Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4006/20.5T8MAI-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
INVENTÁRIO PARA SEPARAÇÃO DE MEAÇÕES
EXECUÇÃO CONTRA UM DOS EX-CÔNJUGES
JUÍZOS DE FAMÍLIA E MENORES
Data do Acordão: 09/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 740.º, N.ºS 1 E 2, E 1135.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 122.º, N.º 2, E 129.º, N.ºS 1 E 2, DA LOSJ (LEI N.º 62/2013, DE 26-08)
Sumário: A competência material para o processo de inventário para separação de meações, subsequente a penhora de bens comuns do casal, em execução contra um dos (ex-)cônjuges, cabe aos juízos de família e menores (e não aos juízos de execução, no âmbito de competência por conexão).
Decisão Texto Integral: Processo n.º 4006/20.5T8MAI-A.C1 – Apelação

            Comarca de Viseu, Viseu, Juízo de Execução

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

Por apenso à execução ordinária, para pagamento de quantia certa que A... SA, move a AA e a outro, veio BB, já identificada nos autos, na qualidade de ex-cônjuge daquele AA, requerer a separação de meações, alegando ter sido decretado o divórcio entre ambos em 27de Abril de 2018 e os bens ainda não se encontram partilhados.

Conforme decisão de fl.s 26/7, a M.ma Juiz a quo, declarou a incompetência material do Juízo de Execução para os presentes autos, atribuindo-a ao Juízo de Família e Menores, com o consequente indeferimento liminar do requerido, ficando as custas a cargo da requerente.

Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso a requerente BB, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida, imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 37), finalizando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1 - Foi proferido pelo Mmo. Juiz do tribunal a quo, no âmbito do processo intentado por apenso pela Recorrente para Inventário e Partilha do bem comum que é proprietária com o seu ex-marido, ex-marido este que é executado nos autos principais dos autos supra referenciados, sentença/despacho que nos termos do 1.ª parte da al. c) do n.º 3 do art.º 629.º, do Código do Processo Civil, põem termo aos autos, e por isso

legitima o presente recurso.

2 – Da referida decisão, considera-se o tribunal a quo materialmente incompetente para o presente processo e, consequentemente, ao abrigo do disposto no n.º 1, do art.º 99.º, do Código do Processo Civil, julgou-se materialmente incompetente para julgar os autos.

3 – Considera a Recorrente, pelos motivos que acima se expuseram, que tal decisão viola os arts. 96º, al. a), 99º, nº 1, 278º, nº 1, al. a), 576º, nºs 1 e 2, 577º, al. a) e 578º, 1ª parte do CPC, por não respeitar e assim violar a Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2020.

4 - A Requerente foi notificada pela Sra. Agente de Execução nomeada nos autos de execução, autos principais – 4006/20.5T8MAI, a dar-lhe conhecimento que tinha sido efetuada uma penhora num bem comum que é proprietária com o seu ex-marido, executado nos presentes autos – AA.

5 - Dentro do prazo e no tribunal da Maia, onde corria os seus termos os presentes autos, a Requerente deu entrada nos autos de execução do respetivo pedido para separação de bens, tendo por apenso requerido igualmente o presente processo de Inventário e Partilha.

6 - Nos referidos autos de execução, a Recorrente alegou e requereu o

seguinte:

(..)

7 – Assim, e com a entrada em vigor, no dia 1 de Janeiro de 2020, da Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro, que revogou a Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, operou-se a “rejudicialização” do processo de inventário.

8 - Um dos casos em que o processo de inventário é da exclusiva competência dos tribunais judiciais por o inventário ser dependência de outro processo judicial é, manifestamente, aquele que trata da separação de meações na acção executiva, nos termos e para os efeitos do art. 740.º, n.º 2, do C.P.C./13.

9 - Assim, tendo a Recorrente recebido citação pela Agente de Execução nomeada nos autos principais, para no prazo de 20 dias requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência da acção de separação de bens»,

10 - é no juízo de execução onde se encontra pendente aquele processo e por apenso ao mesmo, que deve ser requerido o respectivo inventário para separação de meações, por ser o competente para o efeito; trata-se de uma competência por conexão.

11 - Nos presentes autos, tendo a Requerente sido citada, no âmbito do processo executivo acima referido, em que é executado o seu cônjuge, nos termos e para os efeitos igualmente acima descritos, é no juízo de execução onde se encontra pendente aquele processo e por apenso ao mesmo, que deve ser requerido o respetivo inventário para separação de meações, por ser o competente para o efeito, e não o Tribunal de Família competente territorialmente para o caso, conforme consta da decisão ora em crise.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá o presente Recurso ser declarado procedente, e consequentemente, deve a decisão ser julgada revogada e ser considerado que os autos de Inventário e Partilha devem correr por apenso aos autos principais de execução, fazendo assim Sã e Douta Justiça!

Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.          

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de aferir da competência material para a tramitação e conhecimento dos autos de inventário para separação de meações, subsequente a penhora de bens comuns do casal, em execução movida contra um dos ex-cônjuges.

A matéria de facto a ter em consideração é a que resulta do relatório que antecede.

Competência material para a tramitação e conhecimento dos autos de inventário para separação de meações, subsequente a penhora de bens comuns do casal, em execução movida contra um dos ex-cônjuges.

Analisando as alegações e respectivas conclusões de recurso, insurge-se a requerente contra a decisão recorrida, por entender que a competência material para a tramitação e conhecimento dos presentes autos está atribuída ao Tribunal a quo, com o fundamento em que se trata de um caso de competência por conexão, ao abrigo do disposto nos artigos 740.º, n.º 1 e 2 e 1083.º, n.º 1, al. b), ambos do CPC.

Na decisão em recurso, considerou-se que a competência material para a tramitação e conhecimento do pretendido inventário está atribuída ao Juízo de Família e Menores, com a seguinte fundamentação:

“(…)

 Nos termos do artigo 740.º, do Código de Processo Civil, quando em execução movida contra um só dos cônjuges forem penhorados bens comuns do casal, deverá proceder-se à citação do cônjuge do executado para, no prazo de vinte dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida.

Porém, não obstante o teor de tal preceito, importa considerar as normas relativas à atribuição da competência material entre tribunais.

Ora, nos termos do artigo 129.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26.08., «Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil», porém, dispõe o n.º 2, do mesmo preceito que, “Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos ao tribunal (…) de família e menores (…).”.

Por sua vez, nos termos do n.º 2, do artigo 122.º, da mesma Lei, “Os juízos de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos.”.

O presente caso visa, precisamente, a instauração de um processo de separação de bens em casos especiais, com aplicação do regime do processo de inventário, tal como prevê o preceituado no artigo 1135.º, do Código de Processo Civil.

Do exposto resulta, salvo melhor opinião, ser este Juízo materialmente incompetente para a tramitação do presente processo, cuja competência é atribuída aos Juízos de Família e Menores.

Como é sabido, da previsão dos artigos 577.º, al. a), e 96.º, ambos do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do artigo 551.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, extrai-se que a incompetência material configura uma incompetência absoluta, de conhecimento oficioso, conforme previsto no artigo 97.º, do citado diploma legal, e que tem por consequência a absolvição da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar, como decorre da previsão do art.º 99.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.

Por conseguinte, verificada a exceção dilatória da incompetência absoluta do tribunal, não poderá o presente processo seguir os seus termos neste Tribunal, impondo-se, desde já, a declaração de incompetência.

Face ao exposto, julgo este Juízo de Execução materialmente incompetente para o presente processo e, consequentemente, ao abrigo do disposto no n.º 1, do art.º 99.º, do Cód. Proc. Civil, indefiro liminarmente a pretensão da requerente.

Custas pela requerente, que se fixam em 1 UC (artigo 7.º, do RCP e tabela II, ao mesmo anexa).”.

Como já referido, a questão que importa decidir é a de saber a quem compete tramitar os presentes autos de inventário para separação de bens, que surgem na sequência do pedido de inventário para separação de meações, com fundamento na existência de penhora de bem comum em execução movida contra um dos cônjuges.

É pacífico o entendimento de que a competência de um tribunal se afere ou é determinada em função dos termos em que a acção é configurada pelo autor.

Nos termos do disposto no artigo 40.º, n.º 1, da LOSJ “Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.

A competência em razão da matéria dos Juízos de família e menores, está fixada no seu artigo 122.º, nos termos do qual, no que aqui interessa, lhe compete a preparação e julgamento das acções de separação de pessoas e bens e de divórcio (n.º 1, al. c), cabendo-lhes, ainda, de acordo com o seu n.º 2:

“as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos”.

Por sua vez, a competência em razão da matéria dos Juízos de Execução, encontra-se plasmada no seu artigo 129.º, n.º 1, de acordo com o qual:

“Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil”. Porém, dispõe o n.º 2, do mesmo preceito que, “Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos ao tribunal (…) de família e menores”.

De ter, ainda, em linha de conta o disposto no artigo 1083.º, n.º 1, al. b), do CPC, de acordo com o qual, o processo de inventário é da competência exclusiva dos tribunais judiciais, sempre que o inventário constitua dependência de outro processo judicial.

E, segundo o seu artigo 1135.º, n.º 1, se for requerida a separação de bens nos casos de penhora de bens comuns do casal, aplica-se o disposto no regime do processo de inventário em consequência de separação ou divórcio, com as especificidades ali previstas.

Do disposto no artigo 1083.º, n.º 1, al. b), do CPC, apenas se pode retirar a conclusão de que o processo de inventário para separação de meações subsequente a penhora de bem comum, no âmbito de execução promovida contra um dos cônjuges ou ex-cônjuges, é da competência exclusiva dos tribunais judiciais.

Mas a questão a decidir é a de, dentro destes, determinar a competência material dos vários tribunais e secções dotados de competência especializada, a qual é determinada pelas leis de organização judiciária – cf. artigo 65.º, do CPC.

Por outro lado, do disposto no artigo 740.º, n.º, 1 e 2, do CPC, apenas resulta que requerida a separação de bens, ou comprovada a sua pendência, deve ser apensado ao processo de execução o requerimento de separação ou junta a referida certidão, a fim de ser declarada suspensa a execução até à partilha, mas dali não decorrendo, que o inventário siga por apenso ao processo de execução.

Aliás, qualquer contradição entre normas tem de ser resolvida pela prevalência da lei especial, cf. artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil.

Ora, como acima já se referiu, nos termos do disposto no artigo 65.º do CPC, a competência material dos vários Tribunais ou Secções dotadas de competência especializada é determinada pelas leis de organização judiciária.

Assim cabendo aos Juízos de família e menores a competência para os processos de inventário instaurados em consequência de divórcio, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos (sublinhado nosso) – cf. artigo 122.º, 2 da LOSJ, em que, manifestamente, cabe a separação de bens prevista no artigo 1335.º, do CPC – que é o caso – tem de concluir-se que a competência em razão da matéria para a tramitação e decisão do requerido inventário, está atribuída aos Juízos de família e menores, tal como decidido em 1.ª instância, o que, assim, se mantém.

Consequentemente, tem o recurso de improceder.

Nestes termos se decide:

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas, pela apelante.

Coimbra, 12 de Setembro de 2023