Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2520/12.5TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
MULTA
RESPONSABILIDADE DO MANDATÁRIO
Data do Acordão: 02/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.542, 545 CPC, 27 Nº3 RCP
Sumário: 1 - A prova da não verificação de facto pessoal, essencial à pretensão da parte¸ em contraponto à alegação, por esta, da sua verificação, implica a sua condenação como litigante de má fé, ao menos a título de negligência grosseira e grave.

2 - Sendo o ponto de partida para a fixação do quantum da condenação por má fé o limite mínimo de duas Ucs, e indiciada complexidade nas relações das partes e algum grau de emoção e frustração no alegante faltoso, a condenação deste a tal título deve aproximar-se daquele limite, pelo que melhor se ajusta o valor de 5 Ucs em vez de dez.

3 - A má fé do advogado exige uma clara, pessoal e direta intervenção/responsabilização nos/pelos factos de que decorre a má fé do cliente, e não pode ser sancionada no processo, mas apenas pela respetiva ordem – artº 545º do CPC.

4 – Não preenche a previsão desta norma não ter o advogado diligenciado pela certificação da veracidade do facto alegado pelo cliente -perda de causa por falta do seu advogado a julgamento - que consubstancia a má fé deste.

Decisão Texto Integral:




ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

D (…) propôs  contra A (…) e mulher, A (…), F (…) - Companhia de Seguros, S.A., e Companhia de Seguros T (…), S.A.. ação declarativa, sob a forma de processo ordinário.

Alegou:

«1.  

o A. e o R. marido conhecem-se há mais de 20 anos, uma vez que os pais de ambos foram vizinhos e os avós de ambos também.

2.

Por estes motivos, quando foi necessário proceder a diligências em processo de divórcio, e subsequentemente a inventário e separação de meações, o A. contactou o R. marido, para que o patrocinasse nesses pleitos.

3. 

Os referidos processos correram os seus termos sob o n. ° 216/99 e apensos, no 1. ° juízo do Tribunal Judicial de Pombal, sendo o processo principal o de divórcio, o apenso A, de separação de meações, o apenso B de execução de honorários, o apenso C de execução por custas e o apenso O.

4.

Nesses processos e pese embora a descrição minimalista efetuada pelo R. marido no apenso 216-E/99 (ação de honorários intentada pelo 1°R. marido, contra o A), este teve poucas intervenções, quer no processo principal quer nos apensos.

 5.

Como é bem de ver, quando o R. marido intentou a ação de honorários, que correu sob o n," 216-E/99, apenas invocou os serviços prestados no processo 216/99 e 216-A/99 de "análise de documentação e estudo jurídico das questões nas suas vertentes legal e jurisprudencial", bem como "peças processuais, resposta à reclamação da relação de bens e acompanhamento do processo em Tribunal", fixando de honorários a quantia de 2.000,00€ - doc.1.

6.

Contudo, esqueceu o R. marido de esclarecer perante o tribunal, as suas demais intervenções no processo e apensos, descritas supra no art. 4. ° da p.i..

7.°

Bem como, esqueceu que à data de outorga da procuração forense, o R. marido pediu, e o A pagou, a quantia de 500,00€, assim como lhe pagou 200,00€ por cada uma de quatro deslocações a tribunal, num total de 800,00€, tudo sempre em dinheiro.

8.

Tendo, ainda, esquecido de entregar ao A - o que afinal se requererá, sob cominação de sanção pecuniária compulsória - os respetivos, devidos e exigíveis recibos referentes aos pagamentos de honorários ao R. marido.

9.

Sucede que, no decorrer desse processo - no qual o R. marido foi mandatário forense do A desde 1999 até 2010 - o R. marido continuava a pedir dinheiro ao A, sem que este tivesse a possibilidade de lhe pagar,

10.

vindo então o R. marido a apresentar ao A uma forma de este lhe pagar as provisões de honorários que pedia.

11.

Conforme acima se expôs, as famílias do A e do R. marido conhecem-se há muitos anos, sendo por isso do conhecimento deste que o A detinha uma corrente/fio em ouro, trabalhado, (o qual pertencia ao bisavô do A, tendo passado para o avô do A, deste para o pai do A, negociante em velharias, de quem o R. era cliente de compra de moedas antigas outros artigos, e finalmente para o A), e uma libra em ouro (no valor de 750€).

12.

Como é bem de ver, além do valor económico do fio em ouro (o qual ascende a 1.500,00€), essa peça tinha para o A um significado elevado, uma ligação sentimental aos seus antepassados familiares.

13.

Ora, em 2004 ou 2005, sabendo da existência dessas duas peças em ouro, e perante as sucessivas afirmações do A de que não dispunha de quantias monetárias suficientes para entregar ao R. marido, este afirmou que o A podia pagar-lhe os honorários (rectius, a provisão de honorários, uma vez que estes só se podem fixar no final do processo, ou quando cessa a representação pelo advogado) pela entrega dessas duas peças em ouro.

14.

O A não queria "desfazer-se" dessas peças em ouro, não só pelo grande valor sentimental que representavam, como ainda porque entendia que o valor daquelas era demasiado elevado para consubstanciar o pagamento dos serviços desempenhados até àquela data pelo R. marido.

15.

Contudo, o R. marido contrapôs que se o A não lhe pagasse pela entrega dessas peças, que deixaria o processo acima identificado, e que o A ficaria muito prejudicado na defesa dos seus interesses.

16.

Perante tais afirmações, realizadas de modo tão peremptório, com veemência bastante, quase como se fosse uma ordem, o A veio a acatar a mesma, e entregou ao R. marido essas peças em ouro, para este se ter por pago não só a título provisional de honorários, como no final do processo, dos honorários e despesas devidas, com o conhecimento de toda a sua família e amigos.

17.

Perante o supra exposto, resulta à evidência que os serviços desempenhados pelo R. marido estariam integralmente - e excessivamente ¬pagos aquando da instauração da ação de honorários, no processo acima identificado n. o 216-E/99.

18.

Certo é que desde os primeiros contactos do A, com o R. marido, na sua qualidade de advogado, e após a subscrição da respetiva procuração forense, que este pedia dinheiro àquele, invocando carecer de provisões para honorários e despesas nos processos (à medida que os mesmos se desenrolavam, ou surgiam).

19.

Ademais, em 2007 o A contratou os serviços do R. marido, na sua qualidade de advogado, para um processo-crime, no âmbito do qual era aquele denunciante e queixoso.

20.

Semelhante processo correu termos no 2. o juízo do Tribunal Judicial de Ourém sob o n. o 463/07. 3GA VNO - doc. 2 a 4.

21.

O A emitiu a competente procuração forense visando que o processo em questão fosse acompanhado de perto - nomeadamente para efeitos de levar à acusação dos arguidos, e à condenação destes no pagamento de indemnização ao queixoso, ora A.

22.

O R. marido solicitou ao A o pagamento da quantia de 2.980,00€, a título de provisão de honorários e de taxa de justiça, para o acompanhamento e diligências que se reputassem necessárias nos processos em causa.

23.

Nesse processo o R. diligenciou por contestar, apresentando o pedido cível no valor de 21.500 €, mas quando estava marcado o julgamento, para o dia 19/05/2010, na semana anterior, o R. marido voltou a pedir dinheiro ao A, para provisão de honorários e deslocação de Pombal e Ourém, no montante de 300,00€.

24.

O A voltou a afirmar ao R. marido que não tinha essa quantia disponível, e que já lhe havia pago muitos montantes em dinheiro.

25.

Efetivamente, para esse processo, já o A havia entregue ao R. marido várias quantias parcelares.

26.

E, como já não detinha nenhuma peça em ouro, também não podia dessa forma pagar ao R., vindo este a afirmar ao A que se não lhe pagasse o que estava a pedir, que não iria ao julgamento do processo.

27.

Como o A não logrou obter esse montante - embora continuasse a entender ser exagerado, face ao que já havia pago ao R. - o R. marido não compareceu em Tribunal para julgamento no processo 463/07. 3GA VNO, pese embora ser o mandatário do A, e ao tempo, desconhecia a razão de não ter comparecido. Sabe agora que o R. renunciou à procuração em 12 de Maio do mesmo ano. Cfr. Doe. 2

28.

A falta do R. ao julgamento do referido processo, determinou que o arguido não fosse condenado no pedido civil, no valor de 21.500 €, vindo o A a ser desatendido no referido pedido cível.

29.

Ademais, como o A não lhe entregara as quantias que o R. marido lhe pedira, este veio a intentar por apenso a ação de honorários n," 463/07.3GAVNO¬A, nesse referido 2. ° juízo do Tribunal de Ourém, invocando ter prestado serviços enquanto advogado, os quais atingiram o valor de 600,00€, requerendo a condenação do A no pagamento dessa quantia, acrescida de juros moratórios.

30.

Foi proferida sentença condenatória do A em setembro de 2011, vindo este a pagar ao R. marido, por transferência bancária, as quantias de 200,00€ em 06/10/2011, de 200,00€ em 09/11/2011 e de 225,00€ em 03/02/2012 - docs. 5 a 7.

 31.

Uma vez mais, na ação de honorários que intenta, o 1° R. marido omite deliberadamente as quantias previamente já entregues, pagas, pelo A àquele, assim como e após o integral pagamento (ocorrido em fevereiro do corrente ano), o R. marido não emitiu - ou, pelo menos, não entregou ou enviou - o competente e exigível recibo da quantia globalmente recebida.

32.

Perante o que supra se expôs e o que consta dos documentos juntos, o A começou a ter dificuldades na sua vida diária, uma vez que as constantes solicitações de dinheiro por parte do 1° R. marido acarretaram que aquele começasse a sentir-se permanentemente pressionado, sempre ansioso, nunca sabendo se iria ficar sem advogado nos processos, quais as consequências dessa eventualidade.

33.

Entendendo que o 1° R. marido havia ultrapassado, e muito, os limites das quantias pedidas a título de honorários, provisões e despesas, e pagas pelo A, este efetuou uma queixa junto do Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados, em 10/09/2010 - doc. 8.

34.

Utilizou o A expressões menos corretas nessa queixa, pelo que veio a ser instaurado um processo-crime contra aquele, o qual correu os seus termos como processo sumaríssimo n," 661/10.2TAVNO, no 2.° juízo criminal das Varas de Competência Mista e Juízos Criminais de Coimbra. Doe. 9

35.

Tendo sido proferida acusação pelo M.P., e proposta a aplicação da sanção penal de 480€ de multa, foi o A condenado nesse pagamento.

36.

Sucede que, em 24/04/2012, cerca das 16h, o A recebeu uma chamada telefónica no seu telemóvel (com o n." 916696572), proveniente do número de telefone de rede fixa 236216458.

37.

Tal como consta de diversas peças processuais do 1° R. marido, da sua folha timbre, esse número provém do escritório daquele.

38.

Atendendo a chamada em causa, foi afirmado por uma interlocutora, do sexo feminino, claro, que era colega do 1° R. marido, que estava a contactar o A por assunto relativo ao processo-crime de Coimbra.

39.

Foi, então, afirmado que pretendia a interlocutora ter uma reunião com o A, por forma a chegarem a acordo relativamente à indemnização do 1° R. marido, nesse processo, e que o 1° R. estava a equacionar a hipótese de peticionar 6.000,00€,

40.

e se o A acedesse a pagar essa quantia, que o 1°R. marido desistiria da queixa apresentada nesse processo - tendo o A recusado pagar qualquer quantia.

41.

Não só porque entendia que não devia esse valor - uma vez mais, totalmente exagerado - como ainda porque o A, naquelas data, já havia sido condenado no aludido processo, em 31/1/2012.

42.

Ora, considerando o supra exposto resulta para o A manifesto que o 1°R. marido não tem - nem nunca teve - qualquer justificação, fundamento para receber (como pagamento de serviços) as quantias acima descritas e que a mais detém.

43.

Ou seja, além dos montantes nos quais o A foi condenado a pagar ao 1° R. marido, enquanto honorários e despesas, e dos quais a força de caso julgado impede que exija a restituição, a devolução, todas as demais quantias pagas ao 1° R. marido são excessivas, face ao trabalho efetivamente desempenhado.

44.

Afigurando-se ainda ao A que caso o 1° R. não tivesse faltado ao julgamento no proc. 463/07.3GAVNO (sem sequer renunciar à procuração forense subscrita, com o prazo legal de 20 dias), sempre aquele teria tido a possibilidade de procurar outro advogado, que tivesse tempo para estudar o processo, e que o acompanhasse devidamente, vindo a obter-se com grande certeza, uma decisão diversa.

45.

Incontraditável é, ainda, que o 1° R. omitiu as diligências que lhe eram exigíveis - nomeadamente na não comparência a julgamento, afirmada ao A com tão pouca antecedência da data designada para a sua realização - nas específicas funções que deveria ter desempenhado, causando por isso prejuízos ao A.

46.

Aliás, o A sentia-se permanentemente sob pressão do 1° R. marido, uma vez que este telefonava constantemente a pedir dinheiro, chegando o A a fazer 4 levantamentos em multibanco, na presença de amigos, num montante global de 2.000,00€.

47.

Com efeito, o A passou a apresentar vários sinais de stress pós traumático, pese embora não ter estado em cenário de guerra, mas sim ter sido submetido a diversas formas de pressão, para pagar montantes, para entregar bens para pagamento, de modo a que presentemente se encontra verdadeiramente empobrecido.

48.

Em suma, se até 1999 o A era pessoa saudável, equilibrada, passou o A a ser hipertenso, a ter dificuldades em dormir, a apresentar constantes vertigens, a ter valores elevados de ácido úrico, a ter permanentemente um zumbido ouvidos, e a apresentar um problema oftalmológico no olho esquerdo (sendo seguido em Medicina e em Oftalmologia no Centro Hospitalar Leiria-Pombal, anteriormente designado por Hospital de Santo André).

49.

Certo é, pois, que a permanente ansiedade em que o A se encontrava - e encontra ainda - levou a que este já não conseguisse dormir mais que três ou quatro horas seguidas, acordando sempre durante a noite, a pensar sempre em tudo o que pagou ao R., e no fio e libra em ouro que perdeu, tendo ficado sem esses bens tão valiosos (monetariamente e em termos sentimentais, de referência familiar), e a pensar que não vislumbra a possibilidade de lhe ser feita justiça, dada a enormidade de valores pagos ao 1° R. marido, perante os escassos serviços prestados.

50.

Afigura-se, pois, ao A que o 1° R. marido terá que restituir as quantias (ou bens) com as quais ficou a mais, do que vier a ser provado como excessivo - que desde já se estimam atingir 7.500,OO€ de honorários em excesso, e de 21.500,OO€ de danos patrimoniais pela ausência no processo de Ourém -, bem como deverá compensar o A pelos demais danos patrimoniais (do processo de Ourém) e não patrimoniais (de todas as pressões, angústias, que causou ao A)

51.

Acresce que, e sem prescindir de tudo o supra exposto, por mera cautela de patrocínio sempre se afigurará ao A que se a outro título o 1° R. marido (e a 1a R. mulher, como infra se verá) não for obrigado ao pagamento de indemnização àquele por incumprimento contratual, por excessividade de quantias auferidas sem a contra-prestação de serviço equivalente,

52.

sempre o A tem direito a ver-lhe restituída a quantia global de 29.000 €, uma vez que sem causa justificativa o 1° R. marido ( e a 1a R. mulher, como infra se verá ) se apropriou de tal montante, enriquecendo assim à custa do empobrecimento do património daquele.

53.

Devendo, nos termos dos arts. 473.° e ss. do C.C., serem os 1°s RR. obrigados a restituir ao A o montante de 29.000 € com que injustamente se locupletaram, acrescendo a tal quantia os respectivos juros de mora vincendos, contados à taxa legal até efectivo e integral pagamento.

54.

Por outro lado, tal como acima se expôs, a insistência, a pressão do 1° R. marido sobre o A em 2004 ou 2005, acarretou que este entregasse aos 1°s RR. os bens em ouro, em relação aos quais o A tinha extrema ligação afetiva.

55.

E isto porque representavam o simbolismo da tradição familiar de conservar, de manter os bens valiosos, quase como algo sagrado, que nunca deveria ser vendido, trocado, ou dado em pagamento, fazendo esses bens lembrar o pai e o avô do A, com os quais conviveu na sua infância, e dos quais tem recordações de carinho, de brincadeiras, mas também a transmissão de responsabilidade, de que para se obter ganhos tem que se trabalhar.

56.

É, consequentemente, devida ao A, uma compensação por danos não patrimoniais, causados pela conduta do 1°R. marido, no valor que se apresenta justo, equitativo, equilibrado, de 2.500,00€.

57.

Apresenta-se, pois, ao A ser legítima a sua resolução do contrato de prestação de serviços em causa - atenta a total ausência de trabalho desempenhado e de resultados alcançados, ou atentos os fracos resultados, perante o que pretendia o A - por incumprimento culposo do 1.° R..

58.

Mas, mesmo que não se entenda a existência de tal, por cautela de patrocínio sempre se dirá que se entende legítima a perda de interesse dos AA na suposta prestação do 1. ° R., atento o tempo decorrido, a total ausência de demonstração de qualquer trabalho desempenhado, a falta de comunicação aos AA de que estivesse a diligenciar por algo,

59.

enfim tudo o que seria exigível ao 1. ° R. no âmbito do exercício da sua actividade enquanto advogada e nos específicos serviços forenses que lhe foram cometidos pelos AA e supra descritos.

60.

Incontraditável é, ainda, que o 1. ° R. omitiu todas as diligências que lhe eram exigíveis nas específicas funções que deveria ter desempenhado, causando por isso prejuízos ao A.

61.

O A intenta o presente pleito contra a 1 a R. mulher dado que da presente acção poderá resultar a perda ou a oneração de bens que só pelos 1°s RR. possam ser alienados, nos termos das disposições conjugadas dos n. Os 3 e 1 do ert. 28.°- A do CP.C. ( até por o regime de bens do casamento dos RR. ser o da comunhão de adquiridos).

62.

Ademais, beneficiando a 1 a R. mulher das quantias monetárias e bens em ouro recebidas pelo seu marido e 1° R. - as quais integraram património e subsequente rendimento e proveito comuns -, sempre aquela será responsável pelo pagamento da quantia devida, dos danos patrimoniais, porque esse montante  global integrou previamente o património comum, e veio a realizar proveito comum do casal, ora 1°s RR..

63.

Os AA intentam a presente ação contra as 2. a e 3. a RR. uma vez que em face do protocolo da Ordem dos Advogados, aquelas foram - sucessivamente e no tempo - as companhias de seguros, do seguro de responsabilidade civil profissional dos advogados, abarcando todos os causídicos, em cada ano civil, que mantivessem as suas quotas em dia, pagas.

64.

Por este motivo, e dado que supra se expõem condutas profissionais do 1. ° R. que, face ao modo como foram desempenhadas, vieram a causar prejuízos ao A, entendem estes dever as 2. a ou 3. a RR. - consoante quem fosse a seguradora com apólice em vigor, à data da prática dos factos - ao A ser responsáveis pelo prejuízo acima indicado de 30.000,00€ causado pela conduta profissional do 1.° R., e pelo que vier a ser apurado subsequentemente em liquidação prévia à execução de sentença.

65.

Devendo, por consequência, as 2. a e 3. a RR. juntarem aos autos as respetivas apólices de seguro de responsabilidade civil profissional, de modo a que se possa aferir se o montante de indemnização peticionado é abarcado na íntegra pelo seguro, ou se aquelas são responsáveis apenas até determinado valor ( e daí para cima, unicamente os 1. Os RR. ).

66.

Por último, o A tem vindo há uns anos a esta parte, a solicitar a intervenção das entidades oficiais contra a actuação do 1° R marido, que a titulo de exemplo se juntam os documentos 10 a 14».

Pediu:

«a) Ser o 1° R. condenado a ver declarada a resolução dos contratos de prestação de serviços, forenses, outorgados com o A., por incumprimento culposo do 1 ° R. marido, cujas procurações deve considerar expressamente revogadas, ou;

b) quando assim se não entenda, por perda de interesse do A, atenta a falta de colaboração, comunicação, e de trabalho prestado por parte do 1 ° R. desde 1999 até à presente data, a ver declarada a resolução contratual, por culpa do 1 ° R.;

c) Serem os 1.os RR. condenados a pagar ao A, a título de indemnização pelos danos patrimoniais causados, referentes a honorários em excesso ( incluindo os bens que integraram dações em pagamento ), a quantia mínima de 21.500,00€, sem prejuízo da sua fixação em valor superior, após laudos da Ordem dos Advogados, ou posteriormente em sede de liquidação prévia a execução de sentença, por ser dano futuro, previsível, mas não quantificável, valor acrescido de juros de mora vincendos desde a data da sentença, até efetivo e integral pagamento;

d) Serem os 1.°, 2.a e 3.a RR. solidariamente responsáveis pelo pagamento ao A, a título de indemnização pelos danos patrimoniais causados pela conduta e atuação do 1.° R., no exercício da sua profissão, no montante de 29.000€, sem prejuízo da sua fixação em valor superior em sede de liquidação prévia a execução de sentença, por ser um dano futuro, previsível, mas não quantificável, valor esse acrescido de juros de mora vincendos desde a data da sentença, até efetivo e integral pagamento;

e) Quando antes se não julgue as 2.a e 3.a RR., consoante a época temporal dos seguros, únicas responsáveis pelos valores indicados em d), perante o A, atento o seguro de responsabilidade civil profissional vigente, condenando-as no pagamento ao A;

f) Ser o 1.° R. condenado a pagar ao A, a título de danos não patrimoniais causados pela conduta daquele, a quantia mínima de 2.500,00€, acrescida de juros de mora vincendos desde a data da sentença, até efetivo e integral pagamento;

g) Subsidiariamente, quanto à aI. a), serem os 1.os RR. condenados a restituir ao A a título de enriquecimento sem causa a quantia mínima de 29.000 €, ou a que for apurada em sede de laudos da O.A, ou em liquidação prévia a  execução, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal desde a data de citação até efetivo e integral cumprimento;

h) Serem os 1.os RR. condenados a restituir ao A., em género ou em dinheiro ( seu valor comercial) todos os objectos em ouro que o 1.° R. levou do A., sem pagar, caso se considere que não integram, com o seu valor, o pagamento de honorários pelo A., ao 1.° R., acrescido de juros de mora vincendos, contados à taxa legal desde a data de citação até efetivo e integral cumprimento;

i) Ser o R. marido condenado a restituir ao AA. toda a documentação que este lhe entregou, e que retém indevidamente e sem justificação em seu poder, sob cominação de não o fazendo, pagar 5 € diários e ainda ser condenado no pagamento de indemnização por danos morais aos AA., cuja quantificação não se apresenta para já possível, relegando-se esta para liquidação prévia a execução de sentença;

j) Serem os RR. condenados em custas e procuradoria condigna».

Os RR contestaram.

1. O Réu A (…) por impugnação, batendo-se pela falta de fundamento da ação e pedindo a condenação do Autor e do seu Exmo. Advogado como litigantes de má fé.

2. A Ré F (…), alegou que o contrato de seguro foi anulado por falta de pagamento do prémio, tendo a apólice sido anulada desde 11.08.2013, mais se defendendo concluindo pela improcedência da ação.

3. A Ré T(…)excecionou a exclusão da cobertura da apólice por falta de participação, a culpa do lesado e a inexistência de responsabilidade civil. Mais contestou por impugnação, concluindo pela improcedência da ação.

2.

Findos os articulados, e com a anuência das partes, foi proferida, de imediato, decisão de mérito com o seguinte teor final:

«Deste modo, e nos termos e com os fundamentos acima enunciados, o  Tribunal decide julgar a ação improcedente, por não provada, e, consequentemente, absolvem-se os Réus do pedido.

Mais se condena o Autor como litigante de má fé em multa que se fixa em 10 (dez) UC's, determinando-se que se notifiquem as partes nos termos e para os efeitos do artº 543°, nº 3, do CPC.

Mais se condena o Autor nas custas processuais, sem prejuízo do apoio judiciário de que goza.»

3.

Inconformado recorreu o autor.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

Contra alegaram os primeiros réus pugnando pela manutenção do decidido, e recorrendo subordinadamente,  com os seguintes argumentos finais:

 (…)

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

 Do recurso do autor:

1ª – Inexistência de má fé do autor.

Do recurso subordinado dos 1ºs réus:

2ª – Atuação com má fé do mandatário do autor.

5.

Foram dados como provados os seguintes factos que importa considerar:

1." Sob o nº 661/10.2TAVNO, correu termos, no 2° Juízo Criminal de Coimbra, um processo sumaríssimo em que o aqui 1 ° Réu foi assistente e o aqui Autor foi arguido.

2. Em tal processo, discutiram-se factos mencionados pelo arguido numa carta por si dirigida ao Conselho Distrital da Ordem dos Advogados de Coimbra em 10.09.2010 e em que se referia à pessoa do assistente.

3. Por douta sentença de 23.03.2011, transitada em julgado em 18.04.2013, o arguido foi condenado pela autoria de um crime de difamação agravado p. e p. pelos arts? 180°, nº 1, e 184° do CP, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de € 8,00, no total de € 480,00 (os factos relativos a este processo, ora referidos em 1. a 3., extraem-se da certidão de fls. 216-224).

4. Correu termos, no 2° Juízo do Tribunal Judicial de Ourém, o processo comum singular nº 467/07.3GAVNO no qual o aqui Autor deduziu pedido de indemnização civil contra José Isidro Correia Marques, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia total de € 21.500,00, acrescida de juros de mora (os factos atinentes a este processo, ora relatados em 4. a 11., emergem da certidão de fls. 360-425 e da informação de fls. 574).

5. Em tal processo, o aqui Autor constituiu mandatário o aqui 1° Réu.

6. Em 12.05.2010, o 1° Réu renunciou à procuração outorgada a aseu favor pelo Autor.

7. Tal renúncia foi notificada ao Autor em 19.05.2010.

8. Nesse processo, não se agendou qualquer diligência para o dia 10.05.2010. A primeira data para julgamento foi marcada para 19.05.2010, a qual foi adiada para 29.09.2010.

10. O julgamento teve início no dia 03.11.2010, tendo sido constatada a falta das testemunhas do demandante e não estando este representado por Advogado.

11. Por douto acórdão de 20.01.2010, transitado em julgado em 21.02.2011, o pedido de indemnização cível formulado pelo aqui Autor foi julgado improcedente, com a consequente absolvição do responsável civil.

12. Por apenso a esse processo, e sob o nº 463/07.3GAVNO-A, correu termos um processo sumaríssimo que o aqui 1 ° Réu moveu contra o aqui Autor e em que pedia o pagamento de honorários, contabilizando-os em € 600,00.

13. Em tal apenso, o aqui Autor apresentou oposição, pugnando pelo excesso da quantia reclamada.

14. Neste apenso, por sentença de 05.09.2011, a ação foi julgada procedente e o aqui Autor condenado a pagar ao aqui 1° Réu a quantia de € 600,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento (Os factos referentes a este processo, ora vertidos em 12. a 14., retiram-se de fls. 488-492).

15. Sob o nº 216-E/1999, correu termos pelo 1° Juízo do Tribunal judicial de Pombal uma ação de honorários que o aqui 1 ° Réu propôs contra o aqui Autor, alegando ter prestado serviços nos processos 216/1999 e 216/1999-A, fixando em € 2.000,00 os honorários que entendia serem-lhe devidos e em € 800,00 o valor das despesas, acrescidos de IVA e de juros, no total de € 3.647,75 (Os factos referentes a este processo, ora enunciados em 15. a 17., emergem da análise das certidões de fls. 459-471, 580-584 e 598-606).

16. Nessa ação, o aqui Autor, ali Réu, contestou, alegando, além do mais, ter efetuado vários pagamentos àquele e que o mesmo não considerara ao instaurar tal ação (cfr., a título de exemplo, os artigos 2°,4° e 5° da contestação).

17. Em tal ação, foi proferida douta sentença, em 30.06.2015, transitada em julgado em 04.09.2015, mediante a qual foi homologada a transação que as partes aí firmaram, reduzindo o aí Autor o pedido à quantia de € 2.000,00, que o aí Réu se obrigou a pagar em 32 prestações.

6.

Apreciando.

6.1.

A redação dada ao anterior artº456º do CPC – hoje 542º -  pelo DL 329-A/95 de 12.12. alargou o âmbito da aplicação do instituto da litigância de má fé, pois que nele abarcou não apenas os casos de atuação dolosa como também os de atuação gravemente negligente.

Sendo que, inclusive, e como se plasma no preâmbulo de tal diploma: «Como reflexo do princípio da cooperação e dos deveres que lhe são inerentes, permite-se, sem quaisquer limitações, a condenação como litigante de má fé da própria parte vencedora, desde que o seu comportamento processual preencha alguma das previsões contidas no nº2 do artº 456º…»

Tal alargamento teve, naturalmente, em vista, restringir os casos de litigância  maliciosa ou  altamente temerária, pretendendo incutir nas partes a necessidade de uma sã atitude processual, pautada e norteada por uma atuação o mais clara e linear possível, sem subterfúgios, truques e mentiras.

E sendo certo que a jurisprudência era amplamente magnânima na condenação a tal título, criou-se uma convicção de impunidade que levava a colocar ou a contestar em juízo casos de total insustentabilidade, ou, pior, distorcidos ou falseados na sua génese factual.

Com os inerentes prejuízos para o sistema da justiça e, outrossim, para os próprios sujeitos processuais vítimas de tal atuação.

Importa, pois, na sequência do atual desígnio legislativo, impor uma cultura de rigor nesta matéria, com os inerentes benefícios, a todos os títulos e níveis, dai advenientes.

Não obstante há que apreciar e decidir com as cautelas e precauções necessárias.

E devendo os tribunais serem prudentes na condenação a este título, porque tal implica não apenas uma censura e afetação económico-financeira a nível processual, como um desmerecimento a nível pessoal marcante e inquinador da honestidade e probidade presumivelmente insertas na esfera jurídica pessoal do normal cidadão - cfr. Ac. do STJ de 15.10.2002, dgsi.pt,p.02A2185.

Assim, para a condenação como litigante de má fé não basta a simples impugnação per positionem da versão de uma das partes sempre que a versão oposta à alegada seja provada.

Nem pode confundir-se com a manifesta improcedência da pretensão ou oposição deduzida.

O fundamento ético do instituto exige que se conclua por um desrespeito pelo tribunal, pelo processo e pela justiça, imputável subjetivamente ao litigante a título de dolo ou de negligência grave, ou seja, que tenha havido uma alteração consciente e voluntária da verdade dos factos (dolo) ou uma culpa grave (culpa lata) - Ac. da Relação do Porto de 20.10.2009, p. 30010-A/1995.P1

Destarte, e dada a relatividade da verdade judicial decorrente, designadamente, das várias interpretações e correlativas soluções jurídicas que podem incidir sobre um determinado complexo factual «a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples cortina de fumo da inanidade da sua posição processual…» - Ac. do STJ de 11.12.2003, dgsi.pt, p.03B3893.

Nesta conformidade: «Para a condenação como litigante de , exige-se que o procedimento do litigante evidencie indícios suficientes de uma conduta dolosa ou gravemente negligente…ou seja, que tenha havido uma alteração consciente e voluntária da verdade dos factos (dolo) ou uma culpa grave (culpa lata), que não se basta com qualquer espécie de negligência, antes se exigindo a negligência grave, grosseira (a faute lourde do direito francês ou a Leichtfertigkeit do direito alemão).» -  Ac.  do STJ de 28.05.2009, p. 09B0681.

6.2.

No caso vertente.

A SrªJuíza decidiu alcandorada no seguinte discurso argumentativo:

«Refere o art. 542° do CPC que:

«1. Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária se esta a pedir.

2. Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão».

Na versão anterior às alterações de 95/96, era entendimento constante da jurisprudência que só uma conduta dolosa daria lugar à condenação por má fé. Entendia-se, pois, que não bastava a negligência mesmo grosseira, exigindo-se uma conduta essencialmente dolosa.

Efetivamente, na base da má fé está este requisito essencial: "a consciência de não ter razão", como diz Alberto dos Reis, no CPC anotado, Vol. 2°, pág. 263. Segundo este Mestre, o art. 456° do CPC (que corresponde ao atual art? 542° do CPC) não punia a culpa grave, mas apenas os comportamentos pautados pelo dolo, pois, em seu entender, exigindo a lei a má fé, "quis manifestamente afastar a culpa, mesmo no grau mais elevado".

Porém, com a atual redação deste preceito legal, passaram a ser punidas não só as condutas dolosas, mas também as gravemente negligentes.

Como diz António Geraldes, em Temas Judiciários Vol. I, pág. 313 "é neste contexto, concerteza fruto da degradação dos padrões de atuação processual e do uso dos respetivos instrumentos, que, a par do realce dado ao princípio da  cooperação e aos deveres de boa fé e de lealdade processuais, surge a necessidade de ampliar o âmbito de aplicação do instituto, assumindo-se claramente que a negligência grave também é causa de condenação como litigante de má fé".

A negligência consiste na "omissão da diligência exigível do agente", ou como diz Pessoa Jorge no seu Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, a fls. 323, a "negligência exprime a falta de diligência, no sentido de omissão da conduta que constituiria a atuação diligente".

Antunes Varela, em Das Obrigações em Geral 2a, ed. pág. 446, define conduta negligente (consciente) como a conduta em que o agente prevê a produção do facto ilícito como resultado possível, mas, por leviandade, desleixo, ou incúria, crê na sua não verificação.

Já no âmbito do direito criminal, por negligência grave, entendem-se aquelas situações que resultam da "falta de precauções exigidas pela mais elementar prudência ou das aconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos usos correntes da vida" - Maia Gonçalves, Cód. Penal Português, 4a ed. pág. 98".

Estas noções de negligência podem ser transportadas para o instituto da litigância por má fé, para melhor compreensão dos comportamentos reprováveis a título de negligência grosseira. Entre estes figura, sem dúvida a omissão do dever de diligência exigível a qualquer pessoa que intenta ou contesta uma ação.

Todas as pessoas têm o direito de ação, consagrado no art. 20° do Constituição da República Portuguesa, segundo o qual quem se arrogue a titularidade de um direito poderá solicitar a intervenção judicial para o ver reconhecido ou para alcançar a sua realização coerciva - art. 2° do CPC.

Porém, a propositura de uma ação judicial é um ato sério, que normalmente acarreta prejuízos e incómodos para os demandados. Por isso, a lei impõe àquele que intenta uma ação, certos deveres de cuidado. E, do mesmo lado, quem exerce o direito de defesa deve fazê-lo com cautela, não deturpando a realidade.

Esses deveres, a nosso ver, foram claramente preteridos pelo Autor, que não podia deixar de saber quando é que foi notificado da renúncia ao mandato, já que se tratou de notificação pessoal que teve lugar em 19.05.2010. Aliás, sintomaticamente, notificado que foi da informação certificada que faz fls. 574 e que contrariava a tese do Autor, este silenciou. Também tinha o Autor o dever de diligenciar para saber quando é que, de facto, o dito julgamento se iniciou, se em maio de 2010 ou se, como sucedeu, em setembro de 2010 e se as suas testemunhas compareceram para efeitos de poder provar a sua tese.

Por isso, quando o Autor alegou «o R. marido não compareceu em Tribunal para julgamento no processo 463/07.3GAVNO, pese embora ser o mandatário do A., e ao tempo, desconhecia a razão de não ter comparecido. Sabe agora que o R. renunciou à procuração em 12 de Maio do mesmo ano», alegou falsamente factos de que ou sabia (a ocorrência da renúncia) ou devia saber (o início do julgamento e a não comparência das suas testemunhas).

Isto é, ao intentar a ação da forma como fez, o Autor procurou omitir conscientemente realidades que se deram provadas nos autos, sendo que o Autor não as podia ignorar.

O Autor, em suma, deturpou a factualidade que carreou para os autos, conhecedor da falta de fundamento da sua pretensão e faltando, de modo censurável, à verdade.

Parece-nos manifesta a má fé do Autor, pelo que será condenado como litigante de má fé por se entender que assumiu esse comportamento processual nestes autos. »

Esta subsunção e postura hermenêutica não merecem censura.

Na verdade o autor alegou:

«24.

Nesse processo o R. diligenciou por contestar, apresentando o pedido cível no valor de 21.500 €, mas quando estava marcado o julgamento, para o dia 19/05/2010, na semana anterior, o R. marido voltou a pedir dinheiro ao A, para provisão de honorários e deslocação de Pombal e Ourém, no montante de 300,00€.

25.

Efetivamente, para esse processo, já o A havia entregue ao R. marido várias quantias parcelares.

26.

E, como já não detinha nenhuma peça em ouro, também não podia dessa forma pagar ao R., vindo este a afirmar ao A que se não lhe pagasse o que estava a pedir, que não iria ao julgamento do processo.

27.

Como o A não logrou obter esse montante - embora continuasse a entender ser exagerado, face ao que já havia pago ao R. - o R. marido não compareceu em Tribunal para julgamento no processo 463/07. 3GA VNO, pese embora ser o mandatário do A, e ao tempo, desconhecia a razão de não ter comparecido. Sabe agora que o R. renunciou à procuração em 12 de Maio do mesmo ano. Cfr. Doe. 2

28.

A falta do R. ao julgamento do referido processo, determinou que o arguido não fosse condenado no pedido civil, no valor de 21.500 €, vindo o A a ser desatendido no referido pedido cível. »

(sublinhado nosso)

Dimana daqui que o autor fundamentou um dos seus pedidos, no valor de 21.500,00 euros, no facto de o 1º réu, seu advogado, ter faltado, em ação que identifica, à audiência de julgamento, num determinado dia – 19.05.2010 – por ele se recusar a pagar-lhe  um montante de honorários, que o réu lhe exigia e que ele considerava indevido.

Ora nada disto se provou ser verdade, antes pelo contrário, muito se provou ser mentira.

Desde logo não se provou que a dissonância quanto à falta ao julgamento fosse a causa direta da mesma.

Causa direta, foi, formalmente e no que para o caso interessa, a renúncia ao mandato, em 12 de maio, antes  pois da audiência  de 19 de maio.

Tal renúncia foi notificada ao autor no próprio dia da audiência.

Pelo que se ela se tivesse realizada nesse dia, a questão poderia ser discutível.

Note-se, contudo, que o alegado pelo próprio autor no ponto 26, ou seja, que a falta ao julgamento por banda do réu até já era previsível, releva e é sintomático: é que se ele quisesse obviar às possíveis consequências negativas  da mesma, deveria tomar as suas providências.

Não obstante, tais consequências não se verificaram no dia 19 de maio.

É que a audiência não se realizou neste dia: foi adiada para o dia 29 de setembro, sendo que este adiamento se não deveu à falta do advogado, aqui réu, mas antes à falta de testemunha e de relatório social.

 E apenas se realizou no dia 03.11.2010, tendo nela, nesta data, «sido constatada a falta das testemunhas do demandante e não estando este representado por Advogado.»

Temos assim que, nestes largos meses que medearam entre a renúncia ao mandato e a realização da audiência,  certamente que o autor interiorizou, plena e cabalmente – até porque estavam em litígio quanto aos honorários e certamente que sobre o tema falaram neste ínterim -  que o réu já não queria ser seu advogado e, assim, que não iria comparecer na audiência em setembro e em novembro.

Tinha, pois, muito tempo para acautelar os seus interesses em tal ação, vg. constituindo novo mandatário ou requerendo um oficioso.

Destarte, vir agora  nestes autos imputar a perda da ação à não presença do advogado numa audiência que nem sequer se realizou, mas não por falta deste,  é  mentir deliberadamente, ou, ao menos, que é o qb., faltar à verdade com grave negligência,  leviana e intoleravelmente.

Quer porque não é certo que, mesmo estando presente, em 19 de maio ou noutra data, o autor, ou qualquer outro advogado, tivesse, necessariamente, ganho de causa.

Quer, primacialmente, porque sabia, ou era-lhe exigível que soubesse, que o réu já não iria estar presente em audiência, nem a que estava marcada para 19 de maio nem a que fosse marcada para outra data.

Temos, assim, que o autor afirmou um facto do seu conhecimento direto e pessoal que se revelou ser falso.

Efetivamente:

«Quem nega o conhecimento de facto pessoal -máxime se determinante para a (im)procedência da ação -, desrespeita a contraparte, o tribunal, e faz uso abusivo do processo, pelo que deve ser condenado como litigante de má fé»- Ac. da RC de  2015.01.20, p. 15/11.3TBFND.C1 in dgsi.pt, subscrito por este relator e pelo aqui 1º ajunto.

A jurisprudência do Aresto desta mesma Relação e coletivo citado pelo recorrente não tem aqui aplicação.

Na verdade cada caso é um caso, devendo ser dilucidado e decidido em função dos seus específicos contornos.

Ora em tal acórdão concluiu-se pela inexistência de má fé  porque o caso consubstanciava «uma situação factual e juridicamente complexa e duvidosa, e dimanando de todo o processo que a parte agiu determinada essencialmente por assessoria jurídica  (sendo), no mínimo, intoleravelmente arriscado condenar a tal título.»

Efetivamente, tal caso reportava-se a questões essencialmente jurídicas, pois que existiam  «dúvidas sobre o regime de bens do casamento, as quais apenas nesta ação foram dissipadas»; sendo que «nem o autor nem a 1ª ré estavam seguros do quê, e em que medida, pertencia a um e a outro …E as suas relações patrimoniais e o modo como as geriam, bem como aos seus negócios, eram amplas e complexas; E ainda que: O autor …disse que não sabe ler e escrever »

Mas nada disto está aqui em causa, antes pelo contrário: estamos perante um singelo e simples facto, o qual, porém, é do conhecimento pessoal e direto do autor e é alicerçante de uma sua pretensão indemnizatória.

No atinente à redução do montante da multa.

Nos termos do artº 27º nº3 do RCP: nos casos de condenação por litigância de má fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC.

Estamos, assim, perante uma norma que encerra uma larguíssima  moldura, margem ou amplitude, dentro da qual o decisor pode movimentar-se.

No entanto, o limite a considerar, liminarmente, e do qual se deve partir, será sempre o limite mínimo  de duas UCS.

Sendo que, para a determinação do quantum concreto, haverá que considerar-se, vg., o grau de culpa ou a intensidade da negligência grosseira, as consequências do ato, designadamente se ele acarretou prejuízos para terceiros ou benefícios para o infrator, e, bem assim, a maior ou menor atividade e trabalho, para todos os intervenientes processuais, que a atuação do faltoso acarretou.

No caso vertente, as relações conflituosas entre as partes vêm de longe.

E, se bem inteligimos, elas assumem algum jaez de complexidade, e, por banda do autor, algum grau de emotividade,  frustração - fundamentadas ou não pouco agora importa -, e sentimento de injustiça no que concerne à relação de colaboração profissional que manteve com o réu advogado e às  alegadas exigências remuneratórias deste.

Destarte,  é admissível inferir que a instauração da presente ação, maxime no aqui releva,  e a invocação do argumento, não verídico, de que perdeu uma indemnização por falta do réu ao julgamento, foi,  quiçá, um último ato de desespero, ao menos essencialmente, alicerçado na pretensão de ele minimizar tal alegada injustiça.

Tudo visto e ponderado - considerando, repete-se, que o valor de referência da multa é o de duas Ucs, que a  atuação censurável do autor não acarretou trabalho de relevo pois que o caso foi, com a anuência das partes, logo decidido após os articulados, e, ainda, que a indemnização foi fixada em 500 euros -, julga-se que o montante da multa mais  equilibrado e equitativo  para censurar a conduta do autor é o de cinco UCS.

6.2.

Segunda questão.

Estatui o artº 545º do CPC:

Responsabilidade do mandatário.

Quando se reconheça que o mandatário da parte teve responsabilidade pessoal e direta nos atos pelos quais se revelou a má-fé na causa, dar-se-á conhecimento do facto à respetiva associação pública profissional, para que esta possa aplicar sanções e condenar o mandatário na quota-parte das custas, multa e indemnização que lhe parecer justa.

Do teor deste preceito se retira, desde logo e inequivocamente, que a responsabilização do advogado, por atos ou fatos por ele praticados ou produzidos, que descambem numa atuação processual eivada de má fé, não pode ser efetivada nos autos pelo juiz, mas antes pela respetiva ordem profissional, in casu, pela ordem dos advogados.

Na verdade: «Só a parte pode ser condenada como litigante de má fé, devendo fazer-se uso do procedimento previsto no artigo 459º (hoje 545º) do Código de Processo Civil, quanto ao respectivo mandatário, se se reconhecer ter responsabilidade pessoal e directa nos actos reveladores da má fé.» - Ac. da RL de 04.06.2009, p. 1590/06.0TBFUN-A.L1-8  e demais doutrina nele citada.

Só por isto, obviamente, a pretensão do autor soçobraria no que tange ao seu sancionamento hic et nunc.

No entanto, e tanto quanto alcançamos no processo, a atuação do mandatário do autor, que provasse, ou, até, indiciasse, tal responsabilidade, não se vislumbra.

A Srª. Juíza julgou nos seguintes termos:

«Já o seu Exmo. Advogado, a meu ver, não pode ser considerado litigante de má fé, uma vez que o artº 545º do CPC pressupõe que aquele tenha responsabilidade pessoal e direta nos atos pelos quais se revelou a má fé, o que tem por base que saiba (ou deva fundadamente suspeitar) que o que está a alegar não corresponda à verdade.

Ora, tal conhecimento e participação direta não estão demonstrados nos autos, pelo que, não se vislumbrando qualquer falta imputável ao Exmo. Mandatário, não se dará conhecimento à Ordem dos Advogados (cfr. artº 545° do CPC).

Estamos com a julgadora.

Contrariamente ao entendimento do réu/recorrido, o advogado do autor não estava, necessariamente, vinculado a certificar-se da veracidade do que lhe foi transmitido pelo demandante, concretamente: se a falta do seu anterior mandatário à audiência de julgamento tinha sido  o motivo para ele não obter ganho de causa.

Inexiste comando ou normativo legal que, estritamente, imponha, inelutavelmente e em qualquer caso ou situação, a certificação por banda de um mandatário do que pelo seu cliente lhe é comunicado.

Antes as relações de confiança que é suposto existirem entre eles e, acima de tudo, a exigência de uma atuação linear e de boa fé por banda do assessorado litigante, são o bastante para que o causídico aceite, ao menos por via de regra de que o presente caso não constitui exceção,  como bom o que lhe é transmitido.

Ademais, e outrossim versus o alegado pelo recorrido, a questão do modo de provar a alegada falta a julgamento irreleva: nem estamos perante prova taxada e restrita a um determinado meio – documental -, podendo esta ser pessoal;  nem, como é intuitivo, cumpre ao mandatário, mas  antes impende sobre o cliente, provar o que alega, e, para o efeito,  apresentar os meios probatórios que tenha por pertinentes.

Aliás, este argumento vira-se contra a pretensão do recorrido.

 Pois que,  se como ele invoca, pode ser facilmente provado, pela junção da respetiva ata, que tal falta a julgamento do seu advogado  não foi o motivo da perda da causa, do que, obviamente, o advogado do autor estaria cônscio, mal se compreenderia que este aceitasse produzir dolosamente tal alegação que tivesse por falsa e sujeitar-se a ser responsabilizado pela  mesma.

Destarte, não pode concluir-se que o advogado do autor teve responsabilidade, e, muito menos, responsabilidade direta, como exige a norma, nesta alegação.

7.

Sumariando- artº 663º nº7 do CPC.

I - A prova da não verificação de facto pessoal, essencial à pretensão da parte¸ em contraponto à alegação, por esta, da sua verificação, implica a sua condenação como litigante de má fé, ao menos a título de negligência grosseira e grave.

II - Sendo o ponto de partida para a fixação do quantum da condenação por má fé o limite mínimo de duas Ucs, e indiciada complexidade nas relações das partes e algum grau de emoção e frustração no alegante faltoso, a condenação deste a tal título deve aproximar-se daquele limite, pelo que melhor se ajusta o valor de 5 Ucs em vez de dez.

III - A má fé do advogado exige uma clara, pessoal e direta  intervenção/responsabilização nos/pelos factos de que decorre a má fé do cliente, e não pode ser sancionada no processo, mas apenas pela respetiva ordem – artº 545º do CPC.

IV – Destarte, não preenche a previsão desta norma não ter o advogado diligenciado pela certificação da veracidade do facto alegado pelo cliente -perda de causa por falta do seu advogado a julgamento -  que consubstancia a má fé deste.

8.

Deliberação.

Termos em que se julga o recurso  do réu improcedente e se julga o recurso do autor parcialmente procedente e, agora, se condena o mesmo, como litigante de má fé, em cinco  5UCS.

Custas recursivas na proporção de metade por cada um dos recorrentes.

Coimbra, 2017.02.07.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Fonte Ramos