros dos mesmos, o que foi deferido, por despacho de 16/01/2014

Por requerimento apresentado a 17/02/2014 vem a A. apresentar requerimento aos autos pedindo a notificação de José Rodrigues para que este informar a morada de F (…) e M (…) chamados ainda não citados, o que foi deferido por despacho de 14/03/2014.

Tal informação veio a ser prestada a 27/03/2014, com a indicação de que a chamada M (…) faleceu no decurso do ano de 2013.

Entretanto as Finanças vêm a 08/04/2014 juntar aos autos elementos sobre o processo de imposto sucessórios dos dois chamados falecidos, conforme havia sido solicitado.

A 10/04/2014 vem a A. requerer a citação dos chamados na morada indicada e a realização de diligências a fim de se comprovar o óbito de Maria do Céu Figueiredo.

A 28/04/2014 vem a A. invocar que não são legíveis os documentos das Finanças que lhe foram enviados digitalizados e pede o envio dos mesmos através de suporte de papel.

A 20/05/2014 foi proferido despacho referindo que a instância está suspensa até à habilitação dos chamados falecidos L (…) e J (…) o que ainda não ocorreu, não se determinando quaisquer outras diligências sem que os mesmos estejam habilitados nos autos.

A 17/06/2014 é proferido o seguinte despacho: “Decorrido o prazo de seis meses sem que as partes tenham impulsionado o processo declaro deserta a instância, nos termos do artigo 281 do Código de Processo Civil”.

É com este despacho que a A. não se conforme e dele vem interpor recurso, pedindo a sua alteração e o prosseguimento dos autos, apresentando para o efeito as seguintes conclusões:

I- Vem o presente recurso interposto do despacho proferido nos autos supra identificados, datado de 17-06-2014, com a referência 8724676, proferido nos mesmos, que declarou deserta a instância, com base no artigo 281.º do Código de Processo Civil.

            II- O Tribunal a quo invocou o artigo 281.º do Código de Processo Civil, pois considerou que não foi dado no âmbito do processo nenhum impulso processual há mais de seis meses. Conforme resulta do supra alegado e dos próprios autos, a autora, tudo fez para que fosse dado andamento ao processo, revelando cuidado e interesse em que este prossiga, atravessando para esse efeito diversos requerimentos.

            III- Desde que o aqui patrono foi nomeado a 07-11-2013, foram atravessados pela recorrente vários requerimentos no processo, designadamente: requerimento de 09-12-2013, com a referência 15286213; requerimento de 17-02-2014, com a referência 15959984; requerimento de 10-04-2014, com a referência 16520204; requerimento de 28-04-2014, com a referência 16636998, e requerimento de 03-07-2014, com a referência 17290079, todos com vista a dar prosseguimento aos autos, incluindo ao incidente de habilitação, com o fim último de alcançar nos autos um decisão final de mérito.

            IV- A aludida norma, na sua redacção actual, dada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, deve ser interpretada no sentido de que a instância só se considera deserta se o processo se encontrar a aguardar impulso processual há mais de seis meses, e essa falta de impulso se deva à negligência das partes. O nº4 do presente artigo estipula que a deserção deve ser julgada por despacho do juiz, no tribunal onde se verifique a falta.

            V- Salvo melhor opinião, consideramos que o nº4, do artigo 281.º do CPC na sua redacção actual, deve ser interpretada no sentido de ser necessário, além do despacho de deserção, que foi efectivamente proferido, pois não se verifica de forma automática pelo mero decurso dos seis meses, ouvir previamente as partes, de forma a ajuizar no caso concreto se a falta de impulso processual é, ou não, devido a negligência. Somente depois dessa audição das partes, o juiz devia emitir o despacho adequado. Consideramos que só a realização dessa audição permite uma decisão fundamentada do juiz ao invés de uma meramente discricionária. No caso sub judice essa audição não teve lugar, o juiz do tribunal a quo limitou-se a notificar a recorrente do despacho de deserção da instância, sem que previamente tenha ouvido as partes e indagado se o seu comportamento foi ou não negligente.

            VI- Ao aludido artigo subjaz a ideia de “negligência das partes” que determina a apreciação e valoração de um comportamento omissivo dos sujeitos processuais, ou seja, deve considerar-se a falta de um impulso processual necessário. Tem de verificar-se inequivocamente, que tenha ocorrido no processo desleixo, descuido na acção, merecedor daquela punição prevista na lei. No caso presente, a recorrente revelou uma conduta precisamente contrária, uma conduta diligente, reveladora do cuidado e interesse no prosseguimento dos autos, impulsionou reiteradamente o mesmo, atravessando diversos requerimentos, com vista a dirimir o conflito que a opõe aos réus.

            VII- Deve também relevar-se que os diversos requerimentos apresentados pela recorrente foram merecendo despachos do Tribunal a quo, o que atenta a sua pertinência para o prosseguimento dos autos, e demonstra o interesse da ora recorrente no seu andamento.

            VIII- Sem prescindir, salvo melhor opinião, à data do despacho ora recorrido, apenas se poderia considerar que a instância aguardava um impulso processual por parte da recorrente desde 21-05-2014, data em que foi notificada de um despacho do Tribunal, contudo, mesmo que assim se considerasse, a instância não se encontrava parada há mais de seis meses, mas há aproximadamente um mês, o que, atento o tempo decorrido não permitia ao juiz do tribunal a quo determinar a deserção da instância.

            IX- O entendimento acolhido pelo Tribunal a quo não tem suporte nem na letra, nem no espírito da citada norma, que aponta antes para a necessidade de deserção da instância, por meio de comportamento negligente pelas partes, quando não impulsionaram o processo há mais de seis meses. Ademais, não basta o despacho meramente discricionário que declara sem mais, a deserção da instância, impõem-se uma audição prévia das partes que permita ao juiz, no caso concreto, indagar acerca do comportamento negligente das partes, o que não ocorreu nos presentes autos.

            X- Atento o exposto, no caso dos autos, impunha-se ao Tribunal a quo não ter declarada deserta a instância, devendo a acção prosseguir seus termos até decisão final de mérito, sob pena de se frustrarem completamente os efeitos visados pela ora recorrente, que é dirimir definitivamente o conflito que a opõe aos réus.

            XI- O tribunal a quo fez, salvo melhor opinião, errada interpretação e aplicação do artigo 281.º do Código de Processo Civil, designadamente dos seus números 1 e 4, pois, a correcta interpretação deste artigo e a subsunção dos factos alegados pela recorrente ao direito aplicável, designadamente em face dos seus diversos requerimentos atravessados nos autos, deveria ter-se concluído pelo prosseguimento do presente processo e não pela deserção da instância, que comina na sua extinção.

            II. Questões a decidir

Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões - artº 635 nº 4 e artº 639 nº 1 a 3 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- artº 608 nº 2 in fine.

- da deserção da instância

III. Fundamentos de Facto

Os factos relevantes para a apreciação e decisão do presente recurso são os que constam do relatório elaborado.

IV. Razões de Direito

- da deserção da instância

A propósito da deserção da instância regula agora o artº 281 do C.P.C. que dispõe, no seu nº 1 que: “Sem prejuízo do disposto no nº 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar o impulso processual há mais de seis meses.” Acrescenta o nº 4 deste artigo, que a deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator.

Esta norma veio substituir os anteriores artº 285 e 291 do C.P.C. que regulavam a interrupção e deserção da instância.

O anterior artº 291 nº 1 do C.P.C. que regulava a deserção da instância previa que a mesma se verificava, independentemente de qualquer decisão judicial, quando estivesse interrompida durante dois anos. A deserção da instância ocorria assim de forma automática, prevendo o anterior artº 285 a interrupção da instância, essa sim que necessitava de despacho do juiz que o declarasse, uma vez que pressupunha que o processo estivesse parado por ano, por negligência das partes em promover os seus termos.

Este instituto constitui uma sanção imposta às partes, pela sua inércia em promover os termos do processo, que elas próprias impulsionaram, evitando assim que por largos períodos de tempo se mantenham nos tribunais processos parados por quem deles se desinteressou.

Se atentarmos na redacção do artº 281 nº 1 do C.P.C. constata-se que o que determina a deserção da instância é não só o processo estar parado há mais de seis meses, mas também a existência de uma omissão negligente da parte em promover o ser andamento. O comportamento omissivo da parte tem assim de ser apreciado e valorado.

A necessidade de despacho do juiz compreende-se precisamente, na medida em que se torna necessário fazer essa avaliação, no sentido de saber se a paragem do processo resulta efectivamente de negligência da parte em promover o seu andamento; pretende o mesmo constatar a verificação dos pressupostos da deserção.

Considera-se também que, não sendo automática a deserção da instância pelo decurso do prazo de seis meses, o tribunal, antes de proferir o despacho a que alude o nº 4 do artº 281 do C.P.C., deve ouvir as partes de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável a comportamento negligente. Aliás, tal dever decorre expressamente do artº 3º nº 3 do C.P.C. ao dispor que o juiz deve observar e fazer cumprir o principio do contraditório ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

No caso em presença, o despacho recorrido nem sequer menciona o facto de ter havido negligência da A. em promover os termos do processo, que não avalia e, por outro lado, refere que decorreram seis meses, sem que as partes tenham impulsionado o processo, o que nem sequer é verdade, como decorre da constatação dos requerimentos que foram sendo apresentados nos autos pela A. e que, com excepção do último, foram deferidos pelo tribunal, certamente por os considerar pertinentes.

Na verdade, verifica-se que a A. tem vindo a apresentar requerimentos aos autos, solicitando a colaboração do tribunal com vista a obter os elementos necessários à habilitação de herdeiros dos chamados falecidos, o que aliás tem vindo a ser deferido. O facto da mesma ainda não ter intentado tal habilitação, não pode só por si determinar a existência de negligência da sua parte em promover os termos do processo, além de que se constata que a mesma está a realizar diligências com vista à obtenção de elementos que lhe permitam fazê-lo.

Não pode por isso dizer-se que os autos se encontram a aguardar o impulso processual da A. há mais de seis meses, por negligência da sua parte.

Nesta medida e sem necessidade de outras considerações, revoga-se o despacho recorrido, determinando-se o prosseguimento dos autos em conformidade, desde logo, com a tomada de posição do tribunal sobre requerimento apresentado pela A. a 28/04/2014 que ainda não a mereceu.

V. Sumário

Para ser julgada deserta a instância, nos termos do artº 281 nº 1 do C.P.C. é necessário não só que o processo esteja parado há mais de seis meses a aguardar o impulso processual da parte, mas também que tal se verifique por negligência da mesma em promover o seu andamento.

VI. Decisão:

Em face do exposto, julga-se procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida e determina-se a remessa do processo à 1ª instância para prosseguimento dos autos em conformidade.

Sem custas.

Notifique.

                                                            *

                                               Coimbra, 7 de Janeiro de 2015

                                               Maria Inês Moura (relatora)